Sociedade não tão secreta: a Boate Eros e o movimento LGBT
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Sociedade não tão secreta - Anderson de Sousa Lima
Esta pesquisa é dedicada principalmente às travestis, que sem sua coragem, hoje talvez não teríamos pesquisas sobre esse tema e a todas as trans, bichas, afeminadas, barbies, pintosas, travas, monas, bofes, drags, entendidos, ativos, passivos, enrustidos, aos que saíram e aos que ainda estão nos armários que a sociedade nos impõe.
E a Milton Neves, que nos deu a Eros
!
AGRADECIMENTOS
Ao Matheus Mazzilli, meu orientador, que foi a pedra fundamental da minha pesquisa, o apoio e a dedicação foram essenciais para o resultado alcançado;
Ao meu grande amigo José Celso Cavaliéri pelo apoio constante, me auxiliando em correções e lendo cada página após digitada da pesquisa.
Aos amigos Júlio, Camilo, Daniela, Ana Lídia, Fernando, Evelize, Juliana, Leila, King, Adenilson, Alike que a sua maneira, cada um me apoiou, mesmo tentando me desvirtuar com convites para happy hours.
A Sandy Vasconcelos, Milton Neves, Francisco Spala, Royce Luckessy, Maria José, Diego Herzog e todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram com a pesquisa.
A todos os professores e todas as professoras do Programa de Pós-Graduação por contribuírem com o meu aprendizado ampliando minhas possibilidades.
À Manuela que abriu a primeira porta do curso para mim.
A todas as bichas, travestis, transexuais, entendidos, afeminados e afins, a quem dedico totalmente esse trabalho.
E principalmente a minha mãe, Nilça, que me deixou ser quem eu sou, com pouquíssimos questionamentos.
Não posso me esquecer dos homofóbicos que me incentivam a cada dia a pesquisar e escrever mais e mais!
We’re all born naked and the rest is drag
Todos nascemos nus, o resto é Drag
RuPaul Charles
PREFÁCIO
Esta obra é um convite para uma imersão no mundo LGBTQIA+ do final do século XX no Estado do Espírito Santo, tendo a Boate Eros como um dos principais pontos de encontro. A sociedade não tão secreta das bichas consegue narrar várias histórias que fazem parte da liberdade de ser/estar/atuar nesse mundo da forma que desejamos, livres.
Para contar a história da Boate, Anderson Lima se usa da experiência pessoal em ressonância com uma metodologia fluida, distante dos rigores e amarras acadêmicas ao entrevistar os participantes, colher dados documentais, resgatar memórias e realizar esta pesquisa com um primor feérico emergente de um local onde a beleza que desafia uma sociedade preconceituosa podia em essência brilhar. Criando assim um desejo em nosso coração de ter frequentado aquele espaço livre não tão secreto
.
O texto nos dá uma doçura assertiva ao expor as dores e glórias de um território não tão secreto
frequentemente alvo de perseguição por parte da sociedade, forças políticas e policiais. Todavia um território de resistência, de acolhimento, de encontros, de ensaios, de apoio a artistas, um território de paz, embora algumas vezes alvo de guerra por parte de ações preconceituosas, mesmo assim um palco onde a dor da exclusão se tornava esplêndida diante de uma iridescente potência do poder de ser e poder ser bicha.
É costumeiro ouvir que ter contato com pessoas é algo essencial à vida humana. Sem a Boate Eros o contato teria sido limitado, talvez inexistente, mas isso é apenas um talvez, pois conhecendo tal história podemos descobrir, ou recordar para os antigos frequentadores, o quão importante foi aquele espaço, o quão importante são obras como esta, capazes de resgatar as memórias e os acontecimentos de um passado para uma explicação no presente, para uma elucidação dos grupos sociais, da identidade coletiva e dos espaços livres.
Ora, o que esta obra se torna um contraponto ao esquecimento, enquanto perpetuação de um ciclo da redução dos espaços livres e aumento desenfreado da violência contra população LGBTQIA+. Os jornais continuam com notícias como a do tal delegado que queria botar para quebrar
. O problema é que o discurso na mídia está mais polido, enquanto a violência está quebrando cada vez mais forte.
Eu li duas vezes antes de escrever este prefácio a primeira com uma visão acadêmica e buscando a importância enquanto pesquisa em ciências políticas, dessa primeira leitura não ficaram questionamentos, tampouco desconsideração da riqueza intelectual da obra, és formidavelmente construída e narrada com detalhes impecáveis acerca da localização, da conceituação dos espaços livres e da identidade coletiva, do esboço por uma sociologia da diferença. Na segunda leitura eu apenas li este epíteto capaz de fazer compreender a complexa luta por espaço livres homólogos ao mundo LGBTQIA+. Decerto, assim como a gloriosa Boate Eros, esta obra faz parte da história brasileira na luta contra o preconceito, contra a homofobia, contra a opressão, e fundamentalmente na reivindicação da liberdade de viver e transformação da realidade.
