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Os Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação
Os Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação
Os Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação
E-book408 páginas4 horas

Os Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação

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Sobre este e-book

Passados 450 anos desde sua publicação, Os Lusíadas é uma enorme contribuição para a Língua Portuguesa, pelo seu nível de rebuscamento e formalidade.

O clássico "Os Lusíadas", de Camões, trata da viagem de Vasco da Gama à Índia, em 1498. A obra apresen

IdiomaPortuguês
EditoraWaggie LLC
Data de lançamento10 de ago. de 2021
ISBN9780578967691
Os Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação

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    Os Lusíadas (Anotado) - Filipe Rocha Garcia

    Sumário

    Sumário

    Dedicação

    Produção

    Introdução

    Canto Primeiro – Comentário

    Canto Primeiro

    Canto Segundo – Comentário

    Canto Segundo

    Canto Terceiro – Comentário

    Canto Terceiro

    Canto Quarto – Comentário

    Canto Quarto

    Canto Quinto – Comentário

    Canto Quinto

    Canto Sexto – Comentário

    Canto Sexto

    Canto Sétimo – Comentário

    Canto Sétimo

    Canto Oitavo – Comentário

    Canto Oitavo

    Canto Nono – Comentário

    Canto Nono

    Canto Decimo – Comentário

    Canto Decimo & último

    Dedicação

    Aos modernos navegantes.

    Produção

    Copyright © 2021 Waggie LLC

    Anotado por Filipe Rocha Garcia

    Editor Lucas Pozzi de Souza

    ISBN: 978-0-578-96769-1

    contato@oslusiadas.online

    Introdução

    A obra que agora tem em mãos, caro leitor, é um clássico da literatura portuguesa, e uma das grandes contribuições deste país para o mundo. Sua grandeza e grandiloquência só têm a contribuir para sua formação e para a ampliação de seus horizontes.

    Passados séculos desde sua publicação, Os Lusíadas é uma obra fundamental para entender a história de Portugal. O poema em si é uma enorme contribuição para a Língua Portuguesa pelo seu nível de rebuscamento e formalidade. Temos aqui além de um registro literário, um registro histórico.

    O autor, Luís de Camões, nasceu em 1524 ou 25, provavelmente advindo da comunidade autônoma espanhola de Galiza. Acredita-se que tenha sido um boêmio e que tenha circulado entre os aristocratas. Apesar de atualmente ser reconhecido poeta, Camões não fazia parte do círculo dos letrados. Pelo que se sabe, envolveu-se em toda sorte de brigas e confusões, tendo sido preso (na Índia em 1556) e até mesmo degredado (tendo se exilado na China logo após). Em tal ocasião, o navio onde estava naufragou, mas Camões sobreviveu, e diz a lenda que salvou o manuscrito d’Os Lusíadas a nado. Em 1569, o autor volta a Portugal.

    O poema épico que vai ler foi finalizado em 1571, e oferecido a Dom Sebastião. Após avaliação da Santa Inquisição (voltaremos ao assunto), foi concedido o alvará para a sua publicação. Publicado em 1572, pouco menos de um século depois da chegada dos portugueses às Américas, Os Lusíadas tem por objetivo glorificar a pátria e a história de Portugal, utilizando as grandes navegações como cenário. No entanto, ao mesmo tempo em que enaltece e glorifica, Camões também critica, retratando o europeu (mais especificamente o português) como alguém vaidoso, orgulhoso, ganancioso e incapaz de enxergar o mundo por um prisma que não o seu próprio.

    A obra tem, portanto, uma preocupação em retratar as coisas como são. Existe uma afirmação constante de que o que está sendo contado é a verdade – nada mais, nada menos. Camões compromete-se a narrar a viagem de Vasco da Gama até a Índia, com engenho e arte necessários. Para isso, a obra não só exalta o povo português, como também explora sua história e suas conquistas.

    Estruturalmente, o poema conta com 1.102 estrofes divididas em 10 cantos. Cada uma delas compostas por oito versos. Em sua maioria, esses versos são decassílabos heroicos (com as tônicas nas sílabas 6 e 10), mas eventualmente podemos ver alguns decassílabos sáficos (as tônicas aqui são nas sílabas 4, 8 e 10). Todos eles estão dispostos em oitava rima (ABABABCC), além das rimas internas. Essa métrica faz com que o poema seja bem delineado, com uma sonoridade ritmada e repetitiva.

