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Tractatus 100: revisitando a obra de Wittgenstein
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Tractatus 100: revisitando a obra de Wittgenstein
E-book417 páginas9 horas

Tractatus 100: revisitando a obra de Wittgenstein

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Sobre este e-book

Este livro reúne reflexões atuais de pesquisadores e pesquisadoras dedicados a variados aspectos da filosofia de Ludwig Wittgenstein, em celebração ao centenário do Tractatus Logico-Philosophicus, e corrobora não apenas a persistente relevância do livro para a filosofia contemporânea como também a proficuidade de suas temáticas e de suas lições metodológicas. As diferentes abordagens dos autores e das autoras presentes elucidam ainda a complexidade exegética da obra e as profundas imbricações filosófico-culturais, linguísticas, literárias e críticas que atravessam o pensamento do filósofo austríaco. De Kierkegaard a Kraus, do místico à lógica, da ética ao silêncio, do solipsismo ao contrassenso, os textos deste volume ampliam e aprofundam as camadas interpretativas e analíticas sobre uma das mais importantes obras filosóficas do século XX.
IdiomaPortuguês
EditoraPUCPRess
Data de lançamento31 de out. de 2022
ISBN9786553850125
Tractatus 100: revisitando a obra de Wittgenstein

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    Tractatus 100 - Léo Peruzzo Júnior

    Capa

    © 2022, Darlei Dall’Agnol, Léo Peruzzo Júnior e Janyne Sattler

    2022, PUCPRESS e Editora da UFSC

    Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por escrito das Editoras.

    Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

    Reitor

    Ir. Rogério Renato Mateucci

    Vice-Reitor

    Vidal Martins

    Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação

    Paula Cristina Trevilatto

    PUCPRESS

    Coordenação: Michele Marcos de Oliveira

    Edição: Susan Cristine Trevisani dos Reis

    Edição de arte: Rafael Matta Carnasciali

    Preparação de texto: Mayara Drobot da Silva Portela e Paula Lorena Silva Melo

    Revisão: Clarisse Lye Longhi

    Capa e projeto gráfico: Rafael Matta Carnasciali

    Diagramação: PUCPRESS

    Produção de eBook: S2 Books

    Conselho Editorial

    Alex Vicentim Villas Boas

    Aléxei Volaco

    Carlos Alberto Engelhorn

    Cesar Candiotto

    Cilene da Silva Gomes Ribeiro

    Cloves Antonio de Amissis Amorim

    Eduardo Damião da Silva

    Evelyn de Almeida Orlando

    Fabiano Borba Vianna

    Katya Kozicki

    Kung Darh Chi

    Léo Peruzzo Jr.

    Luis Salvador Petrucci Gnoato

    Marcia Carla Pereira Ribeiro

    Rafael Rodrigues Guimarães Wollmann

    Rodrigo Moraes da Silveira

    Ruy Inácio Neiva de Carvalho

    Suyanne Tolentino de Souza

    Vilmar Rodrigues Moreira

    PUCPRESS / Editora Universitária Champagnat

    Rua Imaculada Conceição, 1155 – Prédio da Administração – 6º andar

    Campus Curitiba – CEP 80215-901 – Curitiba / PR

    Tel.: +55 (41) 3271-1701

    pucpress@pucpr.br

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    Reitor

    Irineu Manoel de Souza

    Vice-Reitora

    Joana Célia dos Passos

    EDITORA DA UFSC

    Diretor-Executivo: Waldir José Rampinelli

    Coordenação Editorial: Flavia Vicenzi

    Conselho Editorial

    Waldir José Rampinelli (Presidente)

