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Florzinha
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E-book119 páginas1 hora

Florzinha

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Sobre este e-book

História de uma menina cega, obstinada a conquistar seu espaço neste nosso mundo de videntes, ao enfrentar uma família poderosa e seus segredos sórdidos. A narrativa foi apoiada em diretivas de uma deficiente visual total e o texto orientado para audio digital (NVDA).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de set. de 2023
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    Florzinha - Ribeiro J M

    Uma imagem contendo Texto Descrição gerada automaticamente

    FLORZINHA

    PREFÁCIO

    Problema é problema; verdade é verdade. Demorei um pouco para decifrar o significado dessa frase, que um amigo me disse numa mesa de bar. Pareciam palavras desconexas, sem um sentido aparente, mas logo ele explicou: problema é algo que você pode resolver ou, pelo menos, tentar. Já, verdade, é um fato consolidado, existente, imutável em sua maioria. Portanto, não se preocupe com o que você não pode mudar! Você será bem mais feliz.

    Essa foi a lógica que marcou a vida de Maria das Flores, a criança mais bonita da cidade de Jubataí, quando perdeu a visão, pouco antes de seus oito anos de idade. Uma condição sem volta, segundo os médicos. Foi um choque para todos ao seu redor; como explicar para aquela alminha que as cores tinham desaparecido e que a luz havia se apagado para sempre. Nós, videntes, jamais poderemos conjecturar, nem de longe, o que se passava na cabeça da pequena Maria das Flores naquele momento. Medos infantis, angústia, solidão, enfim, sentimentos ruins de desamparo, tudo conduzia para um desfecho infeliz, uma vida ausente e triste. Mas, não foi o que aconteceu. Esta é a estória que iremos contar. O que levou aquela menina cega tornar-se uma referência na alegria de viver, uma moça linda que encantava a todos, até mesmo quando distanciava seus olhos verdes para horizontes distantes. O que a fez superar todas as barreiras de sua deficiência e se tornar uma garota vencedora, admirada, mesmo sem a importante ajuda do seu olhar?

    A MENINA FLORZINHA

    Esse era o nome pelo qual a chamavam na escola primária onde cursava as primeiras letras, no início dos anos noventa. Foi na própria escola que notaram a perda gradual da visão, ao constatar sua dificuldade em acompanhar as aulas. A família foi avisada e não demorou para Florzinha deixar a escola, para o pesar das professoras e coleguinhas. Depois, foram quase dois anos de muitas consultas e exames até o parecer médico final: a cura era improvável.

    Florzinha era filha única e seu isolamento no início da doença só não foi maior pela presença de Bia, sua vizinha e melhor amiga, quase de mesma idade, que a mantinha conectada com o mundo lá fora e com o dia a dia da escola, contando, pacientemente, as novidades das aulas. Bia também era responsável por descrever com detalhes tudo que via, como querendo dividir seus olhos com Florzinha, compartilhando as brincadeiras, roupas da moda, amizades e outras novidades. Bia seria, sem dúvida, uma excelente blogueira no futuro.

    Foi Bia quem primeiro notou em Florzinha a ampliação dos sentidos e sua sensibilidade crescente ao som, olfato e paladar, como se fosse uma maneira compensatória de suprir a falta da visão. Também notou o desenvolvimento de sua memória; em pouco tempo, nada lhe escapava, bastava ouvir, cheirar, degustar, enfim, acionar qualquer de seus sentidos para marcar sua lembrança por definitivo. Seu cérebro se comportava como uma grande esponja, absorvendo com facilidade todas as informações a seu alcance, parecia que o espaço deixado pela ausência da luz o tinha tornado um buraco negro estelar, capturando tudo a seu redor. Florzinha também desenvolveu sua sensibilidade táctil a tal ponto, que conseguia ler pequenas anotações de Bia quando ela pressionava com mais força sua caneta esferográfica e grafava grandes letras de imprensa. Eram os bilhetinhos secretos entre as duas. Na verdade, Florzinha havia sido alfabetizada ainda vidente e conseguia escrever com agilidade, só lhe faltando o controle espacial das linhas da escrita, o que foi providenciado pela criatividade de seu pai, ao desenvolver uma régua móvel especialmente adaptada para esse fim, para ser utilizada como apoio junto às margens do caderno. Com esse instrumento, formava pequenas frases, que logo evoluíram para textos e páginas completas, incluindo até espaços com desenho de figuras, as quais a encantavam particularmente. Foi quando ensaiou sua primeira performance na tentativa de desenhar uma mensagem de carinho à amiga Bia:

    Texto, Carta Descrição gerada automaticamente

    Como interpretar essa imagem só ela saberia. Entretanto, foi a partir desse primeiro desenho, que veio sua habilidade em representar o que sentia utilizando seu tato e sua imaginação, através de trêmulos e inseguros traços, somente visíveis aos outros quando destacados por pó de grafite. Era um bom começo, diante de todos seus desafios.

