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Pisando Serpientes
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E-book495 páginas4 horas

Pisando Serpientes

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Sobre este e-book

A nação mexicana desperta com uma notícia que impactará a toda a cristandade: o manto sagrado de Juan Diego com a imagem da Virgem Morena desapareceu da Basílica de Guadalupe. Um roubo que receberá imediata cobertura midiática em todo o mundo e que levará as autoridades mexicanas a estabelecer diferentes linhas de investigação nas quais aparece um nome: o do catedrático Elías Ortega, expert em Estudos Religiosos pela Universidade Nacional Autônoma do México, convocado para que aplique seus conhecimentos no esclarecimento do caso.

O que poderia ser um abominável sucesso perpetrado por mentes criminais muito ardilosas, mas sem antecedentes além do próprio crime, começa a se revelar como parte de um plano macabro e ganancioso, pela busca de tesouros perdidos e que, pouco a pouco, parece reviver das cinzas o movimento cristero, o qual lutou contra as autoridades civis mexicanas no princípio do século XX, e ao passado asteca tão presente nos dias de hoje. O professor Ortega - perseguido por um passado que prefere esquecer - e a doutora Zepeda, quem complementa a investigação, terminam se envolvendo nos feitos onde a violência e a intriga se entrelaça com a história do México para compor um cenário de ação onde o leitor se vê preso até seu inesperado desenlace.

Pisando em serpentes. O tesouro sagrado e o apocalipse esperado é a primeira novela de Ricardo Celis Flores (Tampico, México, 1962), renomado jornalista com mais de trinta anos de experiência na televisão nos Estados Unidos. Nesta novela, o autor mostra um amplo domínio da história de seu país e um manejo certeiro da arte narrativa para criar uma história fascinante e original, que coloca a Celis Flores como um autor com voz própria dentro do gênero da intriga. 

IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de abr. de 2023
ISBN9781667450711
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    Pisando Serpientes - Ricardo Celis

    PRÓLOGO

    Nican Mopohua. Aqui narra-se uma história que começou há cerca de quinhentos anos dentro de um antigo quarto com móveis de madeira mal talhados e carcomidos por cupins. As imagens de diferentes pessoas foram gravadas como uma fotografia, em pixels em tons de cinza e preto.

    No total, pode-se distinguir treze pessoas em diferentes posições e lugares, todos no mesmo ambiente. Um ancião olhando para cima, um indígena sentado, uma mulher negra, um sacerdote rezando ajoelhado, um homem barbado com um joelho fincado no solo, um homem com feições brancas esfregando a barba com uma mão, e uma família de seis com a mãe carregando o menor em suas costas dentro de um canguru, que os indígenas chamavam de a manta que sustenta a vida.

    A imagem pouco a pouco é ampliada. Quinhentas vezes maior, segue se ampliando mil vezes mais, até ser aumentada duas mil e quinhentas vezes. Os pixels passam a ser megapixels, todas as imagens se veem surpreendentemente vivas! Todas estão dentro da córnea de um olho. A imagem segue se ampliando, deixam de ser pixels, agora visualizam-se os dois olhos, ambos mostram as mesmas imagens das pessoas com diferentes proporções. Os pigmentos atravessam o manto inteiro, mas não há vestígios de pincéis. A imagem foi impressa, não pintada.

    A imagem é mais clara agora, nota-se o rosto de uma mulher de cabelos pretos. Vê-se as fibras onde está impressa, as características da tela, a maneira como as duas telas foram costuradas grosseiramente, o lábio inferior ficou impresso sobre um nó do ayate, que oferece um relevo adicional, a firmeza

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    das múltiplas cores, essa pigmentação que até hoje é completamente desconhecida. Ao ampliar o pictograma percebe-se que se trata da imagem da Virgem de Guadalupe no manto de Juan Diego.

    Seu olhar reflete ternura e bondade. Em 1531, os indígenas não consideravam certo olhar para frente: é por isso que ele tem a cabeça inclinada para a direita como sinal de reverência e respeito.

    O ayate, de apenas 1 metro e 43 centímetros, é a segunda imagem mais venerada no mundo católico. É o símbolo de união mais forte entre o povo mexicano e o povo espanhol.

