Curso De Psicanálise - Módulo Ii
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Curso De Psicanálise - Módulo Ii - Djanira Soares E Roberto Clementino
MÓDULO 2
TEORIA FREUDIANA E O
SURGIMENTO DA PSICANÁLISE
Este material foi elaborado a partir de pesquisas em livros, periódicos eletrônicos de psicanálise e psicologia, sites, blogs especializados e bibliote-cas eletrônicas como Scielo, Google Acadêmico , Pepsic e ScienceResearch. O objetivo deste material é informar, despertar o interesse dos alunos e divulgar os textos, autores e a bibliografia necessária para que estes aprofundem seus estudos e pesquisas em cada tema apresentado ao longo do curso.
O estudo da teoria e técnica psicanalítica é extenso, portanto, longe de pretender substituir a leitura dos originais, convidamos cada um a debruçar-se sobre eles, construindo, assim, o seu próprio saber.
É proibida a reprodução parcial ou total do conteúdo
desta
pesquisa,
por
qualquer
meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada, em língua portuguesa ou qualquer outro idioma sem a autorização do Instituto Cuidar.
Copyright © 2021: Módulo 2: Teoria Freudiana e o surgimento da psicanálise
Todos os direitos reservados pelos autores: Djanira Soaes e Roberto Clementino
Título do original: Curso de Formação em Psicanálise
– Módulo 2 — Teoria Freudiana e o surgimento da psicanálise 2ª Edição: Fevereiro/ 2021
Editoração e Diagramação:
Edna Adão
editora.querigma@gmail.com.
A reprodução total ou parcial desta publicação literária seja por qual meio for sem a permissão escrita ou autorização do autor ou por citação desta obra, expressa nos moldes da lei é ilegal e configura apropriação indébita de Direitos Intelectuais e Patrimoniais (Artigo 184 do Código Penal – Lei nº. 9.610 de 19 de fevereiro de 1.998). As ideias, a revisão ortográfica, os comentários e os conteúdos expressos neste livro são de total e exclusiva responsabilidade de seus autores.
CLEMENTINO. Roberto; SO ARES. Djanira Curso de Psicanálise – Módulo 2. Teoria Freudiana e o surgimento da psicanálise
– 2ª Edição – São Paulo – S
P: Edição dos Autores. 2021.
– Psicanálise – Psi canálise – Freud
IMAGENS
Figura 1: Visão geral do Édipo _________________ 133
Figura 2: Lógica do Édipo do menino ____________ 134
Figura 3: Lógica do Édipo da menina ____________ 135
Figura 4: Neuroses e a influência do pai _________ 136
Figura 5: Histeria ___________________________ 137
Figura 6: Conceito de oposição ________________ 288
Figura 7: Dinâmica das posições _______________ 289
SUMÁRIO
01 - PRIMEIRA TÓPICA _____________________ 15
1.1 A primeira tópica freudiana ___________________ 16
1.2 Sistema perceptivo / Consciente: ______________ 18
1.3 Pré-Consciente ____________________________ 20
1.4 Inconsciente: ______________________________ 21
1.5 A Dinâmica Psíquica ________________________ 24
02 - SEGUNDA TÓPICA _____________________ 30
2.1 Id _______________________________________ 34
2.2 Ego _____________________________________ 35
2.3 Superego ________________________________ 36
03 - MECANISMOS DE DEFESA ______________ 37
3.1 Mecanismos de defesa e Resistências _________ 45
3.2 Contra investimento ________________________ 46
3.3 Formação reativa __________________________ 47
3.4 Formação Substitutiva ______________________ 49
3.5 Formação de compromisso __________________ 50
3.6 Formação de sintomas ______________________ 50
3.7 Identificação ______________________________ 53
3.7.1 Identificação primária: ___________________ 53
3.7.2 Identificação secundária: _________________ 54
3.7.3 Identificação com o agressor _____________ 55
3.7.4 Identificação projetiva ___________________ 56
3.8 Projeção _______________________________ 58
3.9 Introjeção ______________________________ 61
3.9.1 Incorporação oral ______________________ 63
3.9.2 identificação secundária _________________ 63
3.9.3 Introversão, ___________________________ 64
