O Lobo Atrás da Porta
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O Lobo Atrás da Porta - Fernando Coimbra
roteiro fernando coimbra
edição e organização rafael sampaio
revisão e preparação ana paula gomes
edição e transcrição de texto belisa figueiró
projeto gráfico e diagramação marcelo sodré aka cão fila
participantes da conversa com Fernando Coimbra fabiula nascimento, karen akerman, leandra leal, miguel machalski, milhem cortaz e rafael sampaio
mediação da conversa flavia guerra
fotos de still andrea capella
fotos de cena lula carvalho
foto da orelha isabella tozzini
O filme O Lobo Atrás da Porta foi filmado em 2011 e produzido pela Gullane Entrenimento
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
C679L Coimbra, Fernando
Lobo atrás da porta [livro eletrônico] / Fernando Coimbra; prefácio de Fernanda Torres; organização e edição de Rafael Sampaio; edição de Belisa Figueiró; revisão e preparação de Ana Paula Gomes; projeto gráfico e diagramação de Marcelo Sodré; entrevista com Leandra Leal, Fabiula Nasciomento, Milhem Cortaz, Karen Akerman, Miguel Machalski; mediação da conversa Flávia Guerra; fotografias still de Andrea Capella; fotografia de cena de Lula Carvalho.– São Paulo: Klaxon; BrLab, 2021.
192 p. il.color.
Incl. Índice inicial.
isbn 978-65-89279-02-0
1. Cinema – Brasil 2. Cinema – Roteiro 3. Lobo atrás da porta (Filme) 3. Coimbra, Fernando (1976-) 4. Entrevistas – Leal, Leandra – Nascimento, Fabiula – Cortaz, Milhem – Akerman, Karen – Machalski, Miguel. I. Sampaio, Rafael II. Torres, Fernanda III. Capella, Andrea IV. Carvalho, Lula V. Guerra, Flávia VI. Título. VII. Série.
cdd 791.430981 cdu 791(81) FIAF F79lobo
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Cinema: Roteiro791.439.92 2. Roteiros Cinematográficos 791.437
agradecimentos especiais a
ALEXANDRE MYIAZATO, ANA LUCIA BORGES, BEATRIZ CARVALHO, CAIO GULLANE, CAÍQUE FERREIRA, CARLOS PECORARO, DANILO SOLFERINI, DIEGO CAVALCANTE, FABIANO GULLANE, FABIULA NASCIMENTO, FERNANDA LUCCIO, FERNANDA PANACHÃO, FERNANDA TORRES, FERNANDO COIMBRA, FLAVIA GUERRA, FLAVIA MIRANDA, GILSON PACKER, GRAZIELA MARCHETI GOMES, GIOVANA AMANO, JOSEPHINE BOURGOIS, JULIANO CAZARRÉ, KAREN AKERMAN, KARINE TELES, LARISSA BIASOLI, LEANDRA LEAL, LUANDA BALDIJÃO, MARINA PECORARO, MARINA TORRE, MARIANI OHNO, MATHEUS PESTANA, MILHEM CORTAZ, PAULO TIEFENTHALER, RACHEL DO VALLE, SIMONE YUNES, SUELY SOLFERINI.
2021 . São Paulo . Klaxon / BrLab Edições
PREFÁCIO
CONVERSA COM FERNANDO COIMBRA
CADERNO DE DIREÇÃO E MAKING OF
ROTEIRO
PREFÁCIO
Quando estreei no cinema, o não ensaia que estraga!
era voz corrente nos sets de filmagem. Ali, imperava o mito de que a repetição prévia roubava o frescor da atuação. Com o passar dos anos, o dispendioso custo de produção exigiu mais planejamento e menos improviso por parte da indústria, o que levou à aposentadoria da velha máxima.
Para lidar com o mistério da profissão do ator, surgiram, então, os ensaiadores com conhecimento do processo teatral, que assumiram para si o trabalho de investigação e interação do elenco.
E é por isso que o caso de Fernando Coimbra tanto me surpreende. Ao perceber sua vocação para cineasta, Coimbra enxergou não na câmera, mas na interpretação, o nó górdio do ofício que queria abraçar. E decidiu não apenas encarar a ribalta, como também se engajar no grupo do Teatro Oficina, liderado por José Celso Martinez Corrêa.
