Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2
Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2
Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2
E-book533 páginas17 horas

Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este segundo volume dos Sermões de São João Maria Vianney (1786-1859), intitulado Sermões do Domingo de Quasímodo ao XI Domingo de Pentecostes, contém as homilias do padroeiro dos sacerdotes do mundo inteiro sobre os seguintes temas: a Confissão pascal; a perseverança; as aflições; a oração; as rogações, as procissões, a abstinência e os Quatro Tempos; sobre desejar o céu e sacrificar-se por ele, a exemplo dos santos; o amor de Deus manifestado no Santíssimo Sacramento da Eucaristia; a santa missa; a misericórdia de Deus para com o pecador; a esperança; o segundo mandamento de Deus; a comunhão; a falsa e a verdadeira virtude; a mentira; a necessidade de fazer boas obras; o julgamento particular; as lágrimas de Jesus Cristo; o orgulho e a humildade; o juízo temerário contra o próximo; o ato de difamar o próximo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de ago. de 2021
ISBN9786555623161
Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2

Relacionado a Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2

Títulos nesta série (12)

Visualizar mais

Ebooks relacionados

Cristianismo para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Sermões do domingo de Quasímodo ao XI domingo de Pentecostes - Vol 7/2 - São João Maria Vianney o cura D' Ars

    DOMINGO DE QUASÍMODO⁶⁶

    Sobre a confissão pascal

    Erat autem proximum Pascha, dies festus Judaeorum.

    Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus (Jo 6,4).

    Sim, meus irmãos, eis que chegou e passou esse tempo feliz em que tantos cristãos deixaram o pecado, o demônio, e tiraram suas pobres almas das garras do inferno, para restabelecer-se sob o jugo suave do Salvador. Ah! Quisera Deus que nós tivéssemos nascido no tempo feliz dos primeiros cristãos, que viam chegar esse momento com santo júbilo! Ó belo dia! Ó dia de salvação e de graça, o que fizeram de ti? Onde estão as alegrias santas e celestes que constituem a felicidade dos filhos de Deus? Sim, meus irmãos, ou esse tempo de graça concorrerá para nossa salvação ou concorrerá para nossa perdição: ele será a causa de nossa felicidade, se correspondermos às graças que nos são oferecidas neste momento precioso, ou concorrerá para nossa perdição, se não fizermos bom proveito ou se abusarmos dele. "Mas – você me dirá – o que quer dizer a palavra Páscoa? – Então você não sabe, meu amigo? Pois bem! Escute e você saberá. Quer dizer passagem", isto é, saída (e passagem) da morte do pecado para a vida da graça. A partir disso, vocês verão se suas páscoas são boas, e se vocês podem permanecer tranquilos, principalmente vocês, pessoas de bem, que se contentam em cumprir o mandamento da Igreja, que é fazer somente uma confissão e uma comunhão por ocasião da Páscoa.

    I. Por que, meus irmãos, a Igreja estabeleceu o santo tempo da Quaresma? Você me dirá: A fim de nos preparar para celebrar dignamente o santo tempo da Páscoa, que é um tempo em que o bom Deus parece redobrar suas graças, e despertar o remorso de nossas consciências para nos fazer sair do pecado. – Muito bem, meu amigo, é o que lhe ensina seu catecismo; mas e se eu perguntasse a uma criança qual é o pecado dos que não fazem a páscoa? Ela me responderia simplesmente que é um grande pecado mortal; e se eu lhe dissesse: quantos pecados mortais são necessários para ser condenado? Ela me diria: Somente um é suficiente, quando se morre sem ter obtido o perdão. Pois bem, meu amigo, o que você pensa disso? Você não fez a páscoa? Não – você me dirá. Pois bem: porquanto você não fez a páscoa e deixar de fazê-la constitui um pecado mortal, você será condenado. O que você acha disso, meu amigo? Isso não o incomoda? Ah! O senhor tem razão, você diz para si mesmo; mas, se eu estou condenado, não estarei sozinho. – No momento certo, se isso não o incomoda, se para você tanto faz ser condenado como ser salvo, será preciso também se consolar; se você espera aliviar sua desgraça referindo que não estará sozinho, então não precisará mais se preocupar.

    Pobre alma! O que dizes da linguagem usada por esse corpo de pecado em que tens a infelicidade de habitar? Oh! Quantas lágrimas derramarás por toda a eternidade! Oh! Quantos gemidos! Oh! Quantos gritos soltarás em meio às chamas, sem delas esperar sair! Oh! Como és infeliz por teres custado tanto a Jesus e por teres te separado dele para sempre!

    Por que, meu irmão, você não fez a páscoa? Você me dirá: Porque não quis. Mas, se você morrer nesse estado, será condenado. Não ligo. Pois bem, me diga uma coisa: você acredita ter uma alma? Ah! Sei que tenho uma alma. Mas talvez você pense que, quando morrer, tudo terá terminado. Ah! Você pensa consigo mesmo: Eu sei bem que nossa alma será feliz ou infeliz, de acordo com o bem ou o mal que tiver feito. E quem pode torná-la infeliz? O pecado, você me dirá. Você se sente com culpa de pecado, logo concluo que está condenado. Não é que você veio, meu amigo, uma ou duas vezes se confessar? Mas não passou disso. Por que isso? É que você não quis corrigir-se, preferindo tanto viver no pecado como ser condenado a deixá-lo para ser salvo. Você quer ser condenado? Pois bem, não se preocupe: assim será.

