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As Quatro Estações
As Quatro Estações
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E-book426 páginas4 horas

As Quatro Estações

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Sobre este e-book

É um romance entre dois jovens que se passa no interior do Brasil. Mas o rapaz tem um câncer cerebral e inicia um doloroso tratamento estando sempre na companhia de sua namorada. A obra aborda questões importantes tais como feminismo, sexo na juventude, aborto, assedio sexual, morte e reencarnação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de jul. de 2022
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    As Quatro Estações - Katiusa Stumpf

    Capítulo 1

    Primeiro beijo – Maria Flor

    Querido diário, hoje foi o dia mais maravilhoso da minha vida, foi o dia em que eu dei o meu primeiro beijo, foi com Josué, o nosso doce e meigo vizinho. À tarde, depois da aula, a Clara veio me dizer que o Josué queria ir cavalgar comigo, que era para eu ir encontra-lo lá no estábulo da família dele depois de sairmos da escola e então eu fui para lá e o encontrei me esperando sentado numa cadeira de balanço, calmo como de costume, lindo como sempre com seus olhos e cabelos compridos até os ombros, negros e volumosos, com as grossas sobrancelhas arqueadas ao me ver chegar timidamente. Ele levantou-se e veio ao meu encontro com passos lentos e disse:

    - Oi Flor, que bom que você veio!

    E eu lhe disse:

    - Oi Josué, é mesmo um lindo dia de primavera para cavalgarmos um pouco.

    - É, esse ar fresco, cheio de flores e tantas borboletas voando em volta me fizeram despertar para um passeio.

    - Legal! Você já separou os cavalos?

    - Sim. Seu Ernesto está me ajudando a preparar as celas e tudo mais. E seu irmãozinho Joni estava aqui até agora há pouco, é um grude comigo aquele moleque!

    - Pois é, ele realmente gosta muito de passar os dias no seu pé. Mas eu posso ver o meu cavalo agora? Como ele é?

    - É um ótimo cavalo, lindo também.

    - Mostre-me o cavalo e diga-me para onde vamos. Um Campeiro seria ótimo. Não me importo que seja meio ansioso, se isso significar que tem energia de sobra. Até um bom mestiço de Campeiro me serviria, ou um Manga-larga. Josué balançou a cabeça e me reconduziu aos portões largos do estábulo.

    - Tenho um Manga-larga. Um puro sangue, aliás. – Acrescentou.

    - Animal esplêndido. Meu pai o fez correr atrelado antes de compra-lo, só para se certificar.

    O

    galopou

    por

    quase

    dois

    quilômetros e ele nem chegou a suar; tem o

    passo mais macio que já vimos, e eu não mentiria a você sobre isso. Eu estava pensando em irmos cavalgar no riacho do seu João. O que você acha?

    Era um monstro lustroso de um cavalo. Pelo menos vinte palmos de altura, cabeça orgulhosa, e negro do focinho a ponta da cauda.

    - Ele adora correr – disse Josué, com sincera afeição na voz. Passou a mão pelo pescoço negro e liso. – E olhe só essa cor. Nem um fio claro, é totalmente negro!

    - Estou interessada, vamos sim – comentei, com ar distraído, enquanto examinava o cavalo em busca de sinais de ferimentos ou velhice.

    Não havia nenhum. Ele era lustroso, jovem e forte.

    - Ele tem nome? Indaguei, aproximando-me devagar do cavalo negro, deixando-o farejar minhas mãos e se acostumar comigo. Não se pode apressar o processo de fazer amizade com um cavalo. Só um tolo se precipita na hora de causar uma primeira impressão a um cavalo jovem e fogoso como esse.

    - Nenhum que tenha pegado. Apesar que papai o comparou comigo por causa da pelagem

    negra! E seu irmão tentou batizá-lo antes de Pérola Negra, parece que ele viu num filme!

    - É mesmo, vocês se parecem, têm isso em comum. Mas pérolas não tem muito a ver com cavalos, né? Posso ir com ele? Perguntei com gentileza, para que ele pudesse se acostumar com o som da minha voz. Ele farejou delicadamente minha mão, vigiando-me de perto com um olho grande e inteligente. Não recuou, mas com certeza também não estava à vontade. Continuei a falar enquanto chegava mais perto, na esperança de que ele relaxasse com o som da minha voz. – Você merece um bom nome. Cheguei mais perto e pus uma das mãos em seu pescoço. A pele estremeceu, mas ele não se afastou. Eu precisava ter certeza tanto de seu temperamento quanto de sua energia. Não podia correr o risco de pular na garupa de um cavalo assustadiço. – Uma pessoa de pouca inteligência poderia chama-lo de Piche ou de Lousa. Deus o livre de acabar como Pretinho, o que seria mal para um lindo exemplar como você.

