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Geografia das Relações Internacionais da América Latina e Caribe: Temas e Debates
Geografia das Relações Internacionais da América Latina e Caribe: Temas e Debates
Geografia das Relações Internacionais da América Latina e Caribe: Temas e Debates
E-book569 páginas7 horas

Geografia das Relações Internacionais da América Latina e Caribe: Temas e Debates

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Sobre este e-book

A complexidade do mundo atual desafia o conjunto de saberes disciplinares institucionalizados com seus conceitos e discussões, especialmente os campos da Geografia e das Relações Internacionais. A interlocução entre esses campos, no entender dos organizadores e autores desta obra, potencializa o desenvolvimento de alternativas analíticas que buscam somar às já existentes, muitas vezes focadas nas particularidades de seus objetos teóricos. Duas décadas adentro no século XXI, em um mundo atravessado por inúmeras crises e desafios, são muito mais dúvidas do que certezas que nos inquietam, e a América Latina e o Caribe não estão alheios a essas transformações do mundo e nem refratários às questões da atualidade.
Por esse motivo, a coletânea Geografia das relações internacionais da América Latina e Caribe: temas e debates busca contribuir para discussões teóricas e empíricas sobre o momento geopolítico em que nos encontramos. Ao longo da obra, tanto os capítulos sobre discussões conceituais quanto os que tratam de estudos de casos compõem um sobrevoo sobre algumas das principais questões da nossa região no atual cenário geopolítico mundial. As autoras e os autores, que foram ou ainda são estudantes de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Campinas, bem como alguns membros do grupo de estudos, buscam, sob a orientação da professora Claudete de Castro Silva Vitte, jogar luzes no lusco-fusco da realidade do mundo atual, refletindo sobre algumas questões urgentes para pensar a nossa realidade latino-americana e caribenha.
Na primeira parte estão reunidos os trabalhos que, por meio da discussão teórica da Geografia Política e da Geopolítica, buscam verificar pontes e conexões com as Relações Internacionais e vice-versa. Já na segunda parte, o foco é apostar em conexões desses campos disciplinares a fim de compreender os jogos de interesse, os conflitos e emancipações que marcaram e marcam a formação territorial da América Latina e do Caribe.
Diante das atuais mudanças geopolíticas do mundo, espera-se que a leitura permita não apenas a reflexão, mas também a busca por encontrar caminhos que nos permitam construir o vasto horizonte das geografias possíveis na nossa região.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de fev. de 2023
ISBN9786525039565
Geografia das Relações Internacionais da América Latina e Caribe: Temas e Debates

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    Pré-visualização do livro

    Geografia das Relações Internacionais da América Latina e Caribe - Claudete de Castro Silva Vitte

    Sumário

    À GUISA DE INTRODUÇÃO: GEOGRAFIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO VASTO HORIZONTE DAS GEOGRAFIAS POSSÍVEIS

    PARTE 1

    GEOGRAFIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DA AMÉRICA LATINA E CARIBE E ALGUNS DEBATES GEOPOLÍTICOS

    OS NEGATIVOS DA SOBERANIA: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA A RELAÇÃO ENTRE ESTADO, SEGURANÇA E TERRITÓRIO

    Gustavo Glodes Blum

    O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO NO TRIÂNGULO ABC: A ANÁLISE DAS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES DA ARGENTINA, BRASIL E CHILE (ABC)

    Marcos Antônio Fávaro Martins

    GEOPOLÍTICA DE OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS: CAPITALISMO E IDEOLOGIA NO PENSAMENTO GEOPOLÍTICO DO SÉCULO XX

    José Danilo Santos Cavalcanti de Araújo

    O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO BRASILEIRO E A AMÉRICA DO SUL: BACKHEUSER, TRAVASSOS, GOLBERY

    Edilson Adão Cândido da Silva

    A CONSTRUÇÃO CIENTÍFICA DA PESQUISA SOBRE PARADIPLOMACIA SUBNACIONAL EM LÍNGUA PORTUGUESA

    Elói Martins Senhoras

    PARTE 2

    A COMPLEXIDADE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DA ALC: JOGOS DE INTERESSES, CONFLITOS E EMANCIPAÇÕES

    GLOBALIZAÇÃO, PRÁTICAS ANTIGEOPOLÍTICAS E INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL

    Jorge Luiz Raposo Braga

    OS CORREDORES BIOCEÂNICOS COMO UMA DAS ALTERNATIVAS PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA PRODUTIVA NA AMÉRICA DO SUL: INFRAESTRUTURAS EXTREMAS, GEOPOLÍTICA DE BAIXA INTENSIDADE E NEOEXTRATIVISMO

    Claudete de Castro Silva Vitte

    AS RELAÇÕES CHINESAS COM A AMÉRICA LATINA E A BELT AND ROAD INITIATIVE

    Marina Betteto Drezza

    Matheus Lemos Parente

    ASCENSÃO E QUEDA DA UNASUL: OS DESAFIOS DO REGIONALISMO SUL-AMERICANO

    Ricardo Luigi

    Dayana Marques

    Stephanie Daenekas

    O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E AS FORMAS COMUNITÁRIAS DE ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NA BOLÍVIA: CONSIDERAÇÕES DESDE A AUTONOMIA INDÍGENA GUARANI CHARAGUA IYAMBAE