3.10 Anulação ________________________________ 65
3.11 Denegação ______________________________ 67
3.12 Recusa _________________________________ 67
3.13 Isolamento ______________________________ 68
3.14 Deslocamento ____________________________ 70
3.15 Sublimação ______________________________ 70
04 – FASE DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL72
4.1 Fase Oral: ________________________________ 75
4.2 Fase Anal: ________________________________ 78
4.3 Fase Fálica: ______________________________ 80
4.4 Fase Genital: ______________________________ 83
NOTAS _____________________________________ 88
05 - COMPLEXO DE CASTRAÇÃO ____________ 93
NOTAS _____________________________________ 122
06 - COMPLEXO DE ÉDIPO __________________ 126
6.1 Complexo de Édipo: idade ___________________ 129
6.2 Funções do complexo de Édipo _______________ 130
07 – ESTRUTURA PSÍQUICA _________________ 138
7.1 O CASO DORA ___________________________ 161
O Caso Dora e os sintomas histéricos ___________ 163
O mundo de Dora ___________________________ 164
Os meandros da histeria _____________________ 166
7.2 O HOMEM DOS RATOS ____________________ 167
Sobre a história ____________________________ 168
Interpretação ______________________________ 169
O passado ________________________________ 170
Reflexos __________________________________ 171
Ondulações _______________________________ 172
Lenhas da fogueira da angústia ________________ 173
Tortura efetuada com os ratos _________________ 173
Impedimento em ficar com a sua amada _________ 174
O fantasma do pai influenciando em suas decisões 174
Sintomas _________________________________ 175
Considerações finais sobre o homem dos ratos ___ 175
7.3 O CASO DO PEQUENO HANS _______________ 176
Caso do pequeno Hans interpretado por Freud ____ 178
O pequeno Hans ___________________________ 178
O conceito de fobia _________________________ 179
A análise de Freud __________________________ 181
Elementos da análise psicanalítica na história do
pequeno Hans _____________________________ 181
Considerações finais sobre o pequeno Hans ______ 184
08 - SEQUÊNCIA EMOCIONAL _______________ 185
8.1 Desejo ___________________________________ 186
8.2 Frustração _____________________________ 191
8.3 Ódio __________________________________ 213
8.4 Culpa _________________________________ 233
8.5 Auto-sabotagem _________________________ 250
09- A ESCOLA KLEINIANA E A PSICANÁLISE
INGLESA _________________________________ 263
9.1 Princípios e Hipóteses Norteadoras. ___________ 264
9.2 Eixos teórico gerais _________________________ 265
9.3 Cronologia de vida e obra ____________________ 266
9.4 Panorama geral da obra _____________________ 268
9.5 Ponto de partida: a técnica de análise infantil _____ 270
9.6 Divergências Freud e Klein ___________________ 271
9.7 Técnica do brincar _________________________ 272
9.8 Primeiras contribuições ______________________ 273
9.9 Superego arcaico __________________________ 274
9.10 complexo de édipo precoce _________________ 276
9.11 Cronologia e realismo na teoria ______________ 277
9.12 Consolidação do sistema kleiniano ____________ 278
9.12.1
Transformações
na
compreensão
do
inconsciente _______________________________ 280
9.12.2 Realidade psíquica e mundo interno _______ 281
9.12.3 Identificação projetiva __________________ 282
9.12.4 Objetos internos ______________________ 284
9.12.5 Objetos internos ______________________ 285
9.12.6 CONCEITO DE POSIÇÃO ______________ 286
9.12.7 CONCEITO DE POSIÇÃO ______________ 288
9.12.8 Implicações para a clínica _______________ 290
9.12.9 Implicações para a clínica _______________ 291
9.12.10 Inveja e gratidão _____________________ 295
9.13 Síntese e Conclusões ______________________ 297
9.13.1 Pontos de destaque ___________________ 298
9.13.2 Pontos gerais ________________________ 300
9.13.3 Críticas em relação à teoria _____________ 300
