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Arcanos Maiores: Contos de Undique
Arcanos Maiores: Contos de Undique
Arcanos Maiores: Contos de Undique
E-book410 páginas6 horas

Arcanos Maiores: Contos de Undique

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Sobre este e-book

Bem-vindo a Undique! Você está prestes a embarcar em uma viagem panorâmica e inaugural pelo mundo de Undique. Mas o que raios vem a ser Undique? Esse é um mundo de alta fantasia, cheio de masmorras e dragões, de canções e silêncios, de linhagens e tomos, de punhos e espadas, de defensores da fé, de mestres selvagens, divindades e semideuses, de piratas, de magia... Mas sobretudo de aventura. Essa antologia se chama "Arcanos Maiores" porque cada conto é baseado e intitulado graças a uma carta de tarot do mesmo nome. No tarot a ordem dos Arcanos Maiores conta uma jornada, mas mais que isso: são personificações dos pilares de uma história, por consequência são personificações dos pilares de um mundo. Mas nós não seguiremos a ordem tradicional do tarot. Nós as veremos em outra ordem, pois você tem outra jornada, outro destino, e essa é a construção de um outro mundo.
IdiomaPortuguês
EditoraBookba
Data de lançamento6 de nov. de 2023
ISBN9786585384568
Arcanos Maiores: Contos de Undique

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    Pré-visualização do livro

    Arcanos Maiores - Arthur Arock

    Introdução

    Admito que cogitei fazer essa introdução na voz de algum personagem. Pensei em Capitão James the Insane Arock, o Bardo Mirmidão ou Reg, o Distraído, que são os que normalmente fazem esse trabalho para mim. Mas creio que, se você for ler realmente essa antologia, vai passar tanto tempo com esses três e tantos outros, que é melhor eu mesmo fazer esses comentários.

    Quem sou eu?

    Bem, eu sou o autor… Nesta obra acho que você vai acabar pensando mais em mim como o narrador. Admito que gosto bastante desse título, mas acho que aqueles entre vocês que têm experiência com RPG vão pensar em mim como Mestre da Campanha. Ou, se você é um membro da minha geração, talvez pense em mim como um Mestre dos Magos nessas cavernas cheias de dragões.

    De qualquer jeito, deve ter um resumo maior sobre mim em algum lugar neste livro, possivelmente na orelha. Mas eu não me importo tanto: você não lê um livro para saber do autor e não joga uma campanha para conhecer a biografia do narrador.

    Então vamos ao que interessa.

    Ao entrar nessa antologia, você está prestes a embarcar em uma viagem panorâmica e inaugural (pelo menos no universo literário) sobre o mundo de Undique. E o que raios é Undique? Esse é um mundo de alta fantasia, permeado por ideias e conceitos típicos de cenários de RPG. Admito que Undique tente a dar uma visão mais… Por falta de palavra melhor… Cômica desses elementos. Mas eles certamente estão lá. É um mundo de masmorras e dragões, de canções e silêncios, de linhagens e tomos, de punhos e espadas, de defensores da fé, de mestres selvagens, divindades e semideuses, de piratas, de magia… Mas, sobretudo, de aventura. Então este primeiro volume desta antologia é um convite a vir nessa aventura e descobrir por si só esse mundo.

    Falando em descobrir coisas, vamos comentar sobre tarô. Aqueles com mais experiência no assunto vão perceber que cada conto tem um título que representa um dos Arcanos Maiores do tarô. Eu poderia dizer que escolhi usar Arcanos Maiores como tema por algum motivo alegórico e profundo, mas estaria mentindo. Eu os escolhi porque me pareceu uma boa meta e desafio: vinte e dois contos que vinham com os títulos já definidos e eu precisava descobrir qual aspecto de Undique se encaixava neles.

    Ok, vou ser sincero: é um pouco mais que isso.

    Os Arcanos Maiores são símbolos dos pilares de um mundo. Por isso eu os escolhi, para dividir com o leitor, tanto do livro quanto das cartas de tarô, os pilares e os símbolos do mundo de Undique. Por isso, cada conto traz em si uma faceta da essência do Arcano Maior que lhe nomeia (ou pelo menos a minha visão dessa essência).

    Para os jogadores de RPG, tem outra simbologia bem legal: os Arcanos Maiores contam uma história, sobre uma jornada… A arquetípica jornada do herói… O personagem principal (ou talvez devesse dizer personagem jogador, que no caso é você, leitor) faz sua jornada através de cada carta e, ao longo do caminho, ele conhece novos professores e aprende novas lições de vida… Pense nessa jornada de uma campanha de RPG, se você preferir. No tarô essa jornada tem uma ordem. Aqui nós vamos subverter isso um pouco.

    Você também vai notar (ou não, mas, nesse caso, estou avisando aqui) que os contos não se encontram em ordem cronológica. E não só os sete desse volume, mas todos os vinte e dois dos Arcanos Maiores. Cabe a você (caso seja o tipo de pessoa que se interessa por isso) decidir qual é a linha temporal deles. Eu diria que sei… Mas estaria mentindo. A verdade é que tenho uma vaga noção (e poderia usar sua ajuda no assunto).

    Mas, como diz um dos meus personagens, eu divago.

    Vamos ao que interessa: vire as próximas páginas e seja bem-vindo a Undique.

    Dedicatória

    Eu peço permissão para fazer algo fora do comum nos agradecimentos. Quero contar a história por trás da história: como surgiu o mundo de Undique e, no caminho, ir agradecendo as pessoas que o ajudaram a criar (cada um é um universo que contribuiu com um pouco de seu mundo para que surgisse o meu). Já vou avisando: ESTE AGRADECIMENTO NÃO VALE A PENA SER LIDO SE VOCÊ NÃO ESTIVER NELE, POIS VAI SER SÓ UM TEXTO LONGO CHATO E CHEIO DE NOMES QUE NÃO FAZ SENTIDO NENHUM (o que é uma frase que pode definir grande parte de meus escritos).

    Undique foi baseada em três pilares: Capitão James Arock, Bardo Mirmidão e a Rede de Proteção Global.

    A ideia de James Arock, o capitão pirata e tudo mais, vem comigo desde sempre. Mas o nome Arock surgiu por influência do Calango, meu primeiro mestre de RPG a quem eu nunca consegui agradecer o suficiente pelas aventuras dentro e fora do RPG. Na época em que comecei a jogar com a XG, há cerca de uns 13 anos, acabei adotando o nome Arock para mim e, desde então, penso mais em mim como Arock do que como Arthur. Mas Capitão James the Insane Arock, com esse nome e toda a ideia das mortes e ressurreições, nasceu em uma campanha ministrada pelo Ganso e rapidamente cresceu para ser reconhecido por todos meus amigos como meu personagem assinatura.

    Foi também em uma campanha do Ganso que nasceu o segundo pilar desse mundo. Em uma aventura que durou apenas uma sessão, fiz um personagem chamado Sir William Pennyworth, que trabalhava para uma agência secreta que eu nomeie (para fazer o trocadilho com RPG/role-playing game) de Rede de Proteção Global. A RPG voltou em outras campanhas em que o Ganso aumentou a lore da organização com a ideia de ela ser a versão atual de algo que vem de tempos imemoriáveis e, na época, era conhecido como Torre Branca. A ideia foi crescendo cada vez mais em mim, até o ponto que eu a entreguei à um NPC que criei há uns bons 15 anos atrás, na época de Tormenta e, desde então, uso, com diferentes nomes, para tudo (mesmo porque super me identifico com ele): Reg, o Distraído, que acabou por receber o nome mais formal de Professor Doutor Regius Chronotis. Para integrar as linhas da RPG sob o comando de Reg, eu trouxe alguns dos meus personagens antigos e queridos.

    O terceiro pilar é mais fora do comum: o Bardo Mirmidão foi uma criação minha e do Sketch para o nome de um grupo de teatro (que contou, em diferentes momentos, comigo, Sketch, Ganso, Nery, Átila, Aline e Jessiquinha). Mas eu, que não sei deixar nada quieto, transformei-o em um personagem. E o Sketch, que se deixa arrastar para meus planos furados, desenhou as tirinhas que eu escrevi. Durante o pouco mais de um ano que durou As Aventuras do Bardo Mirmidão, nasceu grande parte do que seria o mundo de Undique; tanto com personagens originais, quanto com personagens nossos de RPG.