    Agripa Faria Alexandre

    Carolina Fernandes da Silva

    Diogo Robl

    Fábio Augusto Morales Soares

    Fernando Luís Peixoto

    Ione Ribeiro Valle

    Jeferson de Lima Tomazelli

    Josimari Telino de Lacerda

    Marília de Nardin Budó

    Núbia Carelli Pereira de Avelar

    Priscila de Oliveira Moraes

    Raphael Grazziano

    Rosane Silvia Davoglio

    Sandro Braga

    Vanessa Aparecida Alves de Lima

    Editora da UFSC

    Campus Universitário – Trindade

    88040-900 – Florianópolis-SC

    Fone: (48) 3721-9408

    editora@contato.ufsc.br

    www.editora.ufsc.br

    Dados da Catalogação na Publicação

    Pontifícia Universidade Católica do Paraná

    Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

    Biblioteca Central

    Luci Eduarda Wielganczuk – CRB 9/1118

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de rosto

    Apresentação

    A presença de Russell no pensamento de Wittgenstein

    Impressões sobre o Tractatus Logico-Philosophicus

    Tractatus Logico-Philosophicus: limites e amplitude do conhecimento

    O sentido positivo do contrassenso: uma leitura do Tractatus, de Wittgenstein, contra a ideia do autorrepúdio

    O valor do silêncio: sobre o que & como se deve calar

    Os sons do silêncio: observações sobre a importância do inefável no Tractatus Logico-Philosophicus

    Os sistemas de pontos materiais de H. Hertz e a Ontologia do Tractatus de L. Wittgenstein

    O sem sentido não é um contrassenso: uma análise das ocorrências de Sinnlos

    Tractatus, 6.3751

    A constituição serial do sentido

    Solipsismo e os limites do sentido no Tractatus

    Wittgenstein e o Solipsismo: um velho nome para um novo problema

    O Tractatus e a indiferença de Deus com relação ao mundo: notas sobre o aforisma 6.432

    O Kierkegaard krausiano de Wittgenstein à época do Tractatus

    Breves observações sobre o sentimento místico no Tractatus Logico-Philosophicus e seus desdobramentos na obra de Wittgenstein

    Sobre os autores

    Notas

    Apresentação

    Há 100 anos, Ludwig Wittgenstein, depois de várias tentativas, finalmente conseguia publicar o seu livro Logisch-Philosophische Abhandlung (1921), mais tarde rebatizado com o título latino Tractatus Logico-Philosophicus (TLP) pelo qual é conhecido até hoje. Completada três anos antes, em plena guerra mundial, a obra tornou-se um clássico da filosofia contemporânea. O centenário de sua publicação é um excelente motivo não apenas para (re)lê-la, mas também para refletir sobre a história de suas recepções e, eventualmente, repensar sobre as interpretações feitas até agora. Acima de tudo, claro, é uma oportunidade para avaliar as contribuições dessa obra ímpar do pensamento filosófico. Afinal, o que o livro de Wittgenstein tem ainda a nos dizer (ou mostrar) cem anos depois de ter sido publicado? Uma resposta a essa pergunta depende, obviamente, não apenas de uma interpretação adequada do Tractatus, mas também de uma análise das revisões e críticas feitas posteriormente pelo próprio Wittgenstein – que continuam gerando discussões profícuas.

    Acreditamos que existem três grandes momentos de recepção do Tractatus Logico-Philosophicus. Em primeiro lugar, o livro foi interpretado a partir do logicismo de Frege e Russell, ou seja, da tentativa de reduzir a matemática à lógica. Em um segundo momento, o livro foi associado com o Círculo de Viena e ao seu programa cientificista do qual faziam parte eminentes pensadores, tais como: Schlick, Waissman, Gödel etc. Finalmente, surgiu no final do Século XX uma interpretação do sentido mais amplo da obra centrada nas suas contribuições éticas associando o TLP a autores como Kierkegaard, Schopenhauer, Tolstoi etc. A seguir, reconstruiremos os principais pontos desses três momentos procurando mostrar que a atualidade do Tractatus pode ser percebida nas discussões sobre o seu sentido ético. Com isso, procuramos prestar uma singela homenagem ao centenário da primeira grande obra filosófica de Wittgenstein.

    O programa logicista, brevemente caracterizado, é o projeto que visa a mostrar que a matemática, em especial a aritmética, pode ser reduzida à lógica. Esse programa poderia, segundo seus proponentes, em especial Frege e Russell, ser feito a partir da construção de um simbolismo logicamente perfeito. De fato, é possível encontrar no TLP algumas observações que podem ter levado à interpretação logicista: A matemática é um método da lógica (6.234). Além disso, no prefácio de sua obra, Wittgenstein menciona explicitamente Frege e Russell como autores que motivaram seus pensamentos e, em carta a este último, revela ter resolvido nossos problemas. Agora, a famosa Introdução escrita por Russell como condição do editor para publicar o TLP revela que a leitura logicista foi enviesada, pois Wittgenstein não estava interessado em construir um simbolismo perfeito, mas apenas em estabelecer as condições necessárias e suficientes para que uma proposição tivesse sentido. Alguns capítulos deste livro discutem, direta ou indiretamente, aspectos da presença de Russell na primeira obra de Wittgenstein.