9.13.4 Críticas em relação à técnica ____________ 301
9.13.5 Concordâncias em relação à teoria ________ 302
9.13.6 Concordâncias em relação à técnica ______ 302
9.13.7 Comentários _________________________ 303
9.14 A Posição Esquizoparanóide ________________ 304
9.15 A Posição Depressiva ______________________ 314
9.16 Inveja __________________________________ 327
9.16.1 Um sistema de ataques _________________ 330
9.16.2 A ameaça de esvaziamento _____________ 332
9.16.3 A sensorialidade da inveja6 _____________ 332
9.16.4 A inveja como um fato clínico demarcado ___ 335
9.16.5 O duplo aspecto da inveja _______________ 336
9.16.6 O objeto bom e a experiência de completude 337
9.16.7 Como situar a inveja? __________________ 340
9.16.8 A vida emocional do bebê _______________ 342
9.16.9 A dinâmica da inveja ___________________ 343
9.16.10 O estado do self _____________________ 345
9.16.11 Desprezo Invejoso ____________________ 347
9.17 Crítica – Psicanálise e Distúrbio Emocional _____ 353
9.17.1 A Mutilação do Indivíduo ________________ 364
9.18 Crítica e Ressentimento ____________________ 371
10 – O PRIMEIRO CONTATO _________________ 378
10.1 O Contrato ______________________________ 379
10.2 O primeiro contato do paciente com o analista ___ 379
10.3 A entrevista inicial _________________________ 381
10.3.1 Conceituação de entrevista inicial _________ 382
10.4 Critérios de analisabilidade e de acessibilidade __ 393
11
– Uma Revisão das Regras Técnicas
Recomendadas por Freud ____________________ 415
11.1 Regra fundamental ________________________ 418
11.2 Regra da abstinência ______________________ 426
11.3 Regra da atenção flutuante __________________ 438
11.4 Regra do amor às verdades _________________ 447
11.5 Uma outra regra: a preservação do setting _____ 453
REFERÊNCIAS ____________________________ 460
01 - PRIMEIRA TÓPICA
A maioria das pessoas não quer realmente
a liberdade, pois liberdade envolve respon-
15
sabilidade, e a maioria das pessoas tem medo de responsabilidade.
Sigmund Freud
A princípio, a grande novidade da psicanálise era a extensão, a complexidade e a importância por ela atribuída ao inconsciente. Hoje que a ideia de uma atividade psíquica inconsciente não causa mais surpresa. Muitas leituras de muitas outras abordagens reconhecem também a importância das relações e transições entre processos inconscientes e conscientes.
1.1 A primeira tópica freudiana
Se inicia em 1895, com a obra Estudo sobre Histeria
, até 1923, com a obra O Ego e o Id
, onde começa a segunda tópica do autor. As duas fases são complementares, como afirma o próprio Freud em Esboço de Psicanálise
, capítulo IV.
Não é novidade para nenhum de nós que
Sigmund Freud utilizou-se da relação interpessoal entre ele e seus pacientes para que pudesse se desenvolver sua teoria psicanalítica.
16
Quando Freud passou a questionar seus dados, retirados dos eventos que obtinha, a partir deste ponto era preciso interpretar de modo teórico o que era colhido na prática. Fez-se necessária a criação de conjuntos de modelos conceituais que os explicassem. Estes conjuntos de modelos conceituais foram chamados de Metapsicologia.
A Metapsicologia envolve a fixação de um aparelho psíquico, a teoria do recalque, a teoria das pulsões, dentre outras desenvolvidas por Freud.
Estes modelos conceituais que constituem a Metapsicologia são divididos em três modelos: tópico, econômico e dinâmico.
Em 1900, Freud introduziu a noção de apare-
lho psíquico, e o caracterizou como um sistema articulador de lugares virtuais, ordenando os elementos ópticos de maneira sucessiva como se fosse um telescópio, ou um microscópio.
A topografia do aparelho psíquico seria estru-turada por padrões, transições entre suas partes, começando pelo sistema perceptivo-consciente, acompanhado em sequência pelos traços mnemô-17
nicos, o inconsciente, o pré-consciente, e, por último, a extremidade motora.