    Undique se tornou uma ideia que ia ganhando forma por algum tempo, mas só nasceu para fora do papel quando Ganso, Filipe e João toparam jogar uma campanha ministrada por mim nesse mundo. E depois o João (de novo), Chico e Átila também jogaram uma one-shot no meu mundo. Houve ainda uma terceira aventura (e segunda on-shot)com Filipe (de novo), Ganso (de novo), João (pela terceira vez), Átila (segunda vez também), Nativo e Leono.

    Para a antologia especificamente, tenho que agradecer ao Ganso, que indiretamente deu a ideia, e Clarissa, que me incentivou enquanto eu escrevia.

    Só preciso agradecer a mais algumas pessoas de quem roubei… quero dizer, peguei emprestado os personagens: a XG da vida real (que obviamente inspirou a XG fictícia) e toda a influência que jogar com vocês gerou em mim; Breno; Leo; Bodão; Diegraura; Pedro; Carol; Douglas; Pequeno e todo mundo com quem eu já tive o prazer de sentar em uma mesa de RPG, que não vou tentar nomear, porque fatalmente vou esquecer alguém, mas que certamente inspiraram (direta ou indiretamente) cada conceito desse mundo e tantos dos outros meus amigos que inspiraram personagens originais (mesmo sem saber).

    Não me resta nada a dizer além de obrigado: o mundo é uma grande aventura e é apenas tão boa quanto o grupo que te acompanha. E vocês tem feito minha aventura nesse (e tantos outros mundo) valer a pena!

    Prefácio

    Qualquer pessoa normal sabe que não deveria entrar naquela estranha porta que surgiu onde até ontem havia um beco.

    Exatamente por isso, você se pega perguntando o porquê não consegue resistir à tentação.

    Esse é um fenômeno que, sob alguma variação, acontece em todo lugar do multiverso. Afinal, o multiverso é uma grande história feita de um coletivo de histórias. Nas histórias, existem sempre algumas constantes: talvez a mais famosa seja a Morte (que não precisa de outro nome ou apresentação); outra sou eu, o Narrador, o Guardião das Histórias.

    Mas ao entrar nessa loja… Não importa se é uma loja propriamente dita, ou só um vendedor em uma montaria, carroça ou barco, ou quem sabe uma banca de feira, ou talvez apenas itens sobre o tapete no bazar, ou uma tenda escondida em um beco da cidade… Mas ao entrar aqui você está entrando nos domínios de outra constante: Sorte, Acaso…

    …Destino.

    O sino toca quando você cruza a porta.

    Você se vê em um lugar pouco iluminado e com tanto incenso que mais parece uma névoa. E, bem no meio, uma mesa redonda com um pano chamativo; sobre ele, um monte de badulaques ao redor de uma bola de cristal.

    É, na melhor das hipóteses, questionável; na pior, aterrador. Mas você não pode negar que tem algo de mágico.

    Mesmo com a pouca iluminação, você consegue ler a elaborada caligrafia, que diz Xablau, Seu Guia Espiritual.

    — Sim, sim eu sei. — você é surpreendido pela melodiosa voz, quase canastrona, da figura que entra na sala após passar por uma cortina de conta que serve de porta para outro cômodo. A iluminação estranha e a névoa de incenso não permite que você dê uma boa olhada nele, mas pode perceber que a figura usa um manto quase monástico. Porém as magas foram cortadas e ele usa o manto aberto, deixando à mostra seu peito e braços cobertos de tatuagens. Entretanto o capuz está levantado, por isso você não vê nada do rosto além da barba pintada de azul celeste. — Parece o tipo de loja onde o Rei Arthur teria comprado sua espada mágica. O que é um erro crasso, na verdade: todo mundo sabe que ele conseguiu a espada com a Dama do Lago. Mas o que você precisa se perguntar é… Onde é que ela conseguiu a espada?

    Ele faz um sinal para que você se sente.

    Com a habilidade de um golpista profissional, ele embaralha o tarô na sua frente.

    — É claro que nós dois sabemos que você está aqui para saber do seu destino. — comenta ele, como se lesse seus pensamentos novamente. — Mesmo porque, por qual outro motivo você estaria aqui?

