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Redemoinho
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E-book360 páginas4 horas

Redemoinho

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Sobre este e-book

Descrição

Magia. Segredos. Destino

Kendra Irisavie sempre teve às mãos as rédeas de sua própria vida.

Ela é uma ondina, um elemento da água dotado com a magia poderosa da Virtude Empatia e treinada para ser uma guerreira. Capturadas em uma guerra antiga com demônios Aquidae, ela e sua mãe mantêm-se Desgarradas, escondendo-se entre os humanos para evitar tornarem-se novas baixas.

Tudo muda quando irrompe a violência, em seu aniversário de dezessete anos. Um estranho aparece, prometendo respostas sobre o seu misterioso passado, e causando sentimentos inesperados em seu adormecido coração.

Mas, ao descobrir as verdades sobre seu passado e futuro, percebe a que ponto podem chegar as mentiras e decepções.

Agora, desafiando todas as probabilidades, precisará reunir toda a determinação, habilidade e magia possíveis para cumprir uma extraordinária profecia.

Primeiro livro de uma arrebatadora série de fantasia, Redemoinho é o início da emocionante busca de uma jovem por sobrevivência, amor e esperança, ao mesmo tempo em que luta por seu espaço em um mundo que não é o seu.

Uma Guerra Impossível. Uma Magia Explosiva. Um Destino Inevitável.

REDEMOINHO: Livro Um do Quarteto de Ondina

IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jul. de 2017
ISBN9781507183694
Redemoinho

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    Redemoinho - Emma Raveling

    Descrição

    Magia. Segredos. Destino

    Kendra Irisavie sempre teve às mãos as rédeas de sua própria vida.

    Ela é uma ondina, um elemento da água dotado com a magia poderosa da Virtude Empatia e treinada para ser uma guerreira. Capturadas em uma guerra antiga com demônios Aquidae, ela e sua mãe mantêm-se Desgarradas, escondendo-se entre os humanos para evitar tornarem-se novas baixas.

    Tudo muda quando irrompe a violência, em seu aniversário de dezessete anos. Um estranho aparece, prometendo respostas sobre o seu misterioso passado, e causando sentimentos inesperados em seu adormecido coração.

    Mas, ao descobrir as verdades sobre seu passado e futuro, percebe a que ponto podem chegar as mentiras e decepções.

    Agora, desafiando todas as probabilidades, precisará reunir toda a determinação, habilidade e magia possíveis para cumprir uma extraordinária profecia.

    Primeiro livro de uma arrebatadora série de fantasia, Redemoinho é o início da emocionante busca de uma jovem por sobrevivência, amor e esperança, ao mesmo tempo em que luta por seu espaço em um mundo que não é o seu.

    Uma Guerra Impossível. Uma Magia Explosiva. Um Destino Inevitável.

    REDEMOINHO: Livro Um do Quarteto de Ondina

    Elogios ao Quarteto de Ondina

    ––––––––

    Emocionante, cheio de suspense e vibrante... tantas cenas envolventes, que o leitor mal conseguirá permanecer sentado. Quando o livro acabar, você vai pedir mais!

    - Book Passion for Life

    ––––––––

    Raveling criou um mundo de fantasia altamente original e fascinante, cheio de personagens carismáticos, uma história emocionante, criativos elementos fantasiosos, e uma boa dose de romance... um romance encantador, divertido, lindamente escrito. Leitura obrigatória!

    - Word Spelunking

    ––––––––

    Uma leitura em ritmo de montanha-russa, cheia de ação, que vai te pegar desde o início e te deixar implorando por mais.

    - Paromantasy

    ––––––––

    Ação ininterrupta, amor e um mundo impressionante, nunca antes visto.

    - The Kindle Book Review

    ––––––––

    Amei ler sobre o mundo desta história... e a heroína é alguém por quem me vi torcendo e me apaixonando. Recomendo o livro a todos os fãs de leitura jovem adulto e mitologia.