    A prega asteca do manto, além de ter um poder onipotente, traz riquezas nunca imaginadas por um mortal. Bem, eles disseram a Juan Diego: De seus ombros pende o tesouro mais sagrado já encontrado na terra.

    Mas também dizem as sagradas escrituras que a imagem da Virgem de Guadalupe é Apocalipse 12, 1-2 ...um grande sinal: uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. Estava grávida...

    Esta é a lenda completa.

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    CAPÍTULO 1

    A escuridão da noite começava a sucumbir sob os primeiros raios de sol, um típico amanhecer na Cidade do México com névoa e fumaça, no pé do monte do Tepeyac onde majestosamente se ergue a Basílica de Santa María de Guadalupe, mais conhecida como a Basílica de Guadalupe. Um imenso edifício que pode chegar a abrigar até dez mil paroquianos em uma só missa.

    Sua construção começou em 1974. Naquela época foi surpreendente ver como pedreiros de todo o país chegavam querendo trabalhar e com suas mãos ajudar a levantar a casa da Virgem sem cobrar um só peso, somente pediam para lhes dar o que comer. Isso foi música para os ouvidos do arquiteto Pedro Ramírez Vázquez, que concebeu e esboçou cada canto desta majestosa obra, por isso todos os dias ele mandava trazer quantidades industriais de todos os tipos de tacos para os trabalhadores. A construção do templo da Guadalupense levou quase dois anos de trabalho intenso, sendo inaugurada em 12 de outubro de 1976.

    Mas assim como essa data é lembrada, o dia de hoje também será lembrado e não será precisamente para comemorar.

    No meio do orvalho, uma das sete entradas do templo que geralmente está fechada ao público, o acesso norte que leva à rua Castrojeriz, foi violentamente aberta com um único golpe.

    A luz artificial do interior da basílica cruzou o umbral, penetrando e dividindo a opacidade na Plaza de as Americas. Com o rosto completamente contorcido, o arcebispo Jonás Guardiola gritava entre gemidos e soluços:

    – Nos roubaram! Ela foi roubada! Levaram nossa Santa.

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    O sacerdote caiu de joelhos, levantando os braços para o céu. O chuvisco caiu em seu corpo com mais força, suas lágrimas foram misturadas com a água da chuva que caia sem cessar.

    A capa do religioso dançava e movia-se de forma zombeteira ao compasso do vento que constantemente mudava de direção. O vento típico da Cidade do México, que naquele dia não tinha nada de típico.

    A chuva parou, dando lugar a uma neblina que pouco a pouco se fez mais e mais densa até cobrir lentamente os cinco templos em homenagem à Virgem de Guadalupe na colina Tepeyac. Em meio à neblina podia-se ver a suspensão de pequenas gotas de água, algumas subindo, outras abaixando, cercando e molhando tudo a sua volta, ascendendo lentamente até chegar à cúspide, aos cinquenta metros que mede a basílica, onde sobe uma cruz prostrada em M, em homenagem a Maria e ao México.

    Em menos de uma hora os repórteres de todo o mundo noticiavam o roubo na capital mexicana.

    – Este é um relatório de último minuto – disse Jorge Ramos, jornalista de uma rede nos Estados Unidos – Um dos símbolos os mais importantes da igreja católica, o manto de Juan Diego onde está a imagem da Virgem de Guadalupe, foi roubado hoje.

    Do lado de fora da Basílica, outro repórter fornecia mais informações sobre o evento:

    – A Virgem de Guadalupe é, sem sombras de dúvidas, o símbolo dos mexicanos, dos latinos e dos católicos em geral. Esse é o maior roubo na história da religião cristã. – O repórter posicionou-se ao lado, para que o cameraman mostrasse mais imagens do templo, que havia sido isolada pela polícia. – Até o momento as autoridades forneceram poucas informações. Assim que tivermos mais detalhes, informaremos a vocês.