    Florzinha era também uma menina muito ativa, e quem a observasse transitando pela casa não diria estar sendo guiada apenas pela memória espacial, tal a agilidade de deslocamento. Tudo parecia estar às suas mãos, num abrir e fechar de gavetas, as mais diversas. Da mesma forma, identificava com razoável precisão as horas pelos ruídos típicos das atividades domésticas e, como se auto desafiando, conferindo com seus dedos a posição dos ponteiros de um velho relógio de cabeceira, na tentativa de aprimorar sua margem de acerto.

    Outra característica de Florzinha era sua sensibilidade à energia das pessoas ao seu redor, a ponto de perceber o estado emocional assim que delas se aproximava.

    — Porque está tão alegre hoje, Bia? Perguntava Florzinha, quando sentia a presença da amiga.

    — Adivinhona, respondia Bia! Juninho me convidou para irmos ao cinema, completava.

    Florzinha também exercitava o olfato e o paladar ao acompanhar sua mãe, dona Lindalva, na cozinha. Rapidamente se interessou pelos cheiros e sabores os quais identificava de forma surpreendente durante a preparação dos alimentos. Daí para as primeiras receitas foi um rápido passo. Com auxílio da mãe, organizou os temperos, o armário de mantimentos e a disposição na geladeira dos perecíveis, além, naturalmente, do arsenal de panelas, pratos e talheres. Tudo bem decoradinho em sua cabeça. Era seu passatempo fazer bolos e doces, que distribuía quase sempre na escola. Sua receita preferida era a cocadinha de flores, pela qual se tornou conhecida no bairro. Sentia um orgulho especial quando, aos domingos, apresentava sorridente à mesa seus pratos especiais. Exceto por algumas queimaduras leves logo ao início do aprendizado, controlava com habilidade a cocção dos alimentos e o manuseio dos assados no forno. Tudo, naturalmente, sob a supervisão à distância de sua mãe.

    PIPO

    Embora com tais afazeres, Florzinha sentia falta da vida fora de casa. O pior momento era quando sua amiga Bia passava a caminho da escola, deixando-a desolada e sozinha; a ausência de amigos e brincadeiras a deixava irritada, insuportável, até mesmo diante de sua mãe ou do professor de Braille. Florzinha gostava de sua solitude, vagando em sonhos e desejos, mas detestava a solidão. Foi para esses momentos que pensou na companhia de um cãozinho.

    — Mãe, gostaria de ter um cachorrinho. Você deixa?

    — Você sabe que seu pai não gosta muito de cachorros. Terei que falar com ele, respondeu dona Lindalva. E você já sabe qual cachorro quer?

    — Não, mãe. Não sou eu que vou escolher o cachorro. Será ele que me escolherá. Bia me disse que tem uma dona aqui no bairro que cuida de cachorros abandonados. Ela falou que lá tem cachorros de todas as idades e raças. Um deles me escolherá.

    — E como irá saber que um deles te escolheu, minha filha?

    — Sabendo, mãe. Não sei dizer como.

    — Sim, claro, concordou dona Lindalva, sem bem entender. Vamos ver o que diz seu pai.

    No dia seguinte Florzinha ouviu as boas novas. Havia recebido o consentimento para ter um cãozinho, sob certas condições é claro, entre elas, que ele morasse em uma casinha no quintal.

    Ao saber da aprovação de seu pai, chamou imediatamente sua amiga Bia e seguiram em direção à casa de dona Stela, a senhora que cuidava de cães abandonados. Pelo som dos latidos deveriam ser muitos, intuiu Florzinha, logo ao se aproximar do endereço, e de todos os tamanhos, concluiu pelo tom dos latidos, alguns graves, poderosos e outros nem tanto. Logo que se anunciaram, apareceu a cuidadora dos cães. Ao saber daquelas jovenzinhas a intenção de acolher um deles ficou preocupada, mais ainda ao notar o olhar perdido de Florzinha.

    — Meninas, não seria melhor a mãe de vocês ajudar a escolher o cachorrinho? Se ela não gostar do que escolherem agora, o cãozinho ficará muito triste se for trazido de volta.

    — Não se preocupe, disse Florzinha. Já falei com minha mãe e meu pai, eles estão sabendo. Confiam em mim, pode ficar tranquila, eu vou saber muito bem cuidar do meu cãozinho.

    — Está bem, meninas, mas, mesmo

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