Explore mais de 1,5 milhão de audiolivros e e-books gratuitamente por dias

A partir de $11.99/mês após o período de teste gratuito. Cancele quando quiser.

Técnicas Psicanalíticas: Um olhar sobre o manejo, intervenção, interpretação e os desafios do setting analítico
Técnicas Psicanalíticas: Um olhar sobre o manejo, intervenção, interpretação e os desafios do setting analítico
Técnicas Psicanalíticas: Um olhar sobre o manejo, intervenção, interpretação e os desafios do setting analítico
E-book356 páginas4 horas

Técnicas Psicanalíticas: Um olhar sobre o manejo, intervenção, interpretação e os desafios do setting analítico

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este livro é uma coletânea de textos que foram desenvolvidos nos últimos 10 anos por alunos, professores e diretores da Escola Freudiana de Vitória.
Escolhemos como desafio, dando o primeiro passo para uma sequência de outros trabalhos, o tema: Técnicas Psicanalíticas – Um olhar sobre o manejo, intervenção, interpretação e os desafios do setting analítico.
Por se tratar de uma sequência de textos, iniciamos com um texto que traz o pensamento e orientações de Sigmund Freud por considerar oportuno e essencial que o leitor conheça o pensamento do pai da Psicanálise. Os textos posteriores complementam e contribuem para o pensamento de outros autores que tratam do tema da Técnica Psicanalítica.
Assim, selecionamos quinze artigos que enriquecerão esse primeiro volume e esperamos que este livro organizado, com muito carinho, venha contribuir para o conhecimento dos Psicanalistas em formação, assim como para os profissionais que atuam na área da Psicanálise.
IdiomaPortuguês
EditoraEditora Dialética
Data de lançamento21 de jul. de 2025
ISBN9786527065326
Técnicas Psicanalíticas: Um olhar sobre o manejo, intervenção, interpretação e os desafios do setting analítico

Relacionado a Técnicas Psicanalíticas

Ebooks relacionados

Psicologia para você

Visualizar mais

Categorias relacionadas

Avaliações de Técnicas Psicanalíticas

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Técnicas Psicanalíticas - Organização: Escola Freudiana de Vitória

    2.

    Orientações iniciaIs sobre a técnica psicanalítica e outros trabalhos segundo freud

    Lúcia Maria Godoy¹

    RESUMO

    Este estudo aborda as orientações iniciais sobre a técnica psicanalítica segundo Freud, contextualizando o desenvolvimento da psicanálise como método de investigação e tratamento das neuroses. A pesquisa baseia-se em obras fundamentais, como O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e outros Trabalhos (1913-1914), além de contribuições de autores contemporâneos. Freud, a partir de suas experiências clínicas e da influência de Charcot, Breuer e Janet, concebeu um modelo de funcionamento psíquico estruturado pelo inconsciente e suas formações sintomáticas. Dentre os principais achados, destaca-se a centralidade da transferência no processo analítico, compreendida tanto como ferramenta técnica quanto como resistência. Freud enfatiza que a repetição na análise revela conflitos inconscientes e deve ser manejada pelo analista sem ceder à sugestão ou interferência interpretativa precoce. A técnica da livre associação e a escuta atenta são apresentadas como elementos essenciais para a apreensão do desejo e para a elaboração dos sintomas. O estudo também problematiza o lugar do analista, sua neutralidade e a necessidade de uma análise pessoal para evitar a contratransferência. Conclui-se que a psicanálise não se alinha a padrões terapêuticos rígidos, mas propõe uma prática que valoriza a singularidade do sujeito e o trabalho sobre a linguagem do inconsciente. Em um contexto contemporâneo marcado pela busca por soluções rápidas, a psicanálise reafirma-se como um espaço de escuta e elaboração, sustentando a impossibilidade de um saber lapidado e livre de furos sobre a compreensão do sujeito.

    Palavras-chave: Técnicas; Psicanálise; Freud; Analista.

