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Notícias e narrativas a contrapelo sobre um lugar e um não-lugar: Inhotim: 1856-2013
Notícias e narrativas a contrapelo sobre um lugar e um não-lugar: Inhotim: 1856-2013
Notícias e narrativas a contrapelo sobre um lugar e um não-lugar: Inhotim: 1856-2013
E-book737 páginas8 horas

Notícias e narrativas a contrapelo sobre um lugar e um não-lugar: Inhotim: 1856-2013

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Sobre este e-book

Este livro é o resultado de pesquisa realizada pelo autor com o objetivo de analisar e compreender o nascimento, a constituição, o desenvolvimento e o fim da comunidade do Inhotim, situada na zona rural de Brumadinho durante o período de 1856 a 2013, quando, a partir de 2002, foi implantado o Inhotim Museu de Arte Contemporânea no mesmo território, provocando a passagem de um lugar em um não-lugar. Essa situação foi retratada através de inúmeras reportagens publicadas nas mídias locais, que tiveram como fontes principais os moradores dessa antiga comunidade, fazendo com que suas memórias sobre o lugar saíssem de um contexto comunal e ganhassem novas expressões no espaço público local indicando, simultaneamente, de que maneiras essas situações selaram os seus destinos e em que condições o museu foi instalado no mesmo território. Essas situações foram aqui reconstruídas também com base em inúmeros depoimentos orais, documentais ou imagéticos cedidos informal e espontaneamente pelos moradores e ex-moradores da comunidade ao autor e que, depois de publicados nas mídias locais, se transformaram em um precioso registro público tanto sobre a história e o desaparecimento da comunidade quanto sobre a emergência do museu no mesmo território.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de out. de 2022
ISBN9786525257549
Notícias e narrativas a contrapelo sobre um lugar e um não-lugar: Inhotim: 1856-2013

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    Notícias e narrativas a contrapelo sobre um lugar e um não-lugar - Valdir de Castro Oliveira

    capaExpedienteRostoCréditos

    SOBRE O AUTOR

    Valdir de Castro Oliveira nasceu em Conceição de Itaguá (Brumadinho) em 1947.

    Em 1952, mudou-se para Crucilândia e em 1958, para Belo Horizonte.

    Apesar dessas andanças, sua referência identitária sempre foi a Comunidade do Inhotim, para onde os avós, Cecília Pinto de Lima e Djalma de Oliveira Soares, mais conhecido na região como Elpídio, se mudaram em 1926.

    Em Belo Horizonte, estudou na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, formando-se em Jornalismo em 1976.

    Em 1984, obteve o título de mestre em Sociologia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e, em 1996, o título de doutor em Ciências da Comunicação (Jornalismo) pela Universidade de São Paulo.

    Foi professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1978 a 1979), da Universidade Federal da Paraíba (l979-1983) e da Universidade Federal de Minas Gerais (1983 a 2005), onde se aposentou por tempo de serviço em 2005.

    De 2008 até 2019 foi professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação em Saúde do Instituto de Informação, Ciência e Tecnologia (ICICT) da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde ministrou disciplinas relacionadas ao campo da comunicação e da saúde orientando dissertações e teses nestas áreas.

    Também foi editor e apresentador do programa televisivo Mídia em Pauta, da Tevê Comunitária de Belo Horizonte, Canal 13, de 2002 a 2004, e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais no triênio 2002-2005.

    Foi membro da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) da UCBC (União Cristã Brasileira de Comunicação) e da Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva).

    Em 1992, mudou-se de Belo Horizonte para a Comunidade do Inhotim, em Brumadinho, onde criou a Associação Comunitária do Inhotim.

    Em Brumadinho, tornou-se membro do Conselho Municipal de Saúde (1995/1996), tendo sido fundador e editor do Jornal do Conselho de Saúde de Brumadinho, editor do jornal Circuito Notícias (1997 a 2005), editor do jornal Tribuna da Asmap (2005-2012) e apresentador do programa radiofônico De Olho na Notícia (1998 a 2008) da Rádio InterFM.

    Em 2010, publicou o livro Réquiem para o Inhotim (Editora All Print), no qual contou, poeticamente e sob a ótica de seus moradores, a história da Comunidade do Inhotim, que foi gradativamente extinta entre 2002 e 2013 para dar lugar, no mesmo território, à expansão do Inhotim Museu de Arte Contemporânea.

    SOBRE A FOTO DE CAPA

    Foto refere-se ao quadro de autoria de John Ahearn & Rigoberto Torres intitulada Abre a porta exibida no espaço do Inhotim Museu de Arte Contemporânea.

    Essa obra, iniciada em 2004, foi finalizada em 2006 como resultado de um longo processo de imersão da dupla no cotidiano cultural de Brumadinho que incluiu tanto a comunidade do Inhotim quanto as comunidades quilombolas da região.

    No centro do quadro podem ser vistos a representação de um cortejo religioso de matriz africana, formada por integrantes dos grupos locais de Congado e Moçambique e, à direita, parte da Capela Santo Antônio e, abaixo da cruz da sua torre, uma coroa composta com as mãos dos congadeiros que se apresentaram no museu em 2004, além de um guarda de segurança do museu segurando um cachorro (escultura feita a seu pedido) e, à direita, pessoas da cidade de Brumadinho, entre elas, o cantor Leci Strada tocando violão.

    Foto de Alessandra Raphaela Menezes Amaral (2022).

    MEMÓRIA

    Somos o que lembramos, como nações e como indivíduos;

    e a memória é o lugar de lutas por identidade e pela posse

    de um passado. E são lutas amargas em torno de

    memoriais, monumentos e museus.

    Lutas amargas para que não se esqueça o passado; para o

    passado ser reivindicado para o futuro. (Roger Silverstone)

    COMUNIDADE DO INHOTIM

    Se não tivesse história

    Se não tivesse estórias,

    Se não tivesse famílias

    Se não tivesse festas,

    Se não tivesse arte,

    Se não tivesse dança,

    Se não tivesse luta e lutos,

    Se não tivesses nome

    Se não tivesse laços,

    Se não tivesse gente

    Se não tivesse tristeza

    Se não tivesse memória,

    Bastava um trator

    Para esquecê-la.

    (OLIVEIRA, 2010)

    AGRADEÇO E DEDICO ESTE LIVRO

    Aos meus pais, Antônio de Castro Oliveira (1915 + 2006) e Noeme de Oliveira Pinto (1920 + 2018), ex-moradores da Comunidade do Inhotim cujos gestos e comportamentos ensinaram-me o profundo sentido da luta pela vida.

