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Argentina e o Brasil Frente aos Estados Unidos (2003 – 2015) : Entre a Autonomia e a Subordinação
Argentina e o Brasil Frente aos Estados Unidos (2003 – 2015) : Entre a Autonomia e a Subordinação
Argentina e o Brasil Frente aos Estados Unidos (2003 – 2015) : Entre a Autonomia e a Subordinação
E-book550 páginas7 horas

Argentina e o Brasil Frente aos Estados Unidos (2003 – 2015) : Entre a Autonomia e a Subordinação

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Sobre este e-book

O livro Argentina e o Brasil frente aos Estados Unidos (2003 – 2015): entre a autonomia e a subordinação aborda as relações entre a potência global e a América do Sul durante o período da ascensão de governos progressistas na região, tendo como foco as relações bilaterais com o Brasil e com a Argentina. A autora argumenta que, durante o período destacado, a potência buscou manter sua influência regional, apesar do desafio representado pela assertividade dos países sul-americanos e pelas crescentes influências chinesa e russa na região.
Na obra, é defendido o argumento de que a retomada dos projetos de autonomia foi provocada pelas mudanças nas coalizões politicamente predominantes na Argentina e no Brasil e pelas mudanças no cenário internacional, com o aumento da atuação chinesa na América do Sul. Assim, não houve negligência dos EUA e, apesar dos desafios impostos pela China, a potência hegemônica manteve a capacidade de impor custos e incentivos aos governos latino-americanos. A cooperação no campo da segurança, incluindo as relações entre os militares e os agentes de segurança pública, permaneceu como um sustentáculo importante da influência estadunidense.
Refletir sobre o período em pauta é de grande relevância, especialmente no momento contemporâneo, no qual há uma reversão do processo, com o aprofundamento da subserviência do Brasil aos Estados Unidos. Entender como governos anteriores buscaram se contrapor à potência, quais as possibilidades e limites de resistência, e como o processo foi revertido é essencial para pensar o futuro e as alternativas existentes para o Brasil e para a América do Sul na esfera internacional.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de ago. de 2021
ISBN9786525010953
Argentina e o Brasil Frente aos Estados Unidos (2003 – 2015) : Entre a Autonomia e a Subordinação

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    Argentina e o Brasil Frente aos Estados Unidos (2003 – 2015) - Lívia Peres Milani

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Ao meu companheiro, Cairo, aos meus pais e às

    minhas irmãs, que são minhas fontes de luz e energia.

    AGRADECIMENTOS

    À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo suporte financeiro para a realização do doutorado, cujo trabalho final foi o antecedente desta obra, e pelo financiamento do estágio de pesquisa no exterior (Processos n.º 2017/00661-8 e n.º 2018/03231-7). A tese também foi realizada, em parte, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

    Agradeço à minha família. Aos meus pais, Fernanda e Ivanildo, pelo suporte emocional, carinho e amor incondicional. Às minhas irmãs, Camila e Marina, pelo companheirismo e pela alegria que me trazem, e aos meus avós, pelo cuidado. Sou eternamente grata ao meu companheiro, Cairo, pelo amor, amizade, companheirismo e por me fazer feliz. Agradeço aos meus queridos amigos. Não teria sido possível terminar esta obra sem o carinho, o suporte emocional e os ensinamentos que vieram de cada um de vocês, que formam uma rede de apoio incrível e me possibilitaram crescimento e felicidade.

    Agradeço imensamente aos professores que me acompanharam nessa jornada e que me proporcionaram oportunidades de crescimento. Ao professor Sebastião Velasco e Cruz, pelos ensinamentos e por me ajudar a expandir meus horizontes. Ao professor Samuel Soares, pelo companheirismo, sinceridade e pelos insights. À professora Suzeley Kalil Mathias, pela sinceridade, pelos alertas e pela luta. Aos professores Héctor Saint-Pierre, Luis Ayerbe e Felipe Loureiro, por terem aceitado prontamente o convite para a banca e pela leitura atenta.  À professora Cristina Pecequilo, por me ensinar muito sobre os Estados Unidos e pela oportunidade de estágio na Unifesp. Agradeço também às secretárias e bibliotecárias do San Tiago Dantas e do IFCH.