Ali, o aspirante enfrentou, de cara, As Bacantes, de Eurípedes; seguida de Pra Dar um Fim no Juízo de Deus, de Antonin Artaud, e Cacilda!, sobre a trajetória da diva Cacilda Becker. Ele foi o Leleco do Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, e adaptou e atuou n’Os Sertões, de Euclides da Cunha. Coimbra também participou da remontagem de todo o repertório da companhia – Hamlet inclusive – para as gravações em DVD.
O Oficina foi a USP, a Sorbonne e o Actors Studio da vida do iniciante. Mais do que uma formação acadêmica, o grupo lhe propiciou um aprendizado prático, semelhante ao das oficinas renascentistas, que ensinavam, no fazer, as técnicas artesanais dos grandes mestres.
No icônico palco-corredor do Bexiga, idealizado por Lina Bo Bardi, Fernando descobriu o quão tênue é a fronteira que separa a função do ator à do diretor, do editor e do roteirista. E o quanto Hamlet tem de Édipo, e Leleco de Polônio.
Faço essa longa introdução porque a ligação de Coimbra com o teatro explica a qualidade do roteiro que você tem em mãos. E também porque o diretor deve a José Celso Martinez Corrêa a descoberta de Neyde Maria Maia Lopes, a infanticida que inspirou a terrível Rosa de O Lobo Atrás da Porta.
Em 1998, durante um jantar com a trupe do Oficina num restaurante de São Paulo, Zé Celso chamou a atenção de Coimbra para uma revista Manchete, de 1963, perdida entre outras publicações antigas que serviam como decoração do ambiente. A edição trazia a notícia do julgamento de Neyde, a Fera da Penha, que assassinou a tiros, e depois queimou, a filha pequena de um homem casado de quem era amante.
Logo após o jantar, Coimbra arriscou um argumento que recebeu o rodrigueano título de Uma Fera Matou Meu Anjo
!
A internet ainda engatinhava. Com base numa pesquisa de jornais e revistas, feita na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, o futuro diretor se lançou a uma primeira versão do roteiro. Fiel aos fatos, ela começava com a Fera deixando a prisão, em 1975, depois de cumprir quinze anos de pena.
Os autos do processo só chegariam às mãos do diretor seis anos mais tarde. Em vez de notícias sensacionalistas na terceira pessoa, ele tinha acesso, agora, às vozes, aos diferentes relatos que, assim como em Boca de Ouro, alteravam o sentido do que poderia ter sido, ou não, verdade.
As mudanças no texto, provocadas pela leitura dos depoimentos, lhe tomariam mais três anos de dedicação, até chegar no primeiro tratamento do que seria levado às telas. Esse longo lapidar mostra como um assunto, um causo, um conto, qualquer ideia que carregue nela a possibilidade de ser transposta para o cinema, age como uma doença crônica naquele que se dispõe a persegui-la.
A concisão do roteiro de O Lobo Atrás da Porta, a profundidade de seus personagens e a economia das cenas são fruto dessa longa enfermidade.
Os autos permitiriam uma análise precisa dos motivos que levaram Neyde, ou Rosa, ao infanticídio. Coimbra, assumindo o papel do delegado, manteve a escuta atenta para o testemunho do casal, da amante e dos coadjuvantes que contribuíram para o desfecho trágico.
Mais do que descobrir como a criança foi assassinada, o diretor procurou desvendar a lógica passional do crime. O porquê da vilania e da atrocidade de tão absurdo gesto. Já não importava recriar o homicídio ocorrido em 1960 e, sim, tratar de um desvio de comportamento passível de existir ontem, hoje e sempre. Assim, a contemporânea Rosa assumiu o papel da Fera.
O roteiro de O Lobo Atrás da Porta guarda um longínquo parentesco com Édipo Rei. Sófocles concebeu uma trama quase policial, dosando, a conta-gotas, as revelações que culminam na cegueira autoinfligida do herói. Édipo, que tanto procura o assassino de Laio, descobre ser ele mesmo o culpado. Bernardo, o marido infiel, também.