    A leitura neopositivista do Tractatus deve-se, em grande medida, aos contatos de Wittgenstein, primeiramente com Moritz Schlick e, na sequência, com Friedrich Waismann. Assim, seguindo uma interpretação particular, o Manifesto do Círculo de Viena apontará, por um lado, que a filosofia metafísica é recusada pela concepção científica de mundo e, por outro, que a origem lógica dos descaminhos metafísicos, como encontrada nos trabalhos de Russell e Wittgenstein, consiste em dois erros lógicos fundamentais: "um vinculado demasiadamente estreito com a forma das linguagens tradicionais e a ausência de clareza quanto à realização lógica do pensamento e, o outro, na concepção de que o pensamento possa conduzir a conhecimentos a partir de si, sem a utilização de qualquer material empírico, ou que possa, ao menos, a partir de estados de coisa dados alcançar conteúdos novos, mediante inferência". Embora Wittgenstein tenha relutado contra eles por quase uma década até seu rompimento definitivo, os neopositivistas se apropriaram de passagens do Tractatus como a realidade é comparada com a proposição (4.05), a proposição pode ser verdadeira ou falsa só por ser uma figuração da realidade (4.06) e o fim da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos. A filosofia não é uma teoria, mas uma atividade (4.112) para sustentar que uma redução verificacionista poderia indicar o sentido dos enunciados científicos.

    Os neopositivistas lógicos, pelo menos em um primeiro momento, aspiravam à hipótese de que uma teoria unificada da ciência exigiria uma clara demarcação entre as proposições científicas e os enunciados metafísicos. Por isso, na essência da nova concepção científica do mundo não se estabeleceriam proposições filosóficas próprias, mas apenas esclareceriam o caráter absurdo de certos tipos de enunciados. Schlick, por exemplo, ao abrir o primeiro volume da revista Erkenntnis discutindo algumas teses centrais do Tractatus, em 1930, afirmou que Wittgenstein teria encerrado discussões milenares entre os filósofos. Por isso, ao pretenderem reconduzir a linguagem do calor metafísico às montanhas geladas da lógica, como afirmam, os neopositivistas também enxergaram no Tractatus a necessária aversão à filosofia sistemática e, consequentemente, o solo para nutrir o argumento de que não há filosofia como ciência fundamental ou universal ao lado ou sobre os diferentes domínios da ciência empírica. Alguns capítulos deste livro abordam questões epistêmicas e de filosofia da ciência a partir das contribuições do Tractatus Logico-Philosophicus.

    A interpretação ética do Tractatus foi, primeiramente, desenvolvida a partir de cartas do próprio Wittgenstein sobre o que pretendera alcançar com a sua obra. Foi a partir desse depoimento que ficamos, por exemplo, sabendo que o livro era composto de duas partes: a escrita, efetivamente, e uma segunda parte não escrita, mas importante, que exibia o sentido ético do TLP. Essa primeira indicação foi explorada por autores que procuraram mostrar as diferenças significativas do logicismo de Russell e Frege e do programa cientificista do Círculo de Viena com a atitude ética de Wittgenstein. A partir da década de 1970, então, uma série de publicações de artigos e livros (incluindo a Conferência sobre ética do próprio Wittgenstein) procuravam interpretar e discutir criticamente as observações finais do Tractatus sobre o sujeito volitivo e os limites da linguagem, o místico, a natureza transcendental da Ética, a busca da felicidade, o sentido da vida e a morte, Deus, o valor do silêncio etc. No centenário da obra de Wittgenstein, esses temas continuam inquietando seus leitores.