    Enquanto ele fala, Xablau te pede para embaralhar e cortar as cartas. Depois ele espalha pela mesa vinte e duas cartas, com a face virada para baixo, em um padrão complexo.

    — Escolha uma, qualquer uma. Depois outra e assim por diante.

    Carta a carta, você vai as virando. No final ele analisa os desenhos virados que você revela.

    — Isso é levemente impressionante. —Xablau comenta, avaliando as cartas. — Todos os Arcanos Maiores. Cartas muito poderosas, muito importantes. Eles contam uma história, a história do Louco. — ele aponta a carta com o número 00. — A famosa jornada do herói. O Louco, ou o Tolo, como, às vezes, ele é chamado, passa por cada um dos vinte pilares dessa jornada, até chegar à carta vinte um: o Mundo. Mas, é claro, os Arcanos Maiores são mais que só pontos em uma jornada, eles são personificações dos pilares de uma história, por consequência são personificações dos pilares de um mundo. É por isso que o Louco passa por cada um deles para construir o Mundo. Mas essa ordem, esses números, são a jornada do Louco. Como a própria ordem que você abriu as cartas prova, você tem outra jornada… Outro destino. Essa é a construção de um outro mundo.

    Ele para e reflete por um segundo, depois junta os vinte e dois arcanos maiores.

    — Eu quero te oferecer essas cartas.

    Mas quando você estende a mão para elas, ele as puxa para perto de si.

    — Porém eu preciso que você entenda algo antes de aceitá-las: se pegar essas cartas, você estará aceitando o destino. Estará dando o primeiro passo em uma jornada. Não precisa ser a jornada de zero a vinte um, nem mesmo o destino que você viu nessa mesa hoje, mas certamente estará dando o primeiro passo em uma jornada. E nem sempre o Destino nos leva ao Mundo. Muitas jornadas acabam no Enforcado, na Morte ou no Diabo… Porém só há um jeito de saber, não é? Muitos diriam que o mais certo é não se arriscar tanto, não percorrer essa jornada. Eles dizem que, para se dispor a isso, a pessoa precisa ser um Tolo… Ou um Louco. E quem vai dizer que eles estão errados, não é?

    Xablau, Seu Guia Espiritual, põe as cartas no meio da mesa…

    Aqui o Destino se divide como um rio que segue por dois caminhos diferentes.

    Na primeira hipótese você não toca nas cartas, sai daquele lugar estranho, deixando isso só como uma experiência maluca a qual você conseguiu evitar as piores consequências. E a história acaba aqui. Aqui você fecha o livro.

    Na outra possibilidade você estende a mão e pega as cartas. Se dispõe a percorrer os Arcanos Maiores e explorar os pilares desse mundo. Se mostra um Tolo, um Louco, e dá o primeiro passo nessa jornada…

    Nesse caso, você vira a página em direção… Em destino… A esse novo mundo de aventura

    ***

    E é aqui que eu tenho que intervir!

    É bem típico de pessoas como Xablau, James e outros da RPG deixarem um item tão imensamente poderoso como os Arcanos Maiores nas mãos de alguém que não sabe como lidar com ele. Alguém que nem sequer entende o que tem em mãos.

    Os Arcanos Maiores refletem, constituem e são constituídos pelos pilares de um mundo. Em sua completude eles não apenas simbolizam um mundo, mas podem moldá-lo à sua imagem e semelhança. Então se alguém, porventura, controlar os Arcanos Maiores…

    E quem sou eu?

    Por favor, permita-me que eu me introduza. Eu sou… Sim, alguns diriam… Eu sou um homem de riquezas e de bom gosto. E eu tenho estado por aí, por um longo, longo tempo. É um prazer conhecê-lo. Eu espero que você adivinhe meu nome. Não? Pois bem, eu me chamo Victor Kaeas… Não que eu acredite que você vá conseguir se lembrar… Mesmo que devesse. Mas…  Acredito… O que está intrigando você é a natureza do meu jogo.

    Porém isso é um mero detalhe.

    O que você precisa é aproveitar sua jornada, ler carta por carta e as histórias que lhes correspondem e formam. Eu, por minha vez, vou só acompanhá-lo, mas não se preocupe: você jamais perceberá minha presença, me farei completamente incógnito, será como se eu nem estivesse lá… Tirando, talvez, que eu precise pegar um item ou outro para… Para um uso futuro…

    Não se preocupe com isso.