    Meu pai sempre conversa desse jeito com os novos cavalos, numa ladainha regular e calmante. Enquanto lhe afaga o pescoço, continuei a falar, sem dar a menor atenção ao

    que dizia. As palavras não importam para os cavalos, o tom de voz é que é importante.

    - Você fez um longo percurso. Deve ter um nome orgulhoso, para que as pessoas não o considerem um animal comum. Percebi que ele relaxou um pouco ao som da minha voz.

    - Qual é o seu nome? Perguntei-lhe. – Você é o Carvão? O Sombra? Você é o Beleza Negra?

    O grande corcel negro baixou a cabeça e me cutucou com o focinho.

    - Você gosta desse, não é? Comentei, meio rindo, por saber que na verdade ele farejava o embrulho das maçãs secas que eu tinha guardado num dos bolsos da calça. O

    importante era ele ter uma certa familiaridade comigo nesse momento. Se ficasse à vontade o bastante para me cutucar pedindo comida, poderíamos entender-nos suficientemente bem para fazermos juntos um bom passeio de cavalgada firme.

    - Há mais alguma coisa que eu precise saber?

    Josué respondeu atenciosamente:

    - Ele refuga um pouco para a esquerda.

    - Um pouco?

    - Só um pouquinho. É de se esperar que também seja meio propenso a se espantar por esse lado, mas nunca o vi fazê-lo.

    - Como ele foi adestrado? Na rédea curta?

    - Curta.

    - Certo, podemos ir?

    O cavalo era magnífico e sua coloração era totalmente negra, realmente linda! Josué fez um sinal afirmativo e chamou o Seu Ernesto da estrebaria para que trouxesse a sela e os arreios. Eu abri um largo sorriso enquanto ele selava o grande corcel negro.

    Amarrei minha sacola de viagens num alforje, verifiquei os estribos e montei no lombo do Beleza Negra. Ele dançou de leve para a esquerda, ansioso por partir. Dei um puxão nas rédeas e nos pusemos a caminho.

    A maioria dos problemas referentes aos cavalos não tem nada a ver com os animais em si. Provém da ignorância dos cavaleiros. As pessoas ferram mal os animais, usam selas impróprias e os alimentam incorretamente, e depois reclamam que alguém lhes vendeu um pangaré mancarrão, enselado e indócil.

    Eu conhecia cavalos. Meus pais haviam me ensinado a montá-los e a cuidar deles. Embora o grosso da minha experiência tivesse sido com raças mais robustas, criadas para a tração e não para a corrida, eu sabia ganhar terreno quando necessário.

    Na pressa, quase todas as pessoas forçam as montarias cedo demais. Arrancam num galope furioso e depois se descobrem com um cavalo manco ou semimorto em menos de uma hora.

    Pura idiotice. Só cretino trata um cavalo dessa maneira. Por isso, parti com Beleza Negra numa

    boa

    marcha,

    para

    fazer

    seu

    aquecimento. Ele estava ansioso por andar mais depressa, provavelmente por intuir minha própria ansiedade com aquele passeio a convite de Josué. Tive que refreá-lo duas vezes para reduzir o passo, até ele se resignar a este ritmo.

    Após meio quilômetro, deixei-o trotar um pouco. Sua andadura era suave, mesmo para um Manga-larga, mas o trote nos fez sacolejar muito. Depois de mais meio quilômetro, coloquei-o a meio galope. Só quando já nos afastávamos um quilômetro ou um quilômetro e meio da fazenda dos pais de Josué chegamos a um bom trecho reto de estrada

    plana ao lado do riacho foi que o cutuquei de leve e o fiz galopar. Josué estava ao meu lado em um belíssimo cavalo malhado, seus cabelos negros esvoaçavam até quase a altura dos seus ombros e um grande sorriso curvava seus lábios enquanto ele me olhava de esguelha.

    Tendo finalmente a oportunidade de correr, o Beleza Negra avançou em disparada. O sol já estava quase se pondo e os lavradores que colhiam aveia

    e cevada

    nos

    campos

    levantaram a cabeça ao passarmos feito um raio. Beleza Negra era mesmo um cavalo incrível e extremamente veloz.