    INTRODUÇÃO

    A psicanálise caracteriza-se por uma abordagem complexa, que engloba tanto um método de investigação das neuroses quanto uma forma de tratamento fundamentada na etiologia identificada por meio dessa análise. Destaca-se que sua formulação não se originou de especulações, mas sim do resultado de experiências empíricas. O que a coloca, assim como qualquer novo avanço científico, em um estado de constante desenvolvimento – sem nenhuma pretensão de entregar algo lapidado e completo – uma vez que acompanha os desfechos em saúde mental atravessados pelo tempo histórico, cultural, político e econômico. À vista disso, a validade de suas premissas pode ser verificada por meio de investigações que consonam com outras áreas do saber, possibilitando a ampliação e o aprimoramento contínuo desse campo de estudo (SAMPAIO et al., 2011).

    Fazendo retorno à estruturação psicanalítica, Sigmund Scholomo Freud (1856-1939) percorreu um itinerário significativo no campo da medicina e da neurologia. Formado pela Universidade de Viena, dedicou-se inicialmente ao estudo da anatomia do sistema nervoso, buscando compreender as bases biológicas dos processos psíquicos. Sua inserção no campo da neuropatologia, sob a influência de mestres como Jean-Martin Charcot e Josef Breuer, forneceu-lhe os primeiros indícios de que certos fenômenos clínicos, especialmente os sintomas histéricos, não encontravam explicação satisfatória nos modelos organicistas então vigentes (FERREIRA, 2002).

    Rubin (2017) apresenta, em seu estudo, que as investigações de Charcot sobre histeria traumática, e os estudos de Liébeault e Bernheim acerca da hipnose e as explorações de Janet sobre os processos mentais inconscientes, constituíram os alicerces iniciais para o surgimento da psicanálise. Contudo, essa nova perspectiva teórica afastou-se das concepções de Janet ao (i) refutar a ideia de que a histeria teria sua origem em uma degeneração hereditária congênita; (ii) oferecer uma interpretação dinâmica baseada na interação entre forças psíquicas em oposição a uma abordagem meramente descritiva dos fenômenos; e (iii) compreender a fragmentação psíquica — também abordada por Janet — não como resultado de uma deficiência congênita na síntese mental, mas como consequência de um processo psíquico específico denominado repressão (Verdrängung).

    Estudos demonstraram que os sintomas histéricos resultam de experiências emocionalmente impactantes que foram afastadas da consciência cotidiana, sendo sua manifestação determinada por detalhes do trauma vivenciado, sem que haja intencionalidade por parte do indivíduo. Sob essa perspectiva, a possibilidade de tratamento depende da superação desse processo repressivo, permitindo que o conteúdo inconsciente venha à tona e, assim, perca seu potencial patogênico (RUBIN, 2017; SAMPAIO et al., 2011).

    Essa visão é dinâmica, na medida em que encara os processos psíquicos como deslocamentos de energia psíquica que podem ser medidos pelo valor de seu efeito sobre os elementos afetivos. Isto é muito significativo na histeria, onde o processo de ‘conversão’ cria os sintomas pela transformação de uma quantidade de impulsos mentais em inervações somáticas. Os primeiros exames e tentativas psicanalíticas de tratamento foram feitos com o auxílio do hipnotismo.

    O recurso inicial à hipnose como técnica terapêutica permitiu-lhe vislumbrar a existência de formações psíquicas que escapavam ao domínio da consciência e que, ainda assim, determinavam o curso da vida subjetiva. O abandono progressivo dessa técnica e a criação do método da associação livre marcaram uma inflexão radical em seu percurso, deslocando a investigação das bases neurológicas para a estrutura e funcionamento do inconsciente (MACEDO e FALCÃO, 2005).

    Essa modificação teve a vantagem de permitir que o processo fosse aplicado a um número muito maior de casos de histeria, assim como a outras neuroses e a pessoas sadias. Tornou-se necessário, porém, o desenvolvimento de uma técnica especial de interpretação, a fim de interpretar e traduzir o discurso do sujeito em investigação. Essas interpretações estabeleceram com completa certeza o fato de que as dissociações psíquicas são inteiramente sustentadas por resistências internas. Parece, portanto, justificada a conclusão de que as dissociações se originaram devido a um conflito interno que conduziu à repressão do impulso subjacente (FERREIRA, 2002).