    Luiz Fernando Ribeiro de Sales

    PARTE 3

    REGIME AMBIENTAL INTERNACIONAL E A AMÉRICA LATINA

    PERSPECTIVAS PARA AS POLÍTICAS NACIONAIS DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA AMÉRICA LATINA NA DÉCADA DE 2020

    Fabiano de Araújo Moreira

    A AGENDA AMBIENTAL NA POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL

    Charles Serra Tabarin

    SOBRE OS AUTORES

    Claudete_Castro_Vitte_capa.jpg

    Geografia das relações

    internacionais da

    América Latina e Caribe

    temas e debates

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Claudete de Castro Silva Vitte

    Gustavo Glodes Blum

    (org.)

    Geografia das relações

    internacionais da

    América Latina e Caribe

    temas e debates

    APRESENTAÇÃO

    Este volume é uma primeira contribuição do Laboratório de Geografia Regional e Geografia das Relações Internacionais (Lagere-GRI), instalado no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, e do grupo de pesquisa Geografia das Relações Internacionais: Estado, Economia, Território e Integração Regional na América Latina e Caribe.

    A obra conta com produções de pesquisadores atuais do Lagere-GRI e de outras universidades cujas pesquisas e análises evidenciaram a necessidade de uma aproximação cada vez maior entre os campos da Geografia, da Geopolítica e das Relações Internacionais. A criação do Lagere-GRI cria uma dinâmica processual que se fortalece por meio de um ambiente acadêmico, intelectual e solidário entre pesquisadores e estudantes que fomenta o desenvolvimento de estratégias teóricas e analíticas, bem como o tensionamento de epistemologias e metodologias, com vistas a desvelar as relações escalares provenientes da dinâmica internacional e seus impactos nas questões teóricas, culturais, nas experiências históricas concretas e nos debates políticos contemporâneos.

    Os autores desta coletânea compartilham da ideia de ser possível o diálogo entre esses campos e buscam aprender com a história, compreender o presente e delinear cenários futuros, observando temas, atores e dinâmicas sociais, políticas, econômicas e territoriais relevantes em múltiplas escalas, especialmente na escala regional multiestatal, cujo referente é a América Latina e Caribe (ALC).

    Nosso desejo é o de reforçar o diálogo entre esses dois campos disciplinares em temas convergentes, cabendo ressaltar que aspectos da formação territorial compõem elementos norteadores em diversas pesquisas e reflexões, visando a contribuir para o entendimento do complexo sistema internacional pela perspectiva latino-americana e caribenha e pelas dinâmicas espaciais e geopolíticas da ALC. Assim, de forma específica, buscamos entender o papel e os desafios da região num futuro cada vez mais incerto, em um mundo atravessado por inúmeras crises; sempre atentos, porém, às iniciativas de emancipação e às alternativas advindas dos povos latino-americanos e caribenhos.

    Esta coletânea tem algumas pretensões e uma delas é a de contribuir com um conjunto de reflexões que problematizam questões e contradições afeitas à atual dinâmica do sistema-mundo e seus impactos nas realidades geográfica, cultural e ambiental da América Latina e Caribe. São reflexões que convergem para a geração de um espaço que abrace as diferenças culturais, antropológicas, históricas e de sentido existencial da vida e que seja marcado pela solidariedade, bases para um futuro cada vez mais aberto, dinâmico e plural. Busca-se, assim, auxiliar no desvelamento de questões teóricas, experiências históricas concretas e debates políticos contemporâneos que caracterizam nossa região. Ao contrário de almejar esgotar o tema, esta obra pretende se somar a um conjunto que permita desvelar algumas questões, contradições e possíveis futuros em aberto que afetam o presente e o futuro das populações da nuestra América.

    Aceito o desafio de compor esta coletânea pelos coordenadores, o imperativo era que a obra fosse representativa da produção do grupo de pesquisa e das orientações finalizadas sob a orientação da prof.ª Claudete de Castro Silva Vitte, docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia, programa esse que ofereceu o estímulo acadêmico também financeiro para que esta obra fosse publicada.

    Isso posto, convidamos os autores para que apresentassem artigos inéditos relativos às suas teses ou dissertações, ou material derivado de suas pesquisas de pós-graduação, ou, ainda, para aqueles que já são docentes, artigos com aderência à proposta da coletânea intitulada de Geografia das relações internacionais da América Latina e Caribe: temas e debates. O resultado é representativo de parte do que o grupo produz, assunto que será mais bem discutido na introdução desta coletânea.