1.2 Sistema perceptivo / Consciente:
Há poucos estudos psicanalíticos sobre a consciência. Embora o inconsciente ocupe o lugar central, na psicanálise, não devemos esquecer que a própria definição do inconsciente só pode ser feita em relação à consciência. O inconsciente não é jamais diretamente observável. Ele só pode ser in-ferido, de maneira sempre incerta. Por vezes, essa inferência pode ser feita a partir do comportamento de uma pessoa. É o caso dos atos falhos descritos por Freud (1901/1960), em sua Psicopatologia da Vida Cotidiana. Ou ainda, a inferência pode, eventualmente, basear-se na mímica do sujeito, como é o caso da observação que Freud faz da expressão mista do rosto do ''Homem dos ratos'', indicando simultaneamente prazer e desprazer (Freud, 1909/1955, pp. 166-167). Entretanto, é sobretudo a partir da análise do discurso que a incidência do inconsciente pode ser discernida.
18
Em seu discurso, o sujeito fala daquilo de que tem consciência. Mas, ao mesmo tempo, o inconsciente também se exprime através de seu discurso, na escolha de algumas palavras, na insistência de alguns significantes, nos lapsos de linguagem eventualmente cometidos, nas associações, etc. É, portanto, sobre um fundo de consciência que o inconsciente se revela, é entre as malhas conscientes que ele tece sua trama. O próprio conteúdo consciente do discurso está sempre relacionado ao inconsciente, seja por aproximações, seja por afastamentos ou evitações.
As nossas informações todas seriam captadas
por este sistema, tanto as informações interiores quanto as exteriores. O sistema perceptivo, ou perceptivo-consciente, ou apenas consciente, possui uma localização periférica no nosso aparelho psíquico. Nossa consciência é considerada por obter um ato momentâneo, fugaz e por isso não armaze-na nenhuma informação, ela apenas estaria relacionada à percepção dos estímulos, transformados em informação. Por isso, ela não pode ser classificada como um arquivo. Para que se armazene a 19
informação recebida, o sistema psíquico necessita de MEMÓRIA, que é responsável por guardar os traços mnemônicos. O sistema consciente está envolvido em nossos processos de pensamento, de juízos, e da parte consciente de nossas evocações.
1.3 Pré-Consciente
O pré-consciente aproxima-se do consciente a nível funcional, e afasta-se do sistema inconsciente. Inclusive, há uma censura importante entre o pré-consciente e o inconsciente, chamada de interdição. Essa interdição é responsável por impedir que os estímulos inconscientes passem para o consciente através do caminho pré-consciente.
Essa característica da interdição fez com que Freud se interessasse na interpretação dos sonhos pois, quando dormimos, esta censura chamada de interdição se reduz. O pré-consciente é acessível por nossa vontade, o que o diferencia do inconsciente, que é inacessível.
Nosso pré-consciente apresenta as representações de palavra, que é a memória de nossas pala-20
vras ouvidas. Já em nosso inconsciente, temos a marca mnemônica dos processos visuais, por isso, chamadas de representações de coisa. Para que as representações de coisa passem para nosso consciente, elas devem se associar às representações de palavra, que estão presentes em nosso pré-consciente.
1.4 Inconsciente:
O inconsciente é a região mais arcaica de nosso aparelho psíquico. Lá, estão as representações de coisa, representações ideativas ou traços mnemônicos, que são percepções antigas marcadas em nossa memória. Apenas chegamos a elas a partir dos sonhos.
Os sonhos apresentam dois mecanismos de
produção: o deslocamento e a condensação. O
deslocamento constitui a capacidade de transferir energia de uma representação que esteja muito carregada para outra ou outras representações.
Pelo deslocamento, possibilita-se a condensação, que é a soma de duas ou mais representações. Por 21
isso, o sonho possui dois tipos de conteúdo, o conteúdo manifesto e o conteúdo simbólico. O conteúdo manifesto apresenta o sonho por si só, e o conteúdo simbólico apresenta o significado, feito apenas pelo analista que exclui as deformações do processo, a partir da transferência. O caminho dos sonhos é inverso ao caminho feito por nosso aparelho psíquico, pois ele transforma uma ideia em uma imagem visual. Por isso, os sonhos são realizações alucinatórias de desejos.
