Casa de custódia
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Sobre este e-book
Nessa peça, Paulo Sérgio Pereira apresenta-nos um debate sobre a justiça e a burocracia brasileira e sobre as polêmicas que envolveram os tratamentos psiquiátricos a algumas décadas atrás. Tudo isso através de diálogos impactantes entre Hélio e seu companheiro de cela, os médicos e as enfermeiras e entre estes e os internos do Hospital. Uma história baseada em fatos reais, que provoca grande reflexão!
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Casa de custódia - Paulo Sergio Pereira
Prefácio
Os dois silêncios sobre Casa de custódia
Um motivo para Casa de custódia, de Paulo Sergio Pereira, ser um sólido texto de teatro é a firmeza de linguagem, o equilíbrio entre as partes, a reverberação do discurso em um plano preciso da realidade de determinada sociedade. É, ainda, a convocação para que assistamos, a partir de um recorte da realidade, a ação da destruição perpetrada em nome do legal e do legítimo na sociedade moderna.
O movimento da trama nos põe diante de um transcurso de tempo. Uma injustiça nos é mostrada, e a peça nos leva à salle de garde, na coxia do hospital. Lá, o diretor do hospital e seu velho assistente estabelecem um contraponto à ação produzida com a anuência e a contribuição deles próprios. Eles discutem as motivações dos tratamentos num tom em que conhecimento científico, humanismo
, cinismo pragmático e fatalidade rotineira se interligam.
Que outra atitude diante da doença mental? Os extremos mentais da discussão circundam a lobotomia e o trabalho da Dra. Nise da Silveira. Embora enfático demais na defesa de um horizonte que responderia melhor aos questionamentos das duas personagens relativos ao tratamento dos psicóticos, Álvares a torna um tanto vazia, quase ridícula, uma vez que está naquele hospital há tanto tempo quanto o diretor, como executor, bem-intencionado, culpado e cúmplice, agente que alimenta a continuidade da existência cotidiana do instituído. Soa talvez como um sarcasmo.
A peça foi escrita logo depois da soltura de Hélio Alves da Cruz. Ele permaneceu recluso num manicômio judiciário em Niterói, durante 36 anos. O ponto de partida da peça é o caso de um indivíduo que matou outro em legítima defesa e foi preso por causa de um erro judicial, no descaso do tempo burocrático. Quando a justiça resolve soltá-lo, ele não sabe mais quem é. A personagem Hélio da peça aparece, de saída, indignada, muito tempo depois, confusa e, quando ganha a liberdade, definitivamente perdida.
A peça foi publicada em 1999, mas criada e escrita por ocasião da notícia da soltura de Hélio Alves da Cruz, em 1988. Seu foco atinge os questionamentos relativos às práticas psiquiátricas vigentes, ao poder médico e à própria loucura. Ser louco, ficar louco, fabricar o louco. A reclusão manicomial como instituição do cuidado – prisão. A operação é feita por homens concretos e contraditórios, Jofre e Álvares. Nenhum saber aplaina o demasiado humano de qualquer condição.
Mas a peça ainda tem outro elemento. Não é o polo central do erro e do poder de sua arbitrariedade. Trata-se da perpetração de um arbítrio. Jofre, o médico, o psiquiatra chefe, também diretor da unidade manicomial, usa de aparato psiquiátrico para calar sua enfermeira, amante de anos, que acaba por querer que Jofre decida se ele continuará casado ou ficará com ela, com quem conversa e realiza fantasias sexuais com apetrechos hospitalares. A hybris
de Rute, quando vê protelada sua demanda, passa por se oferecer sexualmente aos internos, encenando as fantasias sexuais do seu chefe – médico e diretor. A medicina psiquiátrica é empregada para satisfazer o desejo de silêncio do diretor. A decisão de tratá-la, criando a versão de seu enlouquecimento, é ativada. Mais uma vez, Álvares faz o que manda sua consciência crítica.
Portanto uma determinada rede de motivos, de razões e de intenções no exercício daquele cuidado. A razão, a prática, a crença no saber, a crença de que se está do lado certo, a parcialidade dos juízos, tudo isso define os contornos imaginários e cognitivos das duas personagens que questionam o sentido do que estão fazendo, em seu modo de viver o trabalho.
A figura do paciente de longo curso, submetido à ordem manicomial, foi um foco crítico e militante da cultura dos anos 60. É uma história dos homens depositados, sem a liberdade de ir e vir, sem nenhuma serventia, quebrados da razão continuada, trastes de si, no acúmulo dos anos de rotina