    Como eu disse isso antes… Assim como minha presença… Será um mero detalhe. Um que, acredito, você nem vai notar.

    Eu estarei bem aqui: no verso de cada carta. Pois bem, tudo certo? Então é a hora de você começar sua jornada e eu começar meu… Projeto…

    Vamos:

    Saque a primeira carta…

    Mas espere!

    Não vamos deixar ser qualquer uma, não é?

    Por mais que eu não goste disso, há um jeito certo de fazer essas coisas.

    Nós vamos começar por ela, é claro, afinal esse é o mundo dela. Vamos fugir de sua Torre (uma carta que simboliza mudanças), surpassar a eterna vigília de seus corpos celestes (O Sol, A Estrela e A Lua), e, conduzindo sua própria Carruagem (a carta que coloca as coisas em movimento), finalmente vamos chegar àquele que inicia as jornadas: O Louco.

    Esse será nosso caminho de hoje.

    Mas vamos começar do começo, ou melhor, do que vem antes do começo: Se vamos tentar mudar o mundo, acho que fatalmente temos que dar a partida por ele… …Ou, nesse caso… …Por ela..

    A ROda da

    FORTUNA

    A classe estava em polvorosa quando Reg, o Distraído, entrou. Havia uma cacofonia de vozes conversando e discutindo nos mais diferentes idiomas. Mas ele estava acostumado: primeiro dia de aula era sempre assim.

    — Muito bem, caríssimos. — falou ele em comum, a língua do reino humano onde eles estavam, chamando a atenção dos alunos quando eles já estavam mais ou menos acomodados. — Creio que essa é a primeira aula para a maioria de vocês, então é meu dever e prazer dar as boas-vindas à Universidade Gnoma. Essa é a classe de História Geral, eu sou o Professor Doutor Regius Chronotis, mas certamente a maioria de vocês deve me conhecer como Reg, o Distraído. Hoje, para nossa aula inicial, temos uma convidada muito especial. Ela veio nos dar uma visão panorâmica da linha temporal e histórica de Undique.

    — Eu achei que esse era seu trabalho, professor. — Belli, um kobold vermelho que estava focando seus estudos em estratégia militar, gritou a piada. Logo Reg perceberia que aquele aluno tinha a tendência de sempre pôr a proverbial lenha na fogueira.

    — Ah, vocês vão ter que me aguentar o ano todo. — o velho halfling respondeu, bem-humorado. — Daqui a um tempo, vocês vão estar cansados da minha cara e da minha voz. Então aproveitem essa chance.

    — E quem é essa convidada? — todo semestre essa pergunta era feita com aquele tom por uma variação da mesma figura. Um elfo ou alguém que estava estudando para ser mago. Esse semestre era Galiel da Casa de Arché, um elfo que estava estudando para ser mago. Reg respirou fundo. Esse era um dos que dava problemas.

    — Ela é uma das guardiãs do saber desse mundo.

    — Essa não é exatamente uma resposta, professor. — Embassy, a hobgoblin que pretendia ser uma diplomata, ressaltou.

    — Na verdade, é sim.

    — Bem, mas não é uma boa resposta.

    — Por que não?

    — É excessivamente enigmática.

    — A senhorita deveria se acostumar com esse tipo de resposta, se quiser se envolver com a política. — a classe riu e Reg estendeu a mão pedindo silêncio. — Eu recomendo que vocês ouçam, pois essa é a base de tudo que vão aprender nessa aula. O resto do tempo que tivermos, que gastarão comigo, será apenas expandido sobre os detalhes do que ela nos contar hoje. Eu peço que não a interrompam durante sua explicação. Ao contrário de mim, ela não está acostumada a interrupções. Qualquer dúvida, por favor, anotem, que eu ficarei feliz em elucidá-la individualmente logo após, em meu escritório, ou, se preferirem, na próxima aula junto à turma toda.

    Então ela tomou o centro da sala e sorriu. Mais tarde, se você perguntasse para os alunos, nenhum deles saberia realmente descrevê-la: os faeri diriam como cada traço dela lembrava um elemento da natureza; os anões comentariam como ela lhes transmitia firmeza e confiança; os halflings diriam apenas que ela passava uma sensação agradável, parecia uma pessoa carinhosa, alguém com que eles gostariam de dividir uma boa refeição e uma preguiçosa tarde de primavera nas Colinas; e os mirmidões diriam apenas que havia algo mágico nela.

    Então, sem nenhum aviso extra, ela começou a narrar e todos ficaram em silêncio para ouvi-la.

    Tenho que admitir que só concordei em vir dar essa palestra porque é para o professor de vocês. Eu e ele somos amigos há muito tempo. Muito tempo mesmo. Eu diria que para mim é desde o começo, ou talvez até antes do começo propriamente dito. Mas aposto que para ele já havia algum tempo. Acho que tempo é a questão principal quando o assunto é ele. Porém, como ele diz, eu estou divagando. Me perdoem essa distração, mas vocês logo vão estar acostumados com distrações levando em conta quem é seu professor.

    Com a sua permissão, eu vou resumir muito superficialmente eons de existência, mesmo porque imagino que vocês não tenham eons para ficar me ouvindo.

    Antes mesmo de tudo, as Constantes do Multiverso estavam aqui, como estavam em todos os lugares: seres, se é que se pode chamá-los de seres, como o Tempo, o Destino, a Morte, o Narrador, o  Senhor das Terras Oníricas… Mas estamos falando de antes do antes.

    Falemos de Undique propriamente dita.

    No começo havia o mundo de Undique e a deusa de mesmo nome.

    Logo no começo, o Tempo tomou um interesse especial por Undique. Essa, eu admito, é uma das poucas coisas que eu realmente não sei porque. E quem sabe por que as Constantes fazem o que fazem? Talvez seu professor tire uma aula para falar sobre isso.

    Logo os outros seres, vindo dos mais distintos cantos do multiverso, descobriram esse novo mundo. Os primeiros a chegar foram às outras divindades: eles precisavam de um campo neutro para resolver suas questões. Mesmo assim, esses deuses, de alguma forma, moldaram esse mundo. Foram quatro os que primeiro chegaram basicamente ao mesmo tempo: o Viajante veio em suas eternas viagens, sendo seguido de perto de seu eterno antagonista, o Juiz que tenta trazer ordem para onde quer que o Viajante leve seu caos. Ao mesmo tempo, a Deusa da Luz e o Deus Oculto, sempre em suas eternas batalhas, acabaram por cair em Undique..

    Os dois primeiros a se prontificaram a ajudar com esse mundo foram o Viajante e o Juiz. O Viajante o fez pois é eternamente apaixonado por novos lugares. Já o Juiz se viu desesperadamente querendo trazer ordem ao caos primordial que naquele tempo ainda estava aqui estabelecido. Assim o Viajante ia a seus mundos preferidos e trazia os conceitos que mais gostava: oceanos, desertos, cadeias de montanhas, florestas, seres de toda sorte… Já o Juiz tratava de organizar aquelas coisas de forma mais ou menos coerente.

    A Deusa da Luz e o Deus Oculto ofereceram pagamento para usar Undique como um campo neutro para mais algumas de suas infinitas batalhas. A Deusa Undique permitiu que eles resolvessem suas querelas aqui, desde que seguissem as regras. A batalha entre deuses pode destruir mundos, então ela limitou o nível de poder a ser usado. O primeiro pedágio que a dupla de inimigos ofereceu como pagamento foi a luz dela e as sombras dele. Porém, cada vez que voltavam à Undique, eles ofereciam algo diferente.

    Logo outros deuses souberam que havia um novo mundo. Fosse para terem um novo espaço para criarem, fosse para terem um novo espaço para batalharem, eles acabaram sendo atraídos por Undique. E cada um que vinha trazia um pagamento por sua passagem: um rio, uma montanha, uma espécie de animal, uma espécie de planta, outras criaturas, um conceito novo…

    Com o passar do tempo, outros seres acabaram descobrindo esse plano. Os principais destes foram os dragões. Por sua própria natureza, os dragões não eram tão poderosos, estando abaixo do nível máximo de poder que a Deusa permitia nesse mundo. Isso possibilitava que existissem em Undique sem precisar abrir mão de nenhuma parcela do que eram, ao contrário das divindades. Por isso alguns resolveram fazer morada no plano.