    - Night Owl Reviews: Top Pick

    ––––––––

    Recheado de aventuras, heróis, demônios, romance, tristeza e, sim, até um coração partido. O ritmo da história é rico e os personagens são fortes.

    - The Book Hookup

    Para AAA por acreditar em mim

    Ondina

    "Escuta! Escuta! Sou eu, Ondina, que roço com gotas de água os

    losangos sonoros de tua janela iluminada pelos tristes raios da lua; e

    também, em vestes de tecido ondulado, a castelã, que contempla de

    sua varanda a bela noite estrelada e o belo lago adormecido."

    "Cada onda é um ondino nadando na corrente, cada corrente é um

    caminho serpenteando rumo ao meu palácio, e meu palácio foi

    erguido fluido, no fundo do lago, no triângulo do fogo, da terra e do

    ar."

    "Escuta! Escuta! Meu pai bate à agua murmurante com uma vara de

    álamo verde, e minhas irmãs acariciam com seus braços de espuma

    as frescas ilhas de ervas, de nenúfares e de gladíolos, ou zombam

    do salgueiro caduco e barbudo que pesca com sua linha."

    "Sua canção murmurada, suplicou-me que recebesse em meu dedo

    seu anel, para tornar-me esposo de uma Ondina, e que visitasse

    com ela seu palácio, para tornar-me o rei dos lagos."

    "E como eu lhe respondesse que amava uma mortal, ela, amuada e

    com ciúmes, derramou algumas lágrimas, deu uma gargalhada e

    dissolveu-se entre jorros de água, que escorreram brancos ao longo

    de meus vitrais azuis."

    - Aloysius Bertrand, Gaspard de la Nuit (Tradução de José Jerônimo Rivera - Editora Thesaurus)

    PRÓLOGO

    As sombras escuras da noite me encobriam.

    Atravessei o gramado e me aproximei da casa pelos fundos. O único som que ecoava no ar abafado da primavera era o rugido fraco do Oceano Pacífico a alguns quarteirões dali. A brisa suave trouxe um cheiro forte e salgado que fez o meu sangue vibrar, diante da proximidade com a água.

    Meus olhos examinaram a área. Nada.

    Abri meus filtros e soltei minha Virtude. O toque refrescante da magia foi como se um riacho borbulhante passasse pelo meu corpo.

    Nenhuma emoção humana foi detectada por perto. À uma da manhã, a rua residencial daquele bairro tranquilo do subúrbio estava escura e silenciosa.

    Mas uma dose a mais de cuidado certamente não faria mal.

    Passei através da cerca-viva para ter acesso ao quintal e caminhei em direção à janela entreaberta. Na rua, a lâmpada do poste piscou e a iluminação amarela inclinada fez sombra nos arbustos que emolduravam a casa branca e pequena.

    A luz piscou, prestes a queimar, e logo fez-se uma sombra sobre o gramado da entrada.

    Desconfiada, parei, com meus instintos em alerta. De costas para a parede lateral, eu me escondi atrás da fileira de hortênsias, agachando-me o máximo que pude. 

    Duas figuras estavam paradas perto da calçada, suas silhuetas destacadas pela luz tremeluzente. Senti uma pitada de irritação ao ver aquela familiar figura feminina.

    Ela estava de costas para mim e de frente para um homem alto, de cabelos escuros. Era difícil identificar suas feições, mas minha visão apurada me permitiu uma boa observação. O homem tinha mais de 1,85m de altura, talvez 1,90m, e era um pouco mais velho que eu, provavelmente na casa dos vinte e poucos anos. Fartos cabelos castanhos desciam cacheados pela nuca, até os ombros. De olhos escuros e brilhantes, tinha uma postura casual que exalava charme e elegância espontâneos. 

    Usava um casaco de couro preto até a panturrilha, realçando o contorno esbelto e musculoso do seu corpo. Se o visse em qualquer outro lugar, certamente o teria achado atraente.

    Conversavam baixinho, quase sussurrando, e eu não conseguia entender o que diziam.