    A coletânea é composta por doze artigos e está dividida em três partes. A primeira parte, Geografia e Relações Internacionais: contribuições teóricas para a compreensão da América Latina e Caribe e alguns debates geopolíticos, agrega cinco artigos que contemplam uma dimensão teórico-conceitual e algumas interpretações sobre a geopolítica latino-americana, especialmente da América do Sul, mesclando bibliografia e interpretações dos campos das Relações Internacionais e da Geografia.

    São artigos que apresentam questões de cunho teórico a respeito da relação entre Estado, espaço e poder na América Latina e no Caribe, a partir de diferentes pontos de partida, reunindo alguns debates teóricos e empíricos a respeito da relação entre Geopolítica e Relações Internacionais, buscando aproximar esses debates nos esforços de compreensão da América Latina e do Caribe.

    Gustavo Glodes Blum, em Os negativos da soberania: contribuições teóricas para a relação entre Estado, segurança e território, apresenta um debate teórico a respeito das formas de observar os mecanismos de exercício de soberania, por parte do Estado moderno, e suas implicações para pensar a segurança e o território.

    As experiências históricas da América Latina e do Caribe são importantes contribuições para a reflexão sobre esses temas e os textos seguintes abordam essa especificidade.

    Marcos António Fávaro Martins percorre as diferentes concepções geopolíticas de Argentina, Brasil e Chile em O pensamento geopolítico no ‘triângulo ABC’: a análise das principais concepções de Argentina, Brasil e Chile (ABC).

    Já José Danilo Santos Cavalcanti de Araújo, em Geopolítica de ocupação dos espaços: capitalismo e ideologia no pensamento geopolítico do século XX, busca compreender essas experiências por meio da geopolítica dos espaços vazios nos países da região.

    Os teóricos fundamentais para compreender a geopolítica do século XX no Brasil e na América do Sul são discutidos no ensaio de Edilson Adão da Silva intitulado O pensamento geopolítico brasileiro e a América do Sul: Backheuser, Travassos, Golbery.

    Encerra essa primeira parte o artigo de Elói Martins Senhoras que, sob outra perspectiva, aborda um tema que ganha crescente relevância, a paradiplomacia, conforme retratado no artigo A construção científica da pesquisa sobre paradiplomacia subnacional em língua portuguesa.

    A segunda parte desta obra, A complexidade da formação territorial da ALC: jogos de interesses, conflitos e emancipações, contribui para o entendimento da complexidade da formação territorial da América Latina e Caribe, e a atenção se volta, então, para os diferentes jogos de interesse, conflitos e emancipações que marcam a complexidade da formação territorial da nossa região, especialmente no século XXI.

    Em uma região que tem sentido diferentes impactos da chamada globalização, desde os anos 1990 até esta terceira década do século XXI, faz-se importante refletir, como propõe Jorge Luiz Raposo Braga, a respeito da Globalização, práticas antigeopolíticas e integração regional na América do Sul.

    Na sequência, tem-se a análise de Claudete de Castro Silva Vitte a respeito dos corredores bioceânicos, pensados como a grande alternativa para a integração da infraestrutura produtiva do subcontinente, com foco nos processos recentes que relacionam infraestruturas extremas com o neoextrativismo em contexto entendido como de geopolítica de baixa intensidade. Sua contribuição se intitula Os corredores bioceânicos como uma das alternativas para a integração da infraestrutura produtiva na América do Sul: infraestruturas extremas, geopolítica de baixa intensidade e neoextrativismo.

    Esses processos mencionados estão conectados, obviamente, com a presença e atuação de atores extrarregionais, subnacionais e aos processos de integração em diferentes escalas, tópicos que são abordados pelo artigo "As relações chinesas com a América Latina e a Belt and Road Initiative", no qual Marina Betteto Drezza e Matheus Lemos Parente destrincham os principais engajamentos produtivos e de investimentos chineses na região.

    Por sua vez, Ricardo Luigi e Stephanie Daenekas, em Ascensão e queda da Unasul: os desafios do regionalismo sul-americano, abordam os meandros do processo de integração regional sul-americano e o seu encontro com as dinâmicas da terceira década do século XXI.

    Por fim, a luta das populações indígenas e a relevância dos sistemas jurídico-constitucionais da Bolívia, um caso paradigmático da região, assim como os embates pela definição dos futuros coletivos daquele país, são abordados pelo artigo assinado por Luiz Fernando Ribeiro de Salles: O novo constitucionalismo latino-americano e as formas comunitárias e organização do território na Bolívia: considerações desde a autonomia indígena guarani Charagua Iyambae.

    A terceira e última parte, intitulada de Regime Ambiental Internacional e a América Latina, é composta por dois artigos. São artigos que contribuem para a reflexão sobre as possibilidades de cooperação internacional por meio dos regimes internacionais de meio ambiente e os desafios da segurança ambiental, considerando institucionalidades que geram cooperações ou conflitos e que são resultantes de interações de atores, especialmente estatais, em contexto de crescentes ameaças ambientais.