    No que diz respeito a figuras de linguagem, podemos encontrar um uso bastante frequente de aliterações (Que um fraco rei fez fraca a forte gente), anáforas (Vistes que, com grandíssima ousadia/ Vistes aquela insana fantasia/ Vistes, e ainda vamos cada dia), apóstrofes (E tu, nobre Lisboa, que no mundo), comparações (Assim como a bobina, que cortada), gradações (Com mortes, gritos, sangue e cutiladas), hipérbatos (A Deus pedi que removesse os duros/ Casos, que Adamastor contou futuros), hipérboles (Oh! Gente forte e de altos pensamentos/ Que também dela hão medo os Elementos), onomatopeias (Pelas concavidades retumbando) e perífrases (Mas aquele que sempre a mocidade/ Tem no rosto perpétua).

    Camões segue o exemplo de Homero em Odisseia e divide sua obra em cinco partes:

    Proposição: apresentação do tema do poema e glorificação do povo português;

    Invocação: o eu-lírico invoca as Tágides, musas Rio Tejo, para que o inspirem na escrita da obra;

    Dedicatória: a obra é dedicada ao Rei D. Sebastião;

    Narração: a história em si;

    Epílogo: lamento do poeta, que enxerga em Portugal um país decadente e enfraquecido, sem a perspectiva de conquistar novas glórias no futuro.

    Em termos de estilo narrativo, Os Lusíadas se inicia in medias res (no meio da ação), durante a viagem de Vasco da Gama, que é quem narra a história de seu país ao rei de Melinde. Ao lerem esta obra com cuidado, poderão perceber que a viagem à Índia é na verdade uma representação das navegações portuguesas como um todo. Trata-se, como mencionado anteriormente, de um enaltecimento dos feitos do povo português, narrados na forma de uma única e heroica viagem.

    A figura dos deuses é bastante presente na obra. Eles por vezes protegem os navegadores e por vezes os perseguem, constituindo obstáculos em suas jornadas. Deve-se mencionar em especial Baco, deus romano do vinho que, ciumento e invejoso que é, arma diversas ciladas para os protagonistas.

    Na época de sua publicação, Os Lusíadas passou por um processo de aprovação por um censor, como era exigido pela Inquisição. A obra, no entanto, sofreu pouquíssima censura pelo Frei Bartolomeu Ferreira, que inclusive teceu elogios ao livro, premiando Camões, o que possibilitou uma renda anual de 15 mil réis ao autor. Em 1584, no entanto, o censor da segunda edição foi mais rigoroso, fazendo com que alguns versos fossem retirados ou modificados. O texto original, sem cortes, não seria publicado até 1840.

    Os Lusíadas demorou mais de uma década para ser escrito, e foi profundamente inspirado pelas epopeias Ilíada e Odisseia, ambas do poeta grego Homero, e da Eneida, de Virgílio.

    A linguagem da obra, com seus termos de época, sua sintaxe truncada e as inúmeras referências mitológicas e históricas podem dificultar um pouco a leitura nos dias de hoje, mas os principais elementos podem ser compreendidos com facilidade. É um poema épico, ou seja, tem como finalidade narrar uma história de feitos heroicos, fazendo bastante referência à mitologia (como acabamos de mencionar). Também como é característico da épica, Os Lusíadas é extremamente descritivo. Cada detalhe de cada batalha, paisagem e vestimenta é abordado. A ideia é fazer com que o leitor realmente visualize as cenas e seja transportado para o universo da obra.

    É importante lembrar que o gênero épico não deve ser confundido com tragédia. Na tragédia, a personagem principal está fadada à destruição, que ocorre ao fim da trama, após uma sequência lógica que culmina aí. O leitor – ou espectador – acompanha a história testemunhando momentos de angústia e tensão. Isso não existe na épica. As personagens aqui são rasas, sem maior aprofundamento ou desenvolvimento psicológico. Suas características são as mesmas no decorrer da história todo. Trata-se de uma leitura portanto, a ser feita de forma pausada e minuciosa.

    É também notável como a mitologia greco-romana e o cristianismo habitam o mesmo ambiente. Por exemplo, os navegantes portugueses têm a proteção dos deuses mitológicos quando tentam impor sua fé cristã aos mouros. Camões centra na figura do português a representação de toda a cultura ocidental. O oriental, o árabe não cristão, é quem é afrontado, e deve ser subjugado em termos de religião. Ao mesmo tempo, o erotismo é utilizado sem pudor (Ilha dos Amores), e os portugueses são protegidos o tempo todo por Vênus. E o inimigo no campo etéreo é Baco, representado como tendo chifres e rabo, da mesma forma que a representação clássica do Diabo no catolicismo. No entanto, podemos notar uma diferença de tratamento aqui: os deuses pagãos (não católicos) estão no plano da ficção, mas o cristianismo não. O autor deixa transparecer na obra sua convicção na fé cristã.  Esse é outro traço típico do Renascimento – a valorização da estética classicista em o abandono da religiosidade cristã.