    Ademais, a introdução da escuta dos fenômenos psíquicos levou Freud à formulação de um modelo de aparelho psíquico cuja dinâmica não poderia ser reduzida ao campo da consciência. Ao constatar que os sintomas histéricos possuíam um sentido que ultrapassava sua manifestação somática, Freud propôs a existência de uma instância psíquica que opera fora do campo da percepção imediata, regulada pelo mecanismo do recalque (FERREIRA, 2002).

    O inconsciente, portanto, não se apresenta como mero reservatório de conteúdos reprimidos, mas como um sistema estruturado por leis próprias, regido pelos deslocamentos e condensações que se manifestam por meio dos mecanismos de defesa do Ego (MACEDO e FALCÃO, 2005). Essa formulação instaura uma nova lógica na abordagem do sofrimento psíquico, que passa a ser compreendido não mais como um déficit ou uma disfunção, mas como um modo de organização da subjetividade, cujas formações expressam os impasses do desejo.

    O advento da psicanálise inscreve-se, assim, como resposta a uma clínica do mal-estar que excedia os limites da explicação médica tradicional. Os sintomas histéricos, que desconcertavam a psiquiatria do século XIX, revelaram-se como portadores de uma verdade outra, que não se expressava no discurso consciente, mas na linguagem do inconsciente. Ao invés de serem concebidos como meras desordens funcionais, os sintomas passaram a ser reconhecidos como formações significantes que portam a marca do desejo recalcado. A psicanálise, ao deslocar a atenção do sintoma manifesto para a lógica que o constitui, inaugurou um novo dispositivo clínico: a escuta do sujeito em sua singularidade, orientada pela interpretação dos significantes que estruturam sua fala (MAIA, MEDEIROS e FONTES, 2012).

    Diante disso, este estudo tem como objetivo geral analisar as técnicas psicanalíticas desenvolvidas por Freud, com base na obra: O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e outros Trabalhos (1913-1914). O desejo dos psicanalistas por métodos clínicos eficazes justifica a necessidade de aprofundamento teórico sobre o tema, especialmente em um contexto em que a psicoterapia muitas vezes se orienta por normas rigidamente estabelecidas como padrão-ouro. Depois de todos os seus estudos sobre técnica, contudo, Freud nunca deixou de insistir que um domínio apropriado do assunto só poderia ser adquirido pela experiência clínica e não pelos livros. Experiência clínica com pacientes, mas, acima de tudo, experiência clínica oriunda da própria análise do analista.

    Esse paradigma, apesar de relevante para diversas abordagens, não se alinha à proposta psicanalítica, que não se reduz a protocolos fixos, mas sim a um processo dinâmico de investigação subjetiva. Dessa forma, este estudo busca não apenas contextualizar as técnicas psicanalíticas em sua fundamentação original, mas também destacar a importância de uma prática que resguarde a singularidade do sujeito e suas condições de se articular com o processo analítico, rompendo com modelos engessados e reafirmando a escuta como ferramenta central do processo terapêutico.

    DESENVOLVIMENTO TEÓRICO

    1 INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS

    O início deste ensaio versará sobre O Manejo da Interpretação de Sonhos na Psicanálise (1911), em que Freud destaca o papel da técnica interpretativa dentro do processo analítico, delimitando seu uso a um contexto terapêutico específico. Diferente da obra A Interpretação dos Sonhos (1900), na qual ele estabelece os princípios fundamentais da formação onírica, este artigo busca orientar os analistas na aplicação prática dessa ferramenta na clínica.

    Freud salienta que a interpretação dos sonhos não deve ser realizada de maneira exaustiva e mecânica, pois essa abordagem pode entrar em conflito com os objetivos terapêuticos mais imediatos. Ele adverte que a insistência na análise minuciosa de cada sonho pode levar a uma resistência do paciente, além de distanciar o tratamento de sua meta principal, que é acessar conteúdos inconscientes de maneira orgânica e progressiva. Dessa forma, a interpretação deve ocorrer dentro de um equilíbrio técnico, respeitando o curso da análise e a dinâmica subjetiva do analisando.