    Não é, minha irmã? Você deixou a Páscoa passar sem se confessar, vivendo a Quaresma no pecado, e a Páscoa também. Por que isso? Eis a razão: é que você não tem mais religião, perdeu a fé, não pensa senão em deleitar-se um pouco no mundo, esperando para ser lançada nas chamas. Nós a veremos, minha irmã, sim, nós a veremos um dia. Sim, veremos suas lágrimas, seu desespero. Eu a reconhecerei – creio –, você se perderá, você que se esforça para isso. Sim, meus irmãos, tiremos a venda, deixemos escondida toda essa sujeira nas trevas até o dia do juízo.

    Examinemos agora o que são a confissão e a comunhão daqueles que se contentam em fazê-las apenas uma vez por ano, e veremos se estão em condição de ficar tranquilos ou não. Meu amigo, se, para fazer uma boa confissão, bastasse pedir perdão a Deus, declarar os pecados e fazer algumas penitências, o pecado, que a religião nos mostra como um monstro, não teria nada que devesse nos espantar; nada seria mais fácil do que reparar a perda da graça de Deus (e seguir o caminho que conduz ao céu e que é tão difícil, segundo o próprio Jesus Cristo). Escute o que Ele diz àquele rapaz, que lhe perguntava se muitos seriam salvos e se o caminho que conduz ao céu é muito difícil de seguir. O que lhe responde o Salvador? Oh! Como esse caminho é estreito! Oh! Como são poucos os que vão até o fim após tê-lo iniciado!.⁶⁷ Com efeito, meu irmão, depois de ter vivido um ano inteiro sem incômodo, sem obrigação, estando ocupado apenas com seus negócios temporais, com seus bens, ou ainda com seus prazeres, sem dar-se o trabalho de corrigir-se, nem de trabalhar para adquirir as virtudes que lhe faltam, você virá somente na quinzena de Páscoa, sempre o mais tarde possível, contar seus pecados como se estivesse contando uma história, e lerá num livro algumas orações ou inventará outras durante algum tempo. Com isso, você terá feito sua parte, e seguirá com sua rotina; você fará o que fez, viverá como de costume: você foi visto nos jogos e nos cabarés, e voltará a sê-lo; encontraram-no na dança e nos bailes, e voltarão a encontrá-lo lá também, e assim por diante. Nas próximas Páscoas, você fará a mesma coisa. Assim você fará esse comércio até a morte, isto é, o sacramento da penitência, em que Deus parece esquecer sua justiça para manifestar apenas sua misericórdia, não será para você mais do que um jogo ou um divertimento. Você sabe muito bem, meu amigo, que, se suas confissões não têm nada de melhor, você pode muito bem concluir que elas não valem nada, para não dizer outra coisa.

    II. Mas, para convencê-los ainda melhor, examinemos a coisa mais de perto. Para fazer uma boa confissão, que possa reconciliar-nos com Deus, precisamos detestar nossos pecados de todo o nosso coração, não porque somos obrigados a dizer coisas ao padre que gostaríamos de poder esconder a nós mesmos; mas precisamos nos arrepender por ter ofendido a um Deus tão bom, por ter permanecido tanto tempo no pecado, desprezando todas as suas graças, pelas quais Ele nos solicitava que mudássemos. Eis, meus irmãos, o que deve fazer verterem nossas lágrimas e dilacerar nosso coração.

    Diga-me, meu amigo, se você tivesse essa verdadeira dor, você não se apressaria para reparar o mal que é causa dela e para reconciliar-se logo com Deus? O que você diria de um homem que, tendo intempestivamente rompido com seu amigo, ao reconhecer sua culpa, imediatamente se arrepende? Por acaso não buscaria um modo de se reconciliarem? Se seu amigo fizesse algumas tentativas junto dele para isso, ele não aproveitaria a oportunidade? Mas, ao contrário, se ele desprezasse tudo, você não teria razão de dizer que ele parece indiferente quanto a estar bem ou mal com aquela pessoa? A comparação é sensível. Aquele que teve a desgraça de cair no pecado, seja por fraqueza ou surpresa, ou mesmo por malícia, se tiver um verdadeiro arrependimento, poderá permanecer tanto tempo nesse estado? Não recorrerá imediatamente ao sacramento da penitência? Ao contrário, se permanecer um ano no pecado e sentir a aproximação do santo tempo da Páscoa com incômodo, porque deverá se confessar; se, longe de se apresentar ao tribunal da penitência no começo da Quaresma, a fim de ter algum tempo para fazer penitência, e não passar logo em seguida do pecado à mesa santa; se não quiser ouvir falar da confissão senão na Páscoa, confissão que ele retardará até quinze dias depois da Páscoa, quando virá se apresentar com as mesmas disposições de um criminoso que se conduz à pena de morte: que significado tem isso, meu amigo? Significa que, se as Páscoas se prolongassem até Pentecostes, você só se confessaria em Pentecostes, ou se elas só acontecessem a cada dez anos, você só se confessaria a cada dez anos; e, por fim, que, se a Igreja não lhe desse um mandamento, você só se confessaria no momento da morte. O que pensa disso, meu irmão? Não é, meu amigo, nem o remorso por ter ofendido a Deus que o impulsiona a se confessar, nem o amor de Deus que o leva a fazer a Páscoa. Ah – você me dirá –, deve ser por algum motivo, nós não a fazemos sem ter um porquê. – Ah! Você não sabe nada! Você a faz por costume, para dizer que fez sua Páscoa, ou, se quisesse dizer a verdade, você diria que acrescentou a seus antigos pecados um pecado novo. Portanto, não é nem o amor de Deus, nem o remorso por tê-lo ofendido que o leva a confessar-se e a fazer sua Páscoa, nem mesmo o desejo de ter uma vida mais cristã. A prova disso é que, se você amasse o bom Deus, poderia consentir em cometer o pecado com tamanha facilidade e tamanho prazer? Se você tivesse horror ao pecado, como deveria ter, poderia mantê-lo um ano inteiro em sua consciência? Se tivesse o verdadeiro desejo de ter uma vida mais cristã, não se poderia ver ao menos alguma pequena mudança em sua maneira de agir?