    À minha família: Cidinha, Daniela, Alice, Davi, Julia e Dora, minha netinha, e meu genro Bill (Gabriel), pelo estímulo.

    À historiadora Alessanda Raphaela Menezes Amaral, pela inestimável ajuda e pronta disponibilidade para pesquisar nos arquivos públicos de Bonfim e de Brumadinho e me ajudar a interpretar os dados e fatos que compõem esta obra.

    À Flávia Luz, pela correção dos originais.

    A Sérgio Brito, Tania Santos e Pauliran Freitas, meus colegas e companheiros do ICICT- Fiocruz, que, entre 2011 e 2013, sob a liderança do primeiro, deram início à produção de um documentário cinematográfico sobre as memórias da Comunidade do Inhotim a partir do depoimento de seus ex-moradores. Concluída parte das filmagens, o material que delas resultou, juntamente com vários equipamentos de edição, foi misteriosamente furtado do apartamento do primeiro, no Rio de Janeiro, inviabilizando a produção cinematográfica em curso.

    A Décio Lima Jardim e Márcio Cunha Jardim (in memorian), que tão bem souberam sintetizar a história de Brumadinho em seu livro as Histórias e Riquezas de Brumadinho (1982), uma das mais preciosas fontes de informação sobre a história do município.

    Ao historiador Ricardo Ferreira, pelas transcrições de alguns documentos históricos do arquivo público da cidade de Bonfim.

    Aos cartórios de registro civil de Brumadinho, Conceição de Itaguá e Rio Manso, que muito nos ajudaram a localizar arquivos sobre alguns fatos constitutivos da história de Brumadinho.

    Ao arquivo público de Bonfim, que nos franqueou o acesso a documentos históricos do município de Brumadinho.

    Ao meu sobrinho Davide Severino (in memorian), que me ajudou a formatar os boletins da Associação Comunitária do Inhotim e a traduzir textos do italiano para que eu pudesse melhor compreender os importantes significados da arte contemporânea.

    A Marcos Alvarenga (Marquinhos) pelo apoio e estímulo.

    Aos jornais impressos Circuito Notícias (1997 a 2005), Tribuna da Asmap (2005 a 2013), DeFato e à Rádio Comunitária InterFM (1997 a 2008), que propiciaram espaços de registro sobre a transformação da Comunidade do Inhotim de um lugar para um não-lugar.

    Ao Reinaldo Fernandes, editor do DeFato, pela solidariedade com que acompanhou os meus registros midiáticos sobre o ocaso da comunidade do Inhotim e pela generosa resenha sobre o meu livro Réquiem para o Inhotim, publicada em uma das edições deste jornal e reproduzida, com sua autorização, neste livro.

    Agradeço, também, à Ana Amélia Martins, pela autorização a mim concedida para reproduzir a instigante resenha que fez no jornal Tribuna sobre o meu livro Réquiem para o Inhotim.

    Aos membros da Associação de Defesa do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Vale do Paraopeba (Asmap), especialmente a Douglas Maciel, Áurea Costa, Antorildo e Maria Lúcia Ladislau, Ana Amélia, Célio Beling, Valdeir de Castro Oliveira, Ana Amélia, Beatriz Vignolo, Idalina e Fernando Moreira, Antônio Cambão, Jürgen Bhering e Angelita Resende, pelos estímulos e gestos de solidariedade.

    A Bernardo Paz e sua equipe, pela coragem e pelo idealismo em criar neste cantinho do Brasil a utopia chamada Inhotim Museu de Arte Contemporânea, cuja saga tive o privilégio de acompanhar de 2003 a 2013.

    À diretora de inclusão social e cidadania do Inhotim Museu de Arte Contemporânea, Roseni Sena (in memorian 1951 + 2016), por sua sensibilidade social e habilidade política para compreender e agir em favor da integração respeitosa e colaborativa entre o museu e o município de Brumadinho cujos projetos hoje, infelizmente, estão totalmente ou parcialmente paralisados desde a sua saída dessa entidade em 2014.

    Às professoras Rosalba Lopes e Rita de Cássia Marques, pela criação e coordenação do Centro Inhotim de Memória e Patrimônio (Cimp), implementado com o objetivo de documentar as memórias históricas da comunidade e do município de Brumadinho e que, lamentavelmente, hoje se encontra praticamente paralisado.

    Ao Inhotim Museu de Arte Contemporânea que, não obstante ser a contraparte que selou o destino da Comunidade do Inhotim, trouxe consigo não apenas uma novidade cultural para a arte e a cultura no Brasil e no exterior, mas também infinitas possibilidades de reconversão do olhar em direção à estética, à ética, à utopia e à política.

    Às ex-professoras das escolas do Inhotim: as irmãs Elza Fonseca, Helena Mucelli (in memorian) e Maria de Lourdes Fonseca Câmpara, Alzira Antunes Diniz (in memorian), Josélia, Deusiane, Josilene, Terezinha, Cidinha, Nara Paraguai, Ana Lúcia Gonçalves, Janete C. Menezes Amaral, entre tantas outras que ajudaram na formação escolar de várias gerações de crianças no Inhotim.

    Às eméritas professoras de Brumadinho, D. Percilia Piramo (in memorian), D. Carolina Maciel (in memorian), D. Zilda Andrade e tantas outras que contribuíram para a organização do sistema educativo do Inhotim e de Brumadinho.

    Aos ex-moradores da comunidade que, em diversos momentos e de forma espontânea, ofereceram-me diferentes e preciosos testemunhos e documentos para recriar e perenizar a Comunidade do Inhotim no tempo e no espaço. Entre eles, destaco aqui: Ataliba, Milton Fernandes (Copo Cheio, in memorian), Eudes Fernandes, Maria da Conceição (Fia), D. Lia e D. Lourdes Malvino, Vicente Braz, Eudes Fernandes, Marlene, Rosália, Edna Matos, Rosângela Matos, Teresa Paixão, Cristóvão Moreira (Tovinho), Lourdes Castorino, Francisco Castorino (in memorian), Renata Maciel de Camposo e Sueli Lovseth, hoje morando na Noruega.