    Ademais, o psicanalista destaca que a interpretação onírica não deve ser conduzida como um exercício teórico autônomo, mas sim como um meio de acessar o inconsciente e compreender os conflitos psíquicos que sustentam e apresentam destinos multifacetados aos sintomas neuróticos. Ele observa que a interpretação de sonhos não deve ser perseguida no tratamento analítico como arte pela arte, mas que seu manejo deve submeter-se àquelas regras técnicas que orientam a direção do tratamento como um todo.

    Nesse sentido, o manejo da interpretação de sonhos não se reduz a uma decodificação simbólica linear, mas insere-se no método associativo, permitindo que o analisando estabeleça conexões significativas entre o material onírico e sua experiência psíquica. Ao enfatizar a importância da postura técnica do analista, Freud reafirma que a psicanálise não deve ser conduzida por esquemas rígidos, mas por uma escuta atenta aos processos inconscientes e suas manifestações na transferência.

    2 TRANSFERÊNCIA E AMOR DE TRANSFERÊNCIA NO PROCESSO ANALÍTICO

    No desenvolvimento da técnica psicanalítica, a compreensão do fenômeno da transferência assume um papel central, sendo abordada de maneira detalhada nos artigos A Dinâmica da Transferência (1912) e Observações sobre o Amor Transferencial (1914). Em A Dinâmica da Transferência, Freud conceitua a transferência como um processo inevitável na análise, no qual os desejos inconscientes do analisando se deslocam para a figura do analista. Ele observa que a estruturação psíquica do indivíduo forma padrões afetivos repetitivos, que emergem na análise como uma reatualização de protótipos infantis. Essa repetição, que inicialmente se apresenta como um facilitador do processo analítico, pode, contudo, tornar-se a principal resistência ao tratamento, uma vez que o analisando tende a vivenciar o vínculo analítico como uma relação afetiva real, desviando-se do trabalho de elaboração.

    Freud enfatiza que o manejo clínico da transferência exige que o analista reconheça e utilize esse fenômeno como instrumento técnico, sem se deixar capturar pelas emoções projetadas pelo paciente. Ele destaca que a transferência pode ser dividida em positiva e negativa, sendo a primeira caracterizada por sentimentos afetuosos e a segunda por conteúdos hostis. Independentemente de sua natureza, a resistência à análise frequentemente se manifesta na esfera transferencial, tornando-se o principal obstáculo ao progresso do tratamento.

    A transferência negativa merece exame pormenorizado, que não pode ser feito dentro dos limites do presente trabalho. Nas formas curáveis de psiconeurose, ela é encontrada lado a lado com a transferência afetuosa, amiúde dirigidas simultaneamente para a mesma pessoa. Bleuler adotou o excelente termo ‘ambivalência’ para descrever este fenômeno. Até certo ponto, uma ambivalência de sentimento deste tipo parece ser normal; mas um alto grau dela é, certamente, peculiaridade especial de pessoas neuróticas. Nos neuróticos obsessivos, uma separação antecipada dos ‘pares de contrários’ parece ser característica de sua vida instintual e uma de suas precondições constitucionais. A ambivalência nas tendências emocionais dos neuróticos é a melhor explicação para sua habilidade em colocar as transferências a serviço da resistência. Onde a capacidade de transferência tornou-se essencialmente limitada a uma transferência negativa, como é o caso dos paranoicos, deixa de haver qualquer possibilidade de influência ou cura (FREUD, [1913-1914], p. 65).

    Essa perspectiva é ampliada em Observações sobre o Amor Transferencial, onde Freud se debruça sobre os desafios clínicos do surgimento do amor na transferência, particularmente no caso das pacientes mulheres. Ele observa que esse fenômeno, longe de ser um evento acidental, é inerente à técnica psicanalítica e não pode ser meramente desencorajado ou retribuído. O analista deve manter-se neutro, reconhecendo que o amor transferencial não representa um afeto genuíno direcionado à pessoa do analista, mas sim uma reedição de desejos infantis recalcados. Freud adverte que o caminho que o analista deve seguir não é nem rejeitar a transferência amorosa, nem ceder a ela, mas sustentá-la como um material clínico a ser interpretado.

