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O Homem que não tinha nada
O Homem que não tinha nada
O Homem que não tinha nada
E-book302 páginas4 horas

O Homem que não tinha nada

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Sobre este e-book

ESTE LIVRO CONTÉM GATILHOS.Se você está esperando um livro de conto de fadas ou um romance épico daqueles que tiram o fôlego, bom talvez esse livro não seja para você. É um livro sobre o que o homem mais tem de humano, e o que ele menos tem... É sobre preconceito, injustiça e ditadura militar.Sobre escolhas erradas e xenofobia. Mas também é sobre recomeço, sobre luta e talvez sobre glórias. É um daqueles livros que a gente reflete, se incomoda mas é também necessário.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de mar. de 2021
ISBN9786500087277
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    O Homem que não tinha nada - Magnum Ferreira

    DEDICATÓRIA

    Como todos os livros, dedico a vocês, meus amados leitores. Contudo esse em especial, é dedicado a mim. Não como de forma prepotente, longe disso, pois este se trata dum desabafo, duma forma de retratar aquilo que havia sido preso e agora, enfim é liberto. Onde a ficção se mistura com a realidade num resultado artístico e verídico. 

    Cada pedra lançada foi transformada em degraus, e o homem que não tinha nada, hoje tem o pouco que lhe agrada. 

    Sintam-se à vontade, deguste da leitura e acreditem que o nada para muitos se torna o tudo de poucos. 

                                                  Magnum Ferreira, autor.

    Isso se trata de uma obra fictícia, quaisquer semelhanças com a realidade é mera coincidência.

    É dezembro de 1970, o caos está se implantando a cada metro nesse país. As notícias do atual cenário, as quais rondam de boca em boca,

    descrevem o inferno do outro lado da prisão e isso o anima, pois desde 64 nada mais importa nesse país. Ele está contando as horas para, finalmente acabar a sentença, e desfrutar de toda essa baderna. Não se sabe o que lhe espera nesse nosso Brasil, contudo a ansiedade para conhecê-lo é eminente, afinal pagou um preço que não cometeu e agora ansiava por justiça.

    Não era descrito por santo, apenas mais um brasileiro que foi enganado pelo sistema. Melhor me expressar bem. Tiraram-lhe tudo que tinha! Até sua dignidade, mas pode ter absoluta certeza que irá atrás duma nova chance, dum recomeço e enfim, dar para suas duas mulheres, um motivo para se orgulhar. Seu coração está pesado, deveria estar feliz em saber que ao amanhecer poderia revê-las, contudo não se sente pronto, seu medo de decepcioná-las novamente é refletido em seu olhar. De mais uma vez falhar como pai e marido.

    Por tantas coisas passou dentro dessa cela, que o fez se adaptar a este novo mundo. Presenciou mortes, foi ameaçado, humilhado e aceito. Esqueceu até de Deus, desistiu de si mesmo.

    "— Eu sou inocente! Tenho uma criança para cuidar, pelo amor de Deus não faça isso comigo! Por que não prendem quem realmente merece? Só pelo fato dele ser rico e um merda?

    Seus hipócritas!" repetiu tantas vezes em meio as lágrimas que perdera a conta, mas a resposta era sempre com violência, com socos e chutes, tanto dos policiais como dos próprios companheiros de prisão.

    O Brasil está ardendo em chamas, e ele somente quer dançar sobre elas. Afinal, do que adianta resistir, se no final seremos silenciados. Para sempre.

    Prestes a sair, as memórias penetram sua mente, num tom de alerta.

    Seu nome? Josué Ferreira de Lemos, pernambucano. Tem 40 anos, era magro num corpo esguio de feições envelhecidas mesmo com essa idade. Seus olhos são fundos e arroxeados, devido as noites de insônia que tivera, desde, a morte de sua mãe. Não estava preparado a tocar novamente nessa ferida, pois era novo demais para presenciar tal cena. Josué tinha apenas 14 anos quando aquele vagabundo, o qual se denominava pai, a esfaqueou bem diante dos meus olhos. Enfim, recordar disso logo em sua liberdade, apenas lhe aprisionará mais uma vez, ele está fadigado.