    Aos casais Sandra Reis e Ilacir Reis; José Galo (in memorian) e Das Dores; José Francisco Câmpara, o José Branco (in memorian), e D. Lourdes Câmpara; José de Assis Pinto (Goiaba) e Graça; Luiz Gomes Moreira e D. Geralda (1939 + 2021;, Djalma e Teresinha Oliveira; D. Irene e Vicente Silva; Dinarte de Oliveira e Laura Alcântara (in memorian); D. Inaura e Luiz Arruda (in memorian); Geraldinho Tri (in memorian) e Neusa, pela generosa cessão de diversos documentos e testemunhos que muito me ajudaram a compor esta obra.

    Ao Seu Edson e à D. Santina que, juntamente com suas famílias, insistem até hoje em morar em Inhotim.

    À Inesita Soares, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do ICICT-Fiocruz, do Rio de Janeiro, pelo estímulo para a publicação deste livro.

    A todos aqueles que me ajudaram na composição deste livro e que aqui não foram citados.

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    APRESENTAÇÃO

    II. BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

    III. ORIGENS, DESENVOLVIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DA COMUNIDADE DO INHOTIM

    3.1. ORIGENS DA COMUNIDADE

    3.2. ORIGENS DO NOME

    3.3. A CONSOLIDAÇÃO HISTÓRICA DA COMUNIDADE

    3.4. A CHEGADA DA MINERAÇÃO E DA FERROVIA NO INHOTIM

    3.5. O POUSO DOS TROPEIROS

    3.6. A CHEGADA DOS MOREIRA AO INHOTIM

    3.7. A CHEGADA DE FAUSTO PINTO

    3.8. A CHEGADA DO ELPÍDIO

    3.9. A CHEGADA DO CASTORINO

    3.10. GÊNESE DA FESTA DA SANTA CRUZ

    3.11. O FUTEBOL NO INHOTIM

    3.12. A CHEGADA DA MINERAÇÃO DE FERRO EM BRUMADINHO

    3.13. AS JAZIDAS DE FERRO DA SERRA DAS FAROFAS

    3.14. O DESENVOLVIMENTO DA MINERAÇÃO DE FERRO NO INHOTIM

    3.15. OS MORADORES DO INHOTIM E A MINERAÇÃO

    3.16. A MINERAÇÃO E OS ECOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO INHOTIM

    3.17. O FALSO ESPIÃO

    3.18. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS MINERADORAS

    3.19. OS CENTROS NARRATIVOS DOS MORADORES DO INHOTIM

    3.20. OS MORADORES E A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DO INHOTIM

    3.21. A CHEGADA DO SEU LÍSIO

    3.22. COMUNIDADE REMODELA A SANTA CRUZ

    3.23. NOVOS MORADORES CHEGAM AO INHOTIM

    3.24. AS ESPECIALIDADES FAMILIARES DO INHOTIM

    3.25. AS ESCOLAS DO INHOTIM

    3.26. ESCOLA PARALELA

    3.27. AS ORIGENS DA CAPELA SANTO ANTÔNIO

    3.28. A COMUNIDADE NOS ANOS 1990

    3.29. BOLETINS MOBILIZAM A COMUNIDADE

    3.30. ÁGUA TRATADA E SAÚDE PÚBLICA

    3.31. SALÃO SÃO VICENTE DE PAULO

    IV. MUSEU ANUNCIA SUA PRESENÇA NO INHOTIM

    4.1. ESTRANHAS MOVIMENTAÇÕES

    4.2. INCIDENTE DESVELA ESTRANHAS MOVIMENTAÇÕES

    4.3. O NASCER DE UMA UTOPIA

    4.4. O MUSEU, A COMUNIDADE E A CRIAÇÃO DA APA-PAZ MUNICIPAL DE INHOTIM

    V. O LUGAR E O NÃO-LUGAR NO JORNAL CIRCUITO NOTÍCIAS (2003-2005)

    5.1. LEMBRANÇAS DO TREM DE FERRO

    5.2. INHOTIM GANHA MUSEU INTERNACIONAL

    5.3. O BUCOLISMO DO INHOTIM NA REDE GLOBO E NO JORNAL CIRCUITO NOTÍCIAS

    5.4. A COMUNIDADE, O MUSEU E A CAPELA SANTO ANTÔNIO NO JORNAL ESTADO DE MINAS

    5.5. CIRCUITO ANUNCIA INAUGURAÇÃO DO MUSEU E SUA REPERCUSSÃO NA MÍDIA NACIONAL

    5.6. A INAUGURAÇÃO DO MUSEU

    5.7. SETE ROSEIRAS E UM MILAGRE

    5.8. OS INHOTINS QUE SE MISTURAM

    5.9. O ENCONTRO DA ARTE POPULAR COM A ARTE CONTEMPORÂNEA

    5.10. CONVERGÊNCIAS DO MUSEU COM O INCINE DE BRUMADINHO

    5.11. HISTÓRIA DA COMUNIDADE E REFORMA DA CAPELA

    5.12. ARTE CONTEMPORÂNEA NO OLHO DA RUA

    5.13. FORRÓ NA CIDADE

    5.14. FESTA DE SANTA CRUZ

    5.15. FOLIAS DE REIS SE APRESENTAM NO INHOTIM

    5.16. COMUNICAÇÃO, ARTE CONTEMPORÂNEA E FESTAS POPULARES102.

    5.17. COMUNICAÇÃO E FOLIAS-DE-REIS

    VI. O LUGAR E O NÃO-LUGAR NO JORNAL TRIBUNA DA ASMAP (2005-2013)

    6.1. A MORTE DO ZÉ GALO

    6.2. COMUNICAÇÃO E ARTE CONTEMPORÂNEA

    6.3. MORTE DE EX-MORADOR E FESTAS NO INHOTIM

    6.4. FESTA DE SÃO BENEDITO

    6.5. FESTA DE SANTA CRUZ

    6.6. RETRATOS NA PAREDE (I)

    6.7. HOMENAGEM A SÃO BENEDITO

    6.8. A LIMUSINE

    6.9. FESTA DE SANTO ANTÔNIO

    6.10. ESTÉTICA DO FIM

    6.11. A MORTE DO MARICO

    6.12. RETRATOS NA PAREDE (II)

    6.13. AS VEIAS ABERTAS DO INHOIM

    6.14. A ÚLTIMA FESTA DA SANTA CRUZ

    6.15. A ESTÉTICA DO ADEUS

    6.16. UMA PONTE NO CAMINHO

    6.17. RETRATOS NA PAREDE (III)

    6.18. MORTE DE EX-MORADORA

    6.19. INHOTIM DAS MINHAS SAUDADES

    6.20. RÉQUIEM PARA O INHOTIM NAS MÍDIAS LOCAIS

    6.21. REALIDADE EM VERSO

    VII. DESENVOLVIMENTO, CONSOLIDAÇÃO E CONTRADIÇÕES DO INHOTIM MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA

    7.1. A EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MUSEU

    7.2. AS UTOPIAS MUSEU

    7.3. OS PATROCINADORES DO MUSEU

