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As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias
As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias
As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias
E-book131 páginas1 hora

As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias

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Sobre este e-book

Agatha Gomes e Louise Doyle, a dupla mais formidável de Belém do Grão-Pará, estão de volta para mais uma investigação!
Após o suposto duplo homicídio do casal Bolognesa, a polícia grão-paraense está de mãos atadas e impossibilitada de investigar o caso — os incontáveis relatos de moradores da região afirmam que os falecidos continuam causando confusão no pós-vida, e a polícia não pode, legalmente, expulsar fantasmas de sua própria moradia.
Esse é mais um trabalho para a detetive Agatha Gomes: descobrir o que de fato aconteceu e evitar que o  Palacete  Bolognesa vire uma temida Casa-Amaldiçoada. Convidada a se juntar à investigação, a médica e ex-parceira oficial da detetive, Louise Doyle, encontra-se novamente no dilema entre auxiliar Gomes em mais uma aventura ou manter a distância para evitar reviver seus fantasmas pessoais. E com o casamento de Louise se aproximando, a relação das duas está ainda mais embaraçada, e, para coroar, as duas sequer se falaram desde o caso do desaparecimento das fadas.
A dupla só não esperava o que encontrariam no  palacete : corredores tortuosos das  memórias  do casal falecido,  memórias  que se misturam com a realidade, desejos que se confundem, os sentimentos de Gomes e Doyle…
E no meio de tudo isso, elas ainda precisam correr contra o tempo se não quiserem ter o trágico fim que os Bolognesa tiveram em vida e após a morte.
IdiomaPortuguês
EditoraNoveletter
Data de lançamento15 de dez. de 2023
ISBN9786599788253
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    As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias - Giu Yukari Murakami

    As Formidáveis Gomes & Doyle

    Giu Yuka­ri Mu­raka­mi

    Copy­right ©2023 Giu Yuka­ri Mu­raka­mi

    Edi­ção

    Bár­ba­ra Mo­rais e Val Al­ves

    Pre­pa­ra­ção

    Val Al­ves

    Re­vi­são

    Ga­bri­el Ya­red

    Di­a­gra­ma­ção e edi­ção

    Val Al­ves

    Di­a­gra­ma­ção do jor­nal

    Giu Yuka­ri Mu­raka­mi

    Ilus­tra­ção

    Mai­a­ra Ma­la­to

    Mon­ta­gem da capa e let­te­ring

    Fer­nan­da Nia

    Di­rei­tos de ima­gem

    A foto do Pa­la­ce­te Bo­lo­nha, em Be­lém do Pará, uti­li­za­da no jor­nal fic­tí­cio É du Nor­te foi re­ti­ra­da do site da Agên­cia Be­lém pelo fo­tó­gra­fo Fer­nan­do Set­te e edi­ta­da pela Val Al­ves. A foto da mu­lher vi­to­ri­a­na, edi­ta­da pela Val Al­ves e uti­li­za­da no jor­nal fic­tí­cio É du Nor­te, pode ser en­con­tra­da gra­tui­ta­men­te no Pi­xa­bay. A foto do Pa­la­ce­te Bo­lo­nha no jor­nal ao fi­nal da obra foi re­ti­ra­da do site da Pre­fei­tu­ra de Be­lém.

    Ao com­prar esse li­vro, você aju­da a man­ter a No­ve­let­ter — um pro­je­to que dis­po­ni­bi­li­za gra­tui­ta­men­te his­tó­rias de Ro­man­ta­sia e re­mu­ne­ra jus­ta­men­te to­dos os en­vol­vi­dos. Se você bai­xou As For­mi­dá­veis Go­mes & Doy­le em Pa­la­ce­te de Me­mó­rias em qual­quer lu­gar que não o Ca­tar­se ou ou­tros ca­nais ofi­ci­ais, você está sen­do en­ga­na­do.

    Avi­so de con­te­ú­do: esta obra men­ci­o­na re­la­ci­o­na­men­tos e com­por­ta­men­tos tó­xi­cos, ma­chis­mo, gas­ligh­ting, ho­mi­cí­dio, san­gue, ob­je­tos afi­a­dos, agres­sões fí­si­ca e ver­bal, e vi­o­lên­cia do­més­ti­ca. Al­guns ca­pí­tu­los con­têm ce­nas de sus­to e fa­zem alu­são a con­te­ú­do se­xu­al.