    Não, meus irmãos, não quero falar-lhes hoje dos infelizes que não dizem senão a metade de seus pecados, com receio de não poder comungar pela Páscoa ou de serem expulsos; ou talvez, ainda, para cobrir sua vida vergonhosa com o véu da virtude. Eles, nesse estado, se aproximam da mesa santa para consumir sua reprovação e entregar seu Deus ao demônio, vomitando suas almas no inferno.

    Ouso esperar que isso não lhes diga respeito. Contudo, continuarei a lhes dizer que as confissões de um ano não têm nada que possa tranquilizá-los. Mas – você me dirá – o que se deve fazer para que uma confissão seja boa? – Você quer saber, meu amigo? Então, escute-o bem, e você verá se está seguro. Para que sua confissão mereça o perdão, ela precisa ser humilde e sincera, acompanhada de uma verdadeira dor, causada pelo remorso de ter ofendido a Deus, e não pelos castigos que o pecado merece, com um firme propósito de não mais pecar no futuro. A partir disso, enfatizo que é muito difícil que todas essas disposições se encontrem naqueles que se confessam apenas uma vez por ano: você verá por quê. O que vem a ser um cristão aos pés do padre, a quem faz a confissão de seus pecados? Trata-se de um pecador que vem com dor no coração, e se lança aos pés de seu Deus como um criminoso diante de seu juiz, a fim de acusar-se a si mesmo e pedir sua graça. Como ele se acusará? Da seguinte maneira: Sou um criminoso indigno de ser chamado de filho; vivi até agora de um modo contrário ao que minha religião mandava; não senti senão desgosto por tudo o que dizia respeito ao serviço de Deus; os dias santos de domingo e de festa não foram para mim senão dias de prazer e libertinagem, ou, por melhor dizer, não fiz nada até agora; estou perdido e condenado se Deus não tiver piedade de mim. Esses são, meus irmãos, os sentimentos de um cristão que tem horror ao pecado.

    Mas – diga-me – é assim que se acusam aqueles que acham que não é muito tempo ficar doze meses no pecado, que acham que a Páscoa sempre chega logo? Ai! Meu Deus! O Senhor vê essas confissões de um ano, feitas por esses pobres infelizes, que não as fazem senão com desgosto mortal! Oh! Não, não, meu amigo, já não é mais um criminoso coberto de vergonha e consumido pela dor de ter ofendido a Deus aquele que se humilha, se acusa a si mesmo, que pede um perdão do qual se reconhece infinitamente indigno. Mas... Ai! Ousarei dizê-lo? É um homem que parece contar uma história e a conta mal; que trata de se desfigurar, a fim de parecer o menos culpado possível. Pensando bem, não foi ele que cometeu esse pecado de impureza, foi outra pessoa que o levou a isso, como se ele não pudesse não seguir seu conselho. Não foi ele que se encolerizou, mas seu vizinho que lhe disse uma palavra indevida. Ele faltou à missa, é verdade, mas a culpa foi daqueles em companhia de quem ele estava. Uma vez em que comeu carne, num dia de jejum e abstinência, ele não o teria feito se não lhe tivessem pedido. Ele falou mal [de alguém], mas foi aquele que estava com ele que o levou a pecar. Para ser mais claro: o marido acusa a esposa, e a esposa, o marido; o irmão, a irmã, e a irmã, o irmão; o patrão, o empregado, e o empregado trata de, sempre que possível, descarregar-se em cima do patrão. Ao recitar o confiteor,⁶⁸ eles se acusam a si mesmos, dizendo: Por minha culpa; dois minutos depois, desculpam-se a si mesmos e acusam os outros. Nenhuma humildade, nenhuma sinceridade e nenhuma dor: são exatamente essas as disposições daqueles que se confessam unicamente uma vez por ano. Um pobre pastor verá bem que, pelo modo como se acusam, eles não têm de modo nenhum as disposições necessárias para receber a absolvição. Assim, ele quer lhes dar algum tempo para impedir que façam algum sacrilégio, mas o que eles fazem? Escute-os: murmuram dizendo que não têm tempo de voltar e que, em uma próxima vez, não estarão mais tão dispostos; e eles acabam lhe dizendo que, se você não quiser recebê-los, procurarão um confessor menos escrupuloso, que os receberá bem... Como se ele não pudesse viver sem eles... Como são cegos! Considere, a partir disso, quais são suas disposições. O padre percebe, pelo modo como se acusam, que eles não dizem tudo. Ele é obrigado a lhes fazer mil perguntas; eles não dizem nem o número, nem as circunstâncias, que mudam a espécie. Há certos pecados que eles não gostariam de dizer, nem de esconder. Então o que fazem? Eles os dizem pela metade, como se o padre pudesse saber o que se passa em seu coração. Alguém, por exemplo, se contenta em contar os pecados por cima, sem distinguir os pensamentos dos desejos. O padre lhe dirá:

    – Você nunca teve pensamentos de orgulho, vaidade, vingança ou impureza? Você sabe que todas essas coisas são pecados mortais quando se permanece nelas voluntariamente. Você cometeu algumas dessas faltas?

    – Talvez sim – ele dirá –, mas não me lembro bem.

