Condutores de Almas
De Elsa Leal
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Sobre este e-book
Cecília carrega sobre os ombros uma pesada herança familiar: vingar a morte de uma antepassada, eliminando os homens impuros da face da Terra. Ou, pelo menos das redondezas da aldeia onde mora.
Como quinta filha de uma quinta filha, cabe-lhe a ela, não só dar continuidade à linhagem, como também aplicar justiça com as suas próprias mãos contra os homens que são considerados como alvos a abater.
Mas, ironicamente, a sua vida familiar é tudo menos fácil. Casada com um homem violento e ciumento, Cecilia tem que conciliar a vida de uma simples mãe de familia de uma aldeia rural, com a de Carrasca.
Num Portugal profundo, encontramos uma realidade aparentemente comum, com pessoas aparentemente normais, mas que esconde uma hierarquia antiga, que decide destinos e obedece a severas regras de funcionamento.
Elsa Leal
Seria, no mínimo, estranho falar de mim na terceira pessoa, por isso não o faço.Nasci em 1978 numa cidade industrial a sul do Tejo, onde ainda resido. Desde pequena que me fiz rodear de livros, que nunca considerei como acessórios, mas antes objectos de uso intensivo.Ainda antes da era digital, já escrevia à mão e, confesso que ainda hoje é a melhor forma de as ideias continuarem a fluir. Ainda assim, isso não faz com que descure as novas tecnologias, nada disso. Blogger desde 2004, já estreei umas quantas páginas, que acabei por encerrar quando achei que já não fazia sentido mantê-las.Presentemente, mantenho um blog com uma vertente mais generalista - Os Fantásticos Mundos de Elsa - onde encontram uma pequena amostra da quantidade de coisas que me passam pela cabeça. Lá fala-se de tudo um pouco, num tom descontraído.Sou uma amadora no mundo da escrita, embora faça parte de um grupo bem dinâmico nestas lides. Para quem conhece a minha escrita, sabe que não digo as coisas em poucas palavras. Mas seguramente, tudo o que escrevo me dá muito prazer. Contam-se centenas de páginas escritas entre os meus arquivos. Um dia conto fazê-las saltar todas cá para fora.
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Condutores de Almas - Elsa Leal
Cecília acordou com a sensação de ter sido atropelada por um camião. Mexeu-se a custo e tentou abrir os olhos, mas estes teimavam em não lhe obedecer.
Cheia de dores nas articulações, esticou o braço para desligar o despertador, mas acabou por atirá-lo ao chão. A cabeça estava oca, como se tivesse uma ressaca brutal.
«Porra! Porra! Porra!» - resmungou, enquanto se arrastava da cama, com metade do corpo a tombar para o chão. Tinha que desligar o despertador antes que ele acordasse, senão o dia ia começar mal.
Não que geralmente o dia lhe corresse bem, mas se pudesse evitar algum tipo de confronto logo pela manhã, a sua saúde mental agradecia. E o corpo também.
Com mais um safanão, alcançou o despertador e deixou-se cair por completo, reunindo forças para se levantar. Eram sete da manhã, não havia um minuto a perder. Tinha que se despachar rapidamente, pois os cinco filhos tinham que estar nas respectivas escolas em pouco mais de uma hora.
Resignando-se ao facto de ter que despachar tudo sozinha – outra vez – Cecília foi para a casa de banho e tomou um duche rápido para espantar as teias de aranha que teimavam em obstruir-lhe o raciocínio matinal.
Quando saiu do banho, mirou-se ao espelho. Estava de novo cheia de nódoas negras nos braços e nas canelas, embora tivesse a certeza que da última vez Severino não lhe tivesse acertado em nenhum destes sítios.
Limpou uma lágrima que teimou em formar-se, resolvida a não deixá-la escorrer. Havia já muito tempo que se resignara ao facto de não poder simplesmente ir-se embora. Tinha um passado complicado e cinco filhos para criar. Não, tinha que aguentar. Por tudo isso, mas sobretudo por eles, tinha que ser forte e aguentar mais um dia, porém a passagem do tempo continuava a não ser generosa consigo.
Vestiu a roupa, cobrindo o seu corpo que, apesar de marcado por nódoas negras e cicatrizes que lhe lembravam as cinco gravidezes, teimava em manter-se esbelto e firme, como se ainda tivesse vinte anos. Uma vez mais abençoou o facto de Severino não gostar de olhar para ele, preferindo violá-la na escuridão da noite, quando ninguém – nem ele próprio – conseguiam ver o que acontecia dentro daquelas quatro paredes. Só assim não tinha mais explicações a dar, porque ele certamente se questionaria sobre as marcas estranhas que lhe apareciam no corpo e que não tinham sido lá postas por si.
O facto de não ter resposta convincente para lhe dar acerca das suas origens era quase tão assustador como a forma como elas iam lá parar, porém a segunda razão que a atormentava era um pouco menos preocupante, porque tinha que lidar apenas consigo própria. Abençoou igualmente o facto de ele lhe exigir que ela andasse com roupa recatada e, naquele dia, escolheu umas calças largas de malha castanha e uma camisa florida que apertou até ao pescoço, e que a faziam parecer ter mais dez quilos e mais dez anos em cima.
Depois, apertou o seu longo cabelo negro, cheio de caracóis rebeldes – o único traço do seu verdadeiro temperamento – num carrapito severo e preparou-se para mais um dia. Mais um longo e triste dia da sua miserável vida.
CAP. 1
«Morte em Cabeçais de Baixo – Homicídio bizarro vitima construtor local.
Juvenal Castro, de 58 anos, casado com Maria Leontina Castro, foi morto esta noite. Deixa dois filhos ainda menores e uma viúva inconsolável. O crime assume contornos hediondos, pois o corpo foi encontrado no meio de um pentagrama, aparentemente desenhado com o sangue da própria vítima. Cinco velas brancas ainda ardiam na terra, uma em cada ponta da estrela, quando o corpo foi descoberto. A polícia encontra-se neste momento a investigar o caso, mas até à altura ainda não tem qualquer suspeito.»
Cecília estremeceu quando ouviu a porta de casa bater com um enorme estrondo e pousou o jornal