    Su­má­rio

    As For­mi­dá­veis Go­mes & Doy­le em Pa­la­ce­te de Me­mó­rias

    Jor­nal so­bre As For­mi­dá­veis Go­mes & Doy­le em Pa­la­ce­te de Me­mó­rias

    So­bre a Au­to­ra

    Agra­de­ci­men­tos da No­ve­let­ter

    So­bre a No­ve­let­ter

    De­di­co esta obra para cada pes­soa que pos­sui seus pró­prios gri­lhões que lhe pren­dem ao pas­sa­do: meu mai­or de­se­jo é que pos­sa­mos li­ber­tar es­ses fan­tas­mas!

    As For­mi­dá­veis Go­mes & Doy­le em Pa­la­ce­te de Me­mó­rias —

    Giu Yuka­ri Mu­raka­mi

    Página do jornal fictício "É du Norte". No topo está o nome do jornal dentro de um retângulo e uma égua de cada lado. A chamada do jornal é: "O trágico não-fim do casal Bolognesa: da morte passional às burocracias intermináveis da polícia belenense!" Na notícia está escrito: O famoso descanso pós-morte não parece ser o destino do casal Bolognesa. Após o suposto duplo homicídio praticado entre si, cujas causas verdadeiras ainda não foram reveladas, as autoridades policiais de Belém do Grão-Pará estão acomodadas em sua tentativa de convencer o fantasma do Dr. Bolognesa, dono do suntuoso palacete, a evadir-se do seu próprio imóvel. O medo do Palacete Bolognesa tornar-se uma Casa-Amaldiçoada percorre a vizinhança. “Mal faleceram, que Deus os tenha, mas já estamos ouvindo o sopro de suas lamentações. Todos os dias esse casal gritava de um lado para o outro”, comentou um dos vizinhos, que preferiu não revelar a própria identidade. “Sei desses dois aí, e Nossa Senhora de Nazaré que me perdoe pelo que vou dizer, mas duvido que não tenham se matado de tanta briga, e agora quem sofrerá somos nós com a maldição”. Mesmo pós-morte, o casal continua causando alvoroços no final da Avenida Gov. José Malcher e a Avenida Assis de Vasconcelos. “Nem mortos eles nos deixam em paz!”, desabafou uma vizinha, que também solicitou não ter o nome divulgado. “Escuto todas as noites as lamentações do Dr. Bolognesa! Aposto que aquela Margot é quem está prendendo o homem no palacete. Lembro quando se casaram… Ela era tão nova. Certamente foi por interesse, então é claro que ela quer ficar no palacete, usufruindo da riqueza do marido mesmo depois de morta”. Um dos antigos empregados do casal, o Sr. Pedro Pereira, afirmou que um grupo de trabalhadores ingressou com uma medida judicial para obtenção dos salários atrasados e demais indenizações: “Passamos mais de seis meses trabalhando de graça. A despossessão do palacete não é só importante para prevenir uma Casa-Amaldiçoada em pleno centro urbano, como também para pagar nossos direitos. Queremos o pregão do Palacete Bolognesa! Se o palacete adquirir personalidade jurídica enquanto Casa-Amaldiçoada, nossos direitos serão limitados por décadas, quem sabe séculos. Não podemos permitir essa afronta!”. O delegado Astrogildo Esposito descartou quaisquer hipóteses que, segundo ele, são sensacionalistas: “A Delegacia de Belém do Grão-Pará está providenciando uma medida rígida para a retirada dos fantasmas de dentro do palacete, a fim de que se possa continuar a investigação. Ainda não conseguimos acessar o local devido ao artigo 38 do Código de Fantasmas Nacional, que impede quaisquer autoridades não judiciais de invadir local regido por um fantasma que, enquanto vivo, detinha posse da propriedade sem deixar herdeiros vivos. Trata-se de um direito reconhecido, inclusive em Tratado de Direitos das Criaturas Mágicas e Sobrenaturais, aderido pelo Brasil em 1876. Gostaríamos que, por gentileza, as pessoas não chegassem a conclusões precipitadas sobre a causa mortis até que as autoridades consigam adentrar o local do suposto duplo homicídio para realizar as devidas investigações. Gostaríamos, também, de ressaltar que o incidente ocorreu há apenas dois dias, no máximo, segundo nossas suposições”. O Prefeito de Belém do Grão-Pará, Sr. Amâncio Valle, acrescentou: “Tenho certeza de que o Delegado Esposito está tomando as melhores providências. Sabemos o quanto o falecimento de um casal reconhecido e querido na cidade não é uma notícia fácil com que lidar. É justificável a comoção, mas pedimos, encarecidos, que essa pressão seja suavizada para melhor acompanhamento do caso, e que o casal seja, antes de tudo, respeitado em sua pós-vida”. Enquanto isso, um denominado “Clube de Amantes do Mistério — CAM”, também conhecido como “grupo de jovens adoradores da detetive Gomes”, presidido pela Srta. Maria Bernadete Silva da Costa da Silva-Silva, está realizando campanhas para que a famosa detetive ingresse na investigação. A presidente do clube assim justifica: “A detetive Gomes (suspiro) está de volta com a força de mil zepelins! Como devem saber, sua última investigação a respeito dos desaparecimentos de fadas na Praça da República foi um sucesso. Junto à sua adorada Dra. Doyle, a investigação foi tão rápida que durou metade de um dia. Estimamos o número concreto de vinte e seis vidas salvas naquele único dia, em uma operação que se originou da descoberta de quem estava sequestrando as fadas. Queremos Gomes nessa investigação”. O grupo de admiradores disponibilizou bandeirinhas e abanadores com o que chamam de cerquilha de campanha: “#QueremosGomesNoPalacete”. As autoridades não manifestaram se vão ou não chamar a detetive Gomes para a missão. Apenas sabemos que o povo clama pela liberdade da propriedade e consequente pregão público para que o palacete adquira um novo proprietário!" No meio do jornal, uma foto preto-e-branco do Palacete Bolognesa (foto editada do Palacete Bolonha, em Belém do Pará). Entre a notícia, há três propagandas: - "Desvende seus próprios casos! Compre um monóculo agora": tem a foto de uma mulher com roupas vitorianas usando um monóculo. Ao lado está escrito: "Igual ao da detetive Gomes!" - "Viaje de Zempelim com a Maria Fumaça!" contém uma ilustração preto-e-branco de um zepelim e nuvens. - "Una-se ao Cam - Clube de Amantes de Mistério" contém uma silhueta toda em preto de uma mulher com uma lupa e um chapéu. Ao lado, a mensagem: "Entre em contato com Maria Bernadete Silva da Costa Silva-Silva para ingressar no clube!"