    – Mas é preciso dizer aproximadamente o número; caso contrário, sua confissão não vale nada.

    – Ah, senhor, como quer que eu me lembre de todos os pensamentos que tive durante o ano? Isso é impossível.

    Ah, meu Deus, que confissões são essas, ou melhor, que sacrilégios! Não, meus irmãos, quase nunca as pessoas se acusam das circunstâncias que agravam o pecado e que podem torná-lo mortal. Escutem como alguém se acusa:

    – Embriaguei-me, caluniei meu próximo, pequei contra a santa virtude da pureza, discuti, me vinguei.

    Se o confessor não fizer nenhuma pergunta, não haverá nada além disso.

    – Mas – lhe dirá o confessor – quantas vezes isso aconteceu? Você cometeu algum desses pecados na igreja? No dia santo de domingo? Diante de seus filhos, de seus empregados? Havia muita gente? A reputação de seu próximo foi prejudicada? Esses pensamentos de orgulho lhe vieram na igreja, durante a santa missa? Você permaneceu neles por muito tempo? Esses pensamentos contrários à santa virtude da pureza foram acompanhados por maus desejos de cometê-los? Este outro pecado, foi por surpresa ou por malícia? Por acaso você não acumulou pecado sobre pecado, considerando ser indiferente confessar muito ou pouco?

    Há aqueles que não se contentam em não dar nenhum detalhe de seus pecados, dizendo ainda que não têm nada a censurar-se por isso, que não têm tempo, que precisam ir.

    – Você não tem tempo, meu amigo? Pois bem, então pode ir! Quer vá, quer fique, para você tanto faz.

    Ó meu Deus! Que disposições! Ó meu Deus! Esses são pecadores que vêm para chorar seus pecados? No entanto, é preciso convir que há aqueles que fazem o possível para examinar-se bem, e que contam seus pecados o melhor que podem; porém, com tamanha indiferença, tamanha frieza e tamanha insensibilidade que causam grande dor ao coração de um pobre padre. Nenhum suspiro, nenhum gemido, nenhuma lágrima! Nenhum sinal anunciando a dor que lhes causam seus pecados! Para dar-lhes a absolvição, o padre precisa estar convencido de que eles têm disposições melhores do que as demonstradas. Sei bem que as lágrimas e os suspiros não são marcas infalíveis de contrição, nem de conversão. Com frequência, ocorre de alguns chorarem seus pecados no tribunal da penitência, mas nem por isso são mais cristãos. Mas também é bastante difícil contar com tamanha frieza e indiferença o que deve necessariamente nos contristar e despertar nossas lágrimas. Se um homem estivesse certo de que receberia sua graça fazendo a confissão de seus crimes, eu os convido a pensar se ele poderia inclusive declará-los sem derramar lágrimas, na esperança de que seu exterior tocará o coração de seu juiz, que lhe dará o perdão. Imaginem um doente mostrando suas feridas ao médico; imediatamente, vocês ouvem seus suspiros e veem suas lágrimas caindo. Imaginem um amigo que lhes fará o relato de suas agruras: seus gestos, seu tom de voz, seu modo de se expressar, tudo nele retrata sua agonia e sua dor. Por que, meus irmãos, nada disso aparece quando acusamos nossos pecados? Não é, meu amigo? Você não sabia? Você sempre fica surpreso? Pois bem, vou lhe dizer por quê. É que seu coração não foi mais tocado que suas palavras, e seu interior é semelhante a seu exterior, de modo que seus pecados não lhe causam mais dor do que você deixa transparecer. Isso é bem fácil de perceber, pois, depois da Páscoa, você continua sendo pouco cristão, e não é nem mais sábio, nem menos pecador que antes.

    III. Nós dissemos que o arrependimento por ter ofendido a Deus, quando é verdadeiro, deve necessariamente conter uma vontade sincera de não mais pecar; que, quando essa vontade for sincera, nos levará a permanecer vigilantes; a rejeitar todos esses maus pensamentos, seja de vingança, seja de impureza, assim que os percebermos; a furtar-nos às ocasiões que nos levaram ao pecado; ou, ainda, a nada negligenciar para nos corrigir de nossos maus hábitos. Pois bem, meu amigo, sua vontade de não mais ofender ao bom Deus não foi sincera, pois você continua a ser visto nos cabarés; encontraram-no ainda hoje em companhia da pessoa com quem você cometeu aquele pecado. Você concordará comigo que não fez nenhum esforço para viver melhor do que fez durante o ano. Por que isso, meu amigo? Por quê? Pelo fato de que você não deseja de modo nenhum se corrigir, sua confissão não passou de uma mentira e sua contrição, de um espectro de penitência.

    Você quer uma segunda prova? Pois então: de que você se acusava no ano passado? De embriaguez, impureza, orgulho, cólera, negligência no serviço de Deus? E de que você se acusa este ano? Da mesma coisa. E de que você se acusará no próximo ano, se ainda estiver vivo? Ainda da mesma coisa. Por que isso, meu irmão? Porque você não deseja de modo nenhum levar uma vida mais cristã, mas você se confessa somente por desencargo de consciência e para dizer que fez a Páscoa; ou, se você dissesse a verdade, diria que se confessa todos os anos para acrescentar um novo pecado aos antigos: então, dizendo isso, você diria o que está fazendo. Logo, você não percebe que é o demônio que o engana. Se ele lhe sugerisse abandonar tudo, a você que tem o hábito de se confessar uma vez por ano, você ficaria horrorizado, sem querer acreditar. Mas, para um dia ganhá-lo, ele se contenta em mantê-lo sempre em seus maus hábitos. Você duvida do que estou dizendo? Examine sua conduta e veja se você se corrigiu de algum dos pecados que há tanto tempo confessa todos os anos; ou se, para ser mais claro, você afundou ainda mais nos abismos.