As primeiras cenas trazem indicações precisas de câmera, mais tarde abandonadas. Costumo me irritar com descrições de tomadas e planos. Penso que um roteiro deve combinar a precisão de diálogos da dramaturgia com a densidade imagética da literatura. Uma narrativa emotiva, sensorial, e não técnica, que induza à escolha da lente e do movimento de câmera, sem detalhá-la.
Perguntei ao Coimbra o porquê das indicações tão precisas na abertura e seu posterior desaparecimento. O diretor esclareceu que o tratamento aqui editado é datado de um período muito próximo à filmagem, quando ele já sentia a necessidade de refletir sobre a maneira de enquadrar cada cena.
A ideia do plano e do contraplano da chegada da polícia na casa de Rosa, no começo e no final do filme, por exemplo, sempre fez parte dos planos do diretor. É uma ideia potente, e que me marcou de tal forma, que guardei na memória como a cena de abertura do filme. E mesmo agora, ao ler o roteiro, não me lembrei do início, achei que Fernando tivesse cortado a apresentação de Bernardo, Sylvia e Clarinha. Mas não.
Coimbra cortou, sim, as cenas finais do casal reagindo à notícia do homicídio. O sofrimento dos dois suscitaria um sentimento de piedade reconfortante no espectador, avesso ao desejo do cineasta. Essa é a razão da obra final terminar com o frio e incômodo e mais não disse
.
As passagens mais absurdas e escabrosas do roteiro são tiradas da realidade
, afirma o diretor, só coube a mim inventar as banalidades
. E que banalidades!
O cigarro, permitido à amante, incomoda o marido quando fumado pela esposa. O orgulho do carro e o cheiro da gasolina. As visitas de Rosa a Sylvia, que de fato existiram, mas não incluíam a caipirinha, o banho e muito menos o espreguiçar das duas no santo leito matrimonial. A impressionante cena em que Bernardo força Rosa a implorar pelo sexo, para depois negá-lo. A curra, o tapa na cara. A vulgaridade agressiva de Betty. O xixi na calça de Clarinha, trocada com zelo pela mulher que lhe tirará a vida, de fato existiu, mas parece inventado. A intimidade foi recriada com tamanha precisão nesse roteiro, que nos faz crer ser tudo realidade. Isso é ficção.
O aborto, estopim da vingança atroz de Rosa, aparece apenas num vago relato escrito de próprio punho pela Fera da Penha. A polícia nunca investigou a existência da clínica e nem do médico, ignorando a suposta gravidez interrompida. Coube ao roteirista dar o devido peso à brutalidade do marido macho acuado, que se livra do feto sem o consentimento da concubina gestante.
O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, gira em torno do misericordioso beijo dado por Arandir num moribundo atropelado. Mas existe um delito comum a três personagens centrais da peça, que os une e condena. Tanto o investigador Aruba, quanto o jornalista Amado Ribeiro, e também o puro e compassivo Arandir planejaram, provocaram ou foram coniventes em três abortos.
Aruba chutou a barriga de uma mulher; Amado engravidou uma arrumadeira, morta ao introduzir um talo de mamona no próprio útero; e Arandir, certo de que criança estraga a lua-de-mel, havia ido ao Centro para empenhar uma joia e cobrir os custos da interrupção da gravidez de Selminha.
O aborto não consentido de O Lobo Atrás da Porta carrega a mesma maldição divina daqueles praticados em O Beijo no Asfalto. Na cabeça torta da assassina, um filho por outro
justifica o injustificável. É a traição brutal de Bernardo que detona o pathos suburbano. Os jornais, revistas e os processos legais que esmiuçaram o caso não narram essa história. Coube ao cinema contá-la.
O Lobo Atrás da Porta é uma tragédia grega de Nelson Rodrigues, psicografada por Fernando Coimbra, para ser exibida num Cineplex de Epidaurus. É o doutorado de um cineasta com curso superior nos palcos.
Fernanda Torres
CONVERSA COM FERNANDO COIMBRA
Participantes Fabiula Nascimento, Fernando Coimbra, Karen Akerman, Leandra Leal, Miguel Machalski, Milhem Cortaz e Rafael Sampaio.
Mediação Flavia Guerra
RAFAEL Fernando, você poderia começar contando um