    Como podemos perceber no presente volume, a maioria das contribuições não discute problemas de lógica ou epistemologia, mas trata, no sentido amplo, de temas éticos. Sem querer menosprezar as contribuições importantes de Wittgenstein à filosofia teórica, o que transparece neste centenário de publicação do Tractatus é que seu interesse renovado e seu impacto atual consistem exatamente naquilo que a leitura logicista ou positivista não foi capaz de captar: Sentimos que, mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados (6.52). Isso não significa que esteja claro de uma vez por todas o que Wittgenstein quis mostrar com sua obra. Significa apenas que o livro não é apenas um clássico da filosofia, mas mantém vitalidade capaz de motivar as pessoas a buscarem uma compreensão mais acurada de suas contribuições. Oxalá os trabalhos publicados neste volume ajudem a fazer uma (re)leitura frutífera da primeira obra de Wittgenstein.

    Gostaríamos de agradecer a todas as pessoas que contribuíram para este volume e também às que foram convidadas e tentaram fazê-lo, mas, por motivos compreensíveis nestes tempos difíceis, não conseguiram. Registramos também, de forma especial, o apoio recebido dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR e da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, bem como das Editoras PUCPRess e EdUFSC por acreditarem no projeto. Esperamos que este livro possa colaborar com os estudos wittgensteinianos e, acima de tudo, motivar as pessoas a ler o Tractatus Logico-Philosophicus e discutir criticamente as suas possíveis contribuições para a filosofia.

    Curitiba/Florianópolis, 10 de agosto de 2021.

    Darlei Dall’Agnol – UFSC

    Léo Peruzzo Júnior – PUCPR

    Janyne Sattler – UFSC

    A presença de Russell no pensamento de Wittgenstein [ 01 ]

    Alejandro Tomasini Bassols

    I) INTRODUÇÃO

    Imaginemos um historiador que se propõe a reconstruir a história da Revolução Bolchevique e no seu texto menciona, de maneira detalhada e convincente, Sverdlov, Trotsky e o tratado de Brest-Litovsk, Stalin, o Czarismo e suas fraquezas, os problemas do campesinato, a Primeira Guerra Mundial, a intervenção estrangeira e assim por diante, porém em nenhum momento aparece o nome de Lenin. Qual seria a reação normal e espontânea com relação à reconstrução? Creio que qualquer pessoa com mínimo conhecimento sobre história reagiria da seguinte forma: Certamente há algo errado aqui. Tudo que o autor afirma está correto, mas obviamente tem algo faltando nessa reconstrução. Assim como está, é simplesmente incompleto. Sem considerar a participação de Lenin, a Revolução de Outubro fica sem explicação!. Deixando de lado o interessante assunto do papel dos heróis na história, tenho certeza de que todos concordariam instintivamente com a crítica: mesmo que tudo dito pelo autor esteja correto, se o papel de Lenin no fenômeno acima não for levado em consideração, tal fato simplesmente fica sem explicação e, portanto, não pode ser entendido corretamente. A participação de Lenin no tão complexo processo que foi a Revolução Russa simplesmente não pode ser ignorada.

    Desejo sustentar que, mutatis mutandis, acontece exatamente a mesma coisa, de um lado com Bertrand Russell e do outro com o surgimento e a evolução do pensamento de Ludwig Wittgenstein. Assim, argumento que, embora a produção filosófica de Wittgenstein seja inteligível por si só, há uma maneira pela qual sua realidade, sua existência e o próprio fato de ter sido produzida permanecem inexplicados, a menos que de alguma forma sua dívida com o pensamento de Russell seja abertamente reconhecida. Claramente, no meu ponto de vista, as relações pessoais de Russell e Wittgenstein surgem e podem ser mais bem compreendidas por meio do estudo de sua relação filosófica (e, posteriormente, também mediante suas posturas políticas opostas). Assim, o estudo do segundo lança uma luz sobre o primeiro, e não o contrário – o que é normalmente presumido e tido como certo. Agora, ao contrário da interpretação tradicional, a perspectiva que desejo defender nesse ensaio não é apenas a declaração mais ou menos vaga de que Russell teve algo a ver com o nascimento e desenvolvimento do pensamento de Wittgenstein, mas sim a possibilidade de argumentar concretamente que a produção filosófica de Russell foi simplesmente decisiva para Wittgenstein. Em outras palavras, olhando essa questão retrospectivamente e com o intuito de elaborar algo de um equilíbrio geral e objetivo, penso que é possível demonstrar que Russell era nada menos que uma conditio sine qua non para Wittgenstein florescer filosoficamente e para lhe permitir produzir sua grande obra, o Tractatus Logico-Philosophicus.