    São tantas vozes, bradando por um novo país, que é difícil acreditar nelas. Os meios de comunicação estão se vendendo por migalhas, claro, eles não são tolos em travar a batalha com os Militares. Todos tem um preço, qual é o seu?

    Sentado naquela cama de cimento, sentindo a maldita doença retornar a lhe possuir. Josué tentava se acalmar somente lembrando-se delas: Josefa e a sua filha Marta. Ele retira debaixo das suas tralhas (as poucas roupas que comprou na cadeia, após ganhar uma luta contra um mineiro metido) a única fotografia que colore sua vida.

    Minha Josefa é dessa intimidade que a intitula, deveria ter agora seus 35 anos, pois fazem quase 2 anos que foi injustamente detido, pois sua atitude tinha motivos e uma explicação. Todavia, ele era um nada e isso o sentenciava.

    AI (Ato Institucional) 1, apenas reafirma de quem são os donos por direito do país. Eles usurparam o trono verde e amarelo, iniciando um golpe. Entretanto quem iria impedir?

    Você ou eu?

    Era é tão linda que após tantos anos de casado, ainda se encontra apaixonado, entretanto nunca foi romântico, nem tampouco carinhoso. A certeza que a amava, mas nunca soube declarar esse sentimento. Ignorante, bruto, bipolar. Poderia usar seu passado como desculpa, e fortificar sua inocência utilizando o transtorno nervoso devido ao descaso de seu eu interno, mas não, na visão de Josué, ela merecia alguém melhor, bem melhor do que a si mesmo. Marta, amada Marta, fruto desse relacionamento conturbado, a ver quase uma moça o trás de volta a realidade, e se emociona. Isso dói tanto, que sente as mãos trêmulas.

    O maior inimigo se encontra na própria sombra, refletido no espelho do olhar. É necessário tempo ou apenas um motivo para visualizar quem será o real culpado de todos os erros ou acertos.

    — Eu nunca fui alguém para ser um marido nem ao menos pai! Eu estraguei a vida delas! Tirei tudo que havia de bom e destruí suas vidas! — as lágrimas cortavam seu rosto, a raiva efervescia seu sangue. Lançou a fotografia para longe, com vergonha do homem que havia se tornado.

    Repulsa. Nojo. Decepção. Palavras repetitivas em seu próprio consciente e repetidas como praga. Roubou os sonhos de Josefa quando a convidou a embarcar nessa louca aventura rumo a São Paulo, atrás dum sonho impossível, do maior erro que poderia cometer e ainda por cima com sua filha. O que merda estava se passando na cabeça?!

    — Idiota! Idiota! Filho da puta! – socava a parede, vislumbrando sua face refletida, com a visão distorcida pelo choro, segura seus cabelos curtos, quase os arrancando. — O que foi que eu fiz? Por que sou assim? Eu não quero sair daqui! DEIXEM-ME MORRER AQUI, PELO MENOS ELAS FICARÃO LIVRE DE MIM!

    — Pernambuco? Ei cara, calma porra. Pare com isso!- todos lhe chamavam desse jeito, alguns por ironia, somente para humilhá-lo, outro como esse, poderiam descrever como amigáveis. Era um homem gordo com tatuagens mal feitas espalhadas pelos braços roliços, segurando firmes seus ombros. — Se quer dar seus surtos, trate de tê-los longe de mim, cansei de ouvir sua voz e ver essa cara feia, por todos esses anos. A merda tá fedendo do outro lado, os governantes estão se fodendo. –— gargalhou me pondo na cama com certa força. — Você tem a sorte de, finalmente ter uma segunda chance, tanto com suas minas, quanto para a sociedade. Não estrague isso cara, já sofresse demais aqui e eu sei que tu pagaste um preço alto Pernambuco.

    — Não me arrependo de nada que fiz, mas pode ter certeza que vai ter troco.

