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Hegel e as artes
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E-book232 páginas3 horas

Hegel e as artes

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Sobre este e-book

Ao propor uma sistematização das artes, Hegel busca apreendê-las tanto em sua singularidade quanto em sua universalidade como arte. O sistema das artes é a terceira parte da estética, apresentada depois daquelas dedicadas ao belo ideal e às Formas de arte, e corresponde à investigação da realização da arte na efetividade e da efetivação do espírito na materialidade, nas formas das diferentes artes particulares. A busca por uma sistematização ou divisão das artes já vinha sendo trabalhada por pensadores do idealismo e do romantismo, fundamentalmente com base em questões de forma e expressividade de cada arte, sendo que Hegel destacará o conteúdo, levando em consideração um aspecto lógico que permeia todo o seu pensamento filosófico, o qual, aliado a questões inerentemente estéticas, determina a compreensão conceitual das artes. Hegel empreende uma articulação histórico-conceitual entre a arte e suas formas de efetivação na materialidade, estabelecendo um conteúdo típico de cada arte como reflexo do contexto espiritual das Formas de arte, onde o conteúdo simbólico se liga à arte da arquitetura; o conteúdo clássico, à arte da escultura; e o conteúdo romântico, às artes da pintura, da música e da poesia. Por meio de um tratamento baseado na historicidade do conteúdo das artes, constitui-se um sistema dinâmico, que permite também refletir sobre o contexto posterior a Hegel com base em seu pensamento, discutindo-se as relações entre forma e conteúdo na arte moderna.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jun. de 2022
ISBN9786525242507
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    Hegel e as artes - Gustavo Torrecilha

    CAPÍTULO 1 O DESENVOLVIMENTO DAS ARTICULAÇÕES ENTRE AS ARTES

    Hegel, em diversos momentos de sua obra, aponta a importância do desenvolvimento histórico de um conceito para sua compreensão pela filosofia, como um progresso do abstrato para o concreto, de modo a superar, ainda que conservando, conforme a noção de Aufhebung¹⁶, os momentos anteriores do pensamento. Na Fenomenologia do Espírito, o autor aponta que o desenvolvimento do saber pressupõe seus estágios anteriores (cf. FE, p. 38) e que, no processo de progressão e refutação de sistemas filosóficos, estes mantêm em si os anteriores, com a diversidade como um desenvolvimento progressivo da verdade (FE, p. 24). Por isso, antes de passar propriamente à exposição do sistema das artes, é interessante retroceder para a discussão dessa questão nos filósofos que antecedem Hegel na história da filosofia, na medida em que ela pode apresentar importantes aspectos do desenvolvimento do pensamento que culminará em sua articulação das artes, dado que o próprio Hegel vê a sua filosofia como resultado de uma relação de incorporação e superação dos autores que o precederam.

    O empreendimento de articulação das artes é, em um primeiro momento, trazido no âmbito da crítica de arte de Lessing e corresponde a um resgate da tradição do ut pictura poesis, estabelecida na antiguidade pela poética de Horácio. O resgate da discussão entre as diversas artes por parte de Lessing, em sua obra intitulada Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia, tem por objetivo resolver uma contradição, uma vez que se determinam os temas da pintura e da escultura como distintos, além, é claro, de estabelecer a tradicional divisão entre as artes que atuam no espaço e as que atuam no tempo. Lessing realiza esse empreendimento porque busca, enquanto crítico, compreender os limites e a capacidade de cada arte. Tendo esse resgate como base, a constituição da estética moderna no século XIX, especialmente por parte do romantismo e do idealismo alemão, traz como um dos seus elementos principais o desenvolvimento da estética comparada¹⁷, seja entre as artes, seja entre gêneros (divisões internas dentro de cada uma das artes; por exemplo, os diferentes gêneros na poesia). Sistematizar as artes corresponde a entender o princípio único que articula todas elas, ou seja, o que há de comum entre as diversas artes particulares, sua unidade, ou, ainda, o que resta das obras quando são vistas para além do mero material empregado, como a pedra da arquitetura, o som da música ou as sílabas da poesia¹⁸. Esse empreendimento ganha importância, pois a tarefa de comparação e relação entre as artes é ao mesmo tempo auxiliar e indispensável à determinação da essência própria da arte¹⁹. Simultaneamente, uma teoria filosófica das artes apenas é racionalmente necessária se ela, ao mesmo tempo, conjuga dois esforços distintos: o de identificação do elemento de cada arte individualmente e o de diferenciação em relação às demais²⁰. É por esse motivo que a filosofia da arte deve conceber as artes como um sistema de artes individuais, apreendendo sua diferenciação em termos de algum princípio que certifica ao mesmo tempo o caráter constitutivo de cada e o escopo exaustivo de sua pluralidade²¹.

