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Histeria acerca do abuso sexual: revisitando os processos das Bruxas de Salém
Histeria acerca do abuso sexual: revisitando os processos das Bruxas de Salém
Histeria acerca do abuso sexual: revisitando os processos das Bruxas de Salém
E-book206 páginas2 horas

Histeria acerca do abuso sexual: revisitando os processos das Bruxas de Salém

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Sobre este e-book

Ao longo da década de 1980, testemunhamos uma expansão enorme e uma preocupação com o abuso sexual infantil – principalmente na mídia. Todos os dias, jornais, revistas e televisão nos bombardeiam com histórias de abuso sexual infantil. Dizem-nos ser algo muito mais comum do que houvéramos nos apercebido. Somos advertidos que esses criminosos são muito talentosos e astutos; com frequência eles atuam debaixo de nossos narizes e não deixam rastros de seus atos nefastos. Podemos apenas nos perguntar sobre o que está acontecendo. Será mesmo verdade que o abuso sexual infantil é tão disseminado como alguns proclamam e que estivemos inocentes ante tal terrível perigo? Alguns argumentam que muito da obsessão pelo abuso sexual infantil seja campanha publicitária ou histeria coletiva e que a comprovação de abuso sexual infantil seja relativamente rara. Em contraste, outros sustentam que uma criança que declama ter sido sexualmente abusada deve estar dizendo a verdade. 'Crianças nunca mentem' sobre tais assuntos – dizem esses – porque uma criança não se expõe diretamente a informações acerca de encontros sexuais e, portanto, se tal descrição é feita, provavelmente é válida. 'Acreditem nas crianças' tem sido o chavão de muitos desses casos. Aqueles que defendem que muitas das alegações infantis são fantasiosas, distorcidas, ilusórias e/ou que tenham sido induzidas por um adulto são vistos com suspeitas e frequentemente condenados na base do grito.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de abr. de 2024
ISBN9786527022343
Histeria acerca do abuso sexual: revisitando os processos das Bruxas de Salém

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    Histeria acerca do abuso sexual - Dario Martins Palhares de Melo

    Capítulo 1 A problemática elementar do abuso sexual

    Ao longo da última década (1980), testemunhamos uma expansão enorme e uma preocupação com o abuso sexual infantil – principalmente na mídia. Todos os dias jornais, revistas e televisão nos bombardeiam com histórias de abuso sexual infantil. Dizem-nos ser algo muito mais comum do que houvéramos nos apercebido. Nenhuma família, vizinhança ou escola está a salvo, e devemos nos manter atentos as sutis manifestações em nossas crianças e sempre vigilantes quanto aos tarados a espreita em todo lugar. Somos advertidos que esses criminosos são muito talentosos e astutos; com frequência eles atuam debaixo de nossos narizes e não deixam rastros de seus atos nefastos. Podemos apenas nos perguntar sobre o que está acontecendo. Será mesmo verdade que o abuso sexual infantil é tão disseminado como alguns proclamam e que estivemos inocentes ante tal terrível perigo? Ou a maioria, se não toda a conversa acerca do abuso sexual é apenas uma farsa, um fenômeno midiático que garante a venda de jornais, revistas e audiência televisiva para um público crédulo?