    — Deixe o circo pegar fogo garoto, logo a justiça será feita, mas foque apenas na sua vida que há de recomeçar. Sabe que muitos dariam tudo para ter a tua liberdade, então faça por merecê-la. Toma. — abriu a mão e tinha dois comprimidos, daqueles que ele tomava diariamente, mas para conseguir dentro da cadeia, necessitava literalmente lutar por elas ou fazer serviços extras, como limpar fossas, engraxar dezenas de sapatos e lavar todas as roupas dos detentos. Jamais obteve sem um preço e aquilo o pegou de surpresa.

    — O que devo fazer? O que quer de mim agora

    Carioca? Diga logo.

    — Como tu és desconfiado cara. Essa droga é tua, quero nada de troca não! Nem todos os homens são ruins, Josué, apenas optam por escolhas distintas. Engole, se acalme e trate em dormir. Amanhã, és um cara limpo. Um filho da puta pronto para andar pelas ruas de São Paulo sem se preocupar com a sirene da polícia zoando em seu ouvido. Sortudo.

    Se fossem apenas as sirenes o incomodar, seria até prazeroso andar pelas ruas e avenidas, entretanto tenha cuidado onde pisa, ou poderá se machucar.

    — Agradeço muito mesmo. Isso que acabou de fazer, não irei esquecer. — Josué apertou sua mão e sorriu amarelo, pois até forçar um sorriso doía. — O que realmente está acontecendo no Brasil? Somente ouço murmúrios e boatos detrás das grades, sei que estamos na merda, contudo não posso saber se é verdade ou não.

    Carioca foi até a pequena janela de ferro, observando o brilho da lua e num tom alegre disse:

    — Pobre pernambuco, nem sabe o que realmente lhe espera. Creio que sua liberdade seja o primeiro passo a verdadeira prisão. A resistência está nascendo! Escolha um lado antes que eles te escolham. Saiba duma coisa Josué, nesse novo Brasil, seja vilão ou morra herói, pois no atual momento não existe o bem nem tampouco o mau. É tudo uma merda só.

    É madrugada numa rua paulistana. Um grupo de estudantes canta o hino nacional numa tentativa de patriotismo ou quem sabe duma forma de atingir o ego dos militares, na finalidade de dialogar. Eles estão cercados por policiais de expressões frias, nem se importa com o que aquele medíocre grupo pede, fala ou opina. Não os lhe interessa. Um dos estudantes, que segurava um cartaz escrito RESPEITO, se aproxima, mas mal o deixou chegar e outro militar o segura fortemente, arrancando e rasgando a cartaz. É iniciado o tumulto.

    É disparado um tiro.

    O sangue dos anarquistas colorem os cartazes.  Desde 64 a constituição brasileira foi rasgada, as escolhas contrárias retribuídas com violência. Seja bem vindo a Pátria Amada!

    Enfim Josué adormece, com um estranho sorriso no rosto calejado pelo tempo. Sobre o colchão surrado e fedido de urina, ele sonha com o mundo lá fora e cria expectativas. Mesmo diante do inevitável caos infestado no país, ainda tem fé.

    Por enquanto e até quando?

    Ainda o sol nem desabrochou nas cortinas negras da noite, e lá se encontrava Josué arando o solo seco e árido duma cidade destruída pela seca. Somente o som da enxada atritando com as pedras quebrava o breu do silêncio. Todo santo dia era assim, mais ou menos, quatro horas da manhã ele despertava lentamente sem acordar Josefa, levava consigo o candeeiro iluminado seus passos. No rosto, além do cansaço duma noite mal dormida devido a inúmeras contas à pagar e seus insuportáveis transtornos, Josué tentava por um sorriso em seu rosto e criar uma fé dum novo dia. Entretanto isso parecia mais um sonho impossível. Eles eram humildes, seu casebre se localizava longe do centro, e a água para suas necessidades se encontrava a quilômetros de distância. Um açude que pertencia a grande fazendeiro, o qual de bom coração, doava o que tinha.

    Josefa, sempre acordava após seu marido, ela sempre o seguia com o olhar, contudo não falava nada para não lhe deixar mais nervoso, o conhecia bem e as brigas eram rotineiras. Motivos? Qualquer um. Não pediu por um galante, apenas queria poder ajudá-lo de alguma forma, ser ouvida, mas ele era bruto e ignorante, carregava consigo um fardo do passado, porém não era motivo para descontar nela, nem tampouco em Marta.

