Entre Cores e Pedras Preciosas: A (In)visibilidade dos Calon em uma Escola de Camaçari-Bahia
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Entre Cores e Pedras Preciosas - Camila Gonçalves de Jesus Lopes
Entre cores e pedras preciosas
a (in)visibilidade dos Calon
em uma escola de Camaçari-Bahia
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 da autora
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis n.os 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Camila Gonçalves de Jesus Lopes
Entre cores e pedras preciosas
a (in)visibilidade dos Calon
em uma escola de Camaçari-Bahia
Aos estudantes ciganos Calon de Camaçari-Bahia.
AGRADECIMENTOS
Agradeço profundamente às pedras preciosas Âmbar, Ágata, Ametista, Esmeralda, Larimbar, Opala, Rubi, Safira e Turmalina — nomes fictícios —, estudantes Calon que concederam em entrevistas suas vivências e apresentaram a riqueza da cultura cigana fazendo este livro possível.
Às cores Amarelo, Azul, Bege, Cinza, Dourado, Laranja, Lilás, Marrom, Vermelho, Verde, Prateado, Rosa e Roxo — nomes fictícios —, educadores(as) que em entrevistas partilharam suas experiências educativas, experiências pessoais e narrativas que possibilitaram reflexões acerca da educação pública.
Ao professor Rodrigo Corrêa Teixeira, pela gentileza de dividir seus conhecimentos e escrever o prefácio desta obra.
Às professoras Rita de Cássia Brêda, Maria Helena Besnosik, Sandra Nívia Soares e Fabíola Vilas Boas, pela escuta acolhedora, partilha de reflexões mais críticas do contexto educacional, e exemplos de educadoras comprometidas em que me espelho.
À Manuela Germano, pela amizade, encorajamento e sabedoria que me motivaram na escrita deste livro.
A Deus, pela sua infinita bondade e misericórdia ao cuidar de mim e dos meus
para que pudessem, também, zelar por mim.
À minha família: por transmitir a segurança que só é possível com muito amor; minha mãe, Luiza Gonçalves; meu companheiro, Roberson Lopes; meus irmãos, Nino, Luciana e Sara; meus amores, Luan Felipe, Maria Luiza, Antonia e Zuri, por me cobrirem com tanto afeto que, independentemente das conquistas, sinto-me sempre vitoriosa.
Por fim, agradeço à Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, universidade pública que em mim desperta a responsabilidade social necessária a todos os cidadãos.
O diálogo gira tanto em torno da discussão quanto do acordo.
(MCLAREN, 1997)
PREFÁCIO
Prefácios manifestam estilos plurais e, frequentemente, assumem tons muito pessoais sobre obras de vieses muito distintos. Em trabalhos que resultam de pesquisas acadêmicas, tendem a assumir um certo padrão: os contextos, a obra propriamente dita e a autoria. No caso presente, mesmo que essas três partes sejam contempladas, vou me permitir inverter a sequência-padrão, tratando primeiramente da autora e dos contextos, deixando a reflexão em torno da obra para a parte final.
Camila Gonçalves de Jesus Lopes trouxe sua experiência intensa no magistério, construindo uma prática pedagógica que foi ao encontro do outro, no sentido mais humanista que essa expressão pode ter. Seu texto cria ambientes de diálogos interseccionais sensíveis, potencializando entrelaçamentos entre classe, gênero, geração, raça/etnia e orientação sexual. Da mesma forma que a história cigana é, antes de tudo, sobrevivência pela resiliência, Camila representa pelo seu trabalho a resistência mais do que possível, absolutamente, necessária da educação brasileira.
Entre cores e pedras preciosas: a (in)visibilidade dos Calon em uma escola de Camaçari-Bahia é uma versão aprimorada da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), sob orientação da Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Brêda Mascarenhas Lima.
Há um universo cultural riquíssimo envolvendo as heranças ibéricas na longuíssima interação entre os ciganos calon e a cultura brasileira. Particularmente na Bahia, provavelmente o estado com o maior número de ciganos no Brasil, essas comunidades se tornam boas para pensar
, tomando emprestado uma expressão lévi-straussiana, a conjuntura sócio-político-econômica nacional, inclusive no âmbito escolar.