    A articulação entre A Dinâmica da Transferência (1912) e Observações sobre o Amor Transferencial (1914) ressalta a importância do manejo técnico da transferência dentro do processo analítico. Um ponto adicional relevante é a relação entre resistência e repetição na dinâmica transferencial. Freud destaca que a transferência não apenas revela conteúdos inconscientes, mas também funciona como um mecanismo de resistência, na medida em que o analisando pode usá-la para evitar o aprofundamento da análise. O amor transferencial, em particular, tende a emergir como uma defesa contra a recordação e a elaboração de conflitos recalcados, desviando a energia psíquica para o vínculo com o analista.

    A transferência no tratamento analítico manifesta-se, desde o princípio, como o principal instrumento da resistência. Dessa forma, pode-se afirmar que sua intensidade e duração são reflexo e consequência dessa resistência. Embora o mecanismo da transferência seja analisado a partir da prontidão da libido, que preserva imagos infantis, sua função no tratamento só pode ser compreendida ao examinar suas interações com as resistências. Sobre essa condição, o autor traz:

    No processo de procurar a libido que fugira do consciente do paciente, penetramos no reino do inconsciente. As reações que provocamos revelam, ao mesmo tempo, algumas das características que viemos a conhecer a partir do estudo dos sonhos. Os impulsos inconscientes não desejam ser recordados da maneira pela qual o tratamento quer que o sejam, mas esforçam se por reproduzir-se de acordo com a atemporalidade do inconsciente e sua capacidade de alucinação (FREUD, [1913-114], p. 65).

    Dessa forma, a técnica psicanalítica não busca eliminar a transferência, mas utilizá-la como um instrumento de investigação e transformação subjetiva. O manejo adequado desse fenômeno requer que o analista sustente uma posição de neutralidade e abstinência quanto a imposição do desejo do outro, permitindo que o analisando experimente e compreenda suas próprias projeções sem que estas sejam reforçadas ou rejeitadas precipitadamente.

    Neste ínterim, Freud antecipa nesses textos problemáticas que serão amplamente discutidas por teóricos posteriores, como Lacan, que enfatiza o papel estruturante da transferência na própria constituição do desejo. Assim, o estudo da técnica psicanalítica demonstra que a transferência não é apenas um obstáculo a ser superado, mas um campo privilegiado de acesso ao inconsciente, no qual o desejo se reinscreve e pode ser ressignificado pela interpretação analítica.

    3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO

    Freud apresenta diretrizes fundamentais para a técnica psicanalítica, buscando estabelecer um método que preserve a singularidade do processo analítico, sem perder de vista a necessidade de uma estrutura que sustente o trabalho clínico. O autor utiliza uma analogia interessante ao afirmar que o começo do tratamento e seu encerramento podem ser descritos em termos gerais, mas o que ocorre entre esses dois pontos depende das circunstâncias individuais de cada caso. Essa visão destaca a impossibilidade de uma padronização rígida da psicanálise, uma vez que cada sujeito apresenta formações inconscientes que exigem abordagens específicas.

    Um dos pontos centrais do texto é a importância da associação livre como método fundamental da psicanálise. Freud recomenda que, já no início do tratamento, o analista incentive o paciente a expressar seus pensamentos sem censura, permitindo que o material inconsciente se manifeste progressivamente. Essa técnica não apenas fornece acesso às formações sintomáticas e às resistências do paciente, mas também possibilita a construção da transferência, elemento essencial do processo analítico. Freud adverte que quanto menos tentarmos conduzir o pensamento do paciente, mais rapidamente alcançaremos as cadeias associativas significativas. Isso reforça a ideia de que a posição do analista deve ser a de um facilitador do discurso, evitando interferências que possam moldar artificialmente o material inconsciente trazido pelo paciente.

    Por conseguinte, tem-se a disposição espacial do tratamento, que envolve a clássica recomendação de que o paciente se deite no divã enquanto o analista permanece fora de seu campo de visão. Freud justifica essa técnica não apenas como um artifício técnico, mas como um meio de evitar que o olhar do paciente se torne uma fonte de distração para o analista e de minimizar a influência de expressões faciais sobre o processo associativo, afirmando que a presença visual do terapeuta interfira na dinâmica do tratamento.