    Em Perspectivas para as políticas nacionais de mudanças climáticas na América Latina na década de 2020, Fabiano de Araújo Moreira nos mostra como acordos ambientais internacionais reverberaram em diversos planos nacionais de mudanças climáticas nas últimas três décadas. O artigo, então, procurou resgatar quais eram as medidas previstas pelas políticas nacionais do clima no Brasil e México e como a última década trouxe desafios para esses países na aplicação dessas políticas, e buscou identificar perspectivas para as próximas décadas no enfrentamento às mudanças do clima.

    Já Charles Serra Tabarin, em A agenda ambiental na política externa do Brasil, faz um relato especificamente ligado à atuação brasileira, já que a Política Externa Brasileira tem na defesa do meio ambiente no plano internacional uma de suas características, sendo um país que atuou ativamente em diferentes conferências internacionais na defesa ambiental, verificando, entretanto, um distanciamento do multilateralismo e da defesa ambiental no último governo (governo Bolsonaro). O percurso traçado pelo autor possibilitou a reflexão sobre os caminhos e descaminhos da luta nacional e internacional por um meio ambiente seguro e justo para as atuais e próximas gerações.

    Temos clareza que a coletânea aqui apresentada não esgota todos os tópicos que estruturam a complexa realidade da América Latina e do Caribe a partir do diálogo da Geografia com as Relações Internacionais. Cabe colocar que esse não é o objetivo desta obra. Como apontado acima, o que pretendemos é indicar alguns horizontes possíveis para que, como dizia Eduardo Galeano, o futuro sempre nos mova em direção a possíveis utopias em que a vida e a natureza sejam valorizadas dentro da nossa região e nas relações estabelecidas entre agentes e atores políticos, econômicos, sociais, culturais latino-americanos e caribenhos com o mundo.

    Claudete de Castro Silva Vitte e Gustavo Glodes Blum (organizadores)

    Campinas, 2022

    À GUISA DE INTRODUÇÃO: GEOGRAFIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO VASTO HORIZONTE DAS GEOGRAFIAS POSSÍVEIS

    Esta coletânea é representativa da produção do grupo de pesquisa Geografia das Relações Internacionais: Estado, Economia, Território e Integração Regional na América Latina e Caribe, certificado pelo CNPq desde 2007, que coordenamos e que é composto por orientandos de graduação e pós-graduação, ex-orientandos e alguns participantes convidados por membros do grupo.

    A produção acadêmica desse coletivo tem como tema central o que o título do grupo de pesquisa expressa — ainda que outros temas sejam pesquisados —, tema esse desenvolvido por sucessivos projetos de bolsa produtividade em pesquisa da coordenadora e pelos projetos de orientandos e ex-orientandos quando vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGeo) do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas; tema fascinante que possibilita ser desdobrado em vários eixos temáticos e em várias fases, almejando jogar luzes em algumas conexões escalares (nacional, regional multiestatal e global) e fazer algumas aproximações temáticas e teóricas pouco recorrentes na Geografia brasileira, no caso, com o campo das Relações Internacionais.

    Esse tema central se desdobra em alguns eixos temáticos que apresentam alguns objetivos:

    discutir as principais concepções e principais estratégias de desenvolvimento e de planejamento territorial adotadas pelos países da América Latina e Caribe e pelas mais importantes organizações regionais;

    contribuir para o entendimento sobre a integração regional latino-americana e caribenha, identificando algumas facetas da integração regional que apresentam uma dimensão espacial, observando-a em suas etapas, institucionalidade e como espaços sociopolíticos em construção;

    investigar a integração regional da infraestrutura produtiva na América do Sul, buscando compreender as condições, potencialidades e os problemas da modernização e ampliação da integração da infraestrutura produtiva sul-americana (transportes, energia e telecomunicações), o que envolve uma dimensão espacial do desenvolvimento e opções políticas;

    discutir as agendas políticas em Segurança e Defesa, especialmente na América do Sul, em temas que tenham incidência territorial, em assuntos que envolvam soberania, recursos naturais, oceanos e territórios;

    compreender a questão dos recursos naturais e energéticos, analisando a geopolítica e geoeconomia dos recursos naturais (especialmente recursos hídricos, terras, minérios e biodiversidade) e recursos energéticos na região, bem como os impactos socioespaciais ocasionados pela sua exploração;

    conhecer e analisar as políticas ambientais e de governança ambiental na América Latina e Caribe, especialmente relativas a mudanças climáticas e biodiversidade no subcontinente e as suas implicações;

    conhecer as relações da América Latina e Caribe com países de fora do entorno regional que mantêm relações geopolíticas e geoeconômicas relevantes no subcontinente, os chamados atores extrarregionais.

    Um aspecto a ser observado é que há um ator fundamental e que está envolvido nas tramas de todos os eixos: o Estado-nação. A eleição do Estado-nação como cerne de reflexões faz parte da tradição da Geografia, particularmente dos debates que perpassam a Geografia Política, a Geografia Regional, entre outras temáticas que adjetivam o campo disciplinar, debates sustentados com alguns de seus conceitos-chave como região, espaço, território e lugar, muitas vezes também utilizados por outros campos teóricos.

