Rússia e Europa: uma parte do todo
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Sobre este e-book
José Milhazes
José Manuel Milhazes Pinto nasceu na Póvoa de Varzim em 1958. Licenciado em História da Rússia pela Universidade Estatal de Moscovo (Lomonossov) em 1984 e doutorado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 2008. Entre 1989 e 2015 trabalhou como correspondente de vários órgãos de informação, nacionais e internacionais, na Rússia e na Comunidade dos Estados Independentes. Autor de numerosos artigos e livros sobre as relações entre Portugal e a Rússia, sobre a política da URSS nas ex-colónias portuguesas de África e sobre as relações entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista da União Soviética. Leccionou em várias universidades russas e portuguesas. Actualmente é comentador de assuntos internacionais da SIC e RDP. Cavaleiro da Ordem de Santa Maria (Estónia) e Comendador da Ordem do Mérito (Portugal)
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Rússia e Europa - José Milhazes
Siglas e Abreviaturas
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
COMECON – Conselho para a Assistência Económica Mútua
EUA – Estados Unidos da América
FMI – Fundo Monetário Internacional
KGB – Comité de Segurança do Estado
ONU – Organização das Nações Unidas
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
UE – União Europeia
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Introdução
Se lançarmos um olhar atento para a História, veremos que a análise das relações entre a Rússia e a Europa está impregnada de estereótipos que se foram acumulando ao longo de séculos, tendo alguns deles transitado de épocas distantes para os nossos dias.
Um desses estereótipos, alimentado por certos círculos ideológicos na Rússia (tema que iremos abordar mais à frente de forma pormenorizada), é que aquele país constitui uma civilização separada
, que não faz parte do Velho Continente ou, se faz, só parcialmente, considerando-a um Estado eurasiático. Normalmente, nessas teses, o asiatismo
é utilizado para justificar políticas autoritárias e expansionistas, ou conceitos como democracia soberana
.
Este último conceito foi utilizado por Vladislav Surkov, conselheiro do Presidente russo Vladimir Putin, que empregou esse termo pela primeira vez a 22 de Fevereiro de 2006 definindo-o assim: tipo da vida política da sociedade, quando o governo, seus órgãos e acções se elegem, se formam e se dirigem exclusivamente pela nação da Rússia em toda a sua diversidade e unidade, para que todos os cidadãos, grupos sociais e povos que a formam, alcancem o bem-estar material, a liberdade e justiça
.
No fundo, a adjectivação da democracia para designar um sistema político tem precedentes no passado e, além de desvirtuar o próprio conceito, servia para justificar regimes autoritários ou totalitários, por exemplo, a democracia popular nos antigos países comunistas do Leste da Europa, ou a democracia orgânica de Salazar ou Franco.
Outro dos estereótipos é que os russos são impermeáveis a conceitos ocidentais como democracia, pluripartidarismo, defesa dos Direitos Humanos, etc.
No entanto, se estudarmos mais profundamente as raízes da História da Rússia, constataremos que este é um país europeu como qualquer outro, devendo-se algumas das diferenças, entre outros factores, às dimensões gigantescas do seu território, que se estende do Báltico a Norte, e do Mar Negro a Sul, até ao Oceano Pacífico, ou a vicissitudes históricas.
Devido às suas dimensões, na actual Federação da Rússia, enquanto herdeira do Império Russo e da União Soviética, vivem não só povos europeus, mas também asiáticos. No entanto, a principal matriz civilizacional é claramente europeia. Os russos do Extremo Oriente ou da Sibéria têm muito mais traços comuns com os portugueses do que com os seus vizinhos chineses ou japoneses.
Quanto à aversão
à democracia ou o apego
ao totalitarismo, iremos ver que é tão difícil ter aversão ao que praticamente não se conhece como não ter apego ao totalitarismo quando um regime autoritário se sucede a outro.
Quando falamos da literatura clássica russa (Alexandre Pushkin, Ivan Turgueniev, Fiodor Dostoievski, Nikolai Gogol, Lev Tolstoi, etc.) colocamo-la entres os ramos da literatura europeia ou, a falarmos mais amplamente, ocidental, não nos lembrando de chamar eurasista
a qualquer um dos escritores citados. O mesmo se pode dizer em relação à música clássica, às belas-artes, etc.
Se há divergências, que as existem e não são poucas, elas ocorrem também entre outros países europeus; não são específicas das relações entre a Rússia e a Europa, mas tiveram origem nos diversos percursos históricos dos diversos povos.
A Rússia não é a santa
que actualmente é vendida pela propaganda do Kremlin, ao ponto de se afirmar que esse país nunca atacou qualquer vizinho e foi apenas alvo da cobiça de potências estrangeiras, ou que é o futuro radioso
, em comparação com o Ocidente minado pela decadência
ou depravação
. Mas, também, não é o urso feroz, agressivo e selvagem
, imagem frequentemente desenhada por alguns dos mais inflamados defensores dos chamados valores ocidentais
.
Existiram períodos em que foi possível estabelecer relações mais ou menos civilizadas, em que o diálogo, não obstante as grandes dificuldades, avançava. Por alguma razão, a União Europeia continua a ser hoje o maior parceiro comercial da Rússia, e esta o maior fornecedor de gás e petróleo da Europa. Foram também lançadas outras pontes de cooperação, nomeadamente no diálogo entre a Aliança Atlântica e Moscovo, na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, etc..
E se hoje em dia vivemos uma profunda crise nas relações entre a Rússia e a UE, ela deve-se, em grande parte, aos dirigentes políticos de ambos os lados, que deixaram escapar uma grande oportunidade de aproximação que foi aberta com o fim do campo socialista
, em 1989, e da União Soviética dois anos depois.
Aqui será oportuno citar o que o grande escritor russo Lev Tolstoi escreveu em 1905, após o seu país ter sofrido uma pesada derrota na guerra contra o Japão: "A importância da vitória dos japoneses consiste em que ela mostrou da forma mais evidente não só à Rússia vencida mas também a todo o mundo cristão, toda a insignificância da cultura externa de que tanto se orgulham os povos cristãos. Mostrou que toda essa cultura externa, que lhes parecia um resultado excepcionalmente importante dos esforços seculares da humanidade cristã, não passa de algo tão insignificante que o povo japonês, que não se destaca por propriedades espirituais particularmente supremas, quando precisou de, em algumas décadas, assimilar toda a sabedoria científica dos povos cristãos, incluindo o conhecimento de bactérias e explosivos, empregou de forma tão hábil essa sabedoria que se colocou, na aplicação da mesma ao campo militar, tão altamente apreciada pelos povos cristãos, acima de todos