    Do outro lado da grande cidade está a Cidade Universitária. Na Universidade Nacional Autônoma do México, no salão de conferências 201 de Ciências Sociais, neste semestre estava sendo ministrado o Doutorado em Estudos Religiosos. À frente da

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    classe estava o professor Elías Ortega, que naquele dia parecia um pouco mais cansado que o habitual. Apesar dos seus quarenta e tantos anos, era uma pessoa com poucos cabelos grisalhos, exceto por alguns cabelos brancos curtos nas costeletas.

    Seus olhos verdes, meio afundados em círculos escuros, brilhavam em fulgor na frente de sua classe. Era evidente que ele sentia grande prazer em mostrar seu conhecimento diante de um grupo de discípulos. Relaxado, sentado na mesa sobre a qual havia um exemplar de seu livro Hitler e o Sudário de Turim com uma suástica sobreposta na capa, dava sua aula em frente a sala meio cheia:

    – Hitler estava obcecado com a magia negra, com o oculto. – No grande telão, projetavam-se imagem atrás de imagem. – Inclusive o símbolo Nazi, a suástica, cujo o termo verdadeiro é esvástica, tem um significado muito auspicioso, um símbolo da prosperidade e de boa fortuna. Essa foi a principal razão pela qual o partido alemão o tornou seu. Mas também tem seu lado obscuro. O partido nazi adotou-o em 1920 porque acreditavam que tinha atribuições espirituais, místicas e esotéricas.

    As imagens continuaram passando na tela.

    – Hitler não procurava somente a raça perfeita. Também quis o poder absoluto, daí o seu desejo obter o Sudário de Turim. Por este motivo, antes de começar invadir os países vizinhos, mandou um batalhão de soldados procurar por toda a Europa a manta na qual Jesus foi envolto quando o desceram da cruz, e a lança que perfurou-lhe o pulmão quando estava nesta.

    Nesse momento, a porta da sala de conferências abriu-se de par em par, deixando passar dois homens vestidos com terno e gravata. Após darem uma olhada no recinto, começaram a descer lentamente as escadas até chegarem na primeira fila, onde ambos ficaram parados.

    O professor, apesar de ser interrompido por ambos os homens, continuou com sua aula, mostrando a foto de Adolf Hitler no telão de cinema. Sobre esta imagem, foi-se sobrepondo a imagem do Sudário de Turim, e pouco a pouco foi-se

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    transformando em uma pessoa amorfa, em um tipo de monstro sem rosto. Elías prosseguiu:

    – A ideia de Hitler era decifrar os códigos no manto de Turim e adquirir assim duas coisas. Primeiramente era o poder ler as mentes de seus inimigos e a segunda, a mais importante: o poder de ser imortal. – A maioria dos estudantes estavam concentrados em seus laptops, tomando notas do professor. – Por isso, em 1938 o Vaticano escondeu o Sudário de Turim, levando-o a um santuário secreto na região de Campania, onde permaneceu até o final da Segunda Guerra Mundial.

    O catedrático se deteve para tomar um pouco de água e desligar o monitor.

    – Mas isso estará em nossa próxima aula. Não se esqueçam de estudar os capítulos 4 e 5 para a prova da próxima semana. Obrigado e tenham um excelente dia.

    A sala de conferências esvaziou-se em segundos, ficaram apenas um par de estudantes quando os dois homens subiram até a plataforma onde estava o professor. De uma maneira fria, mas formal, um disse-lhe:

    – Doutor Ortega, eu sou o tenente Ramos do Estado Mayor. Necessitamos que nos acompanhe. O general Teófilo Baltazar precisa falar com o senhor.

    – Eu sinto muito, mas eu tenho uma outra aula em trinta minutos. – Elías respondeu.

    – Não é pergunta uma pergunta! – exclamou o segundo oficial, colocando uma mão em seu ombro – Precisamos que nos acompanhe. O general responderá todas suas dúvidas quando chegarmos.

    O professor ficou petrificado, e como sabia que não podia negar, ocorreu-lhe o mais lógico:

    – Posso ver suas credenciais?

    Os dois policiais sacaram seus distintivos, mostrando seus nomes e posições dentro do Estado Mayor. Cada um parou ao lado do catedrático e o escoltaram para fora do recinto universitário. Ortega pensou Em que diabos me meti?.