    Ao passarmos por um arvoredo, tornei a fazer o Beleza Negra trotar. Com isso, ele pôde descansar um pouco e não corremos o risco de dobrar uma curva e nos estabacarmos num tronco caído ou numa carroça lenta. Ao entrarmos novamente numa área de pasto e enxergarmos todo o caminho, dei-lhe rédea solta e praticamente voamos.

    Após meia hora disso, Beleza Negra estava cansado suado e arfante, mas se saía melhor do que eu. Minhas pernas pareciam borracha.

    Eu estava em boa forma e era jovem, mas fazia tempo que eu não sentava em uma sela.

    Montar requer o uso de músculos diferentes de andar, e galopar é tão difícil quanto correr, a menos que se queira dar um trabalho dobrado ao cavalo.

    Basta dizer que acolhi de bom grado o arvoredo seguinte. Pulei da sela e fui andando ao lado do Beleza Negra, para dar a nós dois um merecido descanso. Parti uma de minhas maçãs mais ou menos ao meio e lhe dei o pedaço maior.

    - Puxa, você é mesmo um encanto! – Eu disse, afagando o pescoço com ternura. – Ainda não está nem perto de se cansar, não é?

    Andamos uns dez minutos e tivemos a sorte de deparar com um regato atravessado por uma pontezinha de madeira. Deixei-o beber água por um bom minuto, depois o afastei, para que não bebesse demais. O amarrei ao tronco de uma frondosa árvore e o deixei descansar na sombra, ao longe o sol estava quase se pondo, quando Josué se aproximou de mim e perguntou se eu lhe daria um beijo.

    - Flor, você me daria um beijo?

    - É claro! – Respondi meio surpresa e lhe dei um beijo na bochecha. Constrangido e

    esfregando as mãos nas calças, ele disse, com nervosismo na voz:

    -Não! Eu quis dizer um beijo de verdade, na boca!

    Fechei a boca e contemplei a água. A centímetros de distância, Josué fez o mesmo.

    Pude sentir seu calor. Ele recendia a poeira de estrada e a àquele cheiro que paira no ar segundos antes de uma chuvarada de verão.

    Nenhum de nós falou. Fechei os olhos. A proximidade dele era a coisa mais doce e mais pungente que minha vida já conhecera. Nossos lábios se tocaram e nos abraçamos num longo e majestoso beijo.

    - E aí? Gostou? – Perguntou, cutucando-me, enquanto

    suspendia

    e

    abaixava

    as

    sobrancelhas.

    E eu sussurrei um longo:

    - Sim... muito!

    Então falamos de tudo e nada e, durante o tempo todo, eu mal conseguia respirar, por causa da proximidade dele, de seu jeito de se mexer, do som de sua voz ao tocar o ar primaveril.

    Capítulo 2

    Primeiro beijo em Maria Flor - Josué Naquele dia Josué acordou zonzo após horas de sono, levantou ao meio-dia e foi direto almoçar, depois teria aula a tarde toda. Ele se sentia diferente naquele dia, como se algo de extraordinário fosse acontecer em breve.

    - Hoje você está diferente. – Observou Lucas, carregando uma rosa nas mãos. Valter concordou com um grunhido.

    - Eu me sinto diferente – Admitiu. – Bem, mas diferente. – E essa rosa aí é para mim, presente de aniversário atrasado?

    Os três iam levantando poeira na estrada para a escola. Era um dia quente e ensolarado, e não tinham motivo para pressa.

    - Você parece... calmo – continuou Lucas, passando a mão no cabelo loiro. Essa rosa é para a Maria Flor, hoje vou conseguir roubar um beijo dela...

    – Eu gostaria de me sentir tão calmo quanto pareço – resmungou Josué, rindo logo em seguida e questionando: - Roubar um beijo?

    Lucas recusou-se a desistir:

    - Tenho certeza de que hoje ela cede aos meus encantos!

    - Você parece mais sólido, depois de fazer seus dezessete anos ontem. – declarou com uma careta. – Não. Parece... compacto.

    -Compacto? – repetiu. A tensão o obrigou a rir, o que o deixou mais relaxado. –Como é que alguém pode parecer compacto?

    -Compacto, sei lá – fez ele, dando de ombros.

    – Feito uma mola enroscada.