    Não fazia ideia de por que ele estava ali, mas decidi não ficar para descobrir. Dei um passo para trás e minha perna esbarrou em um galho, que se partiu com um estalido, quebrando o silêncio.

    Fiquei paralisada.

    Por um instante, pensei que o rapaz de cabelos escuros tivesse olhado em minha direção, mas logo percebi que seus olhos permaneciam fixos nela. Rapidamente, corri para os fundos da casa e, enfiando as mãos sob a janela, empurrei-a para cima, conseguindo abrir sem um ruído sequer.

    Agarrei o peitoril e me joguei para dentro da casa, sem nenhuma cortina ou persiana para me atrapalhar. Afinal, qual o sentido de instalar coisas desse tipo, se já iríamos nos mudar novamente em apenas alguns meses?

    Espero que você saiba que há formas mais fáceis de entrar na nossa casa. Como a porta da frente, por exemplo.

    Droga.

    Naida Irisavie estava parada à porta, com os braços cruzados sob o peito. Eu detestava esse seu gesto, pois me fazia sentir pequena, embora eu fosse 15 centímetros mais alta que ela. Seus cabelos cacheados, no mesmo tom de mel que os meus, estavam presos em uma cuidadosa trança. Seus olhos cor de avelã, cintilantes, lançavam-me um olhar de reprovação.

    Não havia manchas escuras de sangue nas suas roupas ou em seu rosto, o que indicava que ela tinha tido uma ronda sem ocorrências, ou que havia se lavado antes que eu chegasse.

    Inclinei-me sobre o criado-mudo para acender o abajur.

    Sim, mamãe, eu conheço a porta da frente, mas ela estava ocupada esta noite. Quem era aquele cara?, perguntei.

    Não é da sua conta, respondeu, apertando os lábios.

    Para você, nada é da minha conta, nunca.

    Hein?

    Nada.

    A questão é onde você esteve hoje à noite?, ela quis saber.

    Fui dar uma conferida na área, respondi, tirando o casaco e me sentando na cama.  Achei que devia ir ver como é a vida noturna nesse fim de mundo.

    Minhas explorações noturnas da semana anterior apenas provaram o que eu já suspeitava. San Aurelio estava longe de ser Los Angeles. Com apenas algumas poucas casas noturnas de segunda categoria, o clima geral era tedioso e sem graça. Enquanto a vida noturna de LA era um banquete para os sentidos, o movimento dessa pretensa cidade era como estar em uma dieta de fome.

    Kendra, por que você insiste em agir sem pensar?

    O ressentimento me queimou por dentro. Aquela mulher sempre me treinou para ser autoconfiante, pois sabíamos que algo poderia acontecer e ela poderia simplesmente não voltar para casa uma noite.

    Mas, ainda assim, ela sempre me fazia sentir como uma criança indefesa.

    Eu achei que seria bom ir fazer o reconhecimento do local. Como posso me defender ou saber quais são as minhas possibilidades, se não conheço o cenário?

    Diga que pelo menos você levou o seu punhal.

    Você acha que sou tão burra assim?, respondi, virando os olhos.

    Enquanto a maioria dos pais presenteava suas filhas com roupas ou outras coisinhas típicas de garotas em seu aniversário de 13 anos, minha mãe havia me dado um punhal de prata de 25 centímetros, para que eu pudesse me defender de demônios imortais.

    Com um olhar crítico, tirei o punhal e a bainha da cintura, onde sempre os levava, e coloquei-os sobre o criado-mudo. Um diamante prateado, encravado no cabo de ônix, brilhou à meia-luz. Feito sob encomenda para mim por um especialista, o punhal era como uma extensão do meu próprio corpo e eu não iria a lugar algum sem ele.

    Seus olhos apurados perceberam a contusão recente no meu braço.

    "Pelo menos você finalmente foi ao dojo. Quanto tempo levou?", perguntou.

    Sete minutos.

    Tempo demais.

    Ele tinha 1,93m de altura e pesava 113 quilos!, reagi.