    7.4. RUÍDOS DISTÓPICOS NO MUSEU

    7.4.1. O MUSEU E A ARTE DO PRIVILÉGIO

    7.4.2. O MUSEU E A CIDADE DE BRUMADINHO

    7.4.3. PROJETOS DE INTEGRAÇÃO CULTURAL DO MUSEU EM BRUMADINHO

    7.4.4. MUSEU SE TRANSFORMA EM CENTRO DE POLÊMICAS AMBIENTAIS

    7.4.5. CONDENAÇÃO POR SONEGAÇÃO FISCAL

    7.4.6. OBRAS DE ARTE E DÍVIDAS FISCAIS

    7.4.7. PERCALÇOS NA EVOLUÇÃO DO MUSEU

    7.4.8. INHOTIM, RAZÃO E CRÍTICA

    7.4.9. CRIADOR E CRIATURA SE DISTANCIAM

    VIII. OITO CRÔNICAS E UM POEMA SOBRE UM ENTRELUGAR CHAMADO INHOTIM

    8.1. LEMBRANÇA POR ENTRE AS TRILHAS DO INHOTIM

    8.2. O INHOTIM QUE SOBREVIVEU

    8.3. REENCONTRO DO INHOTIM EM UM ÔNIBUS DA SARITUR

    8.4. MODULAÇÕES MIDIÁTICAS SOBRE O ENTRELUGAR

    8.5. INHOTIM, FAROFA E BRUMADINHO

    8.6. O FUTURO ROUBADO: MEMÓRIAS DE UM QUASE DOCUMENTÁRIO DE MEMÓRIAS

    8.7. AS AREIAS DE MACONDO E DO INHOTIM

    8.8. DA NORUEGA PARA O INHOTIM

    IX. AS MARCAS DE UM OCASO

    IX. BIBLIOGRAFIA

    XI. ANEXOS

    11.1. JORNAL CIRCUITO: QUADRO SINÓTICO SOBRE CRÔNICAS, ARTIGOS E REPORTAGENS PUBLICADAS SOBRE A COMUNIDADE E O MUSEU NO INHOTIM (2003 A 2005)

    11.2. JORNAL TRIBUNA DA ASMAP - QUADRO SINÓTICO SOBRE CRÔNICAS, ARTIGOS E REPORTAGENS PUBLICADAS SOBRE A COMUNIDADE E O MUSEU (2005 A 2013)

    11.3. ATAS DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO INHOTIM

    11.3.1. ATA DE CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO INHOTIM

    11.3.2. ATA DA ASSEMBLEIA GERAL DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO INHOTIM - 28/11/1996

    11.3.3 ATA DE REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO INHOTIM - 23/10/1999

    11.3.4. ATA DA ASSEMBLEIA DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO INHOTIM - 6/11/2004

    11.3.5. ATA DA ASSEMBLEIA DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO INHOTIM - 13/11/2004

    11.4. ANEXOS IV - DEBATES ELEITORAIS NO INHOTIM

    11.4.1. CALENDÁRIO DE DEBATES ELEITORAIS NO INHOTIM

    11.5. REIVINDICAÇÕES DA COMUNIDADE DO INHOTIM APRESENTADAS AO PREFEITO ELEITO CÂNDIDO AMABIS NETO NO INHOTIM, DURANTE REUNIÃO REALIZADA NA CAPELA SANTO ANTÔNIO NO DIA 23 DE FEVEREIRO DE 1997:

    11.6. COMPRA DE IMÓVEIS PELO INSTITUTO INHOTIM - 2005 A 2012.

    *********************************************************************************************************

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    APRESENTAÇÃO

    Este trabalho é o resultado de pesquisa feita em várias etapas, iniciada em 2008 e finalizada em 2020, com o objetivo de analisar e compreender o nascimento, a constituição, o desenvolvimento e o fim da Comunidade do Inhotim, situada na zona rural de Brumadinho durante o período de 1856 a 2013.

    Sua origem remonta aos meados do século XIX, atravessa o século XX e, a partir do século XXI, mais precisamente a partir de 2003, passa a definhar no tempo e no espaço, com a criação do Inhotim Museu de Arte Contemporânea no mesmo território, processo que duraria até 2013, quando a comunidade deixou de ser um lugar para se transformar em um não-lugar.¹

    Para o leitor que não conheceu a Comunidade do Inhotim, informamos que ela existiu de 1856 até 2013, ocupando uma área de aproximadamente três quilômetros quadrados, cercada, por um lado, pelas montanhas de onde se extrai até hoje o minério de ferro, por várias empresas mineradoras que, ao longo do tempo, serviram e ainda servem como fonte de emprego para muitos dos então moradores do Inhotim e ex-moradores; e, de outro lado, pelo Rio Paraopeba e pela linha férrea da antiga Central do Brasil/RFFSA, hoje MRS.

    Geograficamente, esse território está delimitado pelas seguintes divisas: começa na foz do Riacho Inhotim, situada à margem esquerda do Rio Paraopeba (rumo a Belo Horizonte), cujo curso d’água segue o rumo da Serra da Farofa, fazendo divisa, por um lado, com as terras que pertenceram aos herdeiros do Capitão Nico, nas proximidades da plataforma ferroviária de embarque de minério de ferro conhecida como Souza Noschese.

    Seguindo pela crista da Serra do Farofa, onde se localizava a jazida de minério de ferro Inhotim (hoje desativada), esse território faz divisa com o território de Olhos D’água, por meio do riacho com o mesmo nome, e desagua no Rio Paraopeba, nas proximidades da foz do Rio Manso.

    Até a década de 1990, o acesso à Comunidade do Inhotim podia ser feito de trem, quando ainda existia o transporte ferroviário de passageiros feito pela Central do Brasil/RFFSA através do Ramal do Paraopeba e, afora o trem, por meio das antigas trilhas de tropas de burro ou por uma estrada de terra paralela à linha férrea que liga até hoje a localidade conhecida como Souza Noschese a Brumadinho e cujo trecho no Inhotim era oficialmente conhecido como Avenida José Moreira.