    O que nos leva ao primeiro grande evento do mundo: as Guerras Dracônicas.

    ***

    — Eu tenho um protesto, professor! — Okashi, a eien que estava estudando para ser uma barda, imediatamente abriu a sessão de perguntas e respostas na aula subsequente.

    — Essa foi rápida. — Reg riu. — Qual é seu protesto, senhorita Okashi?

    — O senhor nos disse que ela ia contar sobre a história do mundo e ela começa dizendo que o primeiro grande evento foram as Guerras Dracônicas. — a eien se sentia meio constrangida em criticar qualquer coisa vindo da figura que tinha lhes falado no dia anterior. Ela, e todos os outros eiens de sua sala, se viam tendendo a pensar com reverência na palestrante… Sobre como ela parecia sábia… Alguém que obviamente tinha uma iluminação espiritual muito avançada… Uma ligação com algo superior.

    — E qual seu ponto?

    — Meu ponto é que o primeiro grande evento de qualquer mundo é sua criação. — a futura barda disse, convicta.

    — Muito bem, esse é um ponto interessante e contra o qual é difícil argumentar. — o velho professor falou, depois de refletir um pouco. — Então deixe-me adereçar a questão. Existem três grandes versões de como Undique foi criada. Elas são parecidas, é verdade, mas existem pequenas diferenças essenciais… Isso porque esse é um cantinho peculiar do multiverso. Undique existe em um nexo multidimensional, uma encruzilhada de inúmeros planos, ou, pelo menos, dos caminhos que levam de um plano a outro… — ele começou com aquele ar que ele tomava quando ia expandir o conceito (para não dizer divagar) sobre um assunto.

    — Professor! — Embassy disse preventivamente, antes que Reg perdesse o fio da meada.

    — Com isso, todos concordam, mas é a partir daqui que as coisas começam a divergir. — ele disse com um tom de quem tinha entendido o recado. — A primeira teoria conta de uma divindade, uma deusa, vinda de algum desses muitos mundo ou além, que descobriu esse nexo e resolveu criar seu próprio mundo aqui. A segunda teoria diz que essa deusa é nativa daqui, mesmo antes de aqui existir. Ela teria sido criada pelas energias do nexo, ou seria a encarnação do nexo que desenvolveu senciência. A terceira teoria diz que Undique foi criado meramente por caso do acaso, por sorte. Teria sido feito de vários pedaços dos inúmeros mundos conectados pelo nexo. Alguns dizem que isso é uma metáfora, outros dizem que é bastante literal. Vai saber… Esse mundo de grande potencial mágico teria desenvolvido senciência e sua personificação seria conhecida como a Deusa Undique. Muitos que defendem essa teoria destacam que a Deusa é nomeada Undique, assim como o mundo, em todos os mais antigos textos. Mas é difícil dizer se isso é uma indicação de alguma coisa. Cabe a cada um de vocês decidirem em qual teoria vocês acreditam.

    — Professor, o senhor não pode sair assim invocado o nome verdadeiro da Deusa! — Antiquaria, uma mirmidão com pretensões acadêmicas na área dos estudos da antiguidade, protestou escandalizada. — O que aconteceu com o costume de se manter os nomes em segredo?

    — Você deve lembrar que esse é um costume de seu povo, não de todo mundo. — Reg respondeu com calma. — E mesmo entre os mirmidões há aqueles que escolhem não segui-lo.

    — Sim, mas o senhor está falando sobre a Deusa do povo nativo. — Antiquaria não era o tipo de pessoa que conseguia facilmente abrir mãos de tradições. — Pegamos esse costume dela, como dizem as lendas.

    — A senhorita tem um ponto justo, senhorita Antiquaria. — o professor cedeu. — Mas há de admitir que é uma questão cultural, uma decisão pessoal.