    Além disso, argumento que, embora de maneira diferente, a presença de Russell no pensamento de Wittgenstein também é fundamental em seu segundo grande período filosófico. De fato, diria que a influência de Russell sobre Wittgenstein teve, por assim dizer, duas modalidades: uma positiva e uma negativa, sendo ambas igualmente importantes – e por razões que não posso considerar neste ensaio, a influência negativa praticamente invisível de Russell teve consequências mais transcendentes do que a óbvia e bem conhecida influência positiva. Por outro lado, a visão que desejo apresentar aqui não pode ser estabelecida por meio de uma sequência de afirmações despreocupadas, por mais razoáveis ou inteligentes que possam parecer. Em vez disso, é necessário demonstrar, e é precisamente isso que tentarei fazer. No entanto, a demonstração necessária somente pode ser realizada apresentando e analisando uma variedade de exemplos concretos. Obviamente, sempre será possível aumentar a lista de casos para fortalecer minha proposta, mas acredito que os exemplos analisados aqui serão suficientes para deixar minha posição solidamente estabelecida. Entretanto, como simples observação metodológica, pode ser importante observar que seria irrelevante tentar refutar minha perspectiva enumerando os resultados filosóficos obtidos por Wittgenstein de maneira totalmente independente. O que sustento está longe de ser incompatível com a ideia de que Wittgenstein chegou a importantes posições filosóficas por si só. Seria simplesmente absurdo tentar negar tal realidade. O que defendo é simplesmente que a rejeição do meu argumento somente pode ser feita com êxito se for demonstrado que a obra de Russell é completamente irrelevante para as filosofias de Wittgenstein, o que entraria imediatamente em conflito com o que o próprio autor reconhece [ 02 ]. Se o que ele diz representa ou não uma vantagem para o meu ponto de vista é uma questão que não abordarei.

    II) A INFLUÊNCIA POSITIVA DE RUSSELL

    Começarei apontando que influência, como careca, é uma palavra cujo significado é essencialmente vago ou indeterminado. A expressão influenciar alguém pode aludir a uma variedade de situações. Podemos utilizá-la para dizer, por exemplo, que A direcionou a atenção de B para algo, que A inspirou B com relação a um determinado assunto, que A convenceu B a olhar para uma situação em particular de uma determinada maneira, que A o levou a adotar uma determinada atitude relacionada a pessoas ou animais, que A o induziu a agir de tal maneira… tudo isso mesmo que mais tarde B acabe tendo perspectivas alternativas ou divergentes de A. Com isso em mente, podemos começar a trabalhar nosso próprio ponto de vista.

    Mesmo que seja um fato o contato de Wittgenstein com a literatura filosófica antes de sua chegada em Cambridge, em 1911, é igualmente inegável que Bertrand Russell o apresentou ao reino da filosofia profissional, de alto nível e técnica. De fato, como se sabe, o que despertou o interesse de Wittgenstein pelos assuntos filosóficos e, em particular, pelos problemas relativos à lógica e aos fundamentos da matemática foi o livro Os Princípios da Matemática, de Russell. Assim, mesmo que – como o próprio Russell foi o primeiro a reconhecer – após um ano de estudo com ele, Wittgenstein praticamente tenha deixado de ser seu aluno, durante todo o seu primeiro ano em Cambridge, desde o outono de 1911, Wittgenstein foi pupilo de Russell. Na época em que Wittgenstein se tornara filosoficamente independente de Russell, ele trabalhava principalmente em problemas que Russell havia deixado em aberto. Em um sentido não insignificante, portanto, o programa filosófico que posteriormente seria encarnado no Tractatus Logico-Philosophicus foi estabelecido por Russell. E aqui devemos combinar duas verdades que dão lugar a um paradoxo: embora seja verdade que foi Russell quem, de alguma forma, impôs, como citei, o programa filosófico, também é verdade que Wittgenstein acabou fazendo uma filosofia russelliana melhor do que o próprio Russell. Isso merece alguns esclarecimentos.