    Figura I - A Comunidade do Inhotim

    Antes de desaparecer fisicamente, a comunidade era constituída por cerca de 70 casas e 300 moradores. Essa contagem foi feita por alguns ex-moradores em 1998, a pedido da prefeitura de Brumadinho, para a distribuição de hidrômetros doados pela Copasa como resultado da mobilização da população para melhorar suas condições de abastecimento de água.

    Além dessas moradias, havia um pequeno campo de futebol e um confortável e aprazível templo religioso (Capela Santo Antônio), construído em regime de mutirão pelos moradores e localizado ao lado de uma ampla praça de eventos.

    Existia também um botequim, uma parada de trens, uma escola municipal (Escola Municipal Santinha Maciel), um salão de alvenaria em construção para abrigar a seção local da Conferência de São Vicente de Paulo e, no alto de um morro, no antigo caminho para Souza Noschese, um cruzeiro onde a comunidade realizava anualmente a tradicional Festa da Santa Cruz e, ao lado desse monumento religioso, um campo de futebol pertencente ao Santa Cruz Futebol Clube, time fundado pela rapaziada local.

    A principal edificação particular da comunidade era a sede da Fazenda Santa Cruz, que serviu como residência dos administradores da mineradora local, a Mipasa S/A, proprietária dessa fazenda. Foi lá que morou e trabalhou o engenheiro de minas dessa empresa, Mário Albergaria dos Santos nomeado para o cargo de primeiro prefeito do município de Brumadinho em 1939 pelo então governador Benedito Valadares, cargo que ocupou até 1945.

    Desde então, moraram na sede dessa fazenda vários outros administradores da Mipasa, entre eles Lísio Pacífico Homem Andrade, que chegou ao Inhotim acompanhado da esposa em 1949. Vindo de Belo Horizonte, o casal morou no local até 1984, quando a empresa foi vendida para a W.H.M. Muller S.A, juntamente com uma área contígua, a da Fazenda Inhotim, onde se situava a jazida de minério de ferro Inhotim que, em seguida, foi vendida para a Itaminas. Como presidente da Itaminas, Bernardo Paz passou a utilizar a fazenda para passar os seus fins de semana, até transformá-la em sua residência definitiva.²

    Tomando gosto pela bucólica e aprazível fazenda, Bernardo Paz passou rapidamente de visitante eventual a morador permanente, permanecendo boa parte do seu tempo no local que, mais tarde, o inspiraria a sonhar e a construir o atual museu de arte contemporânea a céu aberto, conjugado com questões ambientais e inspirado nas conversações que manteve, inicialmente, com Burle Marx, que o visitou em 1989 e, depois, com muitos expoentes da arte contemporânea, como Tunga e Cildo Meireles, dos quais era amigo e admirador.

    Na década de 1990, esse sonho ganhou seus primeiros sinais de existência, quando Bernardo Paz, estimulado por esses e outros artistas que o visitavam na fazenda, passou a expor em seus jardins algumas obras de artistas contemporâneos, que podiam ser apreciadas por seus convidados que admiravam esse tipo de manifestação artística.

    Entretanto, os sinais dessa movimentação cultural no local só foram captados pelos moradores da Comunidade do Inhotim a partir de 2002, ao observarem a intensificação diária do tráfego de caminhões pela Avenida José Moreira, que a cruzavam carregados com materiais de construção ou gigantescas árvores e palmeiras rumo à fazenda onde seriam replantadas.

    Esses sinais tornaram-se mais evidentes em 2003, quando, a pedido de Bernardo Paz, a prefeitura de Brumadinho desviou o trecho da estrada Brumadinho/Souza Noschese conhecido como Avenida José Moreira, que também passava em frente à fazenda, para outro trecho situado ao lado da ferrovia e do monumento religioso dedicado à Santa Cruz. Com essa medida, Bernardo Paz pretendia evitar que a intensa poeira e as trepidações provocadas pelos caminhões carregados de minério de ferro e de outros veículos que trafegavam em frente à fazenda prejudicassem as obras de arte contemporânea expostas em seus jardins, assim como as primeiras galerias de arte que estavam sendo construídas e que depois se transformariam no embrião do seu sonhado e futuro museu de arte contemporânea, a ser instalado a céu aberto e articulado com um ambicioso projeto ambiental.

    À medida em que esse sonho foi emergindo e tomando forma, ele passou a contrastar cada vez mais com a comunidade instalada no seu entorno, majoritariamente constituída por moradores de origem social simples, que viviam em casas igualmente simples, alguns casebres ou em algumas poucas residências mais confortáveis.

    Não demorou muito para que esses contrastes se transformassem em várias espécies de ruídos entre a comunidade e o museu, como pedras no meio caminho, parafraseando Carlos Drummond de Andrade.

    Essa situação despertou a curiosidade de alguns moradores que, naquela época, não imaginavam que a convivência num mesmo espaço territorial entre a Comunidade do Inhotim e o futuro Inhotim Museu de Arte Contemporânea se tornaria incompatível.

    Os primeiros sinais dessa situação não demoraram a aparecer e foram se avolumando a partir dos vários tipos de intervenção que o futuro museu passou a fazer no território, com o objetivo de ressignificá-lo em conformidade com os seus objetivos estratégicos e filosóficos.

    Esse processo de ressignificação territorial ganhou materialidade em 2002, quando o museu deu início à compra de propriedades de alguns moradores locais, procedimento que teria continuidade ao longo dos anos, até ser encerrado em 2013, quando, finalmente, foram compradas as últimas propriedades de duas famílias que lá ainda moravam, instando-as a se mudarem para outras localidades.

    A operação de compra e venda provocou muitas divergências entre o museu e a comunidade pelo fato de que alguns moradores se recusaram a vender suas propriedades e, ao agirem assim, transformaram-se em um tipo de obstáculo para o primeiro, não obstante os bons preços oferecidos, bem acima dos valores do mercado imobiliário local, e as formas respeitosas e corretas com que essas negociações foram conduzidas.

    Esses cuidados e as justas negociações com os moradores locais não impediram a emergência de vários tipos de conflitos entre as partes e de um gradativo e contínuo processo de esvaziamento físico, cultural e social da comunidade que ali existia desde meados do século XIX.