As representações sociais perpassam a questão cigana densamente, que são sintetizadas pelas noções de estereótipos
, mitos
e/ou falsificações históricas
, ajudam a compreender a complexa história do racismo anti-cigano, em meio às incompreensões, aos desprezos, às ridicularizações e às rejeições. É surpreendente como muitas pessoas concebem os ciganos como invasores. Sempre tratados como estrangeiros, no sentido da alteridade política máxima, ainda que sejam, predominantemente, brasileiros. A chegada dos ciganos à América Portuguesa, portanto, ao território brasílico, remonta acerca de 450 anos. No entanto, as políticas públicas de Portugal seguidas pelas medidas tomadas pelo Brasil compreendem séculos de anti-ciganismo.
Nem todo nômade é cigano, nem todo cigano é nômade. A história humana, inclusive, contemporaneamente, registra inúmeros povos e grupos sociais com práticas nômades. Embora esse estereótipo se baseie no nomadismo, como uma parte histórica importante. Ao que tudo indica, não se trata de uma essência cultural, caso isso possa existir. Ou seja, não há entre os ciganos uma espécie de sede por viagens
como algo inerente no sangue cigano
. O gênero de vida nômade foi incorporado e adaptado impulsionado pelas perseguições sofridas no transcurso dos séculos. A história oral registra, constantemente, o desejo dessas comunidades permanecerem em certas localidades, mas, implacavelmente, são expulsas. A imagem da errância
é tão forte que, muitas vezes, usa-se o temo cigano como sinônimo de nômade. Do estereótipo em torno do nomadismo, desdobram-se as imagens de vagabundo
, desonesto
e até mesmo criminoso
.
Entre cores e pedras preciosas: a (in)visibilidade dos Calon em uma escola de Camaçari-Bahia parte de uma rigorosa e crítica análise do racismo estrutural contra os ciganos e os processos que perpassam sua inserção educacional. Tendo em vista esse diagnóstico sensível, reflete-se e propõe-se caminhos para práticas pedagógicas inclusivas e libertárias. Discute-se as possibilidades de diálogo entre os estudos sobre currículo escolar, a formação de professores e as identidades dos discentes. No cerne de suas preocupações está a compreensão das relações entre cultura, cidadania e, sobretudo, enfatiza as vivências político-pedagógicos da elaboração do currículo numa comunidade escolar.
Os ciganos calon vivem uma tensão permanente entre a necessária inclusão no mercado, essencial à sua autonomia e promoção socioeconômicos, e a preservação da identidade étnica, o que dificulta a determinação de eventuais políticas de inserção social. São uma cultura singular no mundo, diferente de qualquer outra, e, entretanto, dividem com aqueles que a sociedade majoritária um grande número de seus aspectos culturais.
Se concebemos todas as culturas como agentes de unidade e de diversidade, recriamos o sentido de humanidade. A educação inclusiva dos ciganos colabora para as epistemologias do Sul Global, a fim de impensar, repensar e recriar as possibilidades emancipatórias, promovendo a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima e, sobretudo, o reconhecimento enquanto cidadãos.
Rodrigo Corrêa Teixeira
Doutor em Geografia pelo Instituto de Geo-ciência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em História pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
APRESENTAÇÃO
Afirmar que a escola é um espaço diverso não se configura na garantia de que a diversidade será exercida, respeitada e valorizada nesse ambiente formal. A experiência, de mais de uma década, como professora da educação básica, em instituições públicas, mostrou-me o quão dicotômico podem ser as práticas pedagógicas de uma unidade escolar em que ações educativas tanto podem reforçar os sistemas de opressão como podem enfraquecê-los ou, até mesmo, desmontá-los.