    Neste livro, eu apresento o que considero serem os fatores psíquicos e sociais que se encontram operantes em trazer a tona esta recente obsessão pelo abuso sexual em nosso meio. Meus comentários e conclusões advêm primariamente de minha experiência pessoal nessa área, especialmente meu consultório privado e meu envolvimento profissional como perito judicial em processos envolvendo abuso sexual. Minha vivência nesse campo profissional tem sido extensa. Tenho me envolvido diretamente em psiquiatria forense por aproximadamente 30 anos e já dispendi (da melhor forma que posso calcular) mais de mil horas sentado no banco das testemunhas no âmbito de processos judiciais. Nos últimos 25 anos, tenho me envolvido ativamente em processos judiciais sobre guarda dos filhos (o que já resultou em três livros, publicados em 1982, 1986 e 1989). E nos últimos dez anos tenho me envolvido ativamente em processos judiciais de abuso sexual (o que já resultou na publicação de um livro, em 1987). Tenho trabalhado diretamente e intensivamente com todos aqueles que atuam no drama do abuso sexual: os pais, os assim chamados validadores, as crianças, os médicos, os promotores, os juízes, os advogados e até os autointitulados terapeutas. Já dispendi cerca de 1.500 horas revisando, analisando e comentando documentos. Aos dias de hoje, já dispendi aproximadamente 150 horas revisando e analisando vídeos das entrevistas com os validadores. E todo esse trabalho não se restringiu a grande Nova Iorque, onde moro e trabalho. Pelo contrário, já realizei consultorias e atuei como testemunha em uma dúzia de outros estados e já proferi palestras para profissionais de saúde mental em mais de 20 estados. Entretanto, tais viagens não foram experiência de mão única nas quais eu meramente repassei informações para minha audiência, e sim recebi importante retorno deles, retornos que aprimoraram meu conhecimento nesta área.

    O que estou provendo aqui é essencialmente minha história e minha compreensão do que está acontecendo. Uma vez que meu propósito aqui seja apresentar primariamente minhas percepções pessoais, há uma certa redução nas referências a outras publicações, tanto leigas como acadêmicas. Para cada ponto de vista, eu poderia ter encontrado numerosas referências que corroborassem minha posição, bem como outras numerosas referências que a refutassem. Na atmosfera de histeria na qual estamos vivendo, publicações em qualquer um dos sentidos não seria difícil encontrar. A terminologia da ‘prova científica’ não se aplica a maioria dos assuntos discutidos aqui. No entanto, há dezenas, provavelmente centenas, de casos nos quais há grande disputa acerca de uma prova legal de que tenha ocorrido abuso sexual. Assim, ao invés prover meu posicionamento de uma ilusória armadura de uma lista selecionada de referências (cada uma das quais poderia ser contraposta a uma outra lista selecionada de outras referências), eu aqui postularei simplesmente acerca das minhas opiniões nesses assuntos.

    Alguns argumentam que muito da obsessão pelo abuso sexual infantil seja campanha publicitária ou histeria coletiva e que a comprovação de abuso sexual infantil seja relativamente rara. Em contraste, outros sustentam que uma criança que declama ter sido sexualmente abusada deve estar dizendo a verdade. ‘Crianças nunca mentem’ sobre tais assuntos – dizem esses – porque uma criança não se expõe diretamente a informações acerca de encontros sexuais e portanto se tal descrição é feita, provavelmente é válida. ‘Acreditem nas crianças’ tem sido o chavão de pais, educadores e promotores em muitos desses casos. Aqueles que alegam que muitas das alegações infantis são fantasiosas, distorcidas, ilusórias e/ou que tenham sido induzidas por um adulto são vistos com suspeitas e frequentemente condenados na base do grito. Neste ponto, eu suspeito que haja muito mais pessoas que acreditam que estamos de fato lidando com uma epidemia de abuso sexual do que aqueles que pensam que o problema esteja sendo abordado de forma exagerada em decorrência de histeria coletiva.

    Como resultado dessa disputa, muitas pessoas foram postas (ou se colocaram por si mesmas) em um de dois campos: aqueles que creem que todas as narrativas das crianças sejam verdadeiras e aqueles que sustentam que sejam falsas. Mas não estamos lidando aqui com situações binárias tipo sim/não. O problema não se resume simplesmente a questão se a maioria das narrativas de abuso sexual das crianças seja verdadeira ou falsa. Ao se perguntar sobre a plausibilidade de uma narrativa de abuso sexual ser verdadeira ou falsa, deve-se perguntar: De qual situação estamos falando? Em algumas situações, há uma grande chance que uma narrativa seja verdadeira; em outras, há uma probabilidade muito baixa que tal alegação sejam válida. Uma alegação de abuso sexual que surja em um contexto intrafamiliar possui uma grande chance de ser válida. Incesto é provavelmente muito comum, especialmente de filha com o padrasto (ou mesmo o pai). Obviamente, seria impossível obter estatísticas apuradas sobre esse tema, mas eu creio que haja evidências para corroborar a conclusão de que seja um fenômeno disseminado e que provavelmente tenha uma longa história – datando do início da humanidade.