    — Im­pres­si­o­nan­te como o É du Nor­te sem­pre traz o pior lado da po­pu­la­ção be­le­nen­se — co­men­tei com Sa­man­tha en­quan­to ela li­xa­va as unhas após mi­nha lei­tu­ra da ma­té­ria do dia. — Não en­ten­do a ago­nia di­an­te des­sa tra­gé­dia. Dei­xem o ca­sal em paz um tem­po! Quem sabe os fan­tas­mas de­les não che­guem a um acor­do. Só faz dois dias des­de o fa­le­ci­men­to de­les, e os vi­zi­nhos ju­ram que o pa­la­ce­te já está se trans­for­man­do em uma Casa-Amal­di­ço­a­da.

    — Ah, que­ri­da pri­ma, tu de­ves sa­ber me­lhor do que nin­guém como é pes­so­as ale­a­tó­rias en­vol­ve­rem o be­de­lho onde não são cha­ma­das. — Sa­man­tha er­gueu os olhos se­mi­cer­ra­dos em uma ex­pres­são qua­se di­a­bó­li­ca na­que­le ros­ti­nho que dis­pu­ta­va a ve­ros­si­mi­lhan­ça com o Cu­pi­do. — Bri­ga de ca­sal não se põe sal alheio? Ora, ora, e esse fã-clu­be teu e de Aga­tha?

    Sen­ti meu ros­to es­quen­tar de ver­go­nha. Ten­tei des­vi­ar o foco para o caso prin­ci­pal, mas mi­nha pri­ma não era tão dis­tra­í­da as­sim. Pi­gar­reei.