    Esse gradativo esvaziamento da comunidade funcionou também como um forte fator de pressão para fazer com que os moradores que resistiam às negociações fossem instados a também venderem suas propriedades para o museu, já que, a cada dia, sentiam crescentes dificuldades para mobilizar e organizar a coletividade para promover as costumeiras festas anuais do Cruzeiro ou de Santo Antônio ou outras atividades coletivas que marcavam o colorido e o ritmo da vida social local.

    Seguindo por esse mesmo diapasão, a escola local, a Escola Municipal Santinha Maciel, foi fechada e a principal edificação pública da comunidade, a Capela Santo Antônio, foi vendida ao museu à revelia dos seus moradores, colocando fim aos cultos religiosos, rezas e reuniões que ali eram realizados durante todo o ano. Essas e outras situações desse mesmo naipe impactaram a comunidade local e serão mostradas no decorrer da exposição deste ensaio.

    O somatório dessas situações foi, aos poucos, criando nos moradores a certeza de que os bons preços pagos pelas suas propriedades estiveram associados a uma bem urdido estratégia do museu a fim de garantir a sua expansão no território e uma maneira habilidosa de afugentar ou desestimular quaisquer outros eventuais compradores garantindo assim a exclusividade das compras dessas propriedades locais e, em consequência, o pleno controle sobre o território onde estava sendo instalado.

    Simultaneamente, o museu se tornou também um dos principais compradores de imóveis, terras e fazendas no município, transformando-se rapidamente em uma espécie de latifundiário moderno na região, com forte influência em diversas instâncias do poder político local, como mostra o Anexo 11.6.

    O resultado dessas transações se transformou em uma espécie de capital imobilizado, passível de ser financeiramente resgatado a qualquer momento, de acordo com a conveniências e os interesses do museu ou de Bernardo Paz.

    Por outro lado, pode-se dizer que essas transações também fizeram parte da estratégia do museu para evitar a urbanização descontrolada e o risco de favelização da cidade de Brumadinho e de seus distritos, situação incompatível com a necessidade do museu de estar instalado em uma região social e territorialmente bem preservada e dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável defendido em suas proposições filosóficas, estéticas e ambientais.

    Umas das consequências dessa estratégia foi fazer com que os preços dos imóveis em Brumadinho se tornassem inflacionados de tal maneira que comprar imóveis no município se tornou um privilégio de poucos, situação que ajudava a moldar positivamente o ambiente em volta do museu.

    Essas ações e articulações foram se concretizando aos poucos e facilitando a emergência desse projeto de museu de arte contemporânea de porte internacional, instalado a céu aberto e plasmado pela ideia de preservação ambiental e de desenvolvimento sustentável, não obstante estar cercado pelas atividades de dezenas de mineradoras que atuam na região, inclusive pela própria Itaminas, da qual Bernardo Paz, na época, era diretor-presidente, e que explorava minério de ferro na jazida Jangada, no vizinho município de Mário Campos.³

    Entretanto, à medida em que esse projeto de museu foi avançando, também foram sendo criadas muitas dissonâncias políticas, estéticas e simbólicas com a Comunidade do Inhotim, gerando várias formas de conflitos com seus moradores.

    A maioria dessas dissonâncias era proveniente da maneira como o museu vinha intervindo fisicamente no território e no cotidiano comunitário dos moradores como, por exemplo, ao promover, à revelia ou sem o aval da diretoria da entidade, a destruição do edifício do salão vicentino, que estava sendo construído pelos moradores, em regime de mutirão, desde o final da década de 1990.

    Da mesma maneira, o campo de futebol utilizado pela rapaziada local foi destruído para dar lugar à mudança da estrada Brumadinho/Souza Noschese, feita pela prefeitura local a pedido de Bernardo Paz, o que gerou protestos por parte de alguns moradores do Inhotim.

    Nessa mesma toada, o museu comprou o edifício da Capela Santo Antônio em 2008, à revelia dos moradores, fato que também geraria muitos protestos por parte deles.

    Outra situação que também provocou profundo desconforto em muitos moradores da comunidade foi o fato do museu, logo depois de comprar algumas propriedades, com um trator a seu serviço, destruir os imóveis nelas existentes, criando uma paisagem desoladora e sofrida tanto para aqueles que ainda moravam na comunidade quanto para aqueles que anteriormente moraram nestes imóveis.

    Esse tipo de cenário foi retratado por meio de uma série de reportagens publicadas no jornal impresso mensal Tribuna, intituladas Estética do fim, em que se registrou o destino a que estava sendo submetida a comunidade e que será analisada no capítulo VI deste ensaio.

    Essas e outras situações semelhantes foram deixando cada vez mais claro para os moradores e ex-moradores da comunidade que seus destinos estavam sendo efetivamente selados com os atos do museu, o que ensejou ao autor deste ensaio, jornalista e também morador da comunidade, expressar essas situações jornalisticamente, por meio das mídias locais de Brumadinho, a fim de expressar a dimensão histórica, cultural e humana dos moradores e, simultaneamente, testemunhar e aquilatar a grandeza do Inhotim Museu de Arte Contemporânea, que emergia, simultaneamente, no mesmo território em que se extinguia a comunidade evidenciando com isso as claras contradições existentes entre esses dois atores sociais coletivos.

    Esses registros midiáticos ganharam destaque nos dois jornais mensais impressos e em circulação no município, sendo um deles o Circuito Notícias, no período de 2003 a 2005, e o outro o Tribuna da Asmap, no período de 2005 a 2013. Entretanto, outros veículos de comunicação local, de forma mais esporádica, também registraram, nessa época, as tensões vividas entre o museu e a comunidade local, tendo como consequências o lento e sofrido desaparecimento deste último ator coletivo.

    Para expressar a situação, as mídias valeram-se de vários gêneros jornalísticos, apontando como e em que condições se deu o desaparecimento da comunidade. Assim, foi publicada a série de reportagens intitulada O Inhotim que vai, para contar a história da comunidade, e O Inhotim que vem, para dar conta da importância e do significado cultural, político e econômico do museu para o município e para o mundo.

    Mesclando essas duas séries, criamos uma terceira, intitulada Os Inhotins que se misturam, para mostrar como e de que maneira, em muitos momentos, o museu e a comunidade estabeleceram importantes e significativos processos de cooperação cultural entre si.

    Motivado por essas mesmas situações, criamos, também no jornal Tribuna, a série intitulada Retratos na parede, para expressar a memória da comunidade e, simultaneamente, a marcha inexorável que selaria o seu fim imposto desde a chegada do museu ao território.