    O fato de Wittgenstein ter uma dívida filosófica com Russell é algo que ele mesmo reconhece publicamente quando admite isso explicitamente no prefácio do Tractatus:

    Desejo apenas mencionar que devo às obras grandiosas de Frege e aos trabalhos de meu amigo Bertrand Russell uma boa parte do estímulo às minhas ideias (WITTGENSTEIN, 1978, Prefácio).

    Esta é uma declaração pública que não pode ser menosprezada, especialmente por não se tratar de uma ocorrência única. Em uma das cartas escritas por Wittgenstein para Russell durante o tempo em que esteve preso em Monte Cassino em 1919, Wittgenstein escreveu:

    Escrevi um livro que será publicado assim que eu estiver em casa. Acho que finalmente resolvi nossos problemas. (WITTGENSTEIN, 1974, p. 67, ênfase minha).

    O que Wittgenstein parece estar sugerindo é que se trataria de uma contribuição com sua solução aos problemas filosóficos que ele havia herdado e compartilhado com Russell. Assim, há razões para sustentar a ideia de que estava dentro da estrutura da filosofia russelliana típica, uma estrutura que foi profundamente modificada, na qual muitas das primeiras contribuições de Wittgenstein devem ser localizadas. Utilizando a expressão atomismo lógico para designar não apenas a metafísica de Russell, mas também a pseudo-ontologia factual do Tractatus, diversas diferenças, pontos de vista contrários ou mesmo mutuamente excludentes emergem imediatamente. No entanto eles não apenas estavam cientes dessas diferenças, mas também entendiam a razão de discordarem. Parece, portanto, como se em princípio uma posição comum pudesse ser elaborada de tal forma que suas ideias mais importantes fossem incorporadas em um único sistema de pensamentos. Pelo que vejo, há algumas linhas de pensamento filosóficas que não são compartilhadas por eles e que são essencialmente wittgensteinianas. Tenho em mente, em primeiro lugar, a convicção filosófica de que não há, a rigor, nenhum problema genuíno na filosofia e, em segundo lugar, a ideia de que haja limites na linguagem, limites de significados. Essas são visões que Wittgenstein sempre defendeu e que Russell sempre rejeitou, mas todas as outras coisas podem ser situadas em uma estrutura filosófica única e geral que foi criada por Russell. Agora, presumindo por enquanto a solidez dessas afirmações, podemos considerar em detalhes alguns pontos de conflito entre o que Russell sustenta e o que Wittgenstein defende no Tractatus. O objetivo desse confrontamento é deixar claro como a posição de Wittgenstein emerge ou surge da de Russell, que ele então radicaliza e aperfeiçoa:

    a) Proposições atômicas ou elementares

    Russell tira a ideia de uma proposição atômica, que atualmente é uma noção de senso comum, de seu trabalho pioneiro em lógica. Tanto no cálculo proposicional quanto no de predicados, é necessária a noção de uma proposição definitiva e não analisável, uma vez que o simbolismo lógico tem um caráter construtivo e, portanto, deve partir de elementos básicos para que expressões complexas sejam posteriormente construídas. O problema para Russell reside no que ele considerou como a instanciação linguística de tais proposições: que tipo de sentenças da linguagem comum de fato correspondem ao que em lógica são proposições atômicas? Obviamente, não é a lógica que, em última análise, poderia responder a essa pergunta. Antes, a tarefa recai sobre a teoria do conhecimento. Agora, na tentativa de fornecer uma resposta, Russell claramente pensa que deve satisfazer alguns requisitos empiristas, e sua análise epistemológica o leva a concluir que as proposições atômicas em linguagem natural são proposições da forma isso é vermelho, simbolizadas como "Fa, onde a é um substantivo em um sentido lógico e F" um predicado monádico.