    — Por exemplo, como o professor disse, há mirmidões que se apresentam por seu nome verdadeiro. — Pearsa Plaistow disse com ares de entendida. Ela era uma gnoma que tinha grande interesse no funcionamento da mente. — Katherine Déa, James Arock, Elizabeth Déa, Cavillan…

    — Você realmente acredita que um charlatão como Cavillan, o Jogador é uma pessoa sincera o suficiente para lhe dizer o nome real dele? — Belli ironizou. — Tem uns nomes que claramente são falsos: Xablau, Seu Guia Espiritual; Ella, a Dançarina das Sombras e, por último, e não menos importante ou mais confiável, o notório patife Cavillan, o Jogador. Pelo amor da Deusa, o homem se apresenta como Cavillan, o mesmo nome do famoso jogo de cartas, e você acha mesmo que esse é o nome real dele?!

    — Tem um jogo de cartas chamado cavillan? — a gnoma perguntou, confusa.

    — Se é só uma questão de decisão pessoal, por que se tornou padrão para as divindades em geral? — Antiquaria retomou seu questionamento ignorando os outros. — Você não vê as pessoas dizendo o nome verdadeiro da Deusa da Luz, do Juiz, do Viajante ou mesmo do Deus Oculto.

    — Porque no começo as diversas religiões impuseram, e ainda impõe, esse costume. — Reg explicou. — Para eles não é só um costume, e sim, uma lei. Agora, por que as pessoas comuns não chamam os deuses por seus nomes? A resposta é bem simples: algum de vocês sabe o verdadeiro nome de alguma divindade que não Undique? Pensem bem, vocês só sabem o nome dela porque é o nome de nosso mundo. Que o nome do Deus Oculto seja um segredo, é um pressuposto, afinal esse é domínio dele. Mas qual é o verdadeiro nome da Deusa da Luz? Do Viajante? Do Juiz? Percebam que a igreja de Devaourus chama o seu deus pelo nome.

    — É, mas Devaouros nem é um deus de verdade, professor. — Due, uma troll que sonhava em ser uma paladina da Deusa da Luz, protestou. A troll tinha ficado completamente hipnotizada no dia anterior, perante aquela palestrante. Ao contrário dos goblins da sala que destacariam um brilho nos olhos e um sorriso de canto de boca de alguém com grande sagacidade e de quem sabe mais do que revela, os outros goblinóides (como a troll Due) tinham ficado mesmerizados como as palavras da palestrante eram inspiradoras e carregadas de paixão.

    — Nós não podemos sair por aí fazendo esse tipo de afirmação, senhorita Due. — Reg repreendeu, mas depois de um tempo cedeu. — Mesmo que eu concorde com a senhorita. Mas que não devemos, não devemos. Mas onde paramos?

    ***

    Você nunca deve julgar um indivíduo por sua espécie ou qualquer outro fator desses, porque eles são, como o próprio nome sugere, indivíduos, cada um com uma personalidade única. Dito isso, alguns dragões realmente dão um mau nome à espécie e nutrem os típicos sentimentos de ambição desmedida que as pessoas de alguns planos parecem associar a eles. Alguns dragões decidiram que tinham desejo de reinar sobre esse mundo, e eles foram incentivados por divindades que esperavam aumentar seu poder e sua área de influência ao substituir a Deusa como senhora desse mundo. Mas, provando meu ponto de antes sobre indivíduos, houve dragões e divindades que decidiram ficar do lado da Deusa Undique, lutar por ela.

    Um dos fatores decisivos era que qualquer divindade que quisesse participar mais ativamente da batalha tinha que fazê-lo nas regras vigentes do plano que ainda eram as leis fundamentais desse mundo enquanto a Deusa mantivesse seu posto. Ou seja, eles não poderiam vir em toda sua glória de divindade, mas sim em algum avatar de poderes reduzidos, os quais normalmente estavam no mesmo nível dos dragões. E a Deusa de Undique, querendo participar ativamente da batalha, mas seguindo suas próprias regras, resolveu que não desceria ao mundo apenas como um avatar, porém criaria seu próprio povo.

    Foi assim que ela criou os povos nativos de Undique, cada um refletindo uma faceta de si e imbuídos com seu poder. Como todos sabem, são eles os faeris, os eiens e os mirmidões.

    ***

    — Pois não, senhor Galiel? — Reg cedeu a mão que já tinha sido levantada a algum tempo.

    — Professor, por que criaram-se duas facções dos mesmos povos na mesma guerra? — o elfo perguntou. Muito a contragosto, ele tinha que admitir que havia algo na

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