    Mas – você me dirá – isso não é muito convidativo a nos levar a fazer a Páscoa. – É verdade, mas por que eu haveria de enganá-lo? Já é suficiente o que o demônio faz, sem a minha ajuda. Eu lhe digo a verdade tal qual ela é; em seguida, você fará o que quiser. Eu me comporto em relação a vocês como um médico em meio a grande número de doentes: ele começa receitando a cada um os remédios adequados para recuperar a saúde; aqueles que desprezam tais remédios, ele os deixa de lado, mas aqueles que querem tomá-los, ele os instrui acerca de como tomá-los, dizendo o grande bem que farão se os receberem com todas as preparações que ele lhes indicar e, ao mesmo tempo, o mal que esses remédios lhes farão se eles não fizerem tudo o que ele orientar antes de tomá-los. Sim, meus irmãos, também faço isso, ao levá-los a considerar quão grandes são as vantagens que os sacramentos nos prometem; ou, melhor dizendo, que, se não frequentarmos os sacramentos, jamais veremos a face de Deus, e podemos estar certos de que seremos condenados. Para aqueles que, seja por ignorância, seja por impiedade, desprezam esses remédios salutares, os únicos capazes de reconciliá-los com o bom Deus, faço como o médico que deixa de lado os que não querem seus remédios. Mas aqueles que testemunham o desejo de tomá-los, é preciso urgentemente fazê-los conhecer as disposições que devem ter. Penso, meus irmãos, que tudo o que acabo de lhes dizer talvez lhes causará alguma inquietação em relação a suas confissões passadas: desejo-o de todo o coração, a fim de que, estando vivamente tocados pela graça do bom Deus e pelos remorsos de consciência, vocês usem os meios que Deus lhes oferece ainda hoje para deixar o pecado.

    Mas – você me dirá – o que se deve fazer para corrigir tudo isso? – Você quer saber e fazer, meu amigo? Você precisa refazer suas confissões, desde o momento em que considerar tê-las feito sem contrição; você se acusará do número de confissões e comunhões, e dirá se disfarçou algum pecado, se fez algum esforço para não voltar a cometê-lo. Para que suas confissões possam consolá-lo, é preciso que cada uma delas tenha operado em você alguma mudança; é preciso que você faça conforme o Evangelho de Páscoa, que nos diz que Jesus Cristo, tendo saído do túmulo, não voltou mais para lá. De igual maneira, tendo-se confessado de seus pecados, você não deve mais voltar a cometê-los. Você precisa fazer nascer em seu coração a mansidão, a bondade e a caridade, em vez daquela cólera e daquele ar de desprezo que você manifestava diante da mínima injúria que lhe faziam. Você deixava de fazer as orações da manhã e da noite, ou era visto fazendo-as sem atenção nem respeito; agora, se você verdadeiramente deixou o pecado, será visto fazendo-as todas as manhãs e todas as noites com aquele respeito e aquela atenção que o pensamento da presença de Deus deve inspirar. Nos santos dias de domingo, você era visto entrando na igreja quando os ofícios já estavam bem adiantados; agora, se você tiver feito bem a Páscoa, será visto cedo na igreja, preparando-se para assistir santamente a essa grande ação.

    Aquela mãe será vista – em vez de correndo de casa em casa, fofocando sobre o comportamento de um e de outro – ocupada em seus afazeres, instruindo os filhos; ou, melhor dizendo, a virtude aparecerá em tudo o que ela fizer. Ela fará como aquela jovem que, durante algum tempo, se entregara aos prazeres, inclusive os mais vergonhosos; contudo, tendo refletido sobre o estado terrível em que estava mergulhada, e tendo horror de si mesma, converteu-se. Algum tempo depois, ela encontrou um jovem com o qual amiúde correra atrás de prazeres; ele começou a dirigir-se a ela com a mesma linguagem de antigamente. Ela o olhou com um ar de desprezo e indignação, lembrando-se de como esse infeliz havia sido a causa de ela ter ofendido ao bom Deus. Espantado, ele lhe disse que certamente ela não o conhecia mais.

    – Ah, infeliz, eu o conheci muito bem! Vejo exatamente que você continua sendo o mesmo, sepultado na lama do crime; mas, quanto a mim, graças a Deus, já não sou mais a mesma; deixei o maldito pecado que tanto desfigurara minha pobre alma. Ah! Não! Prefiro mil vezes morrer a voltar a cair nos mesmos pecados!

    Oh! Que belo exemplo para um cristão que teve a desgraça de pecar!

    Que devemos concluir de tudo isso? O seguinte, meus irmãos: se vocês não quiserem ser condenados, não devem contentar-se em confessar uma vez por ano; pois, sempre que vocês estiverem em estado de pecado, estarão em risco de nele perecer e de se perderem por toda a eternidade. De fato, se vocês tiverem sido infelizes por esconder algum pecado por medo ou vergonha, ou por tê-los confessado sem contrição, sem o desejo de corrigi-los, ou ainda, se, depois de tantos anos que vocês se confessam, não tiveram nenhuma mudança em suas vidas: concluam disso que todas as suas confissões não valem nada e, por conseguinte, não passaram de sacrilégios e abominação que os lançarão no inferno. Para os que não fazem a Páscoa, não tenho nada a dizer; porquanto querem, imperiosamente, condenar-se, são senhores de si. Choremos sua desgraça, rezemos por eles: a caridade que devemos ter uns pelos outros nos obriga a isso. Peçamos a Deus para não cairmos em tal cegueira! Resistamos corajosamente ao mundo e ao demônio! Suspiremos sem cessar por nossa verdadeira pátria, que é o céu, nossa glória, nossa recompensa e nossa felicidade. É o que lhes desejo!