    A nosotros nos parece que ninguna explicación de un fenómeno político es buena si lo reduce sólo a uno de sus elementos, y que es decididamente mala si toma por clave justamente un factor que lo condiciona desde fuera. En un mundo caracterizado por la interdependencia, y más que ello, por la integración, nadie niega la influencia de los factores internacionales sobre las cuestiones internas, principalmente cuando se está en presencia de una economía de las llamadas centrales, dominantes o metropolitanas, y de un país periférico, subdesarrollado. Pero ¿en qué medida se ejerce esta influencia? ¿Qué fuerza tiene frente a los factores internos específicos de la sociedad sobre la cual actúa?

    (MARINI, 2008, p. 25)

    Soy América Latina

    Un pueblo sin piernas pero que camina, oye

    (CALLE 13, Latinoamerica)

    APRESENTAÇÃO

    As relações com os Estados Unidos são de grande relevância para os países latino-americanos, uma vez que a potência tem capacidade de influenciar a tomada de decisão e os destinos dos países da região. Por outro lado, essa capacidade é limitada, não se refere à possibilidade de determinar as escolhas nacionais, que dependem também da política interna. A importância desta pôde ser observada no período de 2003 a 2015, quando a América do Sul passou por um momento histórico no qual ascenderam ao poder governos que buscavam ampliar margens de autonomia em relação aos Estados Unidos e responder aos problemas locais com soluções endógenas e latino-americanas. O ciclo de governos progressistas, conhecido como onda rosa, gerou uma série de estudos sobre sua influência no regionalismo e na política externa dos países da região.

    De forma intrigante, houve uma quantidade menor de estudos sobre as relações com os Estados Unidos. Muitas vezes, partiu-se do pressuposto de que a potência estava atenta a outras latitudes e, portanto, quase ausente na América do Sul. Outras vezes, os analistas preferiram focar naquela que era a prioridade anunciada dos governos sul-americanos: o regionalismo. As Políticas Exteriores dos governos progressistas, no entanto, poucas vezes geraram rompimento com os estadunidenses e, muitas vezes, geraram reações por parte deles. Nesses processos, destacam-se Brasil e Argentina — dois países importantes do ponto de vista político-econômico e que colocaram em prática formas moderadas de resistência à potência.

    Foi a partir da constatação dessa lacuna que iniciei o estudo que resultaria na tese de doutorado intitulada A Argentina e o Brasil frente aos Estados Unidos: clientelismo e autonomia no campo da segurança internacional, que aborda o tema das relações entre os Estados Unidos e América Latina no início período de 2003 a 2015, tendo como foco os casos de Brasil e Argentina e os temas atinentes à área de Segurança Internacional. A tese foi defendida em novembro de 2019 e, posteriormente, deu origem a este livro e aos artigos "US Foreign Policy to South America since 9/11: Neglect or militarisation", publicado na revista Contexto Internacional (v. 43, n. 1, jan./abr. 2021), e Brasil e Estados Unidos: cooperação em defesa e autonomia, publicado na revista Carta Internacional (v. 16, n. 1, 2021). Os artigos resumem e adaptam discussões apresentadas, respectivamente, no terceiro e no quarto capítulo deste livro.

    A pesquisa foi conduzida no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP) e foi favorecida das discussões promovidas pelo Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu). Beneficiei-me também da oportunidade, financiada pela Fapesp, de passar um período no Centro de Estudos Latino-americanos (Clas) da Universidade de Georgetown, em Washington D.C., ambiente propício para aprofundar os meus conhecimentos sobre a Política Externa dos EUA para a região.

    No livro, defendo que a retomada dos projetos de autonomia foi provocada pelas mudanças nas coalizões politicamente predominantes na Argentina e no Brasil e pelas mudanças na política internacional, com o aumento da atuação chinesa na América do Sul. Entendo que não houve negligência dos EUA e, apesar dos desafios impostos pela China, a potência hegemônica manteve a capacidade de impor custos e incentivos aos governos latino-americanos. A cooperação no campo da segurança, incluindo as relações entre os militares e os agentes de segurança pública, permaneceu como um sustentáculo importante da influência estadunidense.

    O livro está dividido em cinco capítulos. No primeiro é apresentada a discussão teórico-conceitual; no segundo, é feita uma breve exposição sobre a história das relações entre Argentina, Brasil e Estados Unidos; e no terceiro capítulo, discute-se a Política Externa dos EUA para a América do Sul após o 11 de setembro. No quarto e no quinto capítulos, são apresentadas as relações bilaterais em temas de segurança internacional entre Brasil-EUA e Argentina-EUA, respectivamente.