    À medida em que essas e outras situações similares foram se repetindo, elas foram ganhando novos suportes midiáticos, como foi o caso da publicação do livro Réquiem para o Inhotim (OLIVEIRA, 2010), de minha autoria, que registrou, de forma poética e sob a ótica dos moradores, as situações que culminariam na extinção física da comunidade.

    Julgamos que o mérito do conjunto dessas publicações foi o de evitar que a memória e a identidade da Comunidade do Inhotim sofressem o mesmo destino a que foram submetidas as suas edificações, que foram sendo soterradas e depois transformadas em entulhos por um trator a serviço do museu.

    Acreditamos, também, que o registro público dos acontecimentos, feito pelas mídias locais anteriormente citadas à medida em que estavam ocorrendo, fez com que a memória e a identidade da comunidade saíssem de um contexto comunal para ganhar novas expressões em diferentes espaços públicos de Brumadinho, permitindo que tanto os seus ex-moradores quanto outros públicos pudessem acompanhar pari passu os fenômenos que iriam selar os seus destinos e, simultaneamente, aquilatassem de que maneira e em que condições o museu estava sendo instalado no território.

    A convergência dessas questões foi o que nos levou a transformar essas mídias no principal corpus de análise deste ensaio.

    Entretanto, fazemos questão de registrar que as mídias aqui analisadas não interpretaram ou deram ampla publicidade apenas ao que aconteceu com a Comunidade do Inhotim. Elas também informaram e, simultaneamente, celebraram publicamente e amplamente a chegada, o significado e a importância do museu, cujos projetos prometiam contribuir decisivamente tanto para o mundo cultural nacional e internacional quanto para o desenvolvimento das pessoas e da região em que foi instalado.

    Foi com esse espírito, por exemplo, que entrevistamos Jarbas Lopes (autor da popular obra Troca-troca, constituída por três fusquinhas expostos no jardim do museu). Durante uma hora, ao vivo, no programa De Olho na Notícia, da Rádio InterFM, discutimos sobre o significado dessa obra e sobre outras questões referentes à arte contemporânea como uma proposta de reconversão do olhar sobre os objetos e as relações sociais. Posteriormente, essa entrevista foi integralmente reproduzida nas páginas do jornal Circuito Notícias.

    Igualmente, nessas mesmas mídias, foi dado amplo espaço ao trabalho realizado por dois artistas contemporâneos norte-americanos, John Aherm e Rigoberto Torres que, convidados pelo nascente museu, passaram duas temporadas em Brumadinho, com o objetivo de retratar os moradores e as situações da vida cotidiana da Comunidade do Inhotim e do município, por meio da feitura de esculturas das pessoas e de situações por eles encontradas em suas perambulações pela região, repetindo, assim, muito do que já faziam desde 1979, no Bronx, em Nova Iorque, conforme ficou registrado nas mídias locais que serão analisadas neste ensaio.

    Ainda por meio dessas mídias, mostramos como o museu realizou atividades de cooperação cultural com várias outras comunidades do município, inclusive com a do Inhotim.

    Mas esses registros midiáticos só foram possíveis pela facilidade com que me locomovi pela diversidade da esfera pública local, habilidade oriunda da condição de jornalista, editor de jornal e morador da Comunidade do Inhotim.

    Aliás, essas mesmas condições me levaram a afirmar publicamente que, se jornalisticamente o museu foi uma ótima notícia para o município e o mundo da cultura, ele não foi uma boa notícia para a Comunidade do Inhotim, que foi instada a desaparecer para dar lugar à criação do museu no mesmo território.

    Foi exatamente através do doloroso desaparecimento da comunidade que, finalmente, o museu pôde emergir e flanar livremente pelo território em que se instalou, não obstante os seus antigos moradores terem sido financeiramente bem compensados pela venda de suas propriedades ou que uma minoria tenha obtido postos de trabalho no museu. Nada disso impediu que neles sempre aflorassem e aflorem até hoje fortes e sofridos sentimentos de perda dos antigos elos comunitários que os ligavam entre si e à história do lugar.

    Foram essas e muitas outras situações mostradas pelas mídias locais que se transformaram no principal corpus de análise deste ensaio, levando em conta o papel que tiveram ao registrar e perenizar na esfera pública local o gradativo processo de transformação do Inhotim- Comunidade em Inhotim-Museu, ou seja, de um lugar a um não-lugar entre 2003 e 2013.

    As situações que compuseram esse fenômeno foram por nós analisadas a partir da ótica dos jornais impressos Circuito Notícias e Tribuna da Asmap, considerando as diferentes reportagens, entrevistas, relatos, artigos ou notícias publicadas no período em questão.

    Essas publicações originaram-se dos inúmeros depoimentos orais, documentais ou imagéticos cedidos informal e espontaneamente pelos moradores e ex-moradores do Inhotim e que, depois de publicados, transformaram-se em um precioso registro público tanto sobre a história e o desaparecimento da comunidade quanto sobre a emergência do museu.

    Embora os dois jornais acima tenham sido o objeto principal deste estudo, complementarmente, analisamos, ainda que parcialmente, outras mídias, como o Boletim da Associação Comunitária do Inhotim (cinco edições), o jornal impresso De Fato, de Brumadinho, além de várias reportagens e artigos publicados na mídia regional e nacional em diferentes momentos, tendo como foco tanto o museu quanto a Comunidade do Inhotim.

    Esse mesmo procedimento foi adotado em relação à Rádio InterFM, de Brumadinho, através do programa De Olho na Notícia, por mim apresentado todos os sábados, de 1997 até 2008, onde se dedicava especial atenção tanto à comunidade quanto ao museu, embora não tenhamos logrado analisar essas transmissões em profundidade diante da precariedade dos arquivos da emissora.

    O mesmo se deu com a TV Vale do Paraopeba, cuja precariedade dos arquivos nos impediu de analisar as narrativas publicadas, apesar de terem sido realizadas algumas importantes transmissões, principalmente sobre o museu.

    Ao contrário das precariedades dos arquivos dessas duas últimas mídias, o acesso a todas as edições completas dos dois jornais impressos Circuito Notícias e Tribuna da Asmap neste período foi facilitado pelo fato de fazerem parte do acervo particular do autor, de modo que puderam ser analisadas nos capítulos V e VI deste ensaio.