    Josué tinha o costume de passar pelo quarto de Marta, agora com seus 15 anos, como ela está crescendo. Se tornando uma mulher pensava tristonho, pelo fato dele não ter condições de dar-lhe um futuro melhor do que esse presente miserável que obtinha. Sua vontade era poder ir até sua cama, retirar o mosqueteiro e dar-lhe um beijo, mas seu orgulho o prendia disso e pior, toda vez, que perdia o controle, sem perceber descontava na qual não tinha nada a ver com seu nervosismo.

    "— Me respeite Marta! Fique quieta quando eu estiver falando! Quando estiver morando debaixo do meu teto, comendo da minha comida, vai fazer o que eu mandar! Está me ouvindo?— bradou nervoso quando, enquanto discutia com Josefa por ao chegar em casa e não teve almoço pronto, Marta se intrometeu, respondendo:

    — Mainha, estava lavando louça, carregando água, procurando comida para os bodes, e costurando para lhe ajudar e ainda reclama painho? Somente ver seu lado?

    — Cala a boca Marta. Deixe que eu resolva com o seu pai. Isso não é da sua conta.— Advertiu Josefa à filha, a qual não retirava os olhos de Josué.

    — É sempre assim! Chego cansado, rodo Lajedo atrás dum trocado para colocar comida nessa mesa, nos seus materiais escolares e, ainda por cima, Marta me desafora? Estou mole mesmo! Passe para seu quarto agora ou ...

    — Ou o que pai? Vai me bater de novo? É só isso que sabe fazer né? — já com os olhos lacrimejantes, Marta chegava mais perto, atiçando a raiva de Josué e com isso, o maldito problema nervoso, o atacava. — Já estou cansada, disso.

    — Era bem melhor ter tido um filho homem, pelo menos       me       ajudaria       nos       afazeres.—       Se       arrependeu instantaneamente Josué pelo que foi dito, mas era tarde demais. Marta chorou e ainda mais chegou perto dele gritando em prantos.

    — Para você, pai, era melhor ter morrido, pelo menos, tinha outra chance de conseguir o que queria. Somente assim, não teria um pai feito você!

    Josué bateu em seu rosto. Tremendo. Nervoso. Arrependido, saiu de casa derrubando que tinha pela frente e ao longe, debaixo duma jurema, enrolou seu fumo e tragou enquanto chorava."

    Um ato, por pequeno e inofensivo que seja aos olhos, pode modificar por completo todo o sentido. Tanto para o bem quanto para o mal.

    Relembrar das brigas cortava o frio coração de Josué, e aquilo somente o machucava ainda mais. Se questionando o porquê por ser daquele jeito.

    A seca castigava arduamente aquela região, quase nada que plantavam, colhiam e o que conseguiam prevalecer naquele clima, mal dava para alimentar o mês. Seus dois bodes e três galinhas eram magras e fracas, prestes a morrer. O alimento era apenas palmas cortadas e uns punhados de farelo de milho, o qual comprava fiado do mercado de seu Zé, lá na Avenida 19 de maio.

    Um dos poucos da cidade que ainda oferecia crédito para Josué.

    Josefa preparava o café: cuscuz com ovo e café, arrumava Marta para ir ao Dom Expedito Lopes, mas antes ambas carregavam água do açude do fazendeiro, até sua casa.

    — Bença painho?

    — Deus lhe abençoe e lhe dê juízo.— respondeu Josué, querendo falar mais, se desculpar mais, contudo o velho orgulho não deixava e fixava seus olhos na enxada. Quando Marta esperava o carro de boi vim buscá-la para leva-la à escola, ele retirou do fundo do bolso as últimas moedas que tinha. — Tome, para comer algo e cuidado para não gastar tudo. — era a forma de ele dizer: amo você, se cuida.

    — Pode deixar pai. — e assim ela subiu o carro de boi com outras crianças e partiram.