    Foram utilizados como fontes documentos abertos divulgados pelos Ministérios de Relações Exteriores e da Presidência dos três países, discursos de autoridades e entrevistas. Também foi feito o uso de bases de dados sobre transferência de armamentos e assistência em segurança, organizadas respectivamente pelo Stockholm International Peace Research Institute (Sipri) e pelo Center for International Policy. Foram utilizados ainda telegramas produzidos pelas embaixadas dos Estados Unidos na Argentina e no Brasil e divulgados pelo WikiLeaks.

    O objetivo de publicar a pesquisa como livro se refere à necessidade de difusão de conhecimento e de reflexões sobre o período trabalhado, especialmente no momento contemporâneo, no qual há uma reversão de conquistas alcançadas, com estagnação econômica e aumento da desigualdade, ao mesmo tempo em que a subserviência do Brasil aos Estados Unidos é aprofundada. Entender como governos anteriores buscaram se contrapor à potência, quais as possibilidades e limites de resistência, e como o processo foi revertido, parece-me essencial para pensar o futuro e as alternativas existentes ao Brasil e à América do Sul.

    A autora

    Aracaju, 12 de novembro de 2019.

    PREFÁCIO

    Argentina e Brasil: até algum tempo atrás a emoção forte no relacionamento com os Estados Unidos vinha principalmente do elemento platense do trio.

    Com efeito, a história da Argentina com os Estados Unidos é marcada por lances dramáticos — do desafio peronista à hegemonia americana na América do Sul, que expôs o país a sanções econômicas severas em meados do século passado, ao episódio das Malvinas, quase 40 anos depois, no qual a Argentina sofreu derrota militar humilhante, penosamente frustrada a expectativa dos generais que a governavam de contar com o apoio norte-americano no conflito com o Reino Unido. Aquela história é pontuada, ademais, por grandes reviravoltas, como a que se dá na passagem entre a orientação autonomista do governo Alfonsin à opção pelas relações carnais com os Estados Unidos, sob o presidente Carlos Menem e seu ministro Guido di Tella.

    Face à ciclotimia de nossos vizinhos, a conduta internacional do Brasil sempre primou pela sobriedade. Em toda a história republicana (e não seria difícil generalizar essa afirmativa para o Império) a política externa brasileira distingue-se pela prudência, a moderação, o comedimento... o realismo. Mudanças de ênfase, reorientações? Sem dúvida. De Rio Branco a Vargas, de Dutra a Lula, ela foi impactada pelas transformações em curso no país e pelas mudanças profundas sobrevindas no cenário internacional. Mas por todo esse longo período alguns componentes centrais persistem: a sustentação firme, embora serena, do princípio da soberania; a defesa da negociação como via adequada para a solução de conflitos internacionais; o multilateralismo, por exemplo. Eles dão conteúdo positivo à noção de uma identidade da política externa e a de uma tradição diplomática brasileira, tal como elaboradas por inúmeros analistas.

    O relacionamento do Brasil com os Estados Unidos enquadra-se nesse paradigma, pautado como sempre foi pela promoção de interesses e pontos de vistas nacionais, aliada ao esforço por manter no melhor estado possível os vínculos com a grande potência.

    Esse forte elemento de continuidade e o sensível contraste que ele estabelece entre as experiências dos dois países em causa atraiu a atenção de muitos estudiosos e deu origem a trabalhos de alta qualidade. Não caberia referi-los aqui. No momento muito especial de nossa história em que o livro de Lívia Peres Milani vem a lume o que importa é reconhecer que a diferença entre Brasil e Argentina nesse particular não mais existe.

    Não é exagero. Tensionada, mas não rompida, pela política altiva e ativa de Lula-Celso Amorim; muito diluída no interregno temeriano, a tradição da política externa brasileira foi rejeitada brutalmente, em palavras e atos, pelo governo Bolsonaro. No descaminho a que desde então vem sendo conduzido, o Brasil volta às costas ao multilateralismo, agride despropositadamente nações amigas e se desdobra em demonstrações de vassalagem ao grande país do Norte. Não, não exatamente aos Estados Unidos; ao personagem exótico que foi apeado do poder no final do ano passado pela voz das urnas — como as relações intergovernamentais vão se configurar agora, na Presidência Biden, é uma incógnita que observaremos em tempo real com máximo interesse.

    Por razões óbvias, o livro de Lívia Milani não cobre esse período atípico, embora a ele se refira com observações precisas em seu posfácio. Fruto de longa e laboriosa pesquisa, o livro que o leitor tem em mãos trata das relações entre a Argentina e o Brasil com os Estados Unidos numa quadra histórica muito particular, na qual os dois países estiveram em relativa sintonia quanto ao que fazer para promover os seus interesses econômicos e políticos comuns e como responder às iniciativas da grande potência. E inova ao colocar no centro da análise as políticas de defesa e segurança internacional, área na qual a referida convergência ganhou expressão institucional no Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da Unasul.