A presença de estudantes ciganos na escola e o total desconhecimento acerca da cultura Calon foram a mola propulsora no desenvolvimento desta escrita, já que, anterior à investigação de pesquisa de mestrado, que deu origem a este livro, possuía apenas imagens estereotipadas, ancoradas no viés de estigmas pejorativos. Esses que só foram substituídos por novos conceitos, opiniões e representações dos povos ciganos devido ao meu olhar sensível de professora que não acredita na capacidade de exercitar o verdadeiro papel da educação sem atrelá-lo à transformação de si e dos outros sujeitos que nela estão envolvidos.
Entre cores e pedras preciosas modificou não somente a visão acerca dos ciganos, mas também a recepção diante deles. Assim, é um livro que retrata minha experiência de professora pesquisadora que tenta não apenas descobrir a diversidade cultural presente em sala de aula, mas também vivenciá-la. Acredito que, ao partilhar minhas reflexões, lanço um convite ao(a) leitor(a) a também analisar a (in)visibilidade da etnia Calon nas políticas públicas educacionais, no currículo e nas práticas pedagógicas de uma escola pública municipal em Camaçari, Bahia.
No convite para análise, estão contidos os tensionamentos: como fomentar a troca de saberes desenvolvidos na escola a partir de uma desconstrução dos estereótipos sobre os(as) ciganos(as), valorizando suas tradições orais para conferir cidadania e visibilidade identitária? Quais as concepções de educação e cultura(s) presentes na escola? Há na escola práticas pedagógicas que fazem menção à cultura Calon?
O propósito aqui não é responder aos questionamentos de modo a esgotá-los, mas contribuir para a ampliação do debate sobre a problemática da cultura cigana e a escola ofertada na atualidade para os estudantes Calon. Portanto, o(a) leitor(a) encontrará nestas páginas diálogos sobre as imagens ciganas, debate acerca das políticas públicas para povos ciganos e uma análise das práticas pedagógicas desenvolvidas para estudantes Calon. Dessa forma, receberá uma chamada para a (des)construção de conceitos e (re)invenção de olhares diante da diversidade cigana.
LISTA DE SIGLAS
BA – Bahia
Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNE – Conselho Nacional de Educação
CF – Constituição Federal
Consu – Conselho Universitário
GO – Goiás
GT – Grupo de Trabalho
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LO – Lei Orgânica de Camaçari
MP – Ministério Público
MEC – Ministério da Educação
PIB – Produto Interno Bruto
PME – Plano Municipal de Educação
PPP – Projeto Político-Pedagógico
ScIELO – Scientific Electronic Library Online
Secadi – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
Secomt – Secretaria de Políticas Públicas para Comunidades Tradicionais
Seduc – Secretaria Municipal de Educação de Camaçari
Seppir – Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial
UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana
Uneb – Universidade do Estado da Bahia
Sumário
INTRODUÇÃO
2
PERMANÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES DE IMAGENS CIGANAS: UM OLHAR SOBRE A COMUNIDADE CIGANA EM CAMAÇARI (BA)
2.1 DIÁLOGOS E REPRESENTAÇÕES SOBRE A CULTURA CIGANA
2.2 DEFINIÇÕES DE CIGANO
2.3 DIVERSIDADE CIGANA E TRADIÇÃO ORAL
2.4 IDENTIDADE CALON DE CAMAÇARI (BA)
3
AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO PARA O POVO CIGANO EM CAMAÇARI
3.1 O EXERCÍCIO DA IGUALDADE ATRAVÉS DA AFIRMAÇÃO DA DIFERENÇA
3.2 DIÁLOGO ENTRE AS POLÍTICAS LOCAIS E AS NACIONAIS: O (NÃO) LUGAR DOS POVOS CIGANOS NOS DOCUMENTOS LEGAIS
4
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E COTIDIANO ESCOLAR: A (IN)VISIBILIDADE DOS CIGANOS CALON EM UMA ESCOLA PÚBLICA EM CAMAÇARI (BA)
4.1 CONCEPÇÕES QUE ORIENTAM A PRÁTICA PEDAGÓGICA
4.2 CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE CALON: OS DESAFIOS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A carência de conhecimento sobre a cultura cigana, que prejudica seu reconhecimento e sua