    Ela continuou falando, como se eu não tivesse respondido.

    "Quanto tempo para o sensei?"

    Dez minutos.

    Precisa continuar treinando, disse, balançando a cabeça. Pesquisei sobre eles. São humanos. Sua voz adquiriu a frieza normalmente usada durante os treinos. E seus currículos não são tão impressionantes. Deveria tê-los derrubado em menos de cinco minutos

    Eu não acreditava naquilo. O dojo de caratê local era reconhecido nacionalmente. Eu havia vencido tanto o instrutor, quanto seu melhor aluno em menos de quinze minutos, e ela ainda não estava satisfeita com o resultado.

    Nada mal para uma garota de 16 anos com metade do tamanho deles, respondi em um tom deliberadamente arrogante.

    Ah, tem certeza? E eu imagino que 'nada mal' seja o suficiente para lutar contra um Aquidae?, retrucou, fazendo uma pausa, para, em seguida, continuar. Presumo que você tenha conseguido permissão para treinar lá

    Não me preocupei em responder.

    Quando você vai voltar?, ela insistiu.

    Forcei um olhar presunçoso e respondi: Na próxima semana. Os dois precisam de tempo para se recuperar fisicamente.

    "Vá treinando o sparring com eles até que consiga derrubá-los em menos de cinco minutos".

    E se eu conseguir?, questionei. Finalmente vai me deixar sair com você para as rondas?

    Não, respondeu sem rodeios. Não está pronta para isso.

    A raiva, ofensa e irritação que sentia transformaram-se em fúria.

    Não entendo. Você quer que eu seja independente e autossuficiente. Você me treina para lutar contra Aquidae, para depois me trancar em casa!

    Porque você se comporta irresponsavelmente! E se você esbarrasse em um deles na volta para casa hoje à noite?

    Eu teria chutado o traseiro dele da forma como você me ensinou.

    "Enquanto ainda leva dez minutos para derrubar um sensei humano?, argumentou, em tom de escárnio. Já lhe disse inúmeras vezes o quanto eles são rápidos e fortes. Você não pode imaginar..."

    Ah, claro. Não sei o quanto eles são realmente fortes, respondi, com desdém. Ela já havia repetido a mesma história milhares de vezes todos aqueles anos. E provavelmente nunca saberei, até que você me deixe de fato enfrentar um deles!, completei.

    Pulei da cama, nervosa.

    O que é isso?

    Droga, eu tinha me esquecido da tatuagem.

    Aborrecida com a nossa mudança de Los Angeles para uma pequena cidade ao norte da Califórnia, resolvi tatuar a imagem da crista de uma onda. O primo de um colega era tatuador e desenhou, em tinta preta, a figura delicadamente curvada no meu ombro direito. Olhando de frente para mim, era possível ver a ponta da imagem.

    Eu vinha cobrindo meu ombro justamente para evitar essa cena.

    É só uma tatuagem, respondi, sem dar muita importância, enquanto pendurava meu casaco no armário. Com certeza você já viu uma antes.

    Ela ficou encarando o meu ombro, como se estivesse vendo um alienígena.

    Quando você fez?, perguntou, com a voz cheia de raiva.

    Não sei. Algum dia da semana passada, antes de nos mudarmos, dei de ombros. Qual o problema? Somos ondinas. Não há nada demais em fazer uma tatuagem bacana com esse significado.

    Você acabou de fazer 16 anos! Não deveria estar fazendo tatuagens por aí.

    Não exagere. É apenas uma...

    Essas coisas são permanentes!

    Mas então você está dizendo que, em algum momento no futuro, eu não serei mais uma ondina, e que a tatuagem não terá mais significado?, disse eu, com sarcasmo. Era uma das minhas respostas espertinhas, do tipo que costumava me meter em brigas.

    Ela não respondeu de imediato. Voltou a me olhar de frente e só então disse: Falaremos sobre isso quando eu voltar para casa, de manhã.

    Você ainda não saiu para a ronda?