    Pela mente do professor passaram todo o tipo de especulações. Mas a que mais sobressaltava-se era um possível sequestro.

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    Mas, ao mesmo tempo, reconfortava-se por não ser uma pessoa rica e isso realmente nunca havia importado antes. Embora agora a situação parecesse completamente diferente. Em especial sentado na parte traseira do Ford Fusion preto com vidros polarizados e com um dos oficiais sentado junto dele.

    – Podem me dizer onde vamos? – perguntou.

    Nenhum dos dois respondeu. O único som era do motor V-6 turbo enquanto se moviam ao redor do estádio universitário, antes de pegarem a avenida Insurgentes.

    Elías tentou abaixar um pouco o vidro polarizado do carro, mas este estava travado. Viajando pela avenida Insurgente, pouco a pouco começou a notar grupos de pessoas caminhando, algumas na calçada, outras na avenida interferindo o tráfego a veicular. Todos se dirigiam ao mesmo lugar.

    Ao dobrar pela rua Montevideo na Vila Aragón, o semáforo da intersecção marcava vermelho, mas este não deteve o automóvel que, tocando sua sirene, prosseguiu em seu caminho.

    O catedrático soube exatamente para onde se dirigiam: exatamente no final da rua estava a Basílica de Guadalupe, onde já haviam se reunido milhares de crentes que pediam respostas sobre o paradeiro do manto sagrado.

    O carro preto andava com autoridade dentre a gente, ligando a sirene de vez em quando dispersando a massa, para continuar seu caminho sem parar.

    – Faz quanto tempo que não vem à basílica? – perguntou o oficial que dirigia, quase chegando a seu destino.

    – Faz exatamente cinco anos, quando terminei minha tese de doutorado sobre o manto de Juan Diego – respondeu Elías – Não consigo entender como alguém pode ter...

    – Nós chegamos – interrompeu o oficial.

    Dois soldados parados na Calzada de los Misterios, abriram a porta para recebê-lo.

    – O general está esperando-o lá dentro; eles o acompanharão daqui – disse o oficial que lhe acompanhava no assento traseiro e agora abria a porta do copiloto.

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    O motorista abaixou a janela e desejou boa sorte ao professor antes de voltar pela rua Zumárraga, longe da multidão.

    O cordão policial cercava todas as ruas que levavam à Basílica de Guadalupe, desde os perímetros de estradas cortadas pela pedreira ao norte do templo, ao sul pela rua Zumárraga, a leste pela rua 5 de Fevereiro e a oeste a Calzada de los Misterios.

    Uma centena de homens e mulheres com diferentes trajes, todos uniformizados. Os de verde oliva, membros do exército. Os de azul, elementos da polícia. Eram os únicos que podiam estar dentro do perímetro, delineado por uma fita amarela e as barricadas que proibiam o acesso aos motoristas, ciclistas e pedestres. O cerco policial abarcava o museu, a antiga basílica, a capela do pocito, o batistério, o carrilhão, a capela da colina, a Plaza de las Americas, e a nova basílica de Guadalupe.

    Os soldados encaminharam o professor Elías para o portão 2. Para alguma razão, ninguém entrava ou saía pela porta principal. Passei tantas horas neste lugar, ponderou Elías enquanto trabalhava em sua tese sobre a santa manta. Ao entrar pela porta 2, junto aos confessionários, Ortega penetrou um ambiente iluminado pela claraboia no alto da igreja, que permitia a entrada de uma luz crepuscular natural e que também facilitava a saída de ar quente para prover ventilação natural. Instintivamente estendeu a mão para tocar uma imagem em relevo da Virgem, de cor branca e feita com um nylon de alta resistência, acompanhada por uma descrição em braile. A Virgem de Guadalupe para os cegos. Sempre lhe pareceu um grande gesto do artista italiano Franco Faranda que, em 2008, com o apoio do Instituto Italiano, a doara à Basílica e, anos depois, foi benzida pelo papa Bento XVI.