    - É o jeito dele andar – disse Valter, rompendo com seu costumeiro silêncio pensativo.

    Empertigado, com a cabeça levantada, os ombros erguidos. – Fez um gesto vago para ilustrar suas colocações. – Quando ele pisa, o pé inteiro se apoia na terra. Não só a ponta, como se ele quisesse sair correndo, ou como se

    hesitasse.

    Ele

    anda

    com

    solidez,

    reivindicando o pedaço de chão para ele.

    Josué sentiu um embaraço momentâneo e tentou se observar, o que sempre foi um esforço pouco útil.

    Lucas deu uma olhadela de esguelha para Valter.

    - Alguém vem passando um bocado de tempo com a Maria Flor, não é?

    Valter deu de ombros sugerindo uma vaga concordância, e atirou uma pedra nas árvores à beira da estrada.

    Chegaram à Ponte de Pedra, o antigo arco de pedras escuras que se elevava sobre o rio Ichu, entre a escola e a estrada que levava para a fazenda da família de Josué. Com mais de cinquenta metros de uma margem à outra e ultrapassando dezessete metros no ponto mais alto do arco, a Ponte de Pedra tinha mais histórias e lendas do que qualquer outro marco da escola.

    - Cuspa para dar sorte – disse-lhes Valter ao começarem a subida por um lado, e seguiu seu próprio conselho. Lucas o acompanhou, dando uma cusparada pela lateral com exuberância juvenil.

    Josué quase disse Sorte não tem nada a ver com isso, usando as palavras do professor de matemática, severamente repetidas milhares de vezes em sala de aula. Saboreando-as por um minuto na ponta da língua, hesitou e, em vez de proferi-las, cuspiu.

    A escola ficava no coração da cidade e suas portas da frente davam para a praça central, calçada de pedra. Havia bancos, algumas árvores floridas e uma fonte de mármore que borrifava água na estátua de uma deusa seminua. Pessoas bem vestidas circulavam pela praça.

    Ao se aproximarem da escola, o porteiro levou a mão a seu chapéu de aba larga e se curvou numa saudação. Tinha pelo menos um metro e noventa e cinco de altura, era musculoso e intensamente bronzeado. O cumprimentaram e entraram no refeitório.

    Assim que adentraram o local, um gurizinho no esplendor dos seus nove anos de idade apareceu correndo e chamando por Josué.

    -Oi amigo, quero te perguntar se eu posso ir brincar contigo no estábulo depois da aula.

    - Mas é claro que pode, garoto, estarei te esperando. Vamos brincar do quê hoje?

    Fazendeiros tratando dos cavalos ou bandidos montados?

    - Quero brincar de bandidos dessa vez, mas não conta para a Maria, para ela não ficar preocupada achando que eu quero ser bandido de verdade. Sabe, Josué, as garotas não entendem essas coisas de fantasia e realidade, elas misturam tudo num monte de bobagens na cabeça. – e, assim como chegou, ele saiu correndo em disparada.

    - Se vocês dois puderem parar de mexericar e ir para a mesa, vou pegar a minha bandeja. –

    afirmou Valter.

    Seguiram para a mesa que ele havia escolhido, não muito longe de onde Maria Flor estava sentada.

    - O que querem beber? Perguntou Valter enquanto o Lucas e o Josué sentavam e acomodavam seus materiais escolares nas cadeiras.

    -Suco de laranja – respondeu Lucas, sem parar para pensar.

    - Coca. Disse Valter em tom acusatório e se virou para Josué, que escolheu soda.

    Josué apontou Maria Flor com a cabeça.

    - E ela? – perguntou a Lucas. - Pensei que ela fosse sua namorada?

    - Ela é, só que ela ainda não sabe.

    - Há alguma coisa real entre vocês que eu precise saber? – indagou, visto que precisava saciar a sua curiosidade a respeito dos sentimentos de Lucas por Maria Flor.

    Lucas balançou a cabeça negativamente.

    Maria Flor levantou-se e foi em direção deles.

    - Olá pessoal, tudo bem com vocês?

    - Olá Flor, tudo bem e você? – respondeu educadamente Josué.

    - Olá! – disse Valter.

    - Olá, - disse Lucas – Estávamos mesmo falando sobre você. Ou melhor, sobre nós - e a abraçou puxando-a para perto de si pela cintura e lhe entregando uma linda rosa. Josué deu

    uma

    levantada

    de

    sobrancelhas

    especulativa com a cena. Maria Flor apenas sorriu timidamente e delicadamente se desvencilhou dos braços de Lucas, aceitando a rosa com graça!