    SEGUNDO DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA

    Sobre a perseverança

    Qui autem perseveraverit usque in finem, hic salvus erit.

    Quem perseverar até o fim será salvo (Mt 10,22).

    Aquele que – nos diz o Salvador – combater e perseverar até o final de seus dias, sem ser vencido, ou que, tendo caído, tiver se levantado e perseverado, será coroado, isto é, será salvo. Tais palavras, meus irmãos, deveriam nos fazer tremer e congelar de temor, se considerarmos, de um lado, os perigos aos quais estamos expostos, e, de outro, nossa fraqueza e o número dos inimigos que nos rodeiam. Não nos admiremos se os maiores santos deixaram seus pais e amigos, seus bens e prazeres, para irem embrenhar-se nas florestas, ou chorar em meio aos rochedos, ou fechar-se entre quatro paredes para ali chorar pelo resto de seus dias, a fim de livrar-se e desembaraçar-se de todas as preocupações do mundo, e não ocupar-se senão de combater os inimigos de sua salvação, certos de que o céu só seria alcançado mediante a perseverança.

    Mas – você me dirá –, o que é perseverar? – Meu amigo, é estar pronto a tudo sacrificar: os próprios bens, a própria vontade, a própria liberdade e mesmo a própria vida para não desagradar a Deus. Mas – você ainda dirá – o que é não perseverar? – É voltar a cair nos pecados que já confessamos, seguir as más companhias que nos levaram ao mal, que é a maior de todas as desgraças, pois ali perdemos nosso Deus, voltando contra nós sua ira, e, arrancando nossa alma do céu, arrastamo-la ao inferno. Quisera Deus que os cristãos que têm a felicidade de se reconciliar com Ele pelo sacramento da penitência compreendessem isso bem! E, para dar-lhes uma ideia, vou mostrar-lhes os meios que vocês devem empregar para perseverar na graça que receberam no santo tempo da Páscoa. Considero os três principais a oração, a fuga das más companhias e, por fim, a frequência aos sacramentos.

    É verdadeiramente hoje que vocês poderão dizer que tudo o que vão ouvir não lhes diz respeito, ao menos em parte. Deveria eu falar-lhes de perseverança? Mas sou, então, um mau pastor, que vem, portanto, trabalhar apenas para a perdição de vocês! Será preciso que o demônio se sirva de mim para acelerar a perdição de vocês! Farei, portanto, o contrário do que o bom Deus me mandou fazer: Ele não me envia no meio de vocês senão para salvá-los, e minha ocupação seria, então, a de conduzi-los ao abismo! Deveria eu ser o cruel algoz de suas pobres almas? Meu Deus, que desgraça! Deveria falar-lhes de perseverança? Mas essa linguagem não convém senão àqueles que verdadeiramente deixaram o pecado, que estão decididos a perder mil vidas, em vez de recair no pecado. Contudo, se dissesse a um pecador que persevere em suas desordens – ó meu Deus! –, não seria eu a mais infeliz criatura que a terra sustentou? Não, não, não é essa a linguagem que eu deveria usar. Ah! Ao contrário, meu amigo, deixe, meu amigo, deixe de perseverar em seu estado deplorável; caso contrário, você será condenado. Haveria eu de dizer a este homem que há muitos anos não faz a Páscoa, ou a faz mal, para perseverar? Não, não, meu amigo, se você perseverar, estará perdido: jamais haverá céu para você! Dizer a esta pessoa, que se contenta em fazer sua Páscoa,⁶⁹ que persevere? Mas não seria o mesmo que colocar-lhe uma venda nos olhos e arrastá-la ao inferno? Dizer a estes pais e a estas mães, que fazem a Páscoa e soltam as rédeas dos filhos, para perseverarem? Ah, não, não, não quero ser o algoz de suas pobres almas. Haveria eu de dizer a estas moças, que fizeram a Páscoa com o pensamento e o desejo de voltar aos bailes e aos divertimentos, para perseverarem? Ai de mim! Que horror! Que abominação! Tal seria uma cadeia de crimes e sacrilégios! Dizer que perseverem essas pessoas que frequentam os sacramentos cinco ou seis vezes por ano, que não demonstram nenhuma mudança de vida em sua maneira de viver: mesmos murmúrios em suas dificuldades, mesmos ataques de fúria, mesma avareza, mesma crueldade em relação aos pobres; sempre prontos a caluniar e a acabar com a reputação do próximo... Ó meu Deus! Quantos cristãos cegos e vendidos à iniquidade! Haveria eu de dizer que perseverem essas pessoas que, sem se incomodar, ou por respeito humano,⁷⁰ comem carne nos dias de guarda e trabalham sem escrúpulo no santo dia de domingo? Ó meu Deus! Que desgraça! A quem haverei de me dirigir? Já não sei mais.

    Ah! Não, não, meus irmãos, não era sobre a perseverança na graça que eu deveria falar-lhes hoje? Ah, seria preferível retratar-lhes o estado terrível e desesperador de um pecador que não fez a Páscoa ou que a fez mal, e que persevera nesse estado. Ah! Quisera Deus que me fosse permitido desenhar aos olhos de vocês o desespero de um pecador citado perante o tribunal de seu juiz, cujas mãos são guarnecidas por raios e relâmpagos, e fazê-los entrever esses fluxos de maldição.

    – Vá, maldito condenado, vá, pecador obstinado, vá chorar sua vida criminosa e seus sacrilégios. Oh! Não foi suficiente ter perseverado neles durante a vida? Era preciso ainda arrastá-los até as portas do inferno, para dentro do qual o demônio precipitará você com eles,⁷¹ para dali jamais sair, e o fará ouvir os gritos, os uivos dos infelizes condenados, mostrando a cada um deles o lugar que lhes foi designado?

    Ó meu Deus! Poderiam eles⁷² ainda viver? Um céu perdido... Um inferno... Uma eternidade... Eles desprezaram, profanaram os sofrimentos... Ah! Que estou dizendo? Os sofrimentos, a morte de um Deus... Tal será a recompensa da perseverança no pecado. Sim, era esse o assunto que eu deveria abordar hoje. Era, de fato, falar-lhes da perseverança, que pressupõe uma alma que teme mais o pecado do que a própria morte, que passa seus dias no amor de seu Deus; uma alma despojada de todo afeto terreno, cujos desejos não são senão para o céu... Pois bem! Aonde vocês querem que eu vá? Onde poderia encontrá-la? Ah! Onde está essa alma? Onde se encontra a terra que é tão feliz por possuí-la? Ai! Jamais a encontrei, ou quase não a encontro. Ó meu Deus! Talvez o Senhor veja alguma que eu não conheça. Portanto, vou falar-lhes como se estivesse certo de que há uma ou duas (almas assim), para lhes mostrar os meios que elas devem seguir para prosseguir no caminho feliz que começaram. Escutem bem, almas santas, se por acaso se encontrarem entre os que estão me ouvindo, o que Deus lhes dirá através de meus lábios.

    I. Digo, portanto, que o primeiro modo de perseverar no caminho que leva ao céu é sendo fiel a seguir e a aproveitar os movimentos da graça que Deus quer nos dar. A felicidade de todos os santos se deve ao fato de eles terem sido fiéis em seguir os movimentos que o Espírito lhes deu; os condenados, por sua vez, não podem atribuir sua desgraça senão ao fato de os terem desprezado. Somente isso pode bastar para fazê-los perceber o preço e a necessidade de serem fiéis a tais movimentos do Espírito. Mas como – alguém me dirá –, por que meios podemos saber se estamos correspondendo ao que a graça quer de nós ou, então, se estamos resistindo a ela? – Se você não sabe, ouça-me um instante, e você saberá o principal. Digo, em primeiro lugar, que a graça é um pensamento que nos faz sentir a necessidade de evitar o mal e fazer o bem. Entremos em alguns detalhes familiares, para melhor fazê-lo compreender, e você verá quando resiste ou quando é fiel a ela. Pela manhã, ao acordar, o bom Deus lhe sugere o pensamento de Lhe dar seu coração, de oferecer-Lhe seu trabalho, de ajoelhar-se em oração: se você o faz prontamente, de bom coração, está seguindo o movimento da graça; se não o faz, ou faz mal, não está seguindo tal movimento. Em seguida, você sente o desejo de se confessar e de corrigir seus defeitos, de não continuar sendo o mesmo; você pensa que, se morresse, seria condenado. Se vocês seguem essas boas inspirações que o bom Deus lhes dá, estão sendo fiéis à graça. No entanto, você deixa passarem essas inspirações e não faz nada. Você tem o pensamento de dar esmola, de fazer penitência, de ir à missa nos dias de trabalho, de permitir que seus empregados também vão, mas não o faz. Eis, meus irmãos, o que é seguir a graça ou resistir-lhe. Tudo isso constitui o que chamamos graças interiores. Quanto às que são chamadas graças exteriores, trata-se, por exemplo, de uma boa leitura; de uma conversa que vocês poderiam ter com pessoas sábias, que despertam em vocês a necessidade de mudar de vida, de melhor servir ao bom Deus, o remorso que vocês terão na hora da morte. Trata-se, ainda, de um bom exemplo que vocês terão diante dos olhos, que parece convidá-los a se converter; e, por fim, de uma instrução que lhes ensina os meios que se devem seguir para servir a Deus e cumprir os deveres para com Ele, para consigo mesmos e com o próximo. A salvação ou a condenação de vocês depende disso: prestem bastante atenção. Os santos não se santificaram senão por sua grande atenção em seguir todas as boas inspirações que o bom Deus lhes mandava; os condenados, em contrapartida, foram parar no inferno porque as desprezaram. Vocês verão a prova do que estou dizendo.