    Essa análise foi também facilitada pelo fato do autor deste ensaio, além de editor desses dois jornais, ter sido morador da comunidade de 1993 a 2009, sendo que seus ascendentes lá viveram desde 1926.

    Aliás, foram essas condições de proximidade com o objeto estudado e de lugar de fala que nos permitiram captar e compartilhar, ainda que de forma dolorosa, cúmplice e solidária, a travessia histórica feita pela Comunidade do Inhotim através do tempo e do espaço até desaparecer para dar lugar à emergência do museu. Nesse sentido, o autor tornou-se portador do duplo papel de narrador e, simultaneamente, de objeto da coisa narrada.

    Essa perspectiva foi por nós ponderada a partir das reflexões de Silviano Santiago sobre o que ele chamou de narrador moderno, ou seja, de alguém que se propõe a dar fala aos outros e que, ao fazer isso, acaba também falando de si, só que de maneira indireta", ou seja, a partir de um olhar lançado ao outro (SANTIAGO, 1989, p. 43).

    Esse duplo papel foi o que nos fez subtrair, em alguns momentos, das cenas narradas para dar lugar e voz aos outros, em diferentes graus de intensidade e, em outros momentos, a se colocar claramente na narrativa, permitindo ao leitor fazer o seu próprio juízo da coisa narrada.

    Com isso, julgamos que, nesse papel de jornalista-narrador, pudemos fazer uma deliberada releitura da experiência social dos moradores da Comunidade do Inhotim, além de evocar no espaço público local diferentes testemunhos tanto sobre a experiência coletiva por eles vivida durante o período de 1856 a 2013⁵ quanto sobre o destino que a eles foi imposto desde a chegada do museu em 2003.

    Por fim, cabe registrar que, até 2008, não havia nenhuma veleidade deste pesquisador em transformar a vivência comunitária do Inhotim em um projeto de pesquisa. Entretanto, a pronta disposição e espontaneidade com que alguns moradores e ex-moradores continuaram a me procurar para prestar novos depoimentos, atualizar informações, disponibilizar fotografias e documentos inéditos sobre a história da comunidade e o feedback obtido com a publicação deste tipo de material nas mídias locais aqui analisadas estimularam a transformá-las no principal objeto desta pesquisa.

    Aproveitamos para advertir ao leitor deste ensaio que, apesar dos evidentes conflitos que existiram entre o museu e a comunidade durante a passagem do lugar para um não-lugar e as críticas que essa passagem suscitou, a reflexão proposta não pretende e nunca pretendeu ser um confronto com o Inhotim Museu de Arte Contemporânea ou levar o leitor a pensar que existe qualquer veleidade ou possibilidade de retorno físico da comunidade perdida. Julgamos ser essa uma situação irreversível.

    Entretanto, nada disso nos impede de mostrar criticamente as diversas nuances humanas, sociais e políticas sensíveis que compuseram o fenômeno de passagem do Inhotim-Comunidade de um lugar para um não-lugar. Ou seja, que levaram o Inhotim Museu de Arte Contemporânea a se estabelecer a partir de uma situação que acontece sistemática e diuturnamente em todo o país, por meio de processos de expansão imobiliária, projetos de obras públicas e privadas ou pelo avanço das fronteiras agrícolas que, na maioria das vezes, resulta na remoção das populações que viviam nesses territórios, tal como aconteceu com a Comunidade do Inhotim, cujo fim levou de roldão sonhos, memórias e experiências de vida dos seus moradores.

    Creio que foi exatamente a tentativa de compreender esse fenômeno que fez com que muitos ex-moradores do Inhotim oferecessem espontaneamente a este autor inúmeros testemunhos informais para registrar ou simplesmente lamentar a perda das suas antigas vivências comunitárias, que foram se transformando em retratos na parede, processo perenizado nas páginas dos jornais impressos locais analisados neste ensaio.

    À guisa de conclusão desta introdução, dizemos que essas reminiscências da comunidade continuam sendo feitas até hoje, na diáspora do Inhotim que hoje vive na cidade de Brumadinho por meio das festas de aniversários, batizados, enterros ou velórios. Nesses eventos, nas animadas conversas que dali emergem, a Comunidade do Inhotim renasce magicamente, nos longos causos que os sujeitos vão trocando entre si e que são invariavelmente finalizados com manifestações de pesar pela perda da vivência comunitária que um dia lá tiveram.

    Para descrever essas situações, dividimos este ensaio em onze capítulos.

    O primeiro foi esta apresentação.

    No capítulo II, apresentamos algumas breves considerações teóricas que nos ajudaram a guiar as análises do presente estudo.

    Ao leitor menos afeito a essas questões, caso queira, poderá saltar este capítulo e passar para a leitura do capítulo seguinte sem que isto signifique prejuízo para a compreensão do restante deste ensaio.

    No capítulo III, descrevemos a origem, o desenvolvimento e a consolidação da Comunidade do Inhotim no período de 1856⁶ até 2013, mostrando de que maneira esse território foi sendo gradativamente ocupado e, aos poucos, reconfigurado com a chegada de novos moradores, juntamente com os reflexos do escravagismo, que marcou a sua história neste período e que se refletiu no nome do lugar.

    Mostramos, ainda neste capítulo, como se deu a chegada das mineradoras e da ferrovia à região e o surgimento dos primeiros símbolos comunitários, mostrando como eles contribuiriam para a construção da identidade coletiva dos seus moradores.

    Em continuidade, mostramos como, na década de 1990, os moradores locais empreenderam diferentes e intensas formas de movimentação política para melhorar as condições da vida no território.

    No capítulo IV, analisamos de que maneira o futuro museu anunciou a sua chegada, em 2003, ao território do Inhotim e o impacto inicial causado aos moradores nessa época.

    A seguir, no capítulo V e VI, apresentamos e analisamos as notícias, reportagens e crônicas publicadas, respectivamente, nos jornais impressos Circuito Notícias (2003 a 2005) e Tribuna da Asmap (2005 a 2013), que registraram os diferentes impactos causados pelo museu à comunidade e aos seus moradores.

    Em dois quadros alocados na seção Anexos, apresentamos a sinopse de cada um dos artigos, reportagens ou notícias publicadas a esse respeito nesses dois jornais, assim como a resenha do livro Réquiem para o Inhotim, feita por Reinaldo Fernandes em uma edição do jornal Defato, e outra feita por Amélia Martins, no jornal Tribuna.

    Adiantamos ao leitor

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