    — Tra­ta-se de uma as­so­ci­a­ção sem fins lu­cra­ti­vos com uma cer­ta ob­ses­são em Go­mes es­pe­ci­fi­ca­men­te. — Le­van­tei-me da pol­tro­na pró­xi­ma mi­nha pen­te­a­dei­ra para ajei­tar a cama já ar­ru­ma­da, ten­tan­do dis­far­çar meu ru­bor. — E, cla­ro, meu nome é men­ci­o­na­do por­que, veja, fo­ram anos de par­ce­ria in­ves­ti­ga­ti­va.

    — Aham, até que vo­cês re­sol­ve­ram in­ves­ti­gar a ana­to­mia uma da ou­tra… — Sa­man­tha con­fe­riu as pró­prias unhas com de­bo­che en­quan­to eu jo­ga­va um dos meus tra­ves­sei­ros em seu ros­to. — Ai, Loui­se! Égua, mana, o que te deu? Fa­lei al­gu­ma men­ti­ra, por aca­so?

    — Nós não so­mos… Eu não… Digo… Nós es­tá­va­mos ape­nas emo­ci­o­na­das pelo su­ces­so da in­ves­ti­ga­ção em Sar­re­gue­mi­nes. Ape­nas isso! Di­vi­di­mos o mes­mo apo­sen­to por mo­ti­vos de for­ça mai­or… O que não vem ao caso.

    Sa­man­tha deu uma ri­sa­da di­ver­ti­da.

    — Tudo bem, Loui­se. Eu tam­bém es­ta­ria ner­vo­sa nes­se tipo de si­tu­a­ção. Afi­nal, fo­ram anos de ami­za­de es­que­ci­dos em uma úni­ca noi­te.

    — Não sei do que es­tás fa­lan­do. Nos­sa ami­za­de per­ma­ne­ceu a mes­ma.

    — Sim, cer­ta­men­te. Per­ma­ne­ces­te tão igual que, após isso, noi­vas­te com Nor­ber­to, e Aga­tha re­sol­veu aven­tu­rar-se com ou­tras par­cei­ras de in­ves­ti­ga­ções ana­tô­mi­cas.

    C’était trop¹.

    Mer­de, Sa­man­tha! Eu não que­ro fa­lar so­bre Go­mes ou qual­quer si­ri­gai­ta que te­nha fei­to par­te da vida dela, por fa­vor. Po­de­rí­a­mos ape­nas agir como boas pri­mas? Já que men­ci­o­nas­te Nor­ber­to, que tal ques­ti­o­nar-me so­bre meu ca­sa­men­to? O ar­ran­jo de flo­res que ma­mãe es­co­lheu? O vis­to­so ves­ti­do que pro­va­rei ama­nhã? Os ma­car­rons ma­ra­vi­lho­sos que eu e meu pai de­gus­ta­mos em um dia des­ses para o buf­fet? O fato de que Nor­ber­to che­ga hoje para en­sai­ar­mos par­te do rito?

    — Es­tou sen­do uma boa… Não! Uma óti­ma pri­ma ao lem­brá-la de quem re­al­men­te de­ve­ria es­tar na tua ca­be­ça, e ga­ran­to, pri­ma não é teu noi­vo au­sen­te que não sabe nem tua cor fa­vo­ri­ta ou teu pra­to fa­vo­ri­to!

    — Nor­ber­to se de­di­ca bas­tan­te a esse re­la­ci­o­na­men­to. Ele é bom, gen­til e amo­ro­so, e mais do que tudo isso: ele sabe o que quer, que é es­tar co­mi­go, for­mar uma fa­mí­lia, ao con­trá­rio de… Bom, o que que­ro di­zer é que es­tou sa­tis­fei­ta com nos­sa re­la­ção.

    — Dá pra ver.

    — Isso foi uma iro­nia, Sa­man­tha?

    — De for­ma al­gu­ma, mon cœur² — en­to­ou ela, a úl­ti­ma pa­la­vra com uma ma­lí­cia car­re­ga­da.

    Re­vi­rei os olhos.