    Não. Tive de resolver outras coisas primeiro.

    Coisas como o cara com quem você estava conversando, pensei. Mas achei melhor não voltar a perguntar sobre ele.

    Vou com você, afirmei, enfiando meu punhal no lugar de sempre com um gesto natural.

    Não, você não vai. Fique aqui até eu voltar, ordenou, como se fosse um policial.

    Eu devia mesmo ter sido mais cuidadosa. Ter sido flagrada espiando pode ter destruído qualquer chance de acompanhá-la em sua ronda.

    Por quê?, questionei, com os braços cruzados e o mesmo ar desafiador que ela também tinha.

    Porque meu papel é protegê-la de Aquidae. Seu pai deu a vida...

    Não estou falando do papai agora, interrompi, subindo meu tom de voz. Estou falando de como você não me deixa ganhar experiência. Não é justo.

    Você não está pronta. Não, enquanto ainda estiver dando escapadas para ir a casas noturnas e fazendo tatuagens escondida.

    Um torvelinho de frustração e humilhação se desenrolou, e lutei para me controlar. Um silêncio tenso se abateu entre nós.

    Posso não ser a melhor mãe, Kendra, mas sou a única que você tem. O que significa que é minha responsabilidade garantir que você permaneça viva por mais um dia, afirmou, com uma expressão impassível no rosto.

    Eu não podia acreditar que ela tinha a coragem de lançar mão do argumento da maternidade.

    Tenho certeza de que consigo me manter viva mesmo sem a sua proteção.

    E, falando dessa maneira, você só mostra o quanto ainda é criança.

    Senti meu rosto corar, mas não recuei. Percebi algo em seus olhos, quase parecido com arrependimento. Mas, em um instante, já havia desaparecido. Sem dizer uma palavra, ela se virou e saiu, batendo a porta de casa um pouco mais forte do que o necessário.

    Foi a última vez que vi minha mãe com vida.

    UM

    Um ano depois.

    A batida grave e pesada da música ainda podia ser ouvida ao fundo. Eu havia rompido o meu aniversário de 17 anos dançando e flertando adoidado na boate Inico. A rua, cinza e encardida, estava completamente quieta, a não ser por uns poucos estudantes à caça de maconha.

    Sair à noite era a forma que eu havia encontrado para gastar minha incansável energia e evitar sonhar com o rosto dela.

    E com as últimas palavras que eu lhe dissera.

    Não que eu não tivesse com quem passar o meu aniversário. Bob e Jan, meus pais de acolhimento, eram boas pessoas, mas todos sabíamos a verdade. Eu estava com eles apenas até conseguir terminar a escola e poder me sustentar sozinha.

    Encolhendo os ombros devido ao ar frio da noite de primavera, enfiei as mãos na calça jeans e desejei ter lembrado de trazer um casaco.

    Meus dedos tocaram um papel dobrado, enfiado no meu bolso direito, e senti um aperto por dentro.

    Segurei a carta e tirei-a do bolso.

    Querida Kendra,

    Se você está lendo isto, é porque está fazendo dezessete anos e algo me aconteceu.

    As Ondinas passam a emitir sua energia mágica latente nesta idade, colocando-se em risco de serem encontradas por Aquidae. Você agora corre sérios riscos e eu não posso estar aí para ajudá-la ou protegê-la.

    Não é mais seguro que você permaneça Desgarrada, por isso planejei seu retorno para Haverleau. Irá receber toda a orientação e o cuidado necessários ao juntar-se novamente à comunidade ondina de lá. 

    Você precisa aprender a trabalhar por completo o poder da sua Virtude. Haverleau irá ajudá-la no treinamento da sua magia.

    Um gardinel deverá chegar em breve para levá-la até lá. Fique atenta.

    Só espero ter feito meu trabalho de forma a prepará-la para o seu futuro.

    - Naida

    Quando a carta chegou, esta manhã, foi como um fantasma do passado. Não havia no envelope nenhum endereço de remetente e, por um momento, achei que fosse alguém me pregando uma peça.