    Com exceção das forças armadas e das polícias, havia muitos homens vestidos de terno e gravata pretos com fones no ouvido, que iam e vinham por todos os lados. "Onde estavam todos esses

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    seguranças a noite? pensou. A basílica tem um dos melhores sistemas de segurança, uma equipe humana com grande preparação. Muitos deles fizeram cursos no exterior, a fim de vigiar os vinte milhões de fiéis que a cada ano visitam a igreja. Mas parece que nada disso serviu".

    Andou até o meio do corredor de mármore, onde o esperava o general Teófilo Baltazar.

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    CAPÍTULO 2

    A cento e quarenta e cinco quilômetros de distância, o sol empalideceu um pouco, eclipsando-se atrás de uma nuvem. César Nerón, mais conhecido como o Boneco, robusto com o peito sobressalente, tez morena e com a cabeça completamente calva, constantemente checava seu celular. Esperava resignadamente em frente à casa que habitava em San Andrés Cholula. Quando tirou os óculos escuros, a cor de seus olhos se destacou, um tom amarelado pálido muito particular, provavelmente resultado de uma disfunção do fígado, vesícula biliar ou pâncreas. O mais arrepiante eram as tatuagens que tinha nas pálpebras: quando fechava os olhos, tinha tatuada uma pupila em cada um deles. Um rosto tenebroso e macabro, que te via mesmo quando estava dormindo.

    Aquela era uma das múltiplas tatuagens que o homem havia gravado no corpo como membro de uma das gangues mais violentas do México, a Barrio 18, uma gangue que estava intimamente ligada com a Mara Salvatrucha. Os membros da Barrio 18 eram considerados extremamente violentos pelas autoridades do México e dos Estados Unidos.

    A casa que vive foi construída no século XVIII e os moradores de San Luis Tehuiloyocan a conheciam como a Casa del Diabo. Segundo contam os habitantes da região, a residência foi fundada por seu dono, o senhor Don Manuel Fabela, que era um próspero homem de negócios e cuja prosperidade era atribuída pela lenda de ter feito um pacto com o Anticristo.

    Correu um boato em Cholula nessa época que Don Manuel, a cada ano, ofertava algum trabalhador de suas plantações a Satanás como pagamento pela prosperidade adquirida.

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    Dentro da casa haviam inscrições em latim escritas ao contrário. Segundo as crenças, ao ler de forma correta, buscava-se estabelecer uma conexão direta com Deus e os ocultistas pensavam que ao ler ao contrário, dirigiam-se ao próprio Demônio. Por esse motivo, quando o município comprou a casa para convertê-la na Biblioteca de Amoxcalli, durou pouco tempo, já que muita pouca gente a visitava pelo estigma que ela não conseguia se livrar: de ser uma casa mal-assombrada.

    Não foi mera casualidade que o Boneco fez dessa, sua casa, além disso, era seu destino viver ali.

    Onde diabos eles estão? perguntou-se o Boneco em voz alta, quando um telefone começou a tocar dentro da casa. Avidamente, o homem cruzou a porta da casa que tinha em sua fachada pequenas pedras vulcânicas que formavam imagens de animais, outras representavam atividades humanas, outras eram símbolos religiosos em toda a entrada, dois macacos com gestos brincalhões, vestindo chapéus eclesiásticos enquanto mostravam seus genitais.

    – Diga-me – exigiu resposta ao atender o telefone.

    – Nós temos um problema – respondeu uma voz masculina.

    – Você sabe já o que você deve fazer.

    – Vai demorar um pouco mais para fazermos a entrega.

    Uma pequena pausa, analisando a situação.

    – Tempo é o que nós não temos. Nem eu, nem vocês, nem ninguém.

    Escutou-se um longo suspiro pelo fone.

    – Eu sei, sei muito bem.

    Antes de desligar o telefone, o Boneco gritou a alguém na casa: Traga-me outro!

    Retornou à chamada:

    – Estamos muito perto de nosso destino.

    Dois homens se enrijeceram e obedeceram a ordem silenciosamente.

    Ao abrir a tranca dupla da porta do porão, sentia-se um fedor sufocante, um chiqueiro hediondo. Fazendo

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    pouco caso do cheiro, ambos desceram as escadas rumo a escuridão.

    Segundos depois, através da penumbra abafada, vislumbraram três figuras que subiam pelas escadas: os dois homens carregavam um jovem seminu, coberto com uma tanga.