    Mas a obra vai muito além dessa área temática e desse período. Norteando sua análise pela reflexão sobre o problema teórico de fundo sugerido em seu subtítulo — entre a autonomia e a subordinação, como entender o comportamento de Estados periféricos em seu relacionamento com a potência hegemônica — ela estuda os vínculos entre Argentina, Brasil e os Estados Unidos em perspectiva histórica de longo prazo, e fornece-nos instrumentos intelectuais para descortinar cenários futuros, muito diferentes da realidade deprimente que estamos vivendo.

    A certa altura, a autora (2021) resume o problema central da pesquisa e a hipótese geral que a informa nos termos abaixo.

    [...] o problema de pesquisa que orientou esta obra é: Por que houve, no Brasil e na Argentina, uma retomada dos projetos de autonomia com relação aos Estados Unidos no período de 2003 a 2015 e como eles se expressaram no campo da segurança internacional? Como hipótese, entende-se que a retomada dos projetos de autonomia foi provocada pela conjunção de mudanças domésticas, nas coalizões politicamente predominantes nos dois países, e de cunho internacional, com o avanço chinês na América Latina.

    Mudanças na política doméstica e no quadro internacional. Uma das características mais salientes do momento crítico que atravessamos é a fluidez das relações nos dois planos. Assim, o desafio analítico e prático que nos confronta é o de identificar e construir as condições para uma mudança de rumo, que relance o Brasil na busca secular por seu destino, como Nação livre, próspera e soberana.

    Sebastião Velasco e Cruz

    Professor titular do Departamento de Ciência Política da Unicamp e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP)

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Sumário

    Introdução 27

    Capítulo 1

    Assimetria, Subordinação e Autonomia nas Relações Internacionais 39

    1.1 Assimetria e Clientelismo na Política Internacional 40

    1.2 Resignação e resistência à ordem internacional: Carlos Escudé e

    Robert Cox 44

    1.3 A Escola da Autonomia: Juan Carlos Puig, Hélio Jaguaribe e seus críticos 47

    1.4 O Sistema-Mundo, as Teorias da Dependência e as classes dominantes

    latino-americanas 54

    1.5 Segurança e Militarização na periferia 60

    1.6 Assimetria, Clientelismo e Autonomia: sintetizando 65

    Capítulo 2

    Relações Interamericanas em perspectiva histórica: Brasil, Argentina e Estados Unidos 69

    2.1 Independência e Formação Nacional 75

    2.2 A Ambição de Hegemonia estadunidense e o desafio europeu 82

    2.3 A Consolidação da Hegemonia: O pós-Segunda Guerra Mundial 96

    2.4 A Redefinição da Hegemonia: o pós-Guerra Fria 113

    2.5 Hegemonia e Autonomia nas Américas 120

    Capítulo 3

    A Política Externa dos EUA para o Hemisfério Ocidental no período pós-2001 125

    3.1 Entre a falta de atenção e a securitização: uma breve análise da bibliografia sobre as Relações Interamericanas no século XXI 127

    3.2 Os EUA, a distribuição de poder global e a América do Sul durante o governo de George W. Bush 139

    3.2.1 A Política de Segurança e as Percepções de Ameaças no governo Bush 148

    3.2.2 A estratégia dos EUA frente à presença de poderes externos na região no governo Bush 158

    3.3 Os EUA, a distribuição de poder global e a América do Sul durante o governo de Barack Obama 164

    3.3.1 A Política de Segurança e a Percepção de Ameaças no governo Obama 175

    3.3.2 A estratégia dos EUA frente à presença de poderes externos na região no governo Obama 182

    3.4 Os EUA e a hegemonia regional: aspectos de continuidade 188

    Capítulo 4

    As relações Brasil–EUA durante os governos do PT

    (2003-2016): autonomia heterodoxa e resignação 191

    4.1 A conjuntura nacional: os governos Lula e a ascensão de uma

    coalizão política 191

    4.2 O governo Dilma Rousseff: crise e desmonte da coalizão política 199

    4.3 Política Externa e relações com os EUA nos governos Lula 207

    4.4 Política Externa e relações com os EUA no governo Dilma Rousseff 217

    4.5 As Relações bilaterais no campo da Defesa e da Segurança Internacional 226

    4.5.1 Política de Defesa, percepções de ameaças, relações entre militares e assistência externa 226

    4.5.2 Indústria, Tecnologias Sensíveis e Não Proliferação 235

    4.5.3 Combate ao terrorismo 243

    4.5.4 Combate ao narcotráfico e ao crime organizado transnacional 250

    4.6 Os governos PT e as relações com os EUA: uma síntese 255

    Capítulo 5

    As relações Argentina-EUA durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003–2015): autonomia