    Mas a escrita meticulosa e o tom preciso eram inconfundíveis. Assim como a falta inequívoca de palavras maternais.

    Tudo voltou de repente. A visita do policial de expressão séria logo cedo. A ida, em silêncio, ao necrotério. O corpo pálido e sem vida sobre o carrinho de aço. A horrível ferida azulada em seu pescoço quebrado.

    Atravessei a área comercial de San Aurelio, apenas as vitrines dos restaurantes e lojas me observavam como se fossem olhos vazios. Haverleau era a capital elemental da água e uma das doze comunidades ondinas existentes em regiões costeiras espalhadas pelo mundo. Afora isso, eu pouco conhecia sobre a vida elemental e ondina, e quase nada sobre a infância ou as famílias dos meus pais.

    Com um suspiro, passei a mão nos cabelos, cheia de frustração. Depois de tudo o que fez para nos manter Desgarradas após a morte do meu pai, agora ela queria que eu voltasse para a sociedade ondina.

    Eu não conseguia entender. Era um mundo do qual eu nada sabia.

    E a única pessoa capaz de me dar algumas respostas estava enterrada vários metros abaixo da terra no Cemitério de San Aurelio.

    Virei-me repentinamente ao ouvir passos. Três homens se aproximaram pela esquerda, eram os estudantes colegiais que eu havia visto do lado de fora da boate mais cedo.

    Estava tão absorta em meus pensamentos, que eles quase me pegaram de surpresa. Liberei minha Virtude para captar suas intenções.

    Nada.

    Fiquei parada. Minha magia funcionava apenas entre os seres humanos. Com seres elementais, como a minha mãe, eu sentia uma forte barreira.

    Isto, porém, era diferente. Eu não sentia nada. Não havia nada dentro deles, a não ser... um espaço vazio. Uma lacuna onde algo deveria ter existido, mas não existia.

    Eles permaneciam parados a uma pequena distância de mim, formando um triângulo e bloqueando minha frente e meu lado esquerdo. Espaço apertado e restrito, com pouca mobilidade e apenas um ponto de saída atrás de mim.

    Suspirei baixinho. Não estava nem um pouco disposta a lidar com garotos  bêbados no meu aniversário.

    Ora, ora. Veja só quem encontramos aqui, disse o alto e magro à minha frente com uma voz rouca que lembrava pedrinhas sendo esmagadas.

    Desculpa, pessoal. Minha noite acabou, respondi friamente.

    Os dois caras troncudos de trás vieram para a frente, impedindo minha passagem. Devagar, eles foram avançando e me levando para um beco à minha direita.

    Um deles, um loiro robusto, tinha um olhar impaciente. Girou a cabeça, estalando o pescoço grosso em sinal de antecipação. A luz do poste da rua permitiu que visse uma discreta descoloração, uma marca pálida, logo acima de sua carótida. 

    Uma cicatriz de Origem.

    Na forma de uma pequena letra x, a cicatriz marcava o buraco através do qual um ser vivo trocara sangue mortal pela essência preta demoníaca de um Aquidae.

    Tremi de susto. Um medo congelante tomou conta de mim e procurei o punhal que levava nas costas. Fui ingênua ao presumir que eles fossem humanos.

    Afastando-me para trás, sentia o coração pulsar contra as minhas costelas. Minha mão suada sentiu o toque frio e macio do cabo do punhal.

    Estávamos procurando por você, Kendra, murmurou Voz Rouca, e eu enrijeci.

    Como eles sabem o meu nome?

    Há dias tentávamos encontrá-la. Mas, agora, que você tem 17 anos..., disse ele, com ar irônico que me fez tremer de repulsa. "Sua energia mágica ficou fácil de ser identificada, mesmo do outro lado da cidade.

    Ele me olhou atentamente.

    A propósito, feliz aniversário, acrescentou. "Você tem um brilho intenso, sondaleur. Acho que nunca vi nada igual. Sua mãe não tinha metade da sua luz".