    Neste retrocedimento serão apresentadas três propostas de articulação das artes, por parte de Kant, de A. Schlegel e de Schelling, bem como considerações mais gerais a respeito do entendimento de cada um deles a respeito da arte, à medida que forem necessárias para a compreensão de cada um acerca das artes. Kant, além de ter certo pioneirismo no âmbito da articulação das artes (como o próprio reconhece²²), é tido por Hegel como o ponto de partida para a verdadeira apreensão do belo artístico (CE I, p. 78). A escolha de A. Schlegel e Schelling ocorre porque os dois, ao lado de Hegel, foram os responsáveis pela apresentação dos mais relevantes sistemas estéticos do período do romantismo e do idealismo alemão. Além disso, Hegel reconhece A. Schlegel por ter se apropriado da Ideia filosófica (mesmo sem reivindicar o ponto de vista do pensamento especulativo) e Schelling por dar à ciência seu posto de vista absoluto (CE I, p. 80), ainda que veja insuficiências e limitações no pensamento de cada um. Já Schiller, apesar de não apresentar uma proposta de articulação em termos análogos aos demais, mereceu no desenvolvimento deste livro também uma seção à parte, pois representa um importante passo para a compreensão do pensamento romântico e da filosofia hegeliana, na medida em que teve o grande mérito de ter rompido com a subjetividade e abstração kantianas do pensamento e de ter ousado ultrapassá-las, concebendo a unidade e a reconciliação como o verdadeiro, e de efetivá-las artisticamente (CE I, p. 78), permitindo o desenvolvimento que passa por A. Schlegel, Schelling e finalmente culmina no pensamento de Hegel.

    Deve-se ressaltar, no que diz respeito a esse retrocedimento aos nomes que antecederam Hegel, que se trata não de comentários sobre esses autores, mas de uma tentativa de reconstrução, com base no ponto de vista hegeliano, da questão de articulação das artes. Nesse sentido, a argumentação pode, por vezes, conter certa parcialidade e unilateralidade²³, sem se constituir como um comentário específico sobre Kant, Schiller, A. Schlegel e Schelling. O que é pretendido aqui é compreender como se manifesta a leitura hegeliana de tais autores, reconstruindo os pensamentos destes dentro da compreensão de Hegel sobre suas respectivas filosofias, e como elas são incorporadas (e, de acordo com a visão hegeliana, superadas) em sua própria filosofia, mais especificamente em sua articulação das artes. Como resultado, o próprio Hegel estabelece suas preferências e chaves de leitura, embora algumas discussões e referências que poderiam ser trazidas a uma investigação do desenvolvimento da filosofia alemã no período de Kant a Hegel tenham ficado de fora, dado que a reconstituição a seguir se baseia nas referências tidas por Hegel e por ele explicitadas²⁴.

    1.1. A DIVISÃO DAS BELAS-ARTES NA CRÍTICA DA FACULDADE DE JULGAR DE KANT

    Diferentemente de Hegel, Kant, em sua terceira crítica, preocupa-se não em realizar uma ciência do belo, mas em apresentar um juízo do gosto. Já na primeira crítica há uma discussão com Baumgarten, que oferecera o primeiro impulso fundamental unificador para a compreensão do sensível pelo racional, ou seja, da estética como ciência, como teoria da sensibilidade²⁵ – o que acarretará a perspectiva de um sistema da arte e, consequentemente, das artes; na Crítica da razão pura, Kant chega a negar a possibilidade de tal empreendimento²⁶. Apesar de sua censura a Baumgarten, Kant virá a

    se debater na Crítica da razão pura e na Crítica do Juízo precisamente com o problema de uma estética ou sensibilidade que ora é receptiva, ora é produtiva.

    […] Na Crítica do Juízo […], a estética é justamente a maneira como o sensível é produtivo na constituição de um juízo de gosto: se na teoria do conhecimento da Crítica da razão pura o estético se refere à recepção do múltiplo dado na percepção e que necessita dos conceitos que lhe dêem uma direção, na Crítica do Juízo, o estético, localizado na sensação, entra em acordo com o entendimento, sendo produtivo [²⁷].

    Não obstante a censura kantiana a Baumgarten por causa da tentativa deste de unir coisas estranhas entre si, Kant empreenderá também, à sua maneira, uma compreensão do sensível pelo intelecto; para isso, ele busca

    verificar uma atuação recíproca, da arte na natureza, na noção de uma técnica da natureza, bem como da natureza no sujeito, na concepção da bela arte e do gênio. Ao contrário de Baumgarten, que partia do nível do entendimento abstrato e formal, é certo que localizado na sensibilidade, mas mesmo assim ainda marcado pelo inteligível, Kant irá partir do caminho oposto, ou seja, do interior do próprio sentimento, para daí extrair o universal [²⁸].