    Cada um segurava em uma axila. Uma expressão de incredulidade e de assombro aparecia no rosto do jovem adulto, cerrando os olhos ao sentir o sol da manhã de verão. No canto da boca tinha gotas brancas de saliva seca.

    Os paralelepípedos do chão começaram a se manchar de sangue, ao passo que os joelhos eram arrastados na pedra vulcânica.

    Os primatas, trabalhados nas pedras das paredes, pareciam felizes com o que estava acontecendo.

    No final do pátio havia um poço circular, coberto por uma enorme rocha esculpida com diferentes hieróglifos.

    Lá fora, no pátio, haviam mais três homens. O nome dos cinco era Los Chachalmecas, que significava ministro de coisas divinas. Entre os cinco colocaram o jovem sobre a pedra, dois puxaram os braços, outros dois puxavam os pés e o quinto o pegava pelo pescoço, permanecendo estendido sobre a pedra circular como o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci.

    O Boneco aproximou-se de maneira mansa olhando para baixo ao caminhar. Em suas mãos trazia um pano vermelho que envolvia algo.

    – Nacatl tepochtli, nimitstlatlauki.

    Seus olhos amarelos se iluminaram, soava como uma nota de horror.

    – Carne jovem... eu te imploro, por favor – repetiam os cinco homens em uníssono.

    Seguia andando lentamente para o poço

    Nacatl tepochtli, nimitstlatlauki.

    Do pano tirou uma adaga muito especial: a lâmina era de vidro vulcânico chamado obsidiana. Cuja cor é verde cristalino, produto do esfriamento muito rápido da rocha ígnea vulcânica por contato com a água, o que permite a

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    cristalização da lava. E quando trabalhada pode ser mais afiada que o aço cirúrgico.

    – Carne jovem... eu te imploro, por favor.

    Virou-se para o céu e repetiu:

    – Nacatl tepochtli, nimitstlatlauki.

    – Carne jovem... eu te imploro, por favor.

    O jovem estava completamente perdido, eles o drogaram, suas feições mostravam o pânico interno que sentia. Seus olhos muito abertos estavam cheios de espanto, um olhar de terror, de pavor, mas ainda assim de seus lábios não saia nenhuma palavra.

    Com um único golpe fundiu a pedra embaixo do esterno. O chacalmeca que sustentava o pescoço puxou com força para abrir ainda mais a ferida.

    O Boneco soltou o punhal da mão esquerda, enquanto cortava mais com a direita.

    Em um instante, ele colocou a mão no ferimento do jovem e forçou até enfiar o pulso em seu interior.

    O jovem se retorcia ao entrar em choque, os quatro homens puxavam com mais força suas extremidades. O terror se apoderava do rosto do sacrificado, mas nenhuma só palavra ou queixa saía de seus lábios. Apenas ruídos estranhos, como se estivesse afogando.

    O líder dos chacalmecas agarrou algo dentro do esterno do garoto, lutando um pouco, e com um forte puxão tirou seu braço completamente ensanguentado e em seu punho tinha o coração ainda pulsante. Seus olhos amarelos brilharam com o fulgor de cem vaga-lumes em uma caverna.

    – Nimitslatlaukilia nacatl tepochtli senka tlasojkamati.

    Jogou o coração em uma fornalha e retornou à casa.

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    CAPÍTULO 3

    Milhares de pessoas entraram de joelhos, pensou Elías, ao admirar o piso de mármore extraído de San Tomás, Puebla, que erroneamente o adquiriram lapidado. Que bom que o arquiteto mandou que toda parte do centro fosse polida para não arranhar os joelhos de todos esses que vem pagar suas promessas.

    – Eu imagino que já saiba da notícia – afirmou o general Teófilo Baltazar, com um tom firme, sem rodeios, com o olhar penetrante e sem pestanejar.

    Alto, magro e de postura ereta, com o lábio inferior proeminente, o que fazia mais notória sua mandíbula. Seu uniforme verde oliva preso ao corpo era o novo desenho da Secretaria de Defesa Nacional, a SEDENA; mais ergonômico,

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