    Josefa, sempre olhava com preocupação e dor em seu peito ao vê-la ir, pelo fato de que, isso não era vida para sua filha. Vivia angustiada pelos maus tempos em Lajedo e principalmente pela falta de chuva, era apenas questão de tempo para tudo acabar: comida e água.

    — Josué, a comida está acabando, o dono do açude já está preocupado com a sua água e já pensa em parar a distribuição, se continuar assim...

    — Eu já sei Josefa. Eu não estou cego! O que posso fazer? Pensa que fico feliz com isso? Imagina que vou à rua vadear ao invés de procurar emprego? — Josué lançou sua enxada ao chão e falava alto para com sua esposa. — O tempo de feijão é somente daqui a seis meses e se a chuva vier. Milho? Nem se vê a sombra. Até para limpar mato ninguém está precisando, o que posso fazer mais? Roubar?

    — Por que não pergunta ao Fazendeiro se ele precisa de alguém? Minhas costuras não estão dando muito lucro, ouvir falar que em Caruaru tem serviço para costureiras, posso ir até lá...

    — Eu num tô ficando doido não, Josefa? Pia só, minha mulher ir sozinha para Caruaru, atrás de serviço e eu aqui me lascando? Queres me humilhar mesmo Josefa, só pelo fato de saber ler e escrever e eu ser um burro analfabeto!

    — Deixe de sua ignorância Josué! Eu não falei isso, não coloque palavras em minha boca. Apenas quero ajudar.

    — Ajude na cozinha e o resto eu faço! E me deixe em paz! Irei ao bar de Seu Clemente vê se vendo esse bode. E trate de tirar essa ideia besta de ir à Caruaru, ligeiro! Não tenho paciência para ouvir besteiras suas.

    E pôs a caminhar Josué, irritado com Josefa levando consigo o bode.

    De sua casa até o centro de Lajedo, ficava à meia hora de andada. Ele estava morrendo de fome, devido à raiva que teve de sua esposa, esqueceu até mesmo de tomar café. Enquanto andava pelo caminho de cactos, pés de jurema-preta e aveloz, numa caatinga desgraçada, Josué xingava tudo e todos, murmurando palavrões e reclamando da maldita vida que tinha, difamando até Deus. Era errado e isso ele sabia, contudo nessas horas as palavras têm poder e cega aquele que as profere.

    O sertanejo é um guerreiro no qual luta solitário, sem armas visíveis, sem armaduras vestíveis. Carregando consigo fé e oração.

    Mais de uma hora se passou e lá estava Josué, no meio da feira livre. Muitas pessoas o cumprimentavam, ele era conhecido pelas redondezas, por ser um bom trabalhador, mas tinha a fama de ser bravo e ignorante, devido a isso perdia muitas oportunidades de ganhar trocados por sua cara feia. Havia um local, perto da Praça Joaquim Nabuco, que vendiam, compravam e trocavam de tudo um pouco, conhecida como: Feira do Troca. Muitos comerciantes da região negociavam seus sacos de feijões e milho, Josué os olhava com inveja, por suas carroças carregadas, por suas roupas limpas e principalmente por suas barrigas cheias.

    Tanto para poucos e pouco para muitos. O resumo da realidade em poucas palavras.

    — E esse bodinho, é pra vender? — perguntou um desses comerciantes fortes de Lajedo ao ver o animal de Josué. Alegre ele confirmou.

    — Sim senhor! Tenho um precinho ótimo para negociar...

    — Tão magrinho, nem o couro serve para utilizar como tapete. — interrompeu com o ar de menosprezo, olhando para o bode. — deve pesar quanto? Uns 2 quilos? — gargalhou enquanto tragava um cigarro e soltou uma baforada no rosto do animal. — Isso nem dá para eu comer no almoço. Veja isso. — levantou o bode pelo couro.— minhas galinhas pesam mais que esse bode.

    A paciência de Josué já estava se esgotando com aquele homem. Ele poderia ser rico, forte e duma classe maior do que a de Josué, mas isso não servia como pretexto para humilhá-lo.

