Nas Ruas De Tranca-ruas
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Nas Ruas De Tranca-ruas - Zezinho França Do Kabilah
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Image 1Image 2Catalogação na publicação
Elaborada por Editora AWETO Publicações
Índice para catálogo sistemático
1. Umbanda 2. Candomblé
Copyright Zezinho França, 2023
Todos os direitos reservados
Diagramação e arte: Rodney Gomes
Revisão: Editora AWETO
Editora AWETO Publicações – CNPJ: 31.113.605/0001-12
Av. Dona Benedita Franco da Veiga, 3201 – Feital – Mauá-SP
CEP: 09330-765 – WhatsApp: (11) 98612-4284
Email: aweto.editora@gmail.com
2
Image 33
Image 44
"A primeira lei da
natureza é a tolerância; já que
temos todos uma porção de
erros e fraquezas".
Voltaire
5
Image 5Nas Ruas de
Tranca-Ruas
Zezinho França
6
Ao querido amigo
Jovino Cândido
7
Aos
Queridos amigos,
hoje no Diulu
(in-memoriann)
Pai João de Ogum
Tat’etu Namborancimby
Mãe Neó de Oyá
8
Prólogo
Ao iniciar a Coleção Conhecimentos da Religiosidade Brasileira
acreditei piamente que seria uma experiência mais lúdica que científica. Afinal, seriam romances que se mesclariam com informações teológicas e antropológicas sobre as entidades de culto popular entremeadas por aventuras de um professor universitário cético, mas interessado nas culturas que envolvem estas entidades. Bem como, se envolve da mesma forma, o que vai moldando seu caráter no sentido psico-cognitivo.
Comecei com Zé Pelintra, o que já era de se supor sendo este o mais popular dentre todos os personagens que permeiam a cultura religiosa e a superstição animista. E sim, foi uma linda diversão escrever o livro. Muito porque a personagem ajuda.
Alegre e divertido. Místico e mítico. Brasileiro, enfim em toda a sua essência. Ao terminar ficou um gostinho bem doce de quero mais
.
No segundo livro eu abordei as Pombagiras, de maneira doce e romântica. No livro As Três Marias: Padilha, Mulambo e Quitéria
a coleção ganhou ares de doçura e respeito pleno ao sagrado feminino. E desta vez me superei ao ponto de acreditar -
9
não somente eu, mas toda a crítica, especializada e leitora – que tinha escrito o mais lindo de todos os meus livros. Uma obra leve, cheia de romance e beleza.
Óbvio seria imaginar que o terceiro livro da Coleção, que trata sobre os Exus, seria da mesma forma suave no seu propósito e confecção. Mal sabia eu que ao decidir eleger o mais popular Exu do Brasil como personagem central estaria pisando em terreno extremamente arenoso e obscuro.
Confesso que escrever esta obra foi de um desafio que não esperava. Sabia que, enquanto o primeiro livro sobre Zé Pelintra, muito pelas características da personagem seria um livro alegre e de certo modo brincalhão, as Pombagiras trariam um clima mais sereno e romântico, com uma sensualidade que caracteriza as personagens, Tranca-Ruas me proporia um enredo mais sombrio.
Com um olhar mais túmido. Mas sem perder o brilho característico da própria coleção que se pretende sem sobressaltos, mas com o compromisso pleno da informação histórica da personagem e do seu culto e cultura.
Entretanto, a busca pela nossa personagem de ocasião, ao contrário do que eu imaginava foi mais custosa que a minha quase prepotência pudesse conceber. Afinal, ao contrário das personagens anteriores, digo dos dois primeiros livros, Tranca-Ruas não possui biografia confiável. Além do que, não se sabe 10
realmente nem sequer se tenha existido de fato. É mais um mito mesmo. Divide sua devoção em sete, chamadas falanges. E cada qual com histórias e biografias, nenhuma delas com veracidade comprovável. A maior parte dos enredos se propõe a partir de psicografias. E é de notório saber que não me valho jamais, - e digo peremptoriamente: JAMAIS (em caixa alta para acentuar a tônica), - me vali ou me valerei destas modalidades para informações ou mesmo como fonte.
E explico a negativa. Primeiramente por não acreditar em psicografias, justamente por crer que está sujeita ao bel prazer e concordância psicológica do chamado médium, ou seja, conveniência. E segundo, não acredito em vozes do além, o que nunca é bem-vindo, nem no mundo da magia. E por fim, como cientista trabalho no campo do desenvolvimento de provas e não nas suposições místicas. Não me proponho a explicar o inexplicável com mais inexplicação que já possui. Ou seja. Não se pode em hipótese nenhuma explicar o místico com mais misticismo, com o ônus de criar mais fábulas e menos elucidação.
A confusão só aumenta. É claro que dá prestígio ao chamado médium. Afinal os incautos sempre estão à busca de explicações pelo misticismo, desprezando muitas vezes as inserções científicas.
E isto vende livros, cria tráfego em redes sociais e enriquece o médium. Basta ver os discípulos de um certo
médium 11
piscografista da Umbanda. Todos famosos e invariavelmente ricos como o foi seu mestre. E da mesma forma irresponsáveis.
Mas acredito ter conseguido escrever uma obra digna do legado desta Coleção. E sem tentar ser prepotente, mas parecendo da mesma forma, esta obra se propõe a ser séria. Qualquer sessão que pareça, mesmo que de maneira sensível ser sobrenatural em sua confecção, peço ao leitor que despreze. Não existe nenhuma interferência sobrenatural em nenhuma letra escrita. Tudo é obra da ciência investigativa e da verve literária. Sou escritor e cientista da religião. Nunca vou prostituir meu talento e meu legado com estultices e desonestidades. Mesmo que isto me condene a ser um escritor para as minorias.
E digo: Felizes são as minorias, pois herdarão uma obra séria.
Boa leitura.
12
Prefácio
13
Sumário
Prólogo ........................................................................................ 9
I .................................................................................................. 18
Aposentadoria ....................................................................... 18
II ................................................................................................ 22
Xilindró e perseguição ...................................................... 22
Justiça parcial ....................................................................... 28
IV ............................................................................................... 33
O Demônio em Cantagalo
.......................................... 33
V ................................................................................................. 37
Igual, mas diferente ................................................................. 37
VI ............................................................................................... 43
É melhor preso do que solto ................................................. 43
VII ............................................................................................. 51
A Eterna caça às bruxas .......................................................... 51
14
VIII ............................................................................................ 56
Em busca da verdade .............................................................. 56
IX ............................................................................................... 60
Em busca de Tranca-Ruas ..................................................... 60
X................................................................................................. 71
Uma história mal contada ...................................................... 71
Justiça injusta ............................................................................ 78
XII ............................................................................................. 84
Filme repetido .......................................................................... 84
XIII ............................................................................................ 90
Biografias fantasiosas .............................................................. 90
XIV ......................................................................................... 101
Programa mal programado ................................................. 101
XV .......................................................................................... 114
Marcha e chuva de pedras ................................................... 114
15
A despedida ........................................................................... 123
XVII ....................................................................................... 126
Liberdade, ainda que tardia ................................................. 126
XVIII ...................................................................................... 132
Nas ruas de Tranca-Ruas ..................................................... 132
XX .......................................................................................... 139
Tudo novo no front ............................................................. 139
XXI ......................................................................................... 144
Descaminhos ......................................................................... 144
XXII ....................................................................................... 150
Orô e furdunço ..................................................................... 150
XXIII ..................................................................................... 156
Enfim... o dia D
............................................................... 156
Festa... finalmente ................................................................. 168
Epílogo ................................................................................... 177
16
Bibliografia ............................................................................ 185
17
I
Aposentadoria
É Carnaval em Olinda. Época linda e de grande significado para mim e Lilian. Afinal, foi no carnaval de 1983 que nos conhecemos. E lá se vão 40 anos. Ela era uma linda menina de coxas grossas num vestido curto. Eu um jovem professor universitário em férias. Mas hoje, depois de tudo o que se passou em nossas vidas já sou um velho professor aposentado e ela uma das mais importantes professoras de Pernambuco e uma das mais respeitadas Mãe de Santo do Nordeste.
Vivemos a nossa vida juntos há quinze anos já. Com nosso filho Maurício. Hoje um lindo homem casado e pai de dois adolescentes. Laura de 12 anos e Bernardo de 8 anos. Ou seja, sou avô, marido e pai. Quem diria isto da minha vida solitária e desregrada de professor cético.
Os preparativos para a festa de Maria Quitéria e Senhor Marabô no barracão de Lilian estavam a todo vapor. Afinal ela sempre primou pelo calendário, e os chamados Povo da Rua
, os mestres da casa sempre foram cultuados no Sábado de Aleluia.
18
Confesso que eu estava mais eufórico que a própria Mãe Lilian
.
Afinal era a minha festa preferida de todas do calendário da Roça.
Primeiro por que, mesmo estando ao lado de uma Mãe de Santo já há tantos anos eu jamais me propus à iniciação. Eu era o que se chama de abiã
. E me contentava com isto. Não tinha fé suficiente para um passo tão importante. Apesar de ter tido minhas experiências bem contundentes com as entidades e as religiões de matriz africana que já me credenciariam ao passo maior. Mas eu ainda sou um cientista, e, portanto, para mim tudo ainda tem significados e respostas naturais e científicas. Se não as têm é porque ainda é matéria a ser descoberta. No fim tudo se explica.
Como disse Arthur C. Clark A magia é apenas uma ciência que os seres humanos ainda não descobriram.
Assim, sendo marido de uma sacerdotisa me sinto num mundo desigual. Sou um alienígena num planeta que chamo de meu. E lembro-me do mesmo autor quando disse que acreditava em vidas inteligentes fora da Terra.
Disse Clark que eles são tão inteligentes que jamais viriam aqui
.
Fico pensando muito nestas coisas. Muito mais quando me olham com um fio branco no pescoço e roupas civis nas festas, como um bom abiã, mais um simpatizante. Mas com privilégios de ser o consorte da rainha da Casa. Mas ainda um mero abiã, que no Candomblé é um quase-nada
. Que maldade.
19
Mas qual nada. Sinto-me um privilegiado ao ver minha amada esposa ser paparicada e tratada como uma rainha, que é.
Pelo menos para mim. Afinal, esta mulher maravilhosa salvou a minha vida em todos os sentidos. Eu que era um solitário cético e de caráter às vezes bem duvidoso me tornei um homem de família.
Creio que hoje sou um bom marido, um bom pai e um bom avô.
O que significa que estrago, literalmente os meus netos. O que irrita muito meu filho e minha nora. Mas este é meu papel de avô.
Aos fins de semana lavo o carro e faço churrasco. Jogo xadrez com Maurício e brinco com as crianças. Fazendo-lhes todas as vontades. Tiro a noite de sábado para jantar com Lilian em algum restaurante, indicado pelo nosso chef Maurício, e aos domingos vamos ao cinema. Procuramos manter estes hábitos.
Nos mantém unidos como família. A pizza sempre bem-vinda, os amigos que lotam a casa quase todos os dias e o barracão de santo que toma quase todo o nosso tempo e nosso dinheiro. Afinal, não é barato manter uma estrutura como aquela. E não se pode contar com a participação financeira dos filhos de santo de Lilian.
Lá se vão quinze anos nesta