    Além disso, Freud aborda a questão da resistência inicial dos pacientes, um fenômeno inevitável na psicanálise e discutido no artigo sobre a transferência. Ele alerta que, ao tentar apressar o processo ou forçar interpretações precoces, o analista pode fortalecer as defesas psíquicas do analisando, prejudicando o desenrolar do tratamento. Assim, a paciência e a escuta atenta são pilares fundamentais da técnica, permitindo que o paciente construa gradualmente sua própria narrativa e compreenda seus conflitos internos sem imposições externas.

    Por fim, Freud sublinha a necessidade de evitar que o processo psicanalítico se torne uma prática mecanizada ou excessivamente dogmática. Ele reconhece que, embora existam princípios fundamentais que orientam a técnica, o analista deve possuir uma capacidade de adaptação contínua às particularidades de cada caso. A psicanálise, segundo Freud, não deve se reduzir a um conjunto fixo de regras, mas sim a uma prática clínica dinâmica, guiada pela singularidade do sujeito e pela escuta analítica refinada.

    4 RECORDAR, REPETIR E ELABORAR

    No desenvolvimento da técnica psicanalítica, Freud propõe, no artigo Recordar, Repetir e Elaborar (1914), uma reformulação do método analítico, substituindo a abordagem inicial, centrada na hipnose e na catarse, por um modelo mais estruturado e voltado para a resistência do paciente. O artigo introduz conceitos fundamentais, como a compulsão à repetição e a elaboração, que se tornaram eixos centrais na clínica psicanalítica.

    Freud argumenta que, diferentemente da técnica hipnótica, na qual o paciente era levado a recordar diretamente os eventos traumáticos, o método psicanalítico baseia-se na percepção de que o analisando frequentemente não se lembra dos conteúdos recalcados de forma espontânea, mas os revive no presente da análise por meio da repetição. Esse fenômeno, denominado compulsão à repetição, manifesta-se na repetição de padrões comportamentais, relações interpessoais e até sintomas neuróticos que reproduzem experiências inconscientes passadas. Freud observa que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Dessa maneira, a resistência se insere como um fator determinante, uma vez que a repetição opera como um mecanismo defensivo que impede a rememoração plena.

    A função do analista, nesse contexto, não é apenas interpretar os conteúdos inconscientes, mas criar condições para que o analisando possa elaborar a repetição por meio do trabalho psíquico. A elaboração (Durcharbeiten), segundo Freud, consiste no processo pelo qual o paciente, guiado pela escuta analítica, é levado a enfrentar suas resistências e a transformar a repetição em recordação. Esse trabalho, embora árduo e prolongado, é essencial para que a análise não se reduza a um exercício de interpretação teórica, mas se torne um espaço de transformação psíquica genuína.

    Freud ressalta que a compulsão à repetição se apresenta, muitas vezes, de forma intensa na transferência, o que exige do analista uma postura que não ceda à sugestão ou à gratificação dos impulsos do paciente. A transferência, ao mesmo tempo que permite o acesso ao material recalcado, também pode ser o principal campo de resistência ao processo analítico. Diante disso, o manejo técnico consiste em sustentar a repetição na relação analítica e utilizá-la como instrumento de recordação e elaboração. Assim, Freud conclui que devemos tratar sua doença não como um acontecimento do passado, mas como uma força atual. A esta discussão, discorre-se:

    Todavia, o instrumento principal para reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para recordar reside no manejo da transferência. Tornamos a compulsão inócua, e na verdade útil, concedendo-lhe o direito de afirmar-se num campo definido. Admitimo-la à transferência como a um playground no qual se espera que nos apresente tudo no tocante a instintos patogênicos, que se acha oculto na mente do paciente. Contanto que o paciente apresente complacência bastante para respeitar as condições necessárias da análise, alcançamos normalmente sucesso em fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado transferencial e em substituir sua neurose comum por uma ‘neurose de transferência’, da qual pode ser curado pelo trabalho terapêutico (FREUD, [1913-114], p. 96).

    A transferência estabelece, portanto, um

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1