    Além d’Os Lusíadas, Camões também é famoso por seus sonetos lírico-amorosos, entre os quais está o que se inicia pelo verso Amor é fogo que arde sem se ver, que já foi inclusive musicado pelo conjunto de rock Legião Urbana, em sua canção Monte Castelo, lançada em 1989.

    Canto Primeiro – Comentário

    O livro começa por enaltecer os feitos da famosa gente portuguesa, romantizando o peito ilustre lusitano. Neste canto, podemos ler a proposição (estrofes 1 a 3), a invocação (estrofes 4 e 5), a dedicatória (estrofes 6 a 18) e tem início a narração (da estrofe 19 em diante).

    A proposição nada mais é que o anúncio do eu-lírico ao leitor sobre o tema do poema, aquilo que vai ser abordado. Camões anuncia que vai cantar as armas, os barões, as memórias gloriosas e aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando ou seja, aqueles que se tornam imortais ao deixar sua marca na história portuguesa. Aqui já ficamos sabendo que se trata de uma grande glorificação dos feitos heroicos portugueses, que são aqui apresentados coletivamente e com uma mística que os coloca como superiores aos heróis da antiguidade clássica. Pode-se notar nesta parte o típico antropocentrismo (valorização do ser humano) do Renascimento, e a valorização da Antiguidade Clássica, também bastante comum nessa época.

    Ainda antes de a narrativa se iniciar, o eu-lírico pede que as Tágides, as ninfas do Rio Tejo o inspirem, apelando para a gratidão delas, já que sempre as canta em seus poemas. Aqui já pode-se perceber a preferência pelo estilo épico, ao invés do lírico. Mais uma vez aqui pode-se ver a valorização de Portugal: o autor escolheu um rio português como local de habitação de suas musas inspiradoras.

    Ainda antes do início da narrativa, Camões dedica a sua obra ao Rei Dom Sebastião, morto em uma batalha na África, e considerado o último grande rei português. Ele representa tanto a grandeza de Portugal como a ampliação do mundo cristão. O autor apresenta o rei ainda menino, já que tinha apenas 14 anos quando assumiu o trono. Camões pede ainda para que seus versos vossos sejam (ou seja, que o rei faça dele os versos do poeta). Nas estrofes 6, 7 e 8, D. Sebastião é louvado tanto por sua ascendência cristã quanto pelo ilustre reino que tem sob seu comando. Logo em seguida (estrofes 9 a 14) o autor pede ao rei que leia sua obra, afirmando que não escrevia sobre fatos fantásticos, mas sim contava a verdade, uma história real. E termina pedindo que o rei continue os feitos heroicos que estão prestes a ser narrados (estrofes 15 a 18).

    E é só na estrofe 19 (como mencionado logo acima) que tem início a narração da viagem de Vasco da Gama. A armada encontra-se já no Oceano Índico quando Júpiter convoca um conselho (o Concílio dos Deuses no Olimpo) para que se decida se os navegantes vão conseguir chegar à Índia ou não. Júpiter elogia o povo português, exaltando seus feitos, e quer ajudá-los (Que sejam, determino, agasalhados nesta costa africana, como amigos, e tendo guarnecida a lassa frota tornarão a seguir sua longa rota) Por outro lado, Baco e Netuno opõem-se. Vênus, afeiçoada à gente lusitana, manifesta-se a favor de Vasco da Gama e sua nau, e instaura-se uma grande confusão no conselho. Há então a poderosa intervenção de Marte, que intimida Apolo (amante de Vênus). Este intercede pelos portugueses, dizendo que não só eles merecem ter sucesso, como Júpiter não poderia voltar atrás em sua palavra.

    Aqui se faz bastante presente a ideia, ainda hoje bastante difundida de destino – ou fado, nos termos da obra. As duas últimas estrofes referentes ao concílio tratam da ideia de que o fado vai inevitavelmente se cumprir e, ao contrário do que se espera, Júpiter dá o conselho por terminado sem que haja debate.