    Disso resulta seu empreendimento na Crítica da faculdade de julgar, que, ainda que não se proponha ser um sistema da arte ou das artes, oferece diversos elementos para ciências da arte posteriores, como sua tentativa filosófica de compreensão das artes e das relações destas entre si. Para entender a lógica da divisão das belas-artes apresentada por Kant, é preciso, em primeiro lugar, compreender a caracterização tanto do objeto belo comum quanto do objeto artístico belo, categorias de caráter distinto, como visto nas formulações a respeito da natureza bela e da arte bela²⁹, por exemplo. Em termos gerais, pode-se dizer que a categoria do belo em Kant está intimamente ligada à sensação de satisfação ou comprazimento que um objeto pode causar³⁰, o que expressa um caráter fenomenológico da percepção do belo, na medida em que ele está ligado ao sentimento de prazer ocasionado pelo objeto no observador. Não são apenas objetos belos que despertam a sensação de satisfação; Kant relaciona ao sentimento de satisfação também o objeto agradável, sublime ou bom. Na primeira parte, a Crítica da faculdade de juízo estética, Kant empreende uma analítica tanto do belo quanto do sublime, este que, por sua vez, é especialmente ligado à natureza e às suas formas.

    A satisfação despertada por um objeto belo é um sentimento do sujeito, uma sensação, o que implica a ausência de uma regra objetiva para o juízo de gosto que possa determinar conceitualmente o que é belo. É por isso que Hegel aponta a concepção kantiana do juízo estético não como proveniente do entendimento enquanto tal, ou da intuição sensível, mas do livre jogo do entendimento e da imaginação (CE I, p. 76). Para a terceira crítica kantiana, seria impossível fundamentar um critério universal do belo por meio de determinados conceitos; nesse sentido, a comunicabilidade universal das sensações de satisfação (ou também de insatisfação) seria esse critério empírico – ainda que fraco e insuficiente – para a suposição da derivação de um gosto³¹, com base nas faculdades do entendimento. Ou seja, mesmo se tratando de uma sensação que é ocasionada em cada indivíduo e que não diz respeito a uma característica inerente ao objeto, pressupõe-se que as demais pessoas também compartilhem da mesma satisfação ocasionada por tal objeto, o que é responsável por elevar seu status à categoria de bela-arte.

    A caracterização do belo é a base para o pensamento de Kant a respeito da arte e, mais especificamente, das belas-artes e de sua divisão, bem como para outras questões de sua obra. Com base nisso, pode então a terceira crítica kantiana caracterizar a bela-arte:

    Se a arte, adequada ao conhecimento de um objeto possível, direciona as ações para tal requeridas somente para torná-lo real, ela se chama mecânica; se, em contrapartida, tem o sentimento de prazer como seu propósito imediato, ela se chama estética. Esta última é uma arte que é ou agradável ou bela. Ela é do primeiro tipo quando tem por fim que o prazer acompanhe as representações como meras sensações; e é do segundo tipo quando tem por fim que ele as acompanhe como modos de conhecimento. Artes agradáveis são aquelas que somente têm por fim a fruição; são desse tipo todos os atrativos capazes de entreter as pessoas reunidas em uma mesa: […] Em contrapartida, as belas artes são um modo de representação que é por si mesmo conforme a fins e, embora sem fim, fomentam o cultivo das forças da mente para a comunicação em sociedade [³²].

    A beleza, que funda a bela-arte, pode também ser entendida como expressão de ideias estéticas feita por meio do objeto artístico. As ideias estéticas são uma "representação da imaginação que dá muito a pensar sem que, no entanto, um pensamento determinado, isto é, um conceito, possa ser-lhe adequado; portanto, uma representação que nenhuma linguagem alcança ou pode tornar compreensível"³³. As ideias estéticas apresentam um conceito de tal modo que se abre um campo potencialmente inesgotável de outras representações que estão associadas com o significado do conceito, fazendo com que exploremos, tanto de modo imaginativo quanto intelectual, aquilo ao qual um conceito se refere³⁴. Essa capacidade de sensificar ideias de modo expressivo, um talento que não é redutível a nenhuma técnica, é atribuído ao gênio³⁵.

    É com base nas ideias estéticas que se articula a divisão das artes proposta por Kant na Crítica da faculdade de julgar. Essa divisão tem por princípio uma

    a analogia da arte com os modos de expressão de que os seres humanos se servem ao falar, para comunicar-se entre si da melhor maneira possível, isto é, não apenas quanto aos seus conceitos, mas também quanto ao que sentem. Esses modos de expressão consistem na palavra, no gesto e no tom (articulação, gesticulação e modulação). Somente a ligação desses três modos de expressão constitui a comunicação completa do locutor. Pois assim o pensamento, a intuição e a sensação são transmitidos juntos e ao mesmo tempo ao outro [³⁶].

    Dos três modos de expressão resultam, portanto, três espécies de belas-artes, que expressam ideias estéticas por meio da palavra, do gesto, ou do tom – artes discursivas, artes figurativas e a arte do belo jogo das

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