Separados Por Deus
De Uziel Santos
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Separados Por Deus - Uziel Santos
SEPARADOSPORDEUS
UzielSantos
SEPARADOSPORDEUS
Salvador-Ba
Copyright © Uziel Santos Capa: Elomar Xavier
Projeto Gráfico e Diagramação: Itarcio A. L.
Equipe de Revisão: Maria Rita Barbosa Revisão Final: ????
Tiragem: xx exemplares
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Uziel Santos
S2376o
Separados Por Deus – Salvador: editora, 2012.
136 p.
Bibliografia
ISBN ? ? ? -? ? -? ? ? ? ? -? ? -
Pedagoga com Ênfase em Educação Especial. Alfabetização para Jovens e Adultos. Alfabetização para Deficiente Auditivo.
Pesquisa e palestras sobre: Bullying – Educação, Educação Religiosa, Saúde Natural, violência, Violência Sexual.
CDD 254. 8
Proibida reprodução total ou parcial sem autorização do autor.
Os infratores serão tratados segundo a lei.
Direito de publicação reservado em língua portuguesa para o autor.
Dedicatória
À Mariana,
porque também somos o
que perdemos.
Sumário
PARTE I
1. A Morte
11
2. Os Ateus
23
3. Mudanças
33
4. A Origem
43
5. A Viagem
53
6. Evidências
63
PARTE II
Separação
1. A Vida sem Nara
77
2. A Vida com Deus
81
3. O Dia que o Amor Morreu
85
Novas Relações
4. A Maldição
97
5. A Bênção
103
6. O Antes e o Depois
109
Nascimentos
7. O Novo Allan
119
8. A Nova Nara
123
9. Datas Históricas
127
Casamentos
10. O Sim de Allan
141
11. O Sim de Nara
145
12. O Jogo
149
Objetivos
13. O Divórcio
163
14. Os Filhos
167
15. Visitas
173
De Volta às Origens
16. Reencontro
187
17. Encontros de Amigos
197
O Fim
18. Penúltimo Plano
211
19. Último Plano
225
PARTE I
CAPÍTULO 1
A Morte
xiste um sentimento que só se tem uma única vez na Evida. Allan teve esse sentimento aos cinco anos de idade quando voltava da igreja com a sua avó. Três casas antes da sua e o estouro. Mesmo sabendo o que havia acontecido, Vó Benedita não conteve o outro estouro, o do seu coração. Tragédia anunciada. Segurou com mais força no braço do franzino neto, correu até sua casa, abriu o cadeado da grade com mãos trêmulas e apressadas, como a sorte continuava ao seu lado, acertou a chave da porta também na primeira tentativa. Ao acender a luz, a morte de Deus para Allan. Ele teve aquele sentimento único de quando se perde a pessoa que mais ama no mundo. Seu jovem pai estava ali, imóvel, morto. O suicida jorrava sangue pela cabeça declinada, o tronco permanecera encostado no sofá branco que agora era manchado por um vermelho babilônico.
Vó Benedita, ereta como uma coluna, ordenou com a voz firme de um trovão para seu neto ir para o quarto. Allan
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mais pálido do que já era não escutou a avó, ela repetiu com mais firmeza e ele obedeceu, foi para o quarto com as lágrimas caindo com o peso de uma tonelada. Nunca havia chorado com tanta abundância de tristeza. Esta não era pelas consequências da morte, até porque em sua pouca idade, ele não saberia dizer quais seriam. A tristeza provinha daquela imagem de filme de terror, do buraco na testa que memorizara com precisão, da quantidade de sangue que jorrava da fresta e da infelicidade de ser seu pai o protagonista da cena.
A vizinhança se aglomerou, vieram curiosos de todos os bairros, a polícia cercou o lugar e com o menino só uma pessoa se preocupou, a professora Dinara que perguntou à mãe do defunto sobre a criança. Ela respondeu que estava no quarto e continuou parada diante do corpo inerte de seu filho. Para ela o tempo havia parado ali, seu olhar petrificado grudara-se naquele rosto sem vida e nenhuma lágrima lhe escorria dos olhos, parece que só o seu coração chorava, