Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3
Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3
Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3
E-book461 páginas10 horas

Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este terceiro volume dos Sermões de São João Maria Vianney (1786-1859), intitulado Sermões do XII ao XXIII Domingo depois de Pentecostes, contém as homilias do padroeiro dos sacerdotes do mundo inteiro sobre os seguintes temas: os mandamentos de Deus; o primeiro mandamento de Deus; o amor ao próximo; a absolvição; o serviço de Deus; o mundo; o pensamento da morte; a humildade; o amor de Deus; a caridade; a pureza e a devoção a Maria Santíssima; a tibieza; a inveja; a impureza; o dever dos pais para com os filhos; a embriaguez; a fúria, os juramentos, a blasfêmia e as maldições; a restituição do que se roubou; a morte do justo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de dez. de 2022
ISBN9786555627565
Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3

Relacionado a Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3

Ebooks relacionados

Cristianismo para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

1 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Sermões do XII ao XXIII Domingo Depois de Pentecostes – Vol 7/3 - São João Maria Vianney O Cura D'ars

    Aprovação

    † Arquidiocese de Lyon

    Aprovamos de bom grado o projeto formado pelos clérigos de Lyon de entregar para impressão os manuscritos dos Sermões do Venerável Servo de Deus João Maria Vianney, Cura de Ars.

    Essa publicação servirá para conhecer melhor o sacerdote admirável que é uma das glórias de nossa diocese, e cuja causa de beatificação foi submetida ao julgamento da Santa Igreja.

    Lyon, 20 de agosto de 1882.

    L. M. Card. CAVEROT,

    Arcebispo de Lyon

    DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO

    DEPOIS DE PENTECOSTES

    Sobre os mandamentos de Deus

    Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo.

    Ame ao Senhor, o seu Deus, com todo o coração (Dt 6,5).

    Por que, meus irmãos, o Senhor nos dá um mandamento de amá-lo de todo o nosso coração, isto é, sem divisão, da maneira pela qual Ele mesmo nos amou: de toda a nossa alma e com todas as nossas forças, prometendo-nos uma recompensa eterna, se formos fiéis, e uma punição eterna, se não o cumprirmos? Por duas razões: 1) para nos mostrar a grandeza de seu amor; 2) [para nos mostrar]¹ que só podemos ser felizes se o amarmos e que, por fim, só encontramos esse amor se cumprirmos seus mandamentos. Sim, meus irmãos, se tantos males nos sobrevêm neste mundo, isso se deve ao fato de violarmos os mandamentos de Deus, pois Ele mesmo nos diz: Se vocês guardarem fielmente os meus mandamentos, eu os abençoarei de inúmeras maneiras; mas se os transgredirem, serão amaldiçoados em tudo o que fizerem [cf. Dt 11,26-28]. Assim, meus irmãos, se quisermos ser felizes neste mundo, pelo menos na medida do possível, não temos outra alternativa a não ser observar fielmente os mandamentos de Deus; e veremos que, à medida que nos afastarmos do caminho que os mandamentos de Deus traçaram para nós, seremos sempre infelizes, na alma e no corpo, neste mundo e no futuro.

    Vou, então, lhes mostrar, meus irmãos, que nossa felicidade depende de nossa fidelidade em observar os mandamentos que o bom Deus nos deu.

    I. Se nós abrirmos os livros sagrados, meus irmãos, veremos que todos aqueles que se empenhavam em observar bem o que os mandamentos de Deus lhes prescreviam sempre foram felizes, pois é muito certo que o bom Deus não abandonará jamais aquele que se empenha em fazer tudo o que Ele lhe ordena. Nosso primeiro pai, Adão, nos dá um belo exemplo disso. Enquanto ele foi fiel em observar as ordens do Senhor, foi feliz em todas as coisas: seu corpo, sua alma, seu espírito e todos os seus sentidos não tinham outra inclinação que não para Deus; os próprios anjos desciam do céu para fazer-lhe companhia. Assim teria perdurado a felicidade de nossos pais, se eles tivessem sido fiéis a seus deveres; mas esse momento mil vezes feliz não durou muito tempo. O demônio, com inveja de tal felicidade, logo os levaria a perder-se e os privaria de todos esses bens que deveriam durar por toda a eternidade. Assim que eles tiveram a infelicidade de transgredir os mandamentos do Senhor, tudo foi de mal a pior para eles: as angústias, as doenças, o medo da morte, do juízo e de outra vida infeliz tomaram o lugar da primeira felicidade; a vida deles passou então a ser uma vida de lágrimas e dores.

    O Senhor disse a Moisés: Diga a meu povo que, se ele for fiel em observar meus mandamentos, eu o cumularei de toda sorte de bênçãos; mas se ele ousar transgredi-los, eu o encherei de toda sorte de males [cf. Dt 11,26-28]. O Senhor disse a Abraão: Por ter sido fiel em guardar meus mandamentos, eu o abençoarei em tudo; multiplicarei seus filhos como os grãos de areia que rodeiam o mar. Abençoarei todos aqueles que o abençoarem; amaldiçoarei todos que o amaldiçoarem; de sua estirpe nascerá o Salvador do mundo

    [cf. Gn 15,4-5.18]. Ele mandou dizer a seu povo, quando este estava para entrar na Terra Prometida:

    Os povos que habitam esta terra cometeram grandes pecados; por isso vou expulsá-los para colocar vocês em seu lugar. Mas tomem cuidado para não violar meus mandamentos. Se vocês forem fiéis em observá-los, eu os abençoarei em tudo e por toda parte. Quando estiverem em seus campos, em suas cidades e em suas casas, abençoarei seus filhos, que os amarão, os respeitarão, os obedecerão e lhes darão toda sorte de consolações. Abençoarei seus frutos e animais. Ordenarei ao céu que lhes dê a chuva no tempo favorável, na medida certa para irrigar suas terras e pradarias: tudo terá êxito [cf. Lv 26,3-10; Js 1,1-9].

    Em outro lugar, Ele lhes diz:

    Se vocês guardarem fielmente meus mandamentos, eu velarei sem cessar pela conservação de vocês; vocês ficarão sem temor em suas casas; eu impedirei que os animais ferozes lhes façam mal, vocês dormirão em paz: nada os perturbará. Estarei sempre no meio de vocês. Estarei sempre no meio de vocês. Caminharei com vocês. Serei o Deus de vocês e vocês serão meu povo" [cf. Ex 6,7-8; Lv 26,3-10].

    Mais adiante, Ele diz a Moisés: Diga a meu povo que, se ele observar bem minhas leis, eu o livrarei de todos os males que o oprimem [cf. Ex 34,10-13; Dt 8,1]. E o próprio Espírito Santo nos diz que aquele que tem a felicidade de guardar os mandamentos do Senhor é mais feliz do que se possuísse todas as riquezas da terra [cf. Sl 119,72].

    Vocês já pensaram que o bom Deus se importaria tanto em nos fazer guardar seus mandamentos e que Ele nos prometeria tantos bens se formos felizes o bastante ao observá-los adequadamente? Vocês concordarão comigo que devemos fazer nossa felicidade consistir em cumprir fielmente os mandamentos de Deus. Para melhor convencê-los, meus irmãos, de que, ao transgredirmos os mandamentos de Deus, não podemos esperar senão ser infelizes, vejam o que se passou em relação a Davi. Enquanto ele foi fiel em trilhar o caminho que os mandamentos de Deus haviam traçado, tudo foi bem para ele, que era amado, respeitado e escutado pelos que lhe estavam próximos. Contudo, assim que ele quis deixar de observar os mandamentos de Deus, sua felicidade acabou, e toda sorte de males se abateu sobre ele. As tribulações, os remorsos de sua consciência tomaram o lugar daquela paz e daquela calma das quais ele desfrutava; as lágrimas e a dor foram seu pão de cada dia. Certa ocasião na qual ele gemia por seus pecados, foram contar-lhe que seu filho Amnon havia sido apunhalado em sua embriaguez pelo próprio irmão Absalão [cf. 2Sm 13,28-33). Absalão procurou inclusive destruir seu pai, tirando-lhe a vida para reinar em seu lugar. Davi foi obrigado a esconder-se nas florestas para evitar a morte. A peste exterminou-lhe um número quase infinito de súditos. Se vocês forem mais longe, verão Salomão, que, enquanto foi fiel em guardar os mandamentos de Deus, constituía o milagre do mundo; sua reputação alcançava os extremos da terra, pois a rainha de Sabá veio de longe para testemunhar as maravilhas que o Senhor operava nele; contudo, vemos que, assim que ele teve a desgraça de não mais praticar os mandamentos de Deus, tudo foi mal para ele. Diante de tantas provas tiradas da Sagrada Escritura, vocês concordarão comigo, meus irmãos, que todos os nossos males não vêm senão do fato de que não observamos fielmente os mandamentos de Deus e que, se quisermos esperar alguma felicidade e consolação neste mundo (ao menos na medida do possível, porquanto este mundo nada mais é do que um tecido de males e dores), o único modo de alcançar esses bens é fazendo o que pudermos para agradar a Deus cumprindo o que Ele nos ordena por seus mandamentos.

    Mas, passando do Antigo ao Novo Testamento, as promessas não são menores. Pelo contrário, vemos que as promessas que Jesus Cristo nos faz são todas para o céu, pois nada do que foi criado é capaz de satisfazer o coração de um cristão, que não é feito senão para Deus, o único que pode contentá-lo. Jesus Cristo nos impele a desprezar as coisas deste mundo para nos apegarmos unicamente às coisas do céu, que jamais acabarão. Lemos no Evangelho que, encontrando-se um dia com pessoas que pareciam pensar apenas nas necessidades do corpo, Jesus Cristo lhes disse: Não se preocupem tanto com o que vocês vão comer nem com o que vão vestir [cf. Mt 6,25]. E para fazê-los compreender adequadamente que tudo o que diz respeito ao corpo é pouca coisa, Ele lhes diz:

    Considerem os lírios dos campos, que não fiam nem cuidam da própria aparência;² vejam como o Pai do céu toma o cuidado de vesti-los; pois eu lhes garanto que nem Salomão, em toda a sua riqueza e poder, jamais se vestiu como algum deles. Vejam ainda os pássaros do céu, que não semeiam nem ceifam, nem armazenam nada em celeiros; vejam como nosso Pai celeste toma o cuidado de alimentá-los. Gente de pouca fé: vocês não valem mais que eles? Procurem, antes de tudo, o Reino dos céus – isto é, observem fielmente meus mandamentos – e tudo o mais lhes será dado em abundância [cf. Mt 6,26-33].

    Que queremos dizer com isso, meus irmãos? Que, a um cristão que busca apenas agradar a Deus e salvar sua alma, o que é essencial às necessidades do corpo jamais faltará.

    Mas – você talvez me dirá – quando não temos nada, ninguém vem nos trazer nada. Em primeiro lugar, eu lhes direi que tudo o que nós temos, nós o temos pela bondade de Deus, e nada por nós mesmos. Mas – digam, meus irmãos – como vocês querem que o bom Deus faça milagres para nós? Será porque há alguns que ousam levar sua incredulidade e impiedade a tal ponto de querer crer que o bom Deus não existe, isto é, que não há Deus? Ou porque outros, menos ímpios, mas não menos culpados, dizem que o bom Deus não dá importância ao que se passa neste mundo, nem se intromete em pouca coisa, ou, enfim, porque outros não querem admitir que esta grande Providência está associada à observância dos mandamentos de Deus e contam, em tudo, apenas com o próprio trabalho e os próprios esforços? (O que não seria difícil de lhes provar, considerando seus trabalhos aos domingos, que demonstram verdadeiramente que vocês não contam em nada com Deus, mas em tudo consigo mesmos e com seu trabalho.) No entanto, há outros que creem nessa grande Providência, mas, com seus pecados, impõem a ela uma barreira impenetrável.

    Vocês querem, meus irmãos, experimentar a grandeza da bondade de Deus por suas criaturas? Esforcem-se para cumprir o dever de observar tudo o que os mandamentos lhes ordenam, e vocês ficarão admirados ao ver como o bom Deus cuida daqueles que buscam somente agradá-lo. Se vocês quiserem ver a prova disso, meus irmãos, abram os livros santos e serão perfeitamente convencidos disso. Lemos na Sagrada Escritura que o profeta Elias, fugindo da perseguição da rainha Jezabel, foi esconder-se num bosque (cf. 1Rs 19). Estando lá, desprovido de todo socorro humano, o Senhor o deixaria morrer na miséria? Não, certamente, meus irmãos, o Senhor, do alto céu, não tirou os olhos de seu servo fiel. Sucessivamente, enviou-lhe um anjo do céu para consolá-lo e levar-lhe tudo de que ele precisava para se alimentar. Vejam o cuidado que o Senhor teve com a viúva de Sarepta

    (1Rs 17,8ss). Ele disse a seu profeta: Vá encontrar aquela bondosa viúva, que me serve e observa meus mandamentos com fidelidade; você multiplicará sua farinha, a fim de que ela não sofra. Vejam como ele mandou outro profeta, Habacuc, levar de comer aos três meninos que estavam na fornalha da Babilônia.³

    Se vocês passarem da antiga lei à nova, as maravilhas que o bom Deus opera por aqueles que se esforçam para observar seus mandamentos não são menores. Vejam como o bom Deus alimenta milhares de pessoas com cinco pães e dois peixes; isso não é difícil de compreender, pois, ao seguir Jesus, cada um buscava, em primeiro lugar, o Reino dos céus e a salvação da própria alma. Vejam como ele cuidou de alimentar São Paulo eremita,⁴ durante quarenta anos, pelo ministério de um corvo, prova clara de que o bom Deus não perde de vista aqueles que o amam, para fornecer-lhes tudo o que lhes é necessário. Quando Santo Antão foi visitar São Paulo, o bom Deus enviou-lhe uma refeição a mais. Ó meu Deus, como amais os que vos amam! Como temeis que eles sofram! Digam-me, irmãos, quem era que mandava diariamente aquele cão levar uma pequena provisão a São Roque numa floresta? Quem mandou aquela cerva ir todos os dias dar seu leite ao bebê de Genoveva de Brabant⁵ em seu deserto? Não foi o bom Deus, meus irmãos? E por que, meus irmãos, o bom Deus toma tanto cuidado em alimentar todos os santos, senão porque eles eram fiéis em observar todos os mandamentos que Ele lhes dava?

    Sim, meus irmãos, podemos dizer que, para os santos, toda a felicidade consistia em observar os mandamentos de Deus, de modo que eles preferiam sofrer toda sorte de tormentos a violá-los; podemos dizer, ainda, que todos os mártires foram martirizados porque não quiseram violar os mandamentos de Deus. Com efeito, perguntem a Santa Regina,⁶ aquela jovem virgem, por que ela suportou tantos tormentos, que lhe foram ainda mais sensíveis pelo fato de ter sido seu pai o algoz? Ele mandou pendurá-la pelos cabelos numa árvore, mandando que a açoitassem até que seu pobre corpo inocente se tornasse uma ferida aberta. Depois de todas essas crueldades, que fizeram tremer até os pagãos que delas foram testemunhas, mandou levá-la à prisão, na esperança de que ela fizesse o que ele mandava. Vendo-a inabalável, mandou que a trouxessem de volta para perto da árvore e, amarrando-a como da primeira vez, pelos cabelos, mandou que a esfolassem viva. Quando a pele foi separada de seu corpo, ela foi jogada numa caldeira com óleo fervendo, onde ele a viu impiedosamente ser queimada. Se vocês me perguntarem, meus irmãos, por que ela suportou tantas crueldades, ah, meus irmãos, pela seguinte razão: porque ela não quis transgredir o sexto mandamento de Deus, que proíbe toda impureza. Por que foi que a casta Susana (cf. Dn 13) não quis consentir nos desejos daqueles dois velhos infames, preferindo a morte? Não foi pela mesma razão? Qual foi a razão de o casto José (cf. Gn 39) ter sido acusado, caluniado junto a Putifar, seu senhor, e levado para a prisão? Não foi a mesma? Por que São Lourenço preferiu ser estirado numa grelha em brasas? Não foi porque não quis transgredir o primeiro mandamento de Deus, que nos ordena adorar somente a Deus e amá-lo mais do que a nós mesmos? Sim, meus irmãos, se percorrermos um pouco os livros que narram as ações dos santos, neles veremos exemplos admiráveis e impressionantes de sua fidelidade em observar os mandamentos de Deus, e veremos como eles preferiram suportar tudo o que os algozes foram capazes de inventar a transgredir tais mandamentos.

    Lemos na história dos mártires do Japão⁷ que o imperador mandou prender, num mesmo lugar, vinte e quatro cristãos, que foram obrigados a suportar tudo o que a raiva dos pagãos pôde lhes inspirar. Os mártires diziam entre si:

    – Tomemos cuidado para não violar os mandamentos de Deus obedecendo aos do imperador; tenhamos coragem: o céu vale alguns sofrimentos que duram apenas alguns instantes. Esperemos firmemente, e o bom Deus, por quem nós queremos sofrer, não nos abandonará.

    Quando eles foram conduzidos ao lugar onde deveriam ser interrogados, aquele que os conduzia percebeu que estava faltando um, e começou a gritar:

    – Mateus? Onde está o Mateus?

    Um soldado que, havia muito tempo, desejava revelar-se cristão, exclamou:

    – Estou aqui! Que importa, aliás, quem seja. Também me chamo Mateus e sou cristão como ele.

    O juiz, enfurecido, perguntou se ele estava dizendo a verdade.

    – Sim – respondeu o soldado –, há muito tempo que professo a religião cristã e espero jamais deixá-la. Desejo apenas o momento de manifestá-la externamente.

    Em seguida, o juiz mandou contá-lo no número dos mártires. Ele sentiu tanto prazer que morreu de alegria, antes de morrer pelos tormentos. Entre esses mártires, havia um menino de dez anos. O juiz, vendo-o tão jovem, não quis, durante algum tempo, colocá-lo na lista daqueles que deviam morrer por Jesus Cristo. O menino ficou inconsolável por ver-se privado de tamanha felicidade, e declarou com grande insistência que jamais mudaria, mas morreria nessa religião, insistindo tanto a ponto de obrigar, por assim dizer, o juiz a colocá-lo no número dos mártires. Ele sentiu alegria tão grande, que parecia não poder mais se conter; ele queria ser sempre o primeiro, sempre responder por todos; ele queria ter o coração de todos os homens para sacrificá-los a Jesus Cristo. Um senhor pagão, ao saber que aquele menino estava destinado a morrer com os outros cristãos, ficou tomado de compaixão e foi pessoalmente encontrar o imperador, para pedir-lhe que tivesse piedade do menino, pois este não sabia o que estava fazendo. O menino, ao ouvir isso, voltou-se contra ele, dizendo-lhe:

    – Senhor, guarde sua compaixão para o senhor; pense apenas em se batizar e em fazer penitência; caso contrário, o senhor irá queimar com os demônios.

    O senhor, vendo-o tão decidido a morrer, deixou-o. O menino, encontrando-se presente quando foi lida sua sentença – que dizia que lhes cortariam o nariz e as orelhas, e que os fariam percorrer toda a cidade em cima de charretes, para despertar ainda maior horror da religião cristã, e a fim de que os pagãos os enchessem de injúrias –, sentiu uma alegria tão grande que parecia ter-lhe sido anunciada a posse de um reino inteiro. Os próprios pagãos ficaram admirados de que uma criança tivesse tamanha coragem e provasse tamanha alegria por morrer por seu Deus. Quando os carrascos foram executar as ordens do imperador, todos os santos mártires se apresentaram diante de seu carrasco com tamanha tranquilidade e alegria, como se estivessem se dirigindo para um salão de festa. Eles deixaram que lhes decepassem o nariz e as orelhas com a mesma tranquilidade que teriam se lhes cortassem um pedaço das vestes. Seus pobres corpos ficaram cobertos de sangue, o que horrorizou os pagãos que testemunharam isso. Era possível ouvi-los exclamar de tempos em tempos:

    – Oh, quanta crueldade! Oh, quanta injustiça causar tanto sofrimento a pessoas que não fizeram nenhum mal! Vejam – eles diziam entre si – a coragem que lhes dá essa religião que professam!

    Todas as vezes que os interrogavam, eles não respondiam nada senão que eram cristãos e que estavam dispostos a sofrer e morrer, mas que jamais violariam os mandamentos de seu Deus, pois, para eles, toda a felicidade consistia em cumpri-los. Ai! Esses pobres mártires, com os corpos ensanguentados, percorreram toda a cidade em cima de charretes, de modo que as pedras dos caminhos ficaram cobertas de sangue e a terra, completamente tingida de vermelho pelo sangue que jorrava em abundância das chagas deles. Como a sentença proferida era que eles deveriam morrer sobre uma cruz, aquele que os conduzira pela primeira vez os reconheceu e ficou muito comovido diante do menino de dez anos. Aproximando-se do menino, ele lhe disse:

    – Meu filho, você é muito jovem; é uma pena morrer numa idade tão pouco avançada; se você quiser, eu mesmo me encarrego de alcançar graça para você junto ao imperador e, mais ainda, uma grande recompensa.

    O menino, ao ouvi-lo falar assim, começou a rir, disse-lhe que agradecia e pediu-lhe que guardasse todas as recompensas, ele que não tinha esperança para a outra vida, mas que, de sua parte, ele [o menino] desprezava tudo isso como sendo pouca coisa, e todo o seu temor consistia em não ter a felicidade de morrer, como os outros mártires, por Jesus Cristo. Sua mãe, que era testemunha de tudo isso, ainda que também fosse cristã, estava inconsolável por ver seu filho morrer numa cruz. O pobre menino, vendo sua mãe tão desolada, chamou-a perto de si, dizendo-lhe que era pouco edificante para uma mãe cristã chorar tanto a morte de um filho mártir, como se ela não conhecesse o preço de tal sacrifício, mas que ela deveria, ao contrário, encorajá-lo e agradecer ao bom Deus por tamanha graça. Esse menino abençoado, pouco antes de morrer, disse coisas tão lindas e tocantes sobre a felicidade daqueles que morrem por Jesus Cristo que os pagãos, assim como os cristãos, se derramaram em lágrimas. Quando o aproximaram de sua cruz, antes de nela ser pregado, ele a beijou, regou-a com suas lágrimas, tamanha foi sua alegria ao ver que verdadeiramente iria morrer por seu Deus. Quando todos estavam sobre a cruz, ouviu-se uma multidão de anjos cantando Laudate, pueri, Dominum,⁸ ao som de uma música celestial, o que foi ouvido inclusive por todos os pagãos. Que espetáculo, meus irmãos! O céu em estado de admiração! A terra em estado de surpresa! Os espectadores derramando-se em lágrimas e os mártires exultando de alegria por deixarem a terra, isto é, todos os sofrimentos e todas as misérias da vida, para irem tomar posse de uma felicidade que durará tanto quanto o próprio Deus!

    Pois bem, meus irmãos, digam-me o que levou todos esses mártires a suportar tantos tormentos, se não o fato de não querer violar os mandamentos de Deus? Que vergonha para nós, meus irmãos, quando Jesus Cristo nos colocar perante eles; nós, que, com frequência, por simples respeito humano, por um maldito o que vão dizer, nos envergonhamos, nos esquecemos de que somos cristãos, colocando-nos no número dos renegados.

    II. Mas examinemos isso, meus irmãos, um pouco mais de perto, e veremos que, se o bom Deus nos manda guardar seus mandamentos, é somente porque quer a nossa felicidade. Ele mesmo nos diz que eles são fáceis de cumprir, e que, se os cumprirmos, encontraremos neles a paz de nossas almas. Se, no primeiro mandamento, o bom Deus nos manda amá-lo, louvá-lo e nos apegarmos somente a Ele,

    e se devemos louvá-lo de manhã e à noite, e com frequência também durante o dia, digam-me, irmãos: não é, para nós, a maior de todas as felicidades que o bom Deus queira permitir que nos apresentemos todas as manhãs diante dele, para pedir-lhe as graças que nos são necessárias para passarmos o dia em santidade? Essa não é uma graça que Ele nos dá? Não é essa graça, que o bom Deus nos dá logo de manhã, que torna todas as nossas ações dignas do céu? Não é essa graça que nos faz considerá-las menos penosas? Se esse mesmo mandamento nos dispõe a amar somente a Deus e a amá-lo de todo o coração, não é porque Ele sabe que somente Ele pode nos satisfazer e nos tornar felizes neste mundo? Vejam uma casa em que todos vivem somente para Deus: não se encontra ali um pequeno paraíso? Logo, vocês admitirão comigo, meus irmãos, que esse mandamento não possui nada além de doçura e consolação para aquele que tem a felicidade de observá-lo com fidelidade.

    Se passarmos ao segundo, que nos proíbe toda sorte de juramentos, blasfêmias, imprecações e maldições, e todo tipo de cólera, recomendando-nos a ternura, a caridade e a gentileza em relação a todos aqueles com quem convivemos... Digam-me, irmãos, quem são os mais felizes: aqueles que se entregam aos excessos de cólera, fúria e às imprecações, ou aqueles que, em tudo o que fazem ou dizem, demonstram equilíbrio de humor, bondade, e se esforçam continuamente por fazer a vontade dos outros? Vemos, portanto, que esse mandamento não contribui senão para nos tornar felizes e para tornar felizes aqueles que estiverem conosco.

    Se passarmos ao terceiro, que nos ordena passar santamente o dia de domingo, abstendo-nos de todo tipo de trabalho manual, para nos ocuparmos somente do serviço de Deus e da salvação de nossa alma... Digam-me, irmãos: [esse mandamento] não é para o nosso bem, uma vez que deixamos de trabalhar para este mundo, que não é nada? Além disso, estando apenas por um instante na terra, quando rezamos e fazemos boas obras, acumulamos tesouros para o céu, consequentemente atraindo para o nosso trabalho semanal toda sorte de bênçãos. Esse já não seria um meio para a nossa felicidade? Esse mandamento nos ordena, ainda, dedicar esse santo dia a chorar por nossos pecados da semana, purificando-nos pela virtude dos sacramentos... Isso não seria, meus irmãos, nos forçar, por assim dizer, a não buscar senão nosso bem, nossa felicidade e nossa salvação eterna? Não somos mais felizes quando passamos bem o santo dia de domingo rezando ao bom Deus, do que se tivéssemos a infelicidade de passá-lo nos prazeres, nos jogos e nos excessos? Portanto, o terceiro mandamento não tem nada além de consolador e vantajoso para nós!

    Se passarmos ao quarto, que ordena aos filhos honrar os pais, amá-los, respeitá-los, desejar e providenciar para eles tudo o que for possível e necessário... Digam-me: isso não é justo e razoável? Pais que tanto fizeram por seus filhos... Não é justo que esses mesmos filhos os amem e lhes deem todas as consolações de que forem capazes? Se esse mandamento fosse bem observado, as famílias não seriam um pequeno paraíso, pelo respeito e pelo amor que os filhos teriam por seus pais? Não é justo que esse mesmo mandamento ordene aos pais que zelem pelas almas de seus filhos e lhes diga que um dia eles prestarão contas disso rigorosamente, porquanto essas almas custaram tanto a Jesus Cristo para serem salvas e serão a alegria e a glória de seus pais por toda eternidade? Se esse mesmo mandamento ordena os patrões e patroas zelarem por seus empregados, considerando-os como seus filhos, esses mesmos patrões não seriam felizes por poder ajudar a salvar almas que custaram tantos tormentos a um Deus que se fez homem por nós? Melhor dizendo, meus irmãos: se esse mandamento fosse bem observado, o céu não pareceria descer à terra, pela paz e felicidade que experimentaríamos?

    Se passarmos ao quinto mandamento, que nos proíbe prejudicar nosso próximo em seus bens, em sua reputação e em sua pessoa, essa não é uma coisa justa, porquanto devemos amá-los como a nós mesmos, e vantajosa para nós, já que Jesus Cristo jamais nos diz que o bem de outrem não entrará no céu? Vocês percebem que esse mandamento não tem nada de penoso, porquanto nos garante o céu.

    Se passarmos ao sexto mandamento, que nos proíbe toda impureza nos pensamentos, desejos e ações... Não é para nossa paz e felicidade que o bom Deus nos proíbe todas essas coisas? Se tivermos a infelicidade de nos entregar a alguns desses pecados infames, suas⁹ pobres almas não estarão como num inferno? Vocês não serão atormentados de dia e de noite? Por um lado, seus corpos e suas almas não estão destinados a ser a morada da Santíssima Trindade, devendo passar uma eternidade com os anjos, junto a Jesus Cristo, que é a própria pureza? Vocês veem, portanto, que esse mandamento não nos é dado senão para nosso bem e nosso repouso, já neste mundo?

    Se o bom Deus nos diz, meus irmãos, pela voz de sua Igreja, Eu lhes ordeno jamais deixar passar mais de um ano sem se confessar, esse mandamento não é para nos mostrar a grandeza do amor de Deus por nós? Digam-me: ainda que a Igreja não tivesse feito esse mandamento, poderíamos viver tranquilos com o pecado no coração e o céu fechado para nós, estando continuamente expostos a cair no inferno? Se o bom Deus nos manda recebê-lo na Páscoa... Ai, meus irmãos! Uma alma pode viver bem fazendo apenas uma refeição todos os anos? Meu Deus, como conhecemos pouco nosso bem, nossa felicidade! Se a Igreja nos ordena nos privarmos de comer carne, jejuar em determinados dias, isso constitui algo injusto, já que, sendo pecadores, devemos necessariamente fazer penitência neste mundo ou no próximo? Não estaríamos então, ao fazer pequenos sacrifícios e sofrer pequenas privações, evitando males bem mais rigorosos na outra vida?

    Vocês não concordarão comigo, meus irmãos, que, se o bom Deus nos deu mandamentos e nos obriga a observá-los, é para nos tornar felizes neste mundo e no próximo? Assim, meus irmãos, se quisermos esperar alguma consolação e alívio em nossas misérias, nós os encontraremos somente observando com fidelidade os mandamentos de Deus, e, à medida que os violarmos, não seremos mais do que infelizes, já neste mundo. Sim, meus irmãos, ainda que uma pessoa seja proprietária da metade do mundo, se toda a sua felicidade não consistir em observar adequadamente os mandamentos, ela não será mais do que infeliz. Pensem, meus irmãos: quem era mais feliz: Santo Antão, em seu deserto, entregue aos rigores da penitência, ou Voltaire, com todos os seus bens e prazeres, ou, como nos diz São Paulo, em sua abundância e devassidão? Santo Antão viveu feliz, morreu contente e, agora, desfruta de uma felicidade que jamais acabará, enquanto o outro viveu infeliz com todos os seus bens, morreu desesperado e, agora, provavelmente, sem querer julgá-lo, sofre como um condenado.¹⁰ Por que, meus irmãos, essa grande diferença? É que um fez toda a sua felicidade consistir em observar fielmente os mandamentos de Deus, e o outro pôs todo o seu zelo em violá-los e levar os outros a desprezá-los; um, na pobreza, era feliz; o outro, na abundância, era um miserável, o que nos mostra, meus irmãos, que somente Deus pode nos satisfazer, e nada mais.

    Considerem a felicidade que temos se observarmos fielmente os mandamentos de Deus, porquanto lemos no Evangelho que Jesus Cristo nos diz: Aquele que observa meus mandamentos me ama e aquele que me ama será amado por meu Pai; nós viremos a ele e faremos nossa morara nele [Jo 14,23]. Que felicidade pode ser maior e que graça mais preciosa, pois, ao guardar os mandamentos de Deus, atraímos todo o céu para nós? O santo rei Davi tinha razão em exclamar: Ó meu Deus, quão felizes são os que vos servem! [cf. Sl 112,1]. Vejam ainda como o bom Deus abençoa as casas daqueles que observam suas leis divinas: lemos no Evangelho que o pai e a mãe de São João Batista guardavam tão bem os mandamentos que ninguém podia censurá-los pela mínima coisa; assim, para recompensá-los, o bom Deus lhes deu um filho que foi o maior de todos os profetas. Um anjo desceu do céu para anunciar-lhes essa notícia. Foi o próprio Pai eterno que lhe deu o nome de João, que significa filho de bênção e felicidade. Assim que foi concebido no seio de sua mãe, Jesus Cristo foi a essa casa, para ali derramar toda sorte de bênçãos. Ele santificou o menino, antes que este nascesse, infundindo no pai e na mãe o Espírito Santo. Vocês querem, meus irmãos, que o bom Deus os visite e os encha de toda sorte de bênçãos? Tratem, então, de colocar todo o zelo de vocês em observar bem os mandamentos de Deus, e tudo irá bem para vocês.

    Lemos no Evangelho que um rapaz perguntou a Jesus o que deveria fazer para ter a vida. O Salvador respondeu-lhe: Se você quiser ter a vida eterna, guarde meus mandamentos com fidelidade [cf. Mt 19,16-30, Mc 10,17-31 e Lc 18,18-30). Conversando um dia com seus discípulos sobre a felicidade da outra vida, nosso Senhor disse que o caminho que leva ao céu é estreito [cf. Mt 7,13-14], que são poucos os que o procuram verdadeiramente e, entre os que o encontram, poucos os que estão nesse caminho:

    Nem todos os que dizem Senhor, Senhor serão salvos, mas somente os que fazem a vontade de meu Pai, guardando meus mandamentos. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, nós profetizamos em seu nome, expulsamos os demônios do corpo dos possuídos e fizemos grandes milagres. Eu lhes responderei: Afastem-se de mim, praticantes de iniquidade. Vocês fizeram grandes coisas, mas não observaram meus mandamentos; não os conheço [cf. Mt 7,21-23].

    Jesus Cristo disse ao discípulo amado: Seja fiel até o fim e eu lhe darei a coroa eterna [cf. Ap 2,10]. Vocês percebem, portanto, meus irmãos, que nossa salvação está absolutamente vinculada à observância dos mandamentos de Deus? Se vocês tiverem alguma dúvida de saber se serão salvos ou condenados, considerem os mandamentos de Deus e confrontem-nos com suas vidas. Se vocês virem que estão caminhando no trajeto que eles traçaram, não se esforcem senão para perseverar; mas, se estiverem vivendo de maneira oposta, está certo atormentar-se, pois vocês não deixarão de ser condenados.

    III. Afirmamos que, se quisermos ter a paz da alma, precisamos observar os mandamentos de Deus, pois o Espírito Santo nos diz que aquele que vive segundo as leis de Deus está sempre contente e, além disso, nada é capaz de perturbá-lo. São Paulo nos diz que, em sua prisão, em seus sofrimentos, penitências e pobreza, é mais feliz e mais contente do que seus perseguidores em sua liberdade, abundância e devassidão; sua alma está repleta e transbordante de alegria e consolação [cf. 2Cor 12,10]. Santa Mônica nos diz que sempre se alegrava quando o marido, que era pagão, a maltratava. São João da Cruz nos diz que os dias mais felizes de sua vida foram aqueles nos quais ele mais sofreu. Mas, ao contrário – nos diz o profeta Isaías –, aquele que não vive segundo as leis do Senhor não estará nem contente nem será feliz. Sua consciência se assemelhará a um mar agitado por furiosa tempestade; as tribulações e os remorsos o acompanharão por toda parte [cf. Is 57,20; Eclo 14,1]. Se essas pessoas vierem lhes dizer que estão em paz, não acreditem, pois estarão mentindo; de fato, o pecador nunca terá paz. Vejam a prova, meus irmãos, em Caim. Depois que ele teve a desgraça de matar seu irmão Abel, seu pecado foi, por toda a sua vida, seu algoz, e não o deixou um minuto sequer [cf. Gn 4,10-13], até sua morte, para arrastá-lo ao inferno. Vejam ainda os irmãos de José [cf. Gn 37,12-36]. Vejam Judas: depois de vender seu Divino Mestre, ficou tão atormentado que foi se enforcar numa figueira, tamanho o fardo que a vida para ele se tornara [cf. Mt 27,3-10]. Lemos na história que um rapaz, em sua cólera, matou o próprio pai. Seu pecado não lhe dava trégua, nem de dia nem de noite. Ele parecia ouvir seu pai gritar continuamente: Ah, meu filho, por que você me estrangulou?. Ele mesmo foi se entregar à justiça, a fim que o sentenciassem à morte, pensando que o inferno não seria mais rigoroso. Ai, meus irmãos! Se tivermos a infelicidade de não mais guardar os mandamentos de Deus, jamais estaremos contentes, nem mesmo com as maiores riquezas. Vejam Salomão...

    Mas – coisa estranha, meus irmãos! –, ainda que fique atormentado e conheça os remédios que deve tomar para encontrar sua paz com Deus e consigo mesmo, o homem prefere começar seu inferno [neste mundo] a recorrer aos remédios que Jesus Cristo nos deu. Você está infeliz, meu amigo? Por que deseja permanecer nesse estado? Volte para Jesus e você tornará a encontrar a paz da alma que lhe foi arrancada por seus pecados.

    IV. Dizemos que, se não guardarmos os mandamentos de Deus, seremos infelizes todos os dias de nossa vida. Vejam a prova em Adão. Assim que ele pecou, o Senhor lhe disse: Por ter você violado minhas leis, a terra lhe será amaldiçoada, e não produzirá por si só mais do que mato e espinhos. Você comerá seu pão com o suor de seu rosto e, isso, todos os dias de sua vida [cf. Gn 3,17-19]. Vejam Caim, a quem o Senhor disse: Caim, o sangue de seu irmão grita por vingança: você será errante, vagabundo e fugitivo, todos os dias de sua vida [cf. Gn 4,12]. Vejam ainda Saul... Assim, meus irmãos, quando deixamos de viver o que os mandamentos de Deus nos ordenam, devemos esperar toda sorte de males espirituais e temporais. Pais e mães, querem ser felizes? Comecem a observar bem os mandamentos de Deus, a fim de poderem apresentar-se como modelo a ser seguido por seus filhos, e que vocês possam sempre lhes dizer: Façam como nós!. Se quiserem que eles façam bem suas orações, deem-lhes o exemplo. Querem que eles respeitem o santo dia de domingo? Comecem por vocês mesmos. Querem que eles sejam caridosos? Sejam vocês primeiro. Ai, meus irmãos! Se tantos males nos atormentam, não procuremos outra razão a não ser a multidão dos pecados que cometemos, transgredindo os mandamentos de Deus. Lamentemos, meus irmãos, por aqueles que virão alguns séculos depois de nós.¹¹ Ai! Será muito pior ainda!

    Queremos, meus irmãos, que Deus pare de nos castigar? Paremos então de ofendê-lo; façamos como os santos que sacrificaram tudo para não violar suas santas leis. Vejam São Bartolomeu e Santa Regina, que foram esfolados vivos, para não ofender a Deus. Vejam São Pedro e Santo André, que morreram crucificados. Vejam todas essas multidões de mártires que suportaram mil tormentos para não transgredir os mandamentos. Vejam todos os combates que os santos Padres dos desertos empreenderam contra o demônio e suas inclinações. Quando São Francisco de Assis se encontrava numa montanha para rezar, os moradores das redondezas foram pedir-lhe que os livrasse, por suas orações, de grande quantidade de feras, que devoravam tudo o que eles tinham. O santo lhes disse: Meus filhos, isso não se deve senão ao fato de vocês terem violado os mandamentos de Deus; voltem a Deus e vocês serão livrados. De fato, assim que mudaram de vida, eles foram libertados.

    De igual maneira, para concluir, devemos dizer que, se quisermos que nossos males espirituais e temporais cessem, paremos de ofender ao bom Deus; paremos de transgredir seus mandamentos. Deixem, meus irmãos, de entregar seu coração, seu espírito e, talvez, inclusive seu corpo à impureza. Parem, meus irmãos, de frequentar os jogos, os cabarés, os lugares de prazer. Abandonem, meus irmãos, os trabalhos no domingo. Deixemos de nos afastar dos sacramentos. Deixemos, meus irmãos, de violar com facilidade as leis do jejum e da abstinência; abandonemos o caminho trilhado pelos pagãos, que desconhecem os mandamentos. Procuremos, meus irmãos, nossa verdadeira felicidade, que só pode ser encontrada em Deus, cumprindo fielmente os mandamentos. Deixemos, meus irmãos, de trabalhar para nos tornar infelizes para a eternidade. Voltemos para Deus, meus irmãos, e pensemos que somos cristãos e que, por conseguinte, devemos combater nossas más inclinações e o demônio, fugir

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1