    A trajetória dos heróis tem início com os portugueses já em Moçambique, sendo bem tratados pelos muçulmanos, por estes pensarem que os navegantes fossem turcos. Quando descobrem que se trata de católicos, o quadro muda e Baco se aproveita da situação, que se disfarça de conselheiro dos mouros para os influenciar. Após perderem a batalha, enviam um falso piloto, que deve levá-los ao porto de Duíloa, onde seriam atacados. Mas Vênus intervém, desviando o navio da rota e salvando os portugueses. Estes então vão parar em Mombaça, passando ambos os pontos sugeridos pelo falso piloto.

    É importante, caro leitor, que se note como este episódio contribui para a ideia de herói nacional, engrandecido e louvado. Júpiter, em sua fala elogiosa, menciona o grande valor da forte gente de Luso. Baco opõe-se aos portugueses por medo de ser esquecido, pois estes podem muito bem destruir o poder que ele exerce sobre o oriente – ele teme agora que seja sepultado seu tão célebre nome em negro vaso da água do esquecimento. São utilizados termos como gente Lusitana, grande estrela e fortes corações. Marte revela em sua fala um grande respeito pela gente forte.

    Ao final deste canto há uma reflexão sobre os inevitáveis perigos que espreitam o ser humano a todo momento. É uma chamada para a insegurança que nos acomete e para nossa pequenez perante os deuses.

    Canto Primeiro

    As armas e os barões assinalados,

    Que da ocidental praia Lusitana,

    Por mares nunca de antes navegados,

    Passaram ainda além da Taprobana,

    Em perigos e guerras esforçados,

    Mais do que prometia a força humana,

    E entre gente remota edificaram

    Novo Reino, que tanto sublimaram;

    2

    E também as memórias gloriosas

    Daqueles Reis, que foram dilatando

    A Fé, o Império, e as terras viciosas

    De África e de Ásia andaram devastando;

    E aqueles, que por obras valerosas

    Se vão da lei da morte libertando;

    Cantando espalharei por toda parte,

    Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

    3

    Cessem do sábio Grego e do Troiano

    As navegações grandes que fizeram;

    Cale-se de Alexandro e de Trajano

    A fama das vitórias que tiveram;

    Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

    A quem Netuno e Marte obedeceram:

    Cesse tudo o que a Musa antígua canta,

    Que outro valor mais alto se alevanta.

    4

    E vós, Tágides minhas, pois criado

    Tendes em mim um novo engenho ardente,

    Se sempre em verso humilde celebrado

    Foi de mim vosso rio alegremente,

    Dai-me agora um som alto e sublimado,

    Um estilo grandíloquo e corrente,

    Porque de vossas águas, Febo ordene

    Que não tenham inveja às de Hipocrene.

    5

    Dai-me uma fúria grande e sonorosa,

    E não de agreste avena ou frauta ruda,

    Mas de tuba canora e belicosa,

    Que o peito acende e a cor ao gesto muda;

    Dai-me igual canto aos feitos da famosa

    Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;

    Que se espalhe e se cante no universo,

    Se tão sublime preço cabe em verso.

    6

    E vós, ó bem-nascida segurança

    Da Lusitana antígua liberdade,

    E não menos certíssima esperança

    De aumento da pequena Cristandade;

    Vós, ó novo temor da Maura lança,

    Maravilha fatal da nossa idade,

    Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,

    Para do mundo a Deus dar parte grande;

    7

    Vós, tenro e novo ramo florescente

    De uma árvore de Cristo mais amada

    Que nenhuma nascida no Ocidente,

    Cesárea ou Cristianíssima chamada;

    (Vede-o no vosso escudo, que presente

    Vos amostra a vitória já passada,

    Na qual vos deu por armas, e deixou

    As que Ele para si na Cruz tomou)

    8

    Vós, poderoso Rei, cujo alto Império

    O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;

    Vê-o também no meio do Hemisfério,

    E quando desce o deixa derradeiro;

    Vós, que esperamos jugo e vitupério

    Do torpe Ismaelita cavaleiro,

    Do Turco oriental, e do Gentio,

    Que inda bebe o licor do santo Rio;

    9

    Inclinai por um pouco a majestade,

    Que nesse tenro gesto vos contemplo,

    Que já se mostra, qual na inteira idade,

    Quando subindo ireis ao eterno templo;

    Os olhos da real benignidade

    Ponde no chão: vereis um novo exemplo

    De amor dos pátrios feitos valerosos,

    Em versos divulgado numerosos.

    10

    Vereis amor da pátria, não movido

    De prémio vil, mas alto e quase eterno:

    Que não é prémio vil ser conhecido

    Por um pregão do ninho meu paterno.