    — Se não quiser comprar, senhor, pode ir embora. Certamente irei vender na Feira do Troca, sem precisar de suas piadas.

    — Duvido muito. Essa carcaça não vale nenhum cruzado.

    Foi o cúmulo para liberar a doença de Josué, e sem hesitar deu um soco no rosto daquele comerciante. As pessoas ao seu redor pararam se surpreendendo e para o azar de Josué, outros homens o atacaram, dando chutes e socos.

    — Chega! — limpando o sangue em seus lábios aquele homem ordenou aqueles que o batiam. — como se atreve seu merda! Sabe quem sou? Um ignorante desse sabe nem de onde vem. Sou Benedito Manoel de Lima, deveria ter respeito. Falarei com o caro prefeito, Severino Rosa que endureça a segurança dessa Lajedo, pelo visto estamos atrasados. Para não dizer que sou ruim, tome aqui uns cruzados. Isso vale mais do que merece, esse seu magricelo bode.

    Jogou o dinheiro sobre Josué, o qual estava deitado, resmungando de dor. Tremendo de fúria. Naquele instante, nunca odiou tanto políticos na vida. Assim que eles saíram um senhor calvo, dono duma barraca de bebida o ajudou a levantar.

    — Tome uma lapada disso, e a dor vai passar. — entregou uma dose de temperada, e Josué tomou duma vez só. — Vai com calma.

    — Porra de calma. Se vinhesse um por um, daria conta desses safados! Esses vagabundos, babões do prefeito, são covardes! Malditos! — Josué se encontra descontrolado, seu corpo tremia, mal conseguia enxergar direito, necessitava do remédio. — Bote mais uma dose, mais forte, por favor.

    Enquanto a senhor enchia o copo de Josué, ele disse:

    — Os políticos nãos estão nem aí para pessoas como a gente meu amigo e ouvir falar que somente irá piorar ao passar do tempo. Escutei boatos, lá das bandas do Rio e São Paulo, que a merda vai feder ainda mais. O tal presidente, esqueci seu nome, está numa situação complicada, dizem que até que a polícia entrará em ação!

    — Por mim, tem é que meter é bala nesses políticos safados, que somente comem do nosso bolso! Seria o primeiro a concordar com isso. Melhor, se Deus me ajudar ainda me mudo pra cidade grande, aqui em Lajedo eu vou terminar da mesma maneira do meu bode; magro, humilhado e morto. Só o couro e osso!— sorriu amarelo e ingeriu outra dose de temperada, dessa vez penetrou queimando sua garganta.

    — Pois se queres isso, conheço alguém que pode te levar até lá. Se tiver interesse.

    Josué arregalou os olhos e deu uma tapa na bancada, com um sorriso largo, já embriagado e exclamou:

    — Oxê, me diga logo onde posso encontrar esse cabra. Estou doido pra sair dessa merda de cidade mesmo. Sei que é caro a passagem, mas se ele quiser, posso negociar algumas coisas que possuo.

    A precipitação pode causar um dano irreversível. Um passo mal dado, uma escolha sem pensar trará consequências. Josué, não foi alertado do que viria pela frente.

    — Pois amanhã à noite, marcarei um encontro com ele.

    Nos vemos no Mercado Público.

    Uma decisão que não poderia simplesmente tomar sozinho. Ir para São Paulo era um sonho de quase todos nordestinos, contudo se tratava dum

    tiro no escuro. Mas o que Josué tinha a perder? Nada. Lajedo em meio a crises financeiras, nunca deixou de ser um lar aconchegante, muitos momentos bons marcaram não somente sua vida e sim toda sua família. Deixá-lo para trás se tornou um partida inevitável, contudo dolorosa.

    Ele caminhava com dificuldade devido ao efeito do álcool e também pelas dores sofridas na feira. As ruelas da cidade pareciam curtas demais e, uma vez ou outra; Josué se desequilibrava e caía. A mixaria que recebeu pelo bode mal dava para fazer uma grande compra e em sua casa o alimento, produtos higiênicos e íntimos estavam no fim. Tudo estava dando errado e isso era

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