    - De nós? Como assim nós?

    - Nós dois, você e eu, minha namorada! -

    afirmou insistentemente Lucas.

    - Só que eu não sou sua namorada, né, Lucas?!

    Você ainda está insistindo nisso desde ontem, no aniversário do Josué... não é?!

    - Mas é claro, - riu ele.

    - Bom, garotos, foi bom vê-los, preciso ir para a classe, já vai começar minha aula de biologia.

    Grata pela rosa, Lucas, mas já chega de insistir nesse assunto, tá? Até mais!

    - Até mais! – disse Valter alegremente, como de costume.

    -Até mais, Flor! Tenha uma boa aula –

    respondeu saudosamente Josué

    - Até depois amor! – riu Lucas provocando-a!

    - Acho que ela não quer mesmo saber de você Lucas. - Falou Josué.

    - Acho que ela só está se fazendo de difícil, senti ela estremecer quando eu a agarrei. No fundo, no fundo ela me quer tanto quanto eu a quero. - Respondeu Lucas.

    - Acho que está enganado.

    - Aposto com você que o meu eu malandro e safado consegue dar um beijo nela até o final de semana enquanto que o seu eu certinho e afetuoso não consegue. O que acha disso, Josué?

    - É sério mesmo isso, vocês dois vão mesmo apostar em quem consegue o primeiro beijo da garota? – Questionou Valter, assombrado.

    - Tô dentro - disse Josué, vou arrancar esse beijo hoje mesmo. Vou pedir a ela para irmos cavalgar juntos depois da aula e já vou dar o meu jeito.

    - Quero só ver! Disse Lucas a contragosto do que ele mesmo provocara. E completou: - Mas vou logo te avisando cara, ela não gosta de você desse jeito e vai te dar um grande fora!

    Essa gentileza que ela tem com você ela tem com todo mundo, é só o carisma natural dela.

    No final da tarde, depois da aula Josué pediu a Clara, a melhor amiga de Maria Flor, que lhe fizesse um convite para uma cavalgada na fazenda vizinha...

    - Você está me esperando? - perguntou Maria Flor quando se aproximou do estábulo.

    Josué desceu da cadeira e limpou as mãos nas calças. – Sim, estou à sua espera! – explicou, descontraído, acertando o passo com o dela rumo a entrada do estábulo. Maria Flor estava se tornando uma jovem linda no esplendor dos seus dezesseis anos já tinha um belo corpo formado, esbelto e bem definido, bem contornado com seios fartos e quadris largos.

    Seus longos cabelos cacheados cor de fogo alaranjados emolduravam um pequeno rosto delicado com um nariz pequenino e arrebitado em meio as leves sardas em seu rosto. Seus lábios naturalmente vermelhos e carnudos eram um convite tentador. Seus olhos eram de um intenso verde profundo e marcante. Maria Flor era mesmo uma linda mulher já formada!

    Vendo-a chegar com todo o seu encanto, Josué entendia a obsessão de Lucas e de todo e qualquer homem por aquela jovem.

    – Estou certo em entender que você está à procura de um cavalheiro para acompanhá-la num passeio esta tarde?

    Um sorriso abriu os lábios quando ela o olhou profundamente dentro de seus olhos negros.

    - Perfeitamente.

    - É uma pena. Não sou nenhum cavalheiro! –

    suspirou.

    O sorriso de Maria Flor alargou-se.

    - Eu acho que você chega bem perto.

    - Mas gostaria de chegar mais perto ainda.

    - Então venha para aqui bem pertinho de mim.

    Os dois pararam bem em frente aos portões do estábulo e conversaram por alguns instantes, enquanto Seu Ernesto preparava e selava os cavalos para eles seguirem com a cavalgada.

    Maria Flor começou a conversar com o grande corcel negro que ela iria montar em breve procurando se fazer conhecer melhor. Aos olhos de Josué ela estava lindamente encantadora ao conduzir aquele papo com o cavalo. Mas tinham coisas das quais ele precisava saber e conversar com ela ainda antes de partirem.

    O seu sorriso se desfez levemente em uma expressão mais séria e ele perguntou:

    - E o Lucas?

    Os lábios de Maria Flor se comprimiram.

    - Ele lhe disse ter direitos sobre mim?

    - Bem, não exatamente. Mas há certos protocolos envolvidos...

    - Um acordo de cavalheiros? Perguntou ela, em tom mordaz.

    - Está mais para honra entre ladrões, se você prefere.

    Maria Flor fitou-o nos olhos e disse, com ar sério:

    - Josué, roube-me!

    Ele curvou-se numa mesura e fez um gesto largo para o mundo.

    - Às suas ordens – assentiu. Continuaram a se encarar sob o sol luminoso, o cheiro mesclado de flores que brotavam em plena primavera e de bosta de cavalos do estábulo.

    - E como vai o Lucas, afinal?

    - Já faz um tempo que não sei dizer isso, na verdade nunca fui próxima o bastante dele para poder dizer.

    Josué animou-se um pouco.

    - É mesmo?

    Ela revirou os olhos.

    - Rosa! Eu acredito que os homens tiram todo o seu romantismo do mesmo livro velho. Flor é uma boa coisa, uma coisa bela para se oferecer a uma dama. Porém, são sempre rosas, sempre vermelhas e sempre perfeitos botões

    desabrochando,

    quando

    eles

    conseguem obtê-los – disse e se virou para ele

    - Quando você me vê você pensa em rosas?

    Foi esperto bastante para abanar a cabeça, sorrindo.

    - Então em quê? Se não é uma rosa, o quê você vê?

    Ela o pegou. Olhou-a uma vez de cima a baixo como se tentasse decidir.

    - Bem, o problema é que ao oferecer flores a uma moça, a escolha pode ser interpretada de muitas maneiras diferentes. Um homem pode lhe dar uma rosa por achar que você é bonita, ou por imaginar que a tonalidade, a forma ou a suavidade dela se parecem com seus lábios.

    As rosas são caras e talvez ele pretenda mostrar, com um presente valioso, que você lhe é preciosa.

    - Você faz uma bela defesa das rosas. Mas persiste o fato de que eu não gosto delas.

    Escolha outra flor que combine comigo.

    - Mas o que é combinar? Quando um homem lhe dá uma rosa, o que você vê pode não ser o que ele pretende dizer. Talvez você ache que ele a considere bela ou fraca por ser frágil como uma flor. Talvez antipatize com um pretendente que a considere toda meiguice e nada mais.

    Talvez ela tenha espinhos e você presuma que ele a julga propensa a machucar a mão que se apressar demais a segurá-la. Mas, se ele tirar os espinhos do caule, talvez você pense que ele não gosta de alguém capaz de se defender sozinha. Há inúmeras maneiras pelas quais se pode interpretar uma coisa. O que deve fazer o homem cuidadoso?

    Maria Flor o olhou de soslaio.

    - Se o homem fosse você, acho que desfiaria um rosário de palavras inteligentes e torceria para a pergunta ser esquecida – disse ela, e inclinou a cabeça. – Mas não foi. Que flor você escolheria para mim?

    - Muito bem, deixe-me pensar – retrucou, virando-se para olhá-la e novamente desviando o olhar. – Façamos uma lista. O dente de leão poderia servir: é luminoso, e há uma luminosidade em você. Mas o dente de leão é comum, e você não é uma pessoa comum. Das

    rosas nós já nos livramos e as descartamos.

    Doce-amarga, não. Urtiga... talvez!

    Maria Flor fez uma careta, fingindo-se ofendida, e lhe mostrou a língua.

    Ele bateu com os dedos nos lábios, como se reconsiderasse.

    -Tem razão, a não ser por sua língua, ela não combina com você.

    - Maria Flor deu uma bufadela e cruzou os braços.

    - Violeta! – exclamou, arrancando-lhe uma risada por causa da sua surpresa. – A impetuosidade dela combina com você. Mas é uma flor pequena e tímida. Por essas e outras razões – acrescentou, pigarreando -, acho que deixaremos de lado a violeta.

    - Que pena!

    - A margarida é boa – prosseguiu com ímpeto, sem deixar que ela o distraísse. – Alta e esguia, disposta a crescer à beira das estradas. Uma flor simples e muito delicada. A margarida é independente. Acho que combinaria com você

    -É mesmo uma bela flor! – Disse Maria Flor, em tom gentil. Inconscientemente levou a mão ao

    lado do pescoço onde ele a havia tocado, pousou-a ali por um instante e a deixou cair.

    -É, já que

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