    Ouvi: vereis o nome engrandecido

    Daqueles de quem sois senhor superno,

    E julgareis qual é mais excelente,

    Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

    11

    Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,

    Fantásticas, fingidas, mentirosas,

    Louvar os vossos, como nas estranhas

    Musas, de engrandecer-se desejosas:

    As verdadeiras vossas são tamanhas,

    Que excedem as sonhadas, fabulosas;

    Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro,

    E Orlando, inda que fora verdadeiro.

    12

    Por estes vos darei um Nuno fero,

    Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço,

    Um Egas, e um Dom Fuas, que de Homero

    A cítara para eles só cobiço.

    Pois pelos doze pares dar-vos quero

    Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço;

    Dou-vos também aquele ilustre Gama,

    Que para si de Eneias toma a fama.

    13

    Pois se a troco de Carlos, Rei de França,

    Ou de César, quereis igual memória,

    Vede o primeiro Afonso, cuja lança

    Escura faz qualquer estranha glória;

    E aquele que a seu Reino a segurança

    Deixou com a grande e próspera vitória;

    Outro Joane, invicto cavaleiro,

    O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.

    14

    Nem deixarão meus versos esquecidos

    Aqueles que nos Reinos lá da Aurora

    Se fizeram por armas tão subidos,

    Vossa bandeira sempre vencedora:

    Um Pacheco fortíssimo, e os temidos

    Almeidas, por quem sempre o Tejo chora;

    Albuquerque terrível, Castro forte,

    E outros em quem poder não teve a morte.

    15

    E enquanto eu estes canto, e a vós não posso,

    Sublime Rei, que não me atrevo a tanto,

    Tomai as rédeas vós do Reino vosso,

    Dareis matéria a nunca ouvido canto:

    Comecem a sentir o peso grosso

    (Que pelo mundo todo faça espanto)

    De exércitos e feitos singulares,

    De África as terras, e do Oriente os mares.

    16

    Em vós os olhos tem o Mouro frio,

    Em quem vê seu exício afigurado;

    Só com vos ver o bárbaro Gentio

    Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;

    Tethys todo o cerúleo senhorio

    Tem para vós por dote aparelhado;

    Que afeiçoada ao gesto belo e tenro,

    Deseja de comprar-vos para genro.

    17

    Em vós se vêm da Olímpica morada

    Dos dois avôs, as almas cá famosas,

    Uma na Paz Angélica dourada,

    Outra pelas batalhas sanguinosas;

    Em vós esperam ver-se renovada

    Sua memória e obras valerosas.

    E lá vos tem lugar no fim da idade,

    No templo da suprema eternidade.

    18

    Mas enquanto este tempo passa lento

    De regerdes os povos, que o desejam,

    Dai vós favor ao novo atrevimento,

    Para que estes meus versos vossos sejam;

    E vereis ir cortando o salso argento:

    Os vossos Argonautas, por que vejam,

    Que são vistos de vós no mar irado,

    E costumai-vos já a ser invocado.

    19

    Já no largo Oceano navegavam,

    As inquietas ondas apartando,

    Os ventos brandamente respiravam,

    Das naus as velas côncavas inchando;

    Da branca escuma os mares se mostravam

    Cobertos, onde as proas vão cortando.

    As marítimas águas consagradas,

    Que do gado de Próteo são cortadas.

    20

    Quando os Deuses no Olimpo luminoso,

    Onde o governo está, da humana gente

    Se ajuntam em concílio glorioso,

    Sobre as cousas futuras do Oriente.

    Pisando o cristalino Céu formoso,

    Vêm pela Via-Láctea, juntamente

    Convocados da parte do Tonante,

    Pelo neto gentil do velho Atlante.

    21

    Deixam dos sete Céus o regimento,

    Que do poder mais alto lhe foi dado,

    Alto poder, que só co pensamento

    Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado.

    Ali se acharam juntos num momento,

    Os que habitam o Arcturo congelado.

    E os que o Austro tem, e as partes onde

    A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.

    22

    Estava o Padre ali sublime e dino,

    Que vibra os feros raios de Vulcano,

    Num assento de estrelas cristalino,

    Com gesto alto, severo e soberano.

    Do rosto respirava um ar divino,

    Que divino tornara um corpo humano;

    Com uma coroa e cetro rutilante,

    De outra pedra mais clara que diamante.

    23

    Em luzentes assentos, marchetados

    De ouro e de perlas, mais abaixo estavam

    Os outros Deuses todos assentados,

    Como a Razão, e a Ordem concertavam.

    Precedem os antíguos mais honrados,

    Mais abaixo os menores se assentavam;

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