    Naturalmente, a proposta de Russell era inaceitável para Wittgenstein, não apenas devido às dificuldades intrínsecas da concepção russelliana, mas porque Wittgenstein pensava que o paradigma russelliano da proposição atômica estava aquém do que a lógica exigia. A razão é óbvia: as proposições atômicas russellianas mantêm entre si relações de inclusão ou exclusão (isso é verde é excluída por isso é amarelo e vice-versa), enquanto Wittgenstein exige, por uma questão de coerência, que as proposições elementares sejam logicamente independentes umas das outras. No Tractatus, apoiando-se no argumento de que não está interessado em questões empíricas, Wittgenstein não tem muito com o que se preocupar. No entanto problemas surgirão quando Wittgenstein, após Russell em seu retorno a Cambridge em 1929, identificar proposições atômicas com proposições que envolvem medidas e contrastes, como as proposições sobre as cores. No Tractatus, entretanto, Wittgenstein somente precisava estipular formalmente a partir de um ponto de vista lógico como as proposições elementares deveriam estar ignorando tudo que teria a ver com sua aplicação. Contudo Wittgenstein não poderá adotar a mesma atitude ao voltar a fazer filosofia em 1929.

    A situação, portanto, é a seguinte: com relação à filosofia do atomismo lógico, a posição de Wittgenstein é, sem dúvida, mais refinada do que a de Russell, mas ao tornar a posição comum coerente e levá-la às suas últimas consequências, ele a tornou impossível. Isso é algo que Wittgenstein perceberá apenas muitos anos mais tarde, e então será forçado a rejeitar não apenas seu próprio ponto de vista, mas a própria noção de proposição elementar. Para nossos propósitos, no entanto, o que deve ser enfatizado é que as diferenças relativas à noção de proposição elementar surgem no âmbito do quadro geral compartilhado com Russell, mas como mencionei: também criado por ele.

    b) Formas lógicas

    Mais uma vez, é Russell que, com base em sua obra em lógica e também em uma filosofia da linguagem um tanto rudimentar, esbarra na noção de forma lógica. A ideia de forma está implícita na gramática de superfície, uma vez que podemos falar de sentenças de forma sujeito-predicado, por exemplo, e podemos dizer que uma sentença como John é britânico tem a mesma forma gramatical da sentença Madri é a capital da Espanha. Assim que formalizamos sentenças em linguagem natural, a ideia de estrutura ou forma gramatical é substituída pela ideia de forma ou estrutura lógica. A Teoria das Descrições deixa claro que formas lógicas e gramaticais podem não coincidir, e isso implica que em casos nos quais isso ocorre, a forma gramatical seja logicamente incorreta. A análise da forma lógica das proposições mostra que as últimas incorporam as referências de nomes e as referências de expressões predicativas e relacionais. Mas Russell avança e sustenta que expressões totalmente formalizadas (isto é, aquelas construídas por meio do simbolismo clássico ou padrão da lógica de primeira ordem) são expressões de um grau superior de abstração, mas ainda assim compostas de termos. Quando lidamos com expressões, que não contêm nada além de variáveis e que são instanciadas em expressões de, por exemplo, cálculo de predicados, o que temos são expressões como αΦβ, que é precisamente a fórmula, na verdade o nome, de uma forma lógica. Agora, Russell adota uma teoria do significado, a qual defende que se um nome é significativo, ele denota algo. Nesse caso, a expressão αΦβ denota uma forma lógica, ou seja: a forma lógica das relações binárias. Essa forma lógica é uma entidade abstrata, tão real quanto qualquer objeto material e totalmente independente das relações que podem ou não existir entre quaisquer dois objetos. As formas, por assim dizer, estão em seu próprio espaço ou universo, independentemente de serem ou não instanciadas. Portanto, está claro que, com respeito às entidades lógicas, Russell era um platonista convicto.

    O Tractatus luta vigorosamente contra a posição russelliana, mas o ataque de Wittgenstein é projetado para tornar mais defensável o que na verdade é um ponto de vista compartilhado. Falo de um ponto de vista compartilhado porque Wittgenstein aceita incondicionalmente a ideia de forma lógica, mas a explica e a utiliza de uma maneira diferente. Para Wittgenstein, as formas dos objetos (e, portanto, as formas dos nomes) emergem das possibilidades de esses objetos pertencerem a alguns fatos e não a outros. Por exemplo: um cachorro pode ser fiel, preto, forte, caro etc., mas não pode ser um número par, um satélite da Terra, a gravidade universal, a tecla C e assim por diante. A totalidade das propriedades possíveis do cachorro constitui sua forma. Portanto, não devemos confundir as propriedades ou relações que o cachorro carece de facto com as propriedades ou relações que seriam absurdo atribuir a ele. As formas lógicas de um objeto equivalem à totalidade de fatos simples possíveis dos quais ele pode ser um constituinte. A propósito, a forma lógica de um objeto é herdada pelo nome do objeto, ou seja: o nome se comporta nas sentenças em que aparece como o objeto se comporta nos fatos aos quais pertence. Segue-se que as formas lógicas não podem existir separadas dos objetos, que são a substância, a matéria do mundo. Assim, como resultado de sua análise lógica dos objetos e das imagens (sentenças), Wittgenstein rejeita abertamente o platonismo russelliano. Wittgenstein reforça seu antiplatonismo com outro argumento particularmente interessante e evocativo no qual é a aplicação da lógica que se destaca. Ele afirma que há um sentido no qual a lógica é anterior a toda experiência, a toda descrição possível, e afirma:

    E se não fosse assim, como poderíamos aplicar a lógica? Poderíamos dizer: se houvesse uma lógica ainda que não houvesse um mundo, como poderia então haver uma lógica, já que há um mundo? (TLP, 5.5521)

    Certamente o argumento contra o platonismo de Russell é forte, mas para nossos propósitos é importante confirmar que é com Russell que uma linha de pensamento começa a ser desenvolvida (a significância e a realidade das formas lógicas), uma ideia a qual Wittgenstein posteriormente se opõe e aprimora. É dessa forma e com respeito a muitas questões que se pode dizer que Russell teve uma influência positiva no primeiro Wittgenstein.

    c) Números e a rejeição do logicismo

    Muito antes de Wittgenstein chegar a Cambridge pela primeira vez, Russell já era uma figura mundialmente conhecida, mais conhecido talvez como logicista do que como filósofo. Embora sua fama como pensador já estivesse solidamente estabelecida, foi principalmente seu trabalho na área de fundamentos da matemática que o tornou uma celebridade. Por meio de noções estritamente lógicas (identidade, função proposicional etc.), juntamente com a teoria dos conjuntos, Russell conseguiu definir os números naturais e, tomando-os como uma plataforma conseguiu, por meio de definições predicativas, definir todos os tipos de números. Russell conseguiu assim sua redução da matemática à lógica, aparentemente resolvendo por meio dela diversos problemas teóricos relativos à matemática. É importante não perder de vista o fato de que Russell trabalhava no âmbito do universo da matemática pura.

    Assim como Frege e Russell, Wittgenstein estava ciente dos problemas em torno da matemática, por exemplo: algo que Frege achava terrível, uma total falta de definições formalmente corretas e adequadas das noções matemáticas (número, variável etc.). Wittgenstein, no entanto, teve uma formação diferente da de Frege e Russell. Ele era engenheiro e, por isso, sentiu desde o princípio a importância da aplicação da matemática. Diferentemente de Russell (e Frege), que se limitaram a estabelecer correlações sistemáticas entre sistemas numéricos e seu novo sistema formal, seu novo Beggriffshrifts, Wittgenstein enfatiza o caráter eminentemente operacional dos números (e das expressões matemáticas em geral). Daí o seu repúdio ao fundamento logicista da matemática, uma rejeição que se expressa de maneira quase brutal, sem dar lugar à ambiguidade: A teoria das classes é, na matemática, inteiramente supérflua (TLP, 6.031 (a)).

    Ao contrário de Russell e Frege, que definem número como uma classe de classes similares a uma determinada classe, Wittgenstein define número em termos de operações iterativas. É da forma geral da proposição que Wittgenstein extrai a forma geral de uma operação. A série de números naturais pode então ser construída dessa forma:

    Ω⁰’x, Ω⁰+¹’x, Ω⁰+¹+¹’x, Ω⁰+¹+¹+¹’xo

    Wittgenstein pode subsequentemente oferecer sua definição de número: Um número é o expoente de uma operação (TLP, 6.031 (a)).

    Que as definições russellianas são insatisfatórias é algo que em seu segundo período Wittgenstein estabelece além de qualquer dúvida razoável, mas o importante para nós é observar que o fato de que Wittgenstein rejeita o logicismo fregeano-russelliano não significa que ele rejeita toda a conexão entre lógica e matemática. Muito pelo contrário: dada a sua

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