    Conforme aponta Antonio Carlos Robert Moraes, baseado em Antônio Gramsci, no exercício da governabilidade ou dos governos, pode-se incluir a discussão sobre o controle do espaço e das condições de seu ordenamento e uso como uma das dimensões e assuntos de governo, indicando campo fértil de discussões e interlocuções na esfera da Geografia Política (MORAES, 2000, p. 143).

    Com relação à Geografia das Relações Internacionais, primeiramente se fazem necessárias algumas notas sobre o campo disciplinar Relações Internacionais. Willians Gonçalves propõe que os estudos de Relações Internacionais pressupõem a ideia de relacionamentos múltiplos, que envolvem variados e numerosos atores interagindo mundialmente em diferentes conjuntos de interação, afirmando de forma perspicaz: [...] as Relações Internacionais estudam as relações internacionais (GONÇALVES, 2002, p. 7), diferenciando campo disciplinar do objeto de estudos pelas letras iniciais.

    De forma mais específica, o estudo das Relações Internacionais pode ser definido pelos atores, acontecimentos e fenômenos que existem e interagem no sistema internacional, para além das fronteiras domésticas das sociedades, ou seja, uma forma organizada de pensar as relações sociais estabelecidas além das fronteiras estatais (PECEQUILO, 2010, p.15).

    A Geografia, por sua vez, é uma ciência afeita à espacialidade de processos sociais, espacialidade essa resultante da dinâmica geral do capitalismo e condicionada pelas especificidades locais. Definindo o objeto geográfico como um processo social no qual se particulariza o processo universal de valorização do espaço, conforme defende Antônio Carlos Robert Moraes (2000, p. 33; p. 39), revela-se uma interlocução da Geografia com a Economia. Outras interlocuções são possíveis, mas ressaltamos que é preciso também considerar que a espacialidade da vida se centra na relação entre o espaço (ou de um dado território) e o poder (MORAES, 2000, p. 42). Nessa perspectiva, tem-se também a interlocução da Geografia com a Política, duas interlocuções fundamentais pela perspectiva da Geografia das Relações Internacionais.

    Entre as formas de domínio dos lugares, destacam-se as formas estatais (em suas diversas instâncias), sendo o Estado um ator ou agente que tende a monopolizar as ações básicas do processo de formação territorial (MORAES, 2002, p. 59), uma forma de entender o território por uma perspectiva histórica.

    Assim, recorremos novamente a Antônio Carlos Robert Moraes (2000) que propõe como visão totalizadora o esforço de relacionar processos e articular fenômenos, naquilo que denomina de um [...] complexo movimento histórico das sociedades, lembrando que a totalidade é um recurso analítico interpretativo (MORAES, 2000, p. 22).

    Em nossas pesquisas, buscamos privilegiar como processo geral o âmbito de ação do modo de produção capitalista como uma categoria de macroperiodização histórica. Entre as particularidades, interessam-nos os processos sociais referentes aos usos e ordenamentos territoriais, sendo a América Latina e Caribe o recorte espacial selecionado, que estudamos, por sua vez, com diferentes recortes temporais da formação territorial da região, movimento da história latino-americana e caribenha, originada com o colonialismo desde o século XVI e as influências imperialistas, eventos que condicionaram a formação territorial latino-americana, considerando na América Latina e Caribe seus [...] fenômenos particulares que se articulam nos processos concretos de formação dos territórios (MORAES, 2000, p. 46). Assim, é [...] na historicidade plena dos processos singulares, [que] aparece a possibilidade de indicar os agentes do processo, os sujeitos concretos que impulsionam este movimento e suas ações e motivações específicas (MORAES, 2000, 47).

    Nosso esforço é transitar na intersecção da Geografia, especialmente a Geografia Política e Geografia Regional, com as Relações Internacionais em temas de interesses comuns e, dessa forma, aproximar esses campos disciplinares, esperando que esse esforço auxilie na interpretação de processos e fenômenos do movimento da totalidade social, mais especificamente da América Latina e Caribe no sistema internacional. No caso da Geografia Política, apoiamo-nos no entendimento de Peter Taylor e Colin Flint (2002) sobre esta subárea, que [...] há procurado fundamentalmente entender el Estado moderno y las relaciones que estabelece com el território y la nación (TAYLOR; FLINT, 2002, p. 5).

    E, finalmente, a Geografia das Relações Internacionais. Não se trata de hiperfragmentar a Geografia em múltiplas temáticas, mas marcar uma agenda de pesquisa delineada na intersecção da Geografia e das Relações Internacionais que se beneficia do debate com pesquisadores de ambos os campos disciplinares, além dos estudos, pesquisas e discussões feitas pelo grupo. E foi em uma dessas interlocuções, com Elói Marins Senhoras, um brilhante ex-orientando, que emergiu uma contribuição para o entendimento da Geografia das Relações Internacionais de forma pioneira, ao menos para o grupo de pesquisa, quando da ocasião de suas pesquisas de pós-graduação. Para nós, esse entendimento é ponto de partida para uma construção coletiva de interpretação, e continuamos nos esforçando para alcançar a essência da Geografia das Relações Internacionais, trabalho intensificado mais recentemente pela massa crítica construída nas orientações e pesquisas e no pleno diálogo em nosso grupo de estudos, em favor do mesmo interesse.

    Sendo assim, ainda que de forma provisória, consideramos que Geografia das Relações Internacionais é uma temática que tem características suis generis de uma recente perspectiva, que é campo de confluência da geopolítica, da geoeconomia e da geocultura, por se fundamentar nas discussões, respectivamente, estratégicas e políticas dos lugares e Estado-nação; nas redes de fluxos logísticos, comerciais e financeiros; nas redes de informações, migrações e culturas, ao definir as relações e lógicas espaciais de poder intra e interterritórios e fronteiras, que redesenham constantemente os contornos do mapa mundi atual e, embora seja uma área de convergência tripartite de estudos, ultrapassa os limites de cada contribuição isolada segundo um formato dialógico (SENHORAS; VITTE, 2007, p. 2).

    O estudo da Geografia das Relações Internacionais, se por um lado se apoia em uma estrutura escalar horizontal que coloca o mundo global ou sistema-mundo em três níveis dinâmicos de conflito e cooperação — o centro, a semiperiferia e a periferia —, por outro lado, ele está assentado em uma estrutura escalar vertical em três níveis: o local, o Estado-nação e o sistema-mundo (ou escala global), em uma interação escalar na qual redefinimos um quarto nível, que é nosso foco, a região multiestatal América Latina e Caribe. Assim, os contextos globais estão relacionados ao nível da escala nacional e às interações de processos intranacionais e internacionais.

    Ao delinear as lógicas de espaços construídos transescalarmente por Estados, empresas, por organizações internacionais e pelas sociedades, a Geografia das Relações Internacionais aponta as redes e a complexidade de articulação dos interesses em um interdependente mundo globalizado que é construído por iniciativas de cooperação e por conflitos (SENHORAS; VITTE, 2007, p. 13-14). A partir desse esforço, o debate tem sido estimulado, mas temos consciência que é tarefa complexa.

    Sobre a escala regional, termo tão polissêmico, é importante observar que a proximidade geográfica entre países é um dos principais determinantes das trocas comerciais, de políticas públicas de interesse comum e, algumas vezes, de posicionamentos geopolíticos perante eventos e ações de atores, de forma que fenômenos de proximidade espacial acabam por desempenhar um papel na organização do espaço mundial (RICHARD, 2014, p. 3).

    Assim, é possível analisar sob perspectiva geográfica grandes conjuntos territoriais constituídos por Estados vizinhos, ou seja, grandes frações do sistema-mundo compostas por Estados contíguos, mas também por diversos arranjos espaciais da globalização. No primeiro caso, poderíamos, em consonância com Yann Richard, falar em (sub)continentalização (como o Oriente Médio, a América Latina etc), e no segundo caso em regionalização e regionalismo, com a criação de organizações regionais (RICHARD, 2014, p. 5).

    Como recorte espacial das pesquisas, inicialmente elegemos a sub-região da América do Sul como área de estudos. Posteriormente, tivemos mais clareza da necessidade de focar também na dimensão política e histórica que apresenta essa parte do continente americano, denominada de América Latina e Caribe (essa última uma sub-região sempre esquecida, com peculiaridades e importância histórica), e de nos esforçar para desnaturalizar a sua concepção, aspecto que as leituras de trabalhos de Carlos Walter Porto-Gonçalves (2005) e alguns de seus ex-orientandos, como Pedro Quental (2013), entre outros, alertaram-nos.

    A despeito do reconhecimento da importância dos estudos geográficos sob perspectiva histórica sobre a América Latina e Caribe, vale notar que a compreensão do quadro natural da América Latina e Caribe também assume relevância nos nossos estudos, especialmente pelos recursos nele contidos. Assim, estar predominantemente do hemisfério Sul, ter duas bacias oceânicas, Atlântico e Pacífico, apresentar uma diversidade de relevo e biomas, estar majoritariamente na zona intertropical, entre outras especificidades, são características que nos ajudam entender nossa formação territorial e entender a importância dos estudos sobre a organização do espaço natural, ainda que consideremos haver fontes esparsas. Estudar esse quadro natural é importante para a discussão de geopolítica dos recursos naturais, da modernização da infraestrutura, que são eixos temáticos abrangidos por nosso grupo de pesquisa.

    Contudo, para além do fato da América Latina e Caribe ser um recorte espacial na massa continental da América, a região eleita em nossos estudos tem uma história, um nome herdado de uma experiência histórica marcada pelo colonialismo, pelo imperialismo, pela escravidão, pelo extermínio de povos originários, pela violência, fundamentais para o entendimento das razões da nossa região ser uma das mais desiguais e violentas do mundo na atualidade, herança de um passado que estrutura nosso presente e que amalgamou nossa identidade, reconhecendo os estudos de Carlos Walter Porto-Gonçalves que também nos alertaram sobre a importância de considerar a estrutura geopolítica na qual nossa história se desenrola, tarefa muito importante nos nossos estudos.

    No prefácio do livro Por uma outra globalização (2001), Milton Santos alerta para a relevância da política, daquilo do que ele chama de [...] arte de pensar as mudanças e de criar as condições para torná-las efetivas (2001, p. 14). Essa é uma reflexão para que o grupo de pesquisa busca contribuir: com as transformações econômicas e políticas em curso, de que forma as diversas instâncias estatais vêm enfrentando dilemas, desafios e oportunidades relativos à desigualdade, ao desenvolvimento da sociedade, à democracia, à cidadania, entendida, em consonância com Francisco de Oliveira e Hannah Arendt (1989), como uma luta pelos direitos (o direito a ter direitos), em novas roupagens para a velha luta de classes, preocupações das ciências humanas das quais a Geografia também contribui para o debate a partir de seus conceitos e categorias.

    O desafio tem sido refletir se as condicionantes do cenário internacional não estão exaurindo as possibilidades e esperanças da humanidade, e mais especialmente da sociedade brasileira, de conviver em um contexto menos desigual e mais democrático. Como afirmava Eric Hobsbawm (1992), em entrevista a Juan Cruz, [...] o impossível sempre existe e é a justiça, o reino da justiça. Esse grande sonho utópico é bastante velho. E continua existindo enquanto há pobres e injustiças (apud CRUZ, 1992, p. 10).

    E, por fim, recentemente ocorreu um evento que é mais um motivo estimulante para o desenvolvimento das pesquisas do grupo. Foi a criação do Laboratório de Geografia Regional e de Geografia das Relações Internacionais (Lagere-GRI), sob nossa coordenação. Por meio desse Laboratório pretendemos organizar e promover diversas atividades, juntamente aos meus colegas e alunos de grupo de pesquisa, dando continuidade a algumas atividades que já temos feito, acreditando no grande potencial de que o Lagere-GRI é portador.

    Não poderia terminar sem agradecer à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unicamp que estimulou e financiou esta obra. O nosso muito obrigado.

    Prof.ª Dr.ª Claudete de Castro Silva Vitte

    Departamento de Geografia e Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Campinas

    Referências

    ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 332.

    CRUZ, Juan. Eric Hobsbawm fala sobre as ilusões desnecessárias. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 72, n. 23090, 21 jun. 1992. Letras, p. 10.

    GONÇALVES, Williams da S. Relações Internacionais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFRGS, Porto Alegre, p. 1-38, 2003. Disponível em: https://www.academia.edu/25132717/Relacoes_Internacionais. Acesso em: 16 nov. 2022.

    MORAES, Antonio Carlos Robert. Capitalismo, geografia e meio ambiente. Tese (Livre Docência) – Departamento de Geografia da FFLCH da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.

    MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e história no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2002.

    PECEQUILO, Cristina Soreanu. Introdução às relações internacionais: temas, atores e visões. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2010.

    PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

    QUENTAL, Pedro de Araujo. A latinidade do conceito de América Latina. GEOgraphia, v. 14, n. 27, p. 46-75, 14 jan. 2013. Disponivel em: https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13634. Acesso em: 20 nov. 2022.

    RICHARD, Yann. Integração regional, regionalização, regionalismo: as palavras e as coisas. Confins, [s. l.], n. 20, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/8939. Acesso em: 18 nov. 2022.

    SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2001.

    SENHORAS, Elói Martins; VITTE, Claudete de Castro Silva Vitte. Por uma geografia das relações internacionais. In: ENCUENTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA (EGAL), 11. Bogotá, 2007. Anais [...], p.1-16. Bogotá: UNAL, 2007. Disponível em: https://works.bepress.com/eloi/?q=por+uma+geografia+das+rela%C3%A7%C3%B5es+internacionais. Acesso em: 19 nov. 2022.

    TAYLOR, Peter; FLINT, Colin. Geografia política: economia-mundo, estado-nación y localidad. 2. ed. Madrid: Trama, 2002.

    PARTE 1

    Geografia e Relações Internacionais: contribuições teóricas para a compreensão da América Latina e Caribe e alguns debates geopolíticos

    OS NEGATIVOS DA SOBERANIA: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA A RELAÇÃO ENTRE ESTADO, SEGURANÇA E TERRITÓRIO

    Gustavo Glodes Blum

    Parece ser possível considerar-se uma alteração nas discussões a respeito do papel que cumprem os territórios no debate a respeito da Segurança Internacional nas últimas décadas.

    Desde os anos 1980, por meio da criação do conceito de novas ameaças e da constatação de sua transnacionalidade, passando pelo fenômeno da Guerra ao Terror do início deste século (MONIZ BANDEIRA, 2010) e chegando até a expansão da mão dura do Estado sobre diferentes formas de ação cívica, coletiva ou individual em razão da suspeição com relação aos seus próprios cidadãos (FRANKENBERG, 2018), o tema do território tem atravessado a discussão a respeito do alcance de níveis aceitáveis de segurança nacional e internacional. Também a inclusão de outras pautas, como a segurança alimentar, a segurança hídrica, a segurança econômica, enfim, por meio da abertura da chamada agenda de segurança e defesa nas relações políticas entre os países do mundo, parece colocar, à frente do debate, ao menos elementos dos territórios dos países que agora passam a ser considerados críticos para o alcance da segurança nacional.

    Não apenas essa inclusão no temário de debates tem tido efeitos no tipo de discussão que se realiza entre atores governamentais, pesquisadoras e pesquisadores acadêmicos e outros influenciadores de política em segurança e defesa. Essa territorialização do tema da segurança e da defesa, que se afasta gradualmente da ideia de ameaça externa e se foca com cada vez mais profundidade na alteração das relações de poder num determinado contexto geográfico, tem favorecido a terceirização da morte por meio do uso de veículos aéreos não-tripulados (os chamados drones) (CHAMAYOU, 2014), a expansão das atividades classificadas como operações especiais (SCAHILL, 2014; PRASHAD, 2020) e a própria revisão a respeito do próprio conceito de guerra (STRACHAN, 2014; KORYBKO, 2018).

    Essas alterações nas concepções de segurança, ameaça, risco e política de segurança e defesa levam à necessidade de se considerar quais elementos territoriais vão se tornando, ao longo do século XXI, críticos para compreender a relação entre Estado, segurança e território. Se as intencionalidades dos atores envolvidos nas políticas de segurança e defesa podem ser compreendidas por meio da análise da formulação e execução da política externa dos países no mundo, parece haver também uma contribuição interessante para o debate a partir de uma observação que coloca os elementos territoriais como apoios importantes para se compreender a realidade.

    É esse o objetivo deste texto, em que se pretende apontar para a relação entre Estado, segurança e território por meio da compreensão dos mecanismos que regem as diferentes práticas políticas de soberania nos territórios. Considerando-se a relevância da divisão territorial do mundo para entender sua própria lógica de funcionamento político, econômico e social (GOTTMANN, 1952), pretende-se levantar algumas perspectivas que ajudam a jogar luz sobre a questão da soberania, permitindo debater o tema e a relação entre Estado, segurança e território. Com isso, espera-se permitir contribuir para o entendimento das agendas e políticas em segurança e defesa em assuntos relativos a territórios que envolvam não apenas a própria soberania, mas a alteração desses mesmos territórios e sua relação com recursos humanos, econômicos e naturais que neles figuram.

    Para isso, este capítulo divide-se em três seções. Inicialmente, faz-se um delineamento breve do uso do termo soberania nas áreas que auxiliam na compreensão do tema aqui colocado: a Ciência Política, as Relações Internacionais e a Geografia. A compreensão da polissemia desse termo pode ajudar não necessariamente a dar uma resposta definitiva à sua significância (o que não é o objetivo desse esforço), mas sim lançar linhas argumentativas e de investigação a respeito de seu conteúdo territorial.

    Considerando-se que a soberania, assim como toda relação de poder, depende não apenas da sua aceitação, mas também precisa construir sua viabilidade enquanto projeto (FOUCAULT, 2012), na segunda seção deste texto, busca-se compreender a relevância dos tipos de ordens que se precisa instituir para exercer a função política da soberania nos territórios, considerada a partir do seu poder de estabelecer diferenças sociais (BOBBIO, 1987; CLASTRES, 2014). Esse esforço, que precisa ser contínuo para manter a aceitação dos sistemas políticos e territoriais em suas diversas funcionalidades, apresenta uma certa dependência com relação a exercícios contínuos de adaptação, readaptação e modelação dos territórios que figuram nas diferentes estratégias geopolíticas para o seu funcionamento. Assim, considerando-se a construção dos espaços de soberania (SCOTT, 1998), a construção de formas específicas de ação e não-ação nos territórios (MBEMBE, 2017) e o conteúdo territorial da soberania (AGNEW, 2006), debate-se de que forma o exercício da soberania depende da adequação dos territórios.

    Por fim, de forma a sistematizar o debate realizado, apresenta-se a ideia de negativos da soberania, ou seja, as relações territoriais de dependência que se abrem a partir da perspectiva teórica aqui apresentada. Esses negativos podem auxiliar a compreender a dinâmica das relações entre Estado, segurança e território de forma mais sistêmica que apenas as observações unilaterais, e espera-se que contribuam para o avanço dos questionamentos a respeito dessas relações.

    Assim, de forma a construir a discussão a respeito dos seus negativos, cabe perguntar: de qual soberania estamos falando? É o foco da primeira seção deste texto, que se inicia a seguir

    Diferentes tessituras discursivas: a soberania na Ciência Política, nas Relações Internacionais e na Geografia

    Numa primeira aproximação, a soberania pode ser entendida como a jurisprudência

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