    Eu, a Loui­se do pre­sen­te, es­tou tre­men­da­men­te in­vo­ca­da com a Loui­se do pas­sa­do que, em sua jo­vem in­ge­nui­da­de, acre­di­ta­ra que de­sa­ba­far com a pri­ma mais re­bel­de aju­da­ria a su­pe­rar o afas­ta­men­to qua­se au­to­im­pos­to de Go­mes. Che­gou uma fase de mi­nha vida que mi­nha men­te ia do pre­sen­te aos e se… do pas­sa­do e, para mi­nha ir­ri­ta­ção, ain­da que re­sig­na­da, Sa­man­tha ain­da era a úni­ca na fa­mí­lia que po­de­ria com­preen­der: ela pró­pria foi a mais nova da ge­ra­ção jo­vem dos Be­au­re­gard a dar as cos­tas para a pró­pria mãe — para o hor­ror da mi­nha ma­man, cla­ro — ao de­ci­dir vi­ver des­ven­tu­ras com uma vi­o­li­nis­ta da Or­ques­tra Sin­fô­ni­ca do The­a­tro da Paz e vi­a­jar pelo Bra­sil para acom­pa­nhar as apre­sen­ta­ções da na­mo­ra­da. La­men­tá­vel que o re­la­ci­o­na­men­to te­nha fin­da­do três anos de­pois, mas Sa­man­tha nun­ca re­cla­mou do pe­rí­o­do que pas­sou lon­ge do lar, vol­tan­do para casa com a ca­be­ça er­gui­da, ig­no­ran­do os co­men­tá­rios alhei­os e vi­ven­do pe­ri­go­sa­men­te sua tão pre­ci­o­sa li­ber­da­de.

    Eu ad­mi­ra­va Sa­man­tha pela co­ra­gem de amar sem me­di­da a li­ber­da­de, mas, em­bo­ra apre­cie a pos­si­bi­li­da­de de ser um pás­sa­ro so­bre­vo­an­do uma pra­ça, não con­si­go ima­gi­nar-me per­di­da em uma flo­res­ta, vo­an­do sem des­ti­no. Pre­fi­ro ser um pás­sa­ro na gai­o­la — ter­mo que a pró­pria Sa­man­tha usou quan­do de­sa­ba­fei so­bre as in­cer­te­zas de uma re­la­ção com Go­mes.

    — Já que es­ta­mos fa­lan­do em aves… — dis­se Sa­man­tha na­que­la oca­si­ão. — Lem­bre-se o que sem­pre digo por ex­pe­riên­cia pró­pria: uma an­do­ri­nha só não faz ve­rão. Em al­gum mo­men­to, só o amor de Nor­ber­to não será su­fi­ci­en­te.

    — Eu o amo — dis­se­ra eu. Não era de todo men­ti­ra, eu ama­va seu jei­to de me tra­tar.

    Mi­nha pri­ma, àque­la épo­ca, al­guns anos an­tes, es­ta­va com um con­jun­to pre­to de ma­qui­a­gem ao re­dor dos olhos, um es­cân­da­lo de moda na­que­les tem­pos. Lem­bro-me de Sa­man­tha usan­do lu­vas três quar­tos de ren­da pre­ta em sua fase gó­ti­ca.

    — Não, tu amas a se­gu­ran­ça que ele te traz. É di­fe­ren­te, acre­di­te em mim… — Sa­man­tha deu-me uma pis­ca­de­la. — Já fui um pas­sa­ri­nho na gai­o­la, é bas­tan­te agra­dá­vel quan­do te acos­tu­mas com pes­so­as te ali­men­tan­do to­dos os dias com afe­to. Tens que pen­sar nos gri­lhões que te pren­dem, pri­ma…

    Um as­so­vio e um es­ta­lo de de­dos me ti­ra­ram da in­tros­pec­ção mo­men­tâ­nea. Sa­man­tha sa­cu­dia a mão so­bre meu ros­to en­quan­to a ou­tra es­ta­va apoi­a­da na cin­tu­ra em seu ves­ti­do flo­ri­do e dra­pe­a­do — sem dú­vi­da, uma mu­dan­ça ra­di­cal de es­ti­lo des­de aque­les tem­pos, não pude dei­xar de no­tar.

    — Não sa­bia que te cha­mar de "mon cœur" se­ria tão di­ver­ti­do as­sim. — Ela riu,

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