    Seus dois companheiros riram, como se fosse uma piada interna.

    Eu não sabia por que ele me chamava de sondaleur, e não me importei com isso. Mas o que eu sabia é que era ele o desgraçado que matara minha mãe. Cortara sua cabeça como se ela fosse uma galinha, deixando seu corpo abandonado no estacionamento vazio de um pequeno centro comercial na extremidade da cidade.

    Um sentimento de fúria alimentado pelo pesar explodiu nas minhas veias.

    Reagi, em posição de ataque. Ele desviou para a lateral e deu um tapa no meu braço, como se batesse em uma mosca.

    O impacto me derrubou. Levantei-me, tentando ignorar a dor no braço e nos joelhos, e me agachei, para então dar um salto e girar no ar, chutando na direção do rosto do meu alvo de ombros largos. 

    O cara, que usava os longos cabelos pretos presos em um rabo de cavalo, desviou de mim, com uma expressão de tédio. Com um simples movimento, ele me acertou um soco na bochecha, com tanta força, que me jogou de volta no chão.

    Eles eram rápidos e fortes, exatamente como minha mãe me alertara. Minhas habilidades físicas costumavam superar facilmente as dos humanos. Não estava acostumada a me sentir lenta e desajeitada.

    Senti a bochecha latejar, mas apertei os dentes, pressionei os dedos das mãos no asfalto e consegui me reerguer.

    Parei em pé com os braços soltos ao longo do corpo e estudei minhas possibilidades. Tinha de acertá-los com o punhal. A lâmina iria machucá-los. Embora isso não fosse contê-los por um longo período, deveria ser o suficiente para me dar tempo para conseguir reagir novamente.

    O loiro começou a me cercar, mas o Aquidae alto levantou a mão. Então, Loiro parou, confuso.

    Veja, Kendra, disse Voz Rouca, subitamente animado. Não vamos tornar as coisas mais difíceis. Você só precisa vir conosco de bom grado.

    O som do meu coração pulsando era como um rugido em meus ouvidos, e eu lutei para controlar meus músculos, que tremiam.

    Uma coisa era morrer lutando, como a minha mãe. Mas eles não queriam me matar, mas sim me levar com eles, o que só podia significar uma coisa.

    Queriam me transformar em Aquidae.

    Eu estava me cagando de medo e só consegui rir.

    Qual o problema?, insultei, tentando vangloriar-me. Não conseguem me matar sozinhos? Vão precisar de mais alguém para ajudar?

    Loiro e Rabo de Cavalo rosnaram e ficaram vermelhos.

    Não, reagiu prontamente Voz Rouca. Temos ordens.

    Ele me encarou com seus olhos sem vida, que mais pereciam buracos negros. Seu rosto era jovem, mas aqueles olhos pareciam velhos pontos de uma escuridão sem fim, que vagaram sobre mim, fazendo minha pele formigar.

    "Sabe o que eu acho, sondaleur?, perguntou suavemente. Acho que você é só uma ondina coitadinha tentando parecer mais do que na verdade é".

    Ondas de raiva se desenrolaram. Apertei os olhos e trouxe o punhal à minha frente com lentidão proposital.

    É mesmo?, vociferei. Então por que você não vem me pegar?

    Ele levantou uma sobrancelha e deu uma risada de satisfação.

    Uma sombra clara e rápida percorreu o beco por trás deles. Foi preciso apenas um milésimo de segundo para que o Aquidae percebesse e se virasse para tentar identificar a nova ameaça.

    O ondular de um casaco comprido e o brilho dourado de um kouperet piscaram de repente no beco escuro.

    É ele.

    Era o mesmo cara que eu havia visto com a minha mãe em sua última noite. Seu rosto estava no escuro, mas pude reconhecer o formato e os movimentos de seu corpo.

    Voz Rouca partiu para cima dele, saltando no ar com um rugido feroz.

    Mas o estranho foi mais rápido.

    Com um movimento rápido e elegante, virou-se

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