O inconsciente é formado pelas representações de coisa associados às energias provenientes das pulsões. Estas representações são caracterizadas por constante deslocamento e descarga. Es-te deslocamento fácil das energias e suas conden-sações são o que chamamos de processo primário.
Já no pré-consciente, possuímos o processo secundário, onde a energia psíquica encontra-se ligada, mais concentrada. Neste modelo, segundo Freud, encontramos o Princípio da Constância, os Processos primário e secundário, o Princípio do Prazer e o Princípio da Realidade.
22
De acordo com o princípio da constância, o aparelho psíquico tende a manter a quantidade de excitações a um nível basal, mais baixo possível, e de maneira constante de acordo com o trabalho que esteja realizando. O nível de excitação é mantido pela descarga de energia existente no aparelho psíquico ou então se protegendo de novos aumentos ou afluxos de excitação. Este princípio é análogo à homeostasia biológica.
O processo primário está presente no incons-
ciente, onde a energia psíquica flui livremente, assim como as representações de coisa, que se deslocam e se condensam. Quando há a condensação de representações, duas ou mais, há um investimento maior por virtude desta condensação. É
quando surge um desejo repentinamente, que deve ser satisfeito. O processo primário é dominado pelo princípio do prazer.
O processo secundário está presente no pré-consciente, onde a energia psíquica encontra-se fortemente ligada, e por isso, concentrada. São energias mais permanentes e mais estáveis, por isso, podem ser adiadas para que ocorra sua satis-23
fação. O processo secundário é dominado pelo Princípio da Realidade.
Notamos que a tendência do aparelho psíqui-
co é evitar, de qualquer maneira, o desprazer. O
prazer é proporcionado quando reduzimos ao mínimo a tensão energética. Vemos que na idade tenra, nos primórdios, esse princípio impera, pois as excitações devem ser descarregadas quase instan-taneamente, como vemos em uma criança, com a qual não se pode negociar quando está faminta, pois irrompe a chorar e só interrompe este ato quando é satisfeita a sua necessidade.
O contato que a criança possui com a mãe, que é a chave da realidade para o bebê, é a causa de o princípio do prazer evoluir, em parte, para o princípio da realidade. O ideal é que esta transição seja de maneira gradual, onde passa-se a interpretar a realidade de maneira prazerosa.
1.5 A Dinâmica Psíquica
24
A Psicanálise explica os fenômenos mentais como sendo o resultado da interação e de contra-ação de forças mais ou menos antagônicas. As pulsões são um tipo especial de fenômeno mental que força no sentido de descarga. Zimerman (1999) define pulsão como necessidades biológicas, com representações psicológicas que urgem em ser descarregadas. È necessário distinguir pulsão do instinto, que designa explicitamente padrões hereditários de comportamento animal, típicos de cada espécie. Na Tradução Brasileira das Obras Completas de Freud pela editora Imago pulsão foi erroneamente traduzida como instinto.
Segundo Freud (1915) as pulsões são o representante psíquico dos estímulos somáticos. As pulsões tendem a baixar o nível de tensão através da descarga de forma imediata, mas existem contra-forças que se oporão a essa descarga (satisfação da pulsão). E a luta que se cria constitui a base dos fenômenos mentais.
Em Psicopatologia da Vida Cotidiana Freud (1914) diz que os lapsos de língua, erros, atos sintomáticos, sonhos são os melhores exemplos de 25
conflitos que se produzem entre a luta pela descarga das forças que a isso se opõem. Em Conferências Introdutórias Freud (1916) defende que o produto do lapso pode ele próprio ter o direito de ser considerado como ato psíquico inteiramente válido, que persegue um objetivo próprio. Para Freud os fenômenos lacunares – sonhos, atos falhos, para-praxias, sintomas constituem um meio – êxito e um meio – fracasso para cada uma das duas intenções.
Quando as tendências à descarga e as forças
repressoras que inibem essa descarga são igualmente fortes a energia consome-se em luta interna e oculta; o que se manifesta clinicamente com sinais de exaustão sem produção de trabalho perceptível. (Fenichel, 2005)
Assim, o processo dinâmico é estudado de acordo com a pulsão, os objetos e a sexualidade.