Fernando Vicente Rébuli Segundo
Sobre meu filho, Anderson:
O dia em que ele nasceu, foi o dia mais feliz da minha vida. Após uma gravidez frustrada devido a ocorrência de uma eclampse, achava que não poderia mais ser mãe, portanto, para mim, ter um segundo filho era um milagre. E foi um filho que me trouxe muitas alegrias e surpresas.
Vim de uma família em que a prioridade aos estudos era para os meninos, então só conclui meu aprendizado já depois de mulher madura e para minha surpresa ele aprendeu a ler sozinho, bem antes da idade escolar em um programa de televisão da época. Aos 14 anos atuava como professor substituto na escola pública do bairro em que morávamos. Sempre foi uma amante das artes desde muito jovem, um excelente dançarino que aproveitou a época da lambada para dar aulas aos mais velhos e ganhar algum dinheiro com shows. Graduou-se em artes plásticas na Universidade Federal e em Artes Cênicas pela Universidade Vila Velha, acumulando duas licenciaturas e fortalecendo sua profissão de PROFESSOR
.
Como a maioria dos jovens teve seus momentos de altos e baixos; saia de casa e só voltava três dias depois, e não existiam aparelhos celulares para rastreá-lo, mas nunca me trouxe maiores problemas. Certamente ele estava na casa de amigos que pensavam como ele, ou em alguma festinha. Como não era dependente de álcool, nunca tive grandes preocupações.
Agora mestre em Sociologia Política, almeja o título de doutor, o que tenho certeza irá conquistar, pois para ele estudar é uma finalidade. Outro dia, em uma conversa, me confessou que tem dois grandes sonhos, viajar pelo mundo ou estudar continuamente, como ele nasceu lindo, mas não herdeiro
, resta concretizar o sonho de sempre estudar, o que ele fez desde o dia em que descobriu o mundo. Estudar sempre para ajudar seus alunos, crianças, adolescentes, jovens e adultos, a ampliar conhecimentos, ensinando com amor e muita sabedoria.
Beijos,
Nilça Lima
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 - ESPAÇOS LIVRES, GUETO
E ATIVISMO LGBT
1.1 ESPAÇOS LIVRES E MOVIMENTOS SOCIAIS
1.2 O GUETO
E A HISTÓRIA DO MOVIMENTO LGBT
CAPÍTULO 2 - O HISTÓRICO DA EROS
2.1 A SOCIABILIDADE GAY NO PARQUE MOSCOSO DOS ANOS 1990
2.2 O ESPAÇO DA BOATE EROS
2.3 O PÚBLICO DA BOATE EROS
2.4 EVENTOS E SHOWS DA BOATE EROS
2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O CAPÍTULO
CAPÍTULO 3 - A BOATE EROS E O ATIVISMO POLÍTICO LGBT
3.1 A BOATE EROS COMO ESPAÇO LIVRE
3.2 A BOATE EROS E O ATIVISMO POLÍTICO
3.2.1 IDENTIDADE: AS TRAVESTIS NA BOATE EROS
3.2.2 POLÍTICA INSTITUCIONAL: A TRAJETÓRIA DE CHICA CHICLETE
3.2.3 ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS DO HIV/AIDS: O GRUPO DE VISITA AOS HOSPITAIS
3.2.4 PREVENÇÃO À EPIDEMIA DO HIV/AIDS: O COLETIVO GRUPO ALERTA
3.2.5 ORGANIZAÇÃO DE MOVIMENTO SOCIAL: A GOLD.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
APÊNDICE 1 - A ESCOLA COMO ESPAÇO LIVRE
APÊNDICE 2 - DRAG QUEEN, PERFORMANCES MUSICAIS EM SHOWS DA BOATE EROS NOS ANOS 1990
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Ao longo da década de 1980 na cidade de Vitória, muitos dos grupos de teatro em atividade no período tinham em sua composição potenciais ativistas gays e simpatizantes. Em sua maioria conhecidos, de alguma forma, na região e muitos até mesmo no estado. As manifestações artísticas, em especial o teatro, eram amplamente divulgadas nos jornais de grande circulação, principalmente porque ocupantes dos grupos teatrais faziam parte do quadro de jornalistas. Os artistas do período tinham ocupações nos ramos da comunicação, o que facilitava o acesso aos veículos midiáticos. Wilson Nunes (TRIBUNA ON LINE, 2019), Milson Henriques (GAZETA ON LINE, 2016), Alvarito Mendes Filho, Milton Neves eram todos funcionários das emissoras de rádio e televisão da capital e responsáveis por grupos de teatro e espetáculos em cartaz. No andar de cima da Boate Eros, se localizava um dos pontos de encontro desses e outros grupos de teatro.
Situada em uma das ruas do tão visitado Parque Moscoso, a boate tornou-se um espaço de encontros amorosos e de outras formas de sociabilidade da comunidade homossexual desde a