    Em contraste, alegações de abuso sexual feitos em contexto de disputa pela guarda dos filhos (especialmente em disputas de alta litigância) apresentam uma probabilidade muito alta de ser falsa. Uma acusação de abuso sexual pode ser um método muito efetivo em satisfazer a vingança de um ex-cônjuge hostil e que certamente acelerará o processo judicial. A acusação pode resultar em imediata suspensão de convívio com o acusado, pode literalmente arruinar a carreira e pode causar outros problemas emocionais devastadores. Dessa forma, é uma arma muito tentadora a ser usada em disputas amargas. Eu não estou dizendo que abuso sexual infantil não possa de fato ocorrer em um contexto de disputa pela guarda das crianças; estou apenas dizendo que tais alegações são mais provavelmente falsas – considerando o contexto no qual surgem. Já publiquei outros livros onde descrevo detalhadamente os critérios que podem ser utilizados para diferenciar entre alegações falsas e verdadeiras de abuso sexual no contexto de disputas judiciais pela guarda dos filhos.

    Outra situação que tem atraído minha atenção nos anos recentes tem sido creches e pré-escolas. O caso McMartin da Califórnia é provavelmente o mais conhecido (Carlson 1990, Nathan 1990). Eu creio que a vasta maioria das alegações dessa categoria seja falsa, ainda que muitas das crianças acusadoras creiam que foram abusadas (a situação usual). Tais casos possuem todos os elementos-chave de histeria coletiva similares aos do período dos julgamentos das bruxas de Salém em 1692 (Mappan 1980, Richardson 1983). Eu irei discutir as similaridades e diferenças no capítulo 14. É bem provável que abuso sexual infantil seja um fenômeno comum em internatos, orfanatos e outras situações em que crianças convivam lado a lado com adultos estranhos a família. Eu não acredito que abuso sexual decorrente de predadores a espreita em uma vizinhança seja um fenômeno comum, ainda que certamente ocorra.

    Dessa forma, ao falar sobre a prevalência do abuso sexual infantil, deve-se atentar para identificar o contexto específico no qual o estudo está sendo feito, pois de outra forma, a questão sobre a prevalência se torna sem sentido. Há contextos de alta probabilidade e contextos de baixa probabilidade. Lares substitutos, orfanatos, internatos, uma vez que eles propiciem oportunidades para contínuo contato e envolvimento com a criança, são locais de alto risco para abuso sexual infantil. Internatos britânicos (nos quais o abuso sexual é frequentemente associado a componentes sadomasoquistas) são bem conhecidos quanto a este fenômeno. Eu creio que o princípio mais importante a ser considerado quanto ao risco é o da oportunidade para um pedófilo manter contato contínuo e prolongado com uma criança vítima em potencial. Quando esse princípio é aplicado para as categorias descritas acima, a disparidade de prevalência, ostensiva, torna-se compreensível. No caso da família, na qual um parente tem a maior oportunidade de envolvimento com a criança, é onde de fato há o maior risco do abuso sexual infantil. Ainda que genitores envolvidos em uma disputa pela guarda dos filhos também tenham tais oportunidades (na realidade, a oportunidade é maior no lado do genitor que passa o maior tempo com a criança), a questão da vingança e potencial exclusão deve receber uma consideração muito séria. Por sua vez, em creches e pré-escolas, onde a oportunidade de contato prolongado com uma criança sozinha é muito pouca, o risco de abuso sexual é baixo. Eu não estou dizendo que não ocorram em absoluto casos de abuso sexual nessas situações. Certamente, pedófilos se sentem atraídos a trabalharem nesses lugares, onde podem ter a oportunidade de contatos de natureza sexual com crianças. Estou apenas dizendo que a prevalência é muito baixa.

    Ao longo deste livro, eu uso a definição comum do dicionário sobre ‘pedófilo’, qual seja um adulto que tenha um relacionamento sexual com uma criança. Há quem restrinja esse termo a situações nas quais o agressor era previamente desconhecido da criança e use o termo incesto para referir-se a situação intrafamiliar. Obviamente, trata-se de uma diferenciação perfeitamente aceitável se todo os interlocutores concordarem. Há muitas outras situações nas quais pode ser difícil decidir se o termo ‘pedofilia’ se aplica: por exemplo, especialmente no caso em que a definição considera a diferença de idade. O Manual de Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria – DSM III-R – (nota do tradutor: atualmente, o DSM está em sua quinta versão – DSM-5) define pedofilia como um ato sexual entre uma pessoa que tenha 16 anos ou mais e outra que tenha 13 anos ou menos. Além disso, deve haver pelo menos 5 anos de diferença de idade entre o agressor e a vítima, mas o termo não se aplica se o caso tratar-se de um relacionamento mais prolongado entre adolescentes de pelo menos 12 anos de idade. Evidentemente, tais recortes etários acrescentam dificuldades óbvias em seus limites. Por exemplo, se a diferença de idade for de apenas quatro anos e meio, então o agressor não seria considerado um pedófilo. Da mesma forma, um adolescente de 15 anos que violentasse uma criança de quatro anos não seria considerado um pedófilo. A definição legal de pedofilia varia, nos Estados Unidos, de estado para estado e podem ser ainda mais complexas e confusas. Além do mais, a severidade a ser aplicada pelas cortes judiciais varia, e a decisão final se baseia mais nas emoções do juiz e do júri do que em uma definição legal estrita. Ainda que as definições legais e psiquiátricas não distingam entre parentes e estranhos, os estranhos são geralmente condenados mais severamente do que os familiares. E pais e padrastos tendem a ser mais severamente punidos do que irmãos e primos.

    Meu foco neste livre são as falsas acusações de abuso sexual feitas em contexto de creches e pré-escolas. Extensivamente, eu lido com as falsas acusações de abuso sexual feitas em contexto de disputa judicial pela guarda dos filhos. Ainda que haja diferenças no modo pelo qual tais acusações surgem, elas compartilham uma impressionante similitude com relação ao desenvolvimento progressivo das acusações, do plausível ao implausível, do razoável ao fantasioso e mesmo ao impossível. Na verdade, são os elementos fantasiosos ou mesmo os impossíveis que são pistas importantes para determinar a falsidade das acusações.

    Ao longo deste livro, eu usarei a palavra ‘falsa’ para se referir a ampla variedade de acusações que não possuam base na realidade. Há momentos em que a criança e/ou o adulto estejam conscientemente inventando. Eles sabem muito bem que tal acusação não tem base na realidade e são conscientes que estão mentindo. Outra categoria de falsas acusações é aquela na qual haja apenas evidências mínimas de abuso, mas a pessoa apresenta uma necessidade psíquica de elaborar, exagerar e transformar uma fagulha de uma possível evidência na crença que o abuso tenha de fato ocorrido. Outra categoria de falsas acusações envolve a projeção de impulsos sexuais sobre um terceiro, inocente. O terceiro, então, torna-se o agressor ou mesmo a vítima. Este é um dos elementos centrais no preconceito, e, se tal comportamento é intenso, o termo ‘ilusão’ é aplicável. Por fim, há uma categoria de pessoas que começa com uma invenção e então passa a acreditar nas próprias mentiras. Para todos esses casos, eu usarei o termo ‘falsa acusação’. Eles possuem em comum o fato básico que abuso nunca ocorrera.

    É importante o leitor ter em mente que não há uma explicação fácil nem simples do porquê do desenvolvimento e entranhamento na mente de uma

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