Os estímulos são eventos que pressionam o aparelho psíquico. Eles podem ser externos ou internos.
Os estímulos externos podem ser afastados pelos movimentos musculares, atividade motora. Mas os estímulos internos não podem ser afastados por 26
simples ação motora. Os instintos seriam fixos e relacionados à características da espécie, hereditárias. Mas as pulsões seriam caracterizadas como uma fronteira entre o mental e o somático, pois seriam estímulos oriundos de dentro do corpo, e que cobrariam à mente um trabalho como consequência dela estar ligada através de elementos a saber –
Fonte, Força (pressão), Finalidade e Objeto.
A Fonte de uma pulsão seria o processo somático, que causaria o impulso na mente e que seria representado como um instinto na vida mental.
A Pressão de um instinto é a relação entre seu fator motor, ou quantidade de força ou medida de exigência de trabalho que ela representa. Por isso, todo instinto causa uma atividade.
A finalidade de um instinto é a satisfação do desejo, que só pode ser obtida com a eliminação do estímulo na fonte do instinto.
O Objeto de um instinto, que é o componente
mais variável do instinto, é onde se despeja a finalidade do instinto, ou seja, onde se satisfaz o desejo.
Pode ser externo, pode ser uma parte do corpo.
Vemos o auto-erotismo da criança que chupa seu 27
próprio dedo, como exemplo de objeto sendo parte de seu corpo. Há também o Narcísico, que se ama através da relação de um objeto externo.
Na obra de Freud, encontramos três etapas em relação à evolução dos entendimentos das pulsões.
A PRIMEIRA ETAPA apresenta a contradição entre as Pulsões de autopreservação, conhecidas como Pulsões de necessidade também, e as Pulsões sexuais. Esta etapa apresenta o conceito de anaclisia, ou apoio, onde as pulsões sexuais se apoiam nas pulsões de autopreservação, para serem descarregadas.
NA SEGUNDA ETAPA, Freud introduz o conceito de narcisismo, onde há a dualidade entre a libido do ego e a libido do objeto. Quanto mais se investe em uma, menos se investe na outra. Em um extremo, vemos o exemplo do apaixonado, que despeja toda a sua libido em seu objeto, que seria a transferência de sua libido para outra pessoa. No outro extremo, vemos o psicótico paranoico, que 28
projeta toda a sua energia em si mesmo, e que interpreta todas as ameaças contra si próprio, demonstrando uma dificuldade de transferência de sua libido.
NA TERCEIRA ETAPA, Freud opõe as pulsões de vida e as pulsões de morte. As pulsões de vida estão relacionadas à pulsão de autopreservação, ou de necessidades. A pulsão de morte seria a energia que volveria o ser para o seu estado anorgânico, que no início seriam conduzidas inte-riormente, como atividade autodestruidora, e posteriormente, para o exterior, conduzindo para uma atividade agressiva.
29
02 - SEGUNDA TÓPICA
Não somos apenas o que pensamos ser.
Somos mais: somos também o que lem-
bramos e aquilo de que nos esquecemos;
somos as palavras que trocamos, os enga-
nos que cometemos, os impulsos a que
cedemos 'sem querer'.
Sigmund Freud
30
Sabe-se que Freud, embora tenha inventado um método de tratamento das neuroses, a psicanálise, jamais deixou de lado o seu desejo de ser um cientista. É por isso que desde o início de sua obra encontramos não apenas descrições e análises de experiências da clínica, mas também tentativas de sistematizar a estrutura e o funcionamento do psiquismo. É preciso compreender o que levou Freud a introduzir a segunda tópica porque, conquanto que Freud fosse um terapeuta, nunca deixou de formular hipóteses acerca da organização do psiquismo e a clínica acabou revelando que a primeira tópica era insuficiente, principalmente o termo Inconsciente
. A primeira tópica se mostrou bastante útil para Freud quando a psicanálise estava direcio-nada primordialmente à compreensão das formações do inconsciente e da natureza das representações mentais que causavam angústia e eram recalcadas. Todavia, quando o foco da pesquisa psicanalítica começou a ser orientado para o ego – a instância do psiquismo que, por não suportar a angústia