    Podemos ver no Evangelho que todas as conversões que Jesus operou em sua vida foram apoiadas pela perseverança. Como sabemos, meus irmãos, que São Pedro se converteu? Está escrito que Jesus olhou para ele, que em seguida chorou seu pecado. Mas como podemos garantir que ele se converteu, senão pelo fato de ter perseverado na graça e não ter mais pecado? Como São Mateus se converteu? Sabemos bem que Jesus, vendo-o em seu ofício, chamou-o a segui-lo, e ele o seguiu; mas o que nos garante que sua conversão foi verdadeira é que ele não voltou mais a seu ofício e não cometeu mais injustiça; tendo começado a seguir Jesus, ele não o deixou mais. A perseverança na graça e a renúncia definitiva ao pecado foram as marcas evidentes de sua conversão. Sim, meus irmãos, ainda que vocês tenham vivido vinte ou trinta anos na virtude e na penitência, se não perseverarem, tudo estará perdido para vocês. Sim – diz um santo bispo a seu povo –, ainda que você tenha dado todos os seus bens aos pobres, dilacerado seu corpo, deixando-o ensanguentado; ainda que tenha sofrido tanto quanto todos os mártires juntos; ainda que tenha sido esfolado como São Bartolomeu, serrado como o profeta Isaías, grelhado como São Lourenço; se, por desgraça, você perder a perseverança, isto é, se recair no pecado que já confessou, tudo estará perdido para você, se a morte o surpreender nesse estado.⁷³ Quem de nós será salvo? Será aquele que tiver combatido quarenta ou sessenta anos? Não, meus irmãos. Será aquele cujos cabelos ficarão brancos no serviço de Deus? Não, meus irmãos, se ele perder a perseverança, como Salomão, ao qual o Espírito Santo se refere como sendo o mais sábio dos reis da terra, que parecia estar perfeitamente certo de sua salvação e que, no entanto, nos deixa numa grande incerteza acerca dela. Saul nos apresenta uma imagem ainda mais assustadora disso. Escolhido pelo próprio Deus para reinar sobre seu povo, tendo recebido inúmeros dons, ele morreu como réprobo. Ah! Infeliz – nos diz São João Crisóstomo –, tome cuidado, depois de receber a graça de seu Deus, para não desprezá-la. Ah! Tremo de pensar quão facilmente o pecador recai em seu pecado já confessado; como ele ousaria voltar a pedir perdão?

    Sim, meus irmãos, bastaria, com o auxílio da graça, para não mais recair no pecado, confrontar o estado infeliz ao qual o pecado os reduziu com aquele em que a graça os colocou. Sim, meus irmãos, uma alma que volta a cair no pecado entrega seu Deus ao demônio, servindo-lhe de carrasco e crucificando-o na cruz de seu coração; arranca sua alma das mãos de seu Deus, arrasta-a ao inferno, entrega-a à fúria e à raiva dos demônios, fecha-lhe o céu e transforma em sua condenação todos os sofrimentos de seu Deus. Ah! Meu Deus, quem poderia voltar a cometer o pecado, se todas as reflexões fossem feitas? Escutem, meus irmãos, estas terríveis palavras do Salvador: Quem tiver combatido até o fim será salvo [cf. Mt 10,22]. A partir disso, meus irmãos, tremamos, nós que caímos a todo instante. Jamais veremos o céu se não formos mais firmes do que fomos até agora. Mas isso ainda não é tudo. As confissões de vocês são bem-feitas? Pois vocês podem perseverar na prática da virtude e ser condenados. Vocês tomaram todas as precauções que deveriam tomar para fazer bem tanto a confissão como a comunhão? Examinaram bem suas consciências antes de aproximar-se do tribunal da penitência? Declararam bem todos os seus pecados, tal qual os pensaram, sem dizer, por exemplo, que não foi por mal, ou que não foi nada, ou – precisarei dizer mais uma vez? – sentiram aquela verdadeira contrição por seus pecados? Pediram-na devidamente a Deus, ao sair do confessionário? Vocês teriam preferido a morte a voltar a cometer os pecados que acabaram de confessar? Tomaram a firme decisão de não mais rever as pessoas com as quais praticaram o mal? Testemunham ao bom Deus que, se ainda tivessem de ofendê-lo, prefeririam que Ele os fizesse morrer? Contudo, ainda que vocês tenham todas essas disposições, continuem a tremer, vivendo entre uma espécie de desespero e a esperança.

    Hoje vocês estão na amizade de Deus; temam que, talvez, amanhã, não estejam em sua ira nem sejam condenados. Escutem São Paulo, este vaso de eleição, que havia sido escolhido por Deus para anunciar seu nome diante dos príncipes e reis da terra, que conduziu tantas almas a Deus, cujos olhos se ofuscavam pela abundância de lágrimas que ele derramava a todo instante. De fato, ele exclamava continuamente: Ai! Não cesso de tratar duramente meu corpo e de reduzi-lo à servidão, com temor de que, depois de ter pregado aos outros e mostrado os meios de ir para o céu, eu mesmo seja reprovado [cf. 1Cor 9,27; 2Cor 12,7].⁷⁴ Em outro lugar, ele parece ter um pouco mais de confiança; mas sobre o que está fundamentada essa confiança?

    Sim, meu Deus – ele exclama –, sou como uma vítima pronta a ser imolada: logo meu corpo e minha alma serão separados, vejo que não viverei muito; mas toda a minha confiança está no fato de que segui os movimentos que a graça me deu. Desde que tive a felicidade de me converter, levei tantas almas a Deus quanto pude, sempre lutei, fiz uma guerra contínua a meu corpo. Ah! Quantas vezes pedi a Deus que me livrasse deste corpo miserável, que sempre tendia para o mal; mas, graças a Deus, receberei a recompensa daquele que combateu e perseverou até o fim [cf. 2Tm 4,6-8.17].

    Ó meu Deus! Como são poucos os que perseveram e, por consequência, poucos os que são salvos!

    Lemos na vida de São Gregório que uma senhora romana lhe escreveu para pedir-lhe o auxílio de suas orações, a fim de que Deus lhe mostrasse se seus pecados haviam sido perdoados e se, um dia, ela receberia a recompensa por suas boas obras: Ah! Eu tremo de pensar que Deus não me perdoou!. Respondeu-lhe São Gregório: O que a senhora me pede é algo muito difícil. No entanto, a senhora pode esperar pelo perdão de Deus e por ir para o céu se perseverar; porém, apesar de tudo o que tiver feito, será condenada se não perseverar. Ai! Quantas vezes também nos expressamos desse modo, atormentando-nos para saber se seremos salvos ou

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1