    heterodoxa e confrontação 259

    5.1 O governo de Néstor Kirchner (2003-2007): crise e consolidação

    de poder 259

    5.2 Os governos de Cristina Kirchner: conflitos internos e restrição externa 266

    5.3 Política Externa e Relações com os EUA durante o governo de

    Néstor Kirchner 273

    5.4 Política Externa e Relações com os EUA durante o governo de Cristina Fernandez de Kirchner 279

    5.5 As relações bilaterais no campo da Defesa e da Segurança

    Internacional 286

    5.5.1 Política de Defesa, percepções de ameaças, relações entre militares e assistência externa 286

    5.5.2 Indústria, Tecnologias Sensíveis e Não Proliferação 292

    5.5.3 Combate ao Terrorismo 297

    5.5.4 Combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado transnacional 303

    5.6 O Kirchnerismo e os Estados Unidos: uma síntese 307

    Considerações Finais 311

    Posfácio 321

    Referências 327

    Introdução

    O tema desta obra corresponde às relações entre os Estados Unidos (EUA) e América do Sul no período entre 2003 e 2015, tendo como foco as relações bilaterais com o Brasil e com a Argentina e os temas referentes à área de Segurança Internacional. Cabe destacar que o fator mais marcante e evidente se refere à intensa assimetria de poder entre os EUA e os países da América do Sul e, portanto, são relações que podem ser enquadradas no âmbito mais geral das dinâmicas entre grandes potências e países periféricos. Todavia, possuem importantes particularidades e, desse modo, entender o desenvolvimento histórico e a construção da hegemonia estadunidense são essenciais para explicar as dinâmicas de relações internacionais nas Américas.

    Desde o século XIX, os EUA atuaram para promover sua hegemonia e limitar a influência de outras potências na América Latina, o que não impediu o surgimento de formas de resistência ao domínio por parte dos países latino-americanos. Em determinados momentos históricos, no entanto, os países da região procuraram aproximar-se dos Estados Unidos e a cooperação manteve-se como uma característica relevante das relações internacionais nas Américas. Assim, as relações interamericanas são ambíguas e oscilam entre momentos de maior alinhamento intercalados com outros de maior resistência.

    Em outras palavras, o clientelismo — cooperação assimétrica no campo militar — e a dependência econômica — produção nacional condicionada por decisões e estruturas externas — foram questionados em alguns períodos históricos, havendo resignação em outros períodos. Assim, não há uma profundidade da cooperação no âmbito militar como prevalecente entre os aliados mais tradicionais dos EUA, como são Austrália, Canadá e Reino Unido. Embora exista uma institucionalização frouxa da cooperação militar, materializada no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) e na Junta Interamericana de Defesa (JID), não foi formada uma organização militar operacional e são recorrentes os episódios nos quais a maioria dos países latino-americanos não oferece apoio diplomático ou militar às intervenções militares lideradas pelos EUA.

    Nesses processos, destacam-se os casos de Brasil e Argentina, países com capacidades relevantes em âmbito regional e que já buscaram projeção de poder no sistema internacional. Ambos também atuaram historicamente no sentido de manutenção da estabilidade sul-americana e buscaram liderança regional de forma duradoura. Nos dois casos, as dinâmicas de clientelismo e a busca de autonomia estiveram presentes, embora de forma mais marcante no caso argentino.

    No caso brasileiro, o consenso interno sobre a aproximação com os EUA começou a se deteriorar nos anos 1930. A partir de então, o país passou a ter uma postura mais assertiva, buscando barganhar com a potência e, a partir dos anos 1960, surgiu um paradigma de Política Externa baseado na diversificação de parcerias. Esse modelo foi interrompido pelo golpe militar de 1964 e retomado na década seguinte, ainda durante o regime autoritário.

    Já no caso argentino, durante a primeira metade do século XX, o país possuiu uma Política Externa distante e, em vários aspectos, conflitiva com os EUA, ao mesmo tempo em que mantinha relações especiais com a Inglaterra. Durante os primeiros governos de Perón (1945-1955), surgiu uma nova posição em Política Externa, marcada pela busca de industrialização, no plano interno, e autonomia, no plano externo. Tratava-se de uma postura de terceira via em um mundo binário. Contudo, após 1955, iniciaram-se as oscilações entre tentativas momentâneas de aproximação, intercaladas com a assertividade e busca de autonomia em relação aos EUA.

    Em ambos os casos, após as transições para a democracia dos anos 1980, não houve estabilização nas relações com os EUA. A aproximação dos anos 1990 foi seguida de busca por autonomia nos anos 2000, com características e nuances próprias em cada um dos países. No período de 2016 a 2018, liderados por governos de orientação econômica liberal, ambos voltaram a aproximar-se da potência e, em 2019, os caminhos de Brasil e Argentina se afastaram: o primeiro optou por intensificar o clientelismo, enquanto a Argentina elegeu um presidente que propunha a volta de posturas guiadas pela autonomia. Assim, ao contrário do que prevê a teoria realista, as políticas exteriores de ambos os países têm sido caracterizadas mais pelas oscilações que pelas continuidades¹.

    Esse contexto suscita perguntas de caráter geral: o que explica a alternância de momentos de cooperação com os EUA e outros em que — apesar da nítida assimetria de poder — a Argentina e o Brasil buscam ampliar a autonomia frente à potência? Por quais razões o Brasil e a Argentina não se acomodam a um sistema interamericano no qual a defesa contra ameaças extra regionais é garantida pela potência dominante? Quais foram os fatores que possibilitaram a busca de autonomia no início do milênio e quais levaram ao esgotamento do processo?

    De forma central, o problema de pesquisa que orientou esta obra é: por que houve, no Brasil e na Argentina, uma retomada dos projetos de autonomia com relação aos Estados Unidos no período de 2003 a 2015 e como eles se expressaram no campo da segurança internacional? Como hipótese, entende-se que a retomada dos projetos de autonomia foi provocada pela conjunção de mudanças domésticas, nas coalizões politicamente predominantes nos dois países, e de cunho internacional, com o avanço chinês na América Latina. Não houve negligência dos EUA em relação à região e, apesar dos desafios impostos pela China, a potência hegemônica manteve a capacidade de impor custos e incentivos aos governos latino-americanos. A cooperação no campo da segurança, incluindo as relações entre os militares e os agentes de segurança pública, permaneceu um sustentáculo importante da influência estadunidense.

    O objetivo central é compreender por que houve, no Brasil e na Argentina, uma retomada do projeto de autonomia com relação aos Estados Unidos no período de 2003 a 2015 e como ele se expressou no campo da segurança internacional. Os objetivos específicos são: i) examinar como as relações interamericanas desenvolveram-se historicamente e identificar os momentos de alinhamento e de busca de autonomia; ii) analisar fatores no nível sistêmico, referentes à configuração da ordem internacional no início do século XXI; iii) analisar a Política Externa, ressaltando os temas de segurança, dos Estados Unidos para a América Latina no início do século XXI; iv) identificar fatores de ordem interna na Argentina que condicionam a Política Externa no período de 2003 a 2015; v) identificar fatores de ordem interna no Brasil que condicionam a Política Externa no período de 2003 a 2015; vi) analisar como os movimentos de busca de autonomia refletiram na Política Externa de ambos os países, ressaltando temas referentes à Segurança Internacional; vii) analisar como as relações entre Brasil, Argentina e Estados Unidos desenvolveram-se considerando temas específicos no campo da Segurança Internacional.

    O tema de pesquisa é relevante, pois as relações com os Estados Unidos são definidoras das estratégias de Política Externa de Brasil e Argentina e influem em suas dinâmicas sociais. As modificações das relações bilaterais com a potência nas últimas décadas foram pouco estudadas, especialmente do ponto de vista da segurança internacional. O foco no século XXI é interessante por sua relevância para entender as transformações na contemporaneidade. Apesar do predomínio da busca de autonomia no período de 2003 a 2015, em ambos os países, é possível identificar forças políticas que demandavam a intensificação do clientelismo.

    O estudo das relações bilaterais dos EUA com o Brasil e a com Argentina traz insights relevantes para o estudo das relações interamericanas e contribui para o estudo das relações entre grandes potências e países periféricos. Busca-se, portanto, identificar padrões de atuação dos EUA e possibilidades de resistência dos países sul-americanos. Os estudos foram conduzidos a partir de pesquisa documental, consulta à base de dados e entrevistas. Foram utilizadas fontes diversas, como documentos abertos divulgados pelos Ministérios de Relações Exteriores e pela Presidência dos três países, discursos de autoridades e, de forma complementar, entrevistas. Foram utilizados, ainda, telegramas produzidos pelas embaixadas dos Estados Unidos na Argentina e no Brasil e divulgados pelo portal WikiLeaks². Também foi feito uso de bases de dados sobre assistência em segurança e transferência de armamentos, organizadas pelo Stockholm International Peace Research Institute (Sipri) e pelo Center for International Policy. Buscou-se, sempre que possível, realizar triangulação de dados.

    Com relação aos documentos, foi feito uso de relatórios do Departamento de Estado, especialmente aqueles sobre combate ao narcotráfico e ao terrorismo. Os estudos preparados pelo Congressional Research Service (CRS), vinculado ao Congresso dos EUA, também foram de grande valia. Além desses, as Estratégias de Segurança Nacional e os discursos anuais do comandante do Comando Sul (Southcom) foram analisados com o objetivo de entender a perspectiva estadunidense. As entrevistas foram feitas, em sua maior parte, com diplomatas brasileiros e estadunidenses.

    Com relação às fontes utilizadas, alguns esclarecimentos são necessários. Em primeiro lugar, cabe pontuar que o governo dos Estados Unidos divulga documentos de forma abundante e acessível, o que não acontece com a mesma intensidade no que se refere ao Brasil e à Argentina. Essa situação é agravada pelo fato de que os documentos publicados pelo WikiLeaks dizem respeito a telegramas enviados de embaixadas estadunidenses ao Departamento de Estado — ampliando ainda mais as fontes referentes à perspectiva estadunidense, sem que a contrapartida fosse possível. Assim, manter uma visão equilibrada das perspectivas nacionais foi um desafio.

    O problema de pesquisa implicou a revisão de diversas correntes de literatura acadêmica. Foi necessário abranger estudos que tinham como objeto relações entre grandes potências e países menos poderosos, a estratificação do sistema internacional e a Política Externa de países periféricos. O estudo de relações entre grandes potências e países periféricos não é central no âmbito das teorias mais clássicas das Relações Internacionais, disciplina que se dedicou a entender especialmente as relações entre as grandes potências. A assimetria de poder traz consequências e especificidades inexistentes nas relações mais horizontais entre as potências. As relações centro-periferia fragilizam a própria noção de anarquia, uma vez que as decisões nacionais de países periféricos são fortemente constrangidas por fatores externos, tema abordado no primeiro capítulo.

    Nesta obra, o foco central refere-se à atuação internacional dos Estados em questões estratégicas e que envolvem as burocracias destinadas ao uso da força. A existência de duas burocracias estatais destinadas ao emprego da força nos Estados modernos deve-se às diferenças entre as formas de uso da coerção, sendo que há uso protetor da força em âmbito interno e ao uso letal da força no âmbito externo. De acordo com Saint-Pierre:

    [...] a natureza da força na sua projeção interna é protetora do súdito e conservadora da ordem, e se emprega em regime de monopólio. É o que se conhece como segurança pública, segurança interna, segurança cidadã, que normalmente é administrada, na complexidade do estado moderno, pelo Ministério da Justiça, Ministério do Interior e, mais recentemente, pelo Ministério da Segurança, criado ante o aumento do tipo de ameaças que intranquilizam a cidadania em geral. Por sua vez, com uma natureza de letalidade defensiva, o monopólio da força destina-se, em regime de livre concorrência, a eliminar as fontes de potencial hostilidade à unidade decisória e dissuadir as intenções de hostilidade contra a ordem da unidade política [o que corresponde às atribuições do Ministério da Defesa] (SAINT-PIERRE, 2011, p. 425).

    Como exemplo da separação entre as funções internas e externas do uso da força estatal, pode-se citar a legislação dos EUA: o Posse Comitatus Act de 1897, que impedia o uso das Forças Armadas internamente em missões de aplicação da lei (law enforcement). Às Forças Armadas, reservava-se a função de Defesa, de proteção da soberania frente a outros Estados que ameaçassem a unidade territorial. No entanto, em 1981, a lei foi emendada, permitindo que as Forças Armadas auxiliassem as forças de segurança pública em vigilância e inteligência, além de promover treinamento e aconselhamento em temas relacionados ao combate ao narcotráfico e à entrada de substâncias ilegais nos EUA (ZIRNITE, 1997).

    Assim, houve uma relativização da separação entre o âmbito interno e externo do uso da força estatal, ou seja, entre Segurança Pública e Defesa. De forma semelhante, em análise focada em dados empíricos da Europa no pós-Guerra Fria, Bigo (2000) percebe um movimento de desdiferenciação entre a segurança interna e externa e, consequentemente, das duas burocracias estatais destinadas ao uso da força. A aproximação das funções das duas burocracias na Europa ocorreu após um período de intensa separação entre as funções relacionadas à guerra e ao policiamento. No caso da América Latina, durante o período da Guerra Fria, os regimes autoritários buscaram combater os grupos de esquerda a partir da força, percebendo-os erroneamente como inimigos internos. O resultado foi elevada militarização e um processo traumático para tais sociedades marcado pelo uso abusivo da força estatal contra a população (LÓPEZ, 1987; RODRIGUES, 2012; SAINT-PIERRE, 2011).

    No período contemporâneo, o emprego interno das Forças Armadas na América Latina é justificado pela alegada necessidade de combate ao crime transnacional, o qual teria se sofisticado em termos de armamento e potencial de fogo, tornando a ação policial insuficiente. Por outro lado, verifica-se uma coordenação das forças de segurança pública em nível internacional, em reação ao mesmo crime organizado transnacional. Tal processo ocorre muitas vezes a partir da internacionalização de agências de segurança dos EUA — como a Drug Enforcement Administration (DEA) — e treinamentos destinados a policiais latino-americanos oferecidos pela potência norte-americana.

    Assim, percebe-se uma aproximação entre ambas as burocracias, com as Forças Armadas atuando na América Latina em funções de Segurança Pública³, especialmente no combate ao narcotráfico. As agências policiais e de Segurança Pública também são influenciadas e orientam-se para o internacional, participando de redes de cooperação internacional e identificando seu alvo como transnacional. Há, nesse sentido, um processo de policialização das Forças Armadas, o que diminui sua eficácia na função de Defesa da soberania, e de militarização da segurança pública, com o aumento da violência estatal (SAINT-PIERRE, 2011). Portanto, também na América Latina é possível identificar um processo de desdiferenciação entre defesa e segurança interna, que tem causado aumento da violência estatal, sem solucionar o problema da criminalidade (RODRIGUES, 2012; ZIRNITE, 1997).

    Neste livro, os temas concernentes a ambas as faces do emprego da força estatal são abordados. As Forças Armadas e as forças de Segurança Pública podem ser utilizadas como instrumentos da Política Externa. No caso dos Estados Unidos, a promoção de treinamento militar e policial, por exemplo, é pensada como uma forma de expansão de sua influência e de difusão de sua agenda de segurança.

    Com relação à definição de Política Externa, de acordo com Aron (2002), trata-se da atuação internacional dos Estados, que ocorre por duas gramáticas: a da estratégia, representada pelo soldado; e a da diplomacia, representada pelo diplomata. As duas gramáticas são complementares e — do ponto de vista ideal — devem ser articuladas politicamente. De acordo com o autor [...] a distinção entre diplomacia e estratégia é relativa. Os dois termos denotam aspectos complementares da arte única da política – a arte de dirigir o intercâmbio com outros Estados em benefício do ‘interesse nacional’ (ARON, 2002, p. 72). A Política Externa contempla, assim, dinâmicas de convencimento e de imposição da vontade de uma unidade política por meio da diplomacia ou pelo uso da força.

    Conforme Caporaso et al. (1986, p. 9, tradução nossa), o foco central do estudo acadêmico da Política Externa são "[...] as políticas [policies] e ações dos governos nacionais orientadas ao mundo exterior, além de suas jurisdições políticas. Os autores apontam ainda que [...] as políticas militares/de segurança são, em todos os aspectos, um tipo de Política Externa" (CAPORASO et al., 1986, p. 12, tradução nossa). Logo, a atuação internacional dos Estados no campo da defesa é pensada aqui como parte da Política Externa, assim como os mecanismos de cooperação em Segurança Pública.

    Cabe pontuar que, embora os Estados periféricos não possuam a capacidade para se impor por meio da força, a face militar da Política Externa está presente e há possibilidade de dissuasão e de resistência. A atuação no plano estratégico ocorre de duas formas: por meio da cooperação militar e alianças constituídas para amenizar a debilidade, ou por meio de projetos que visam aumentar a capacidade de projeção e a própria força militar. Nesse último caso, visa-se à produção de armamentos ou são promovidos programas de pesquisa e projetos de desenvolvimento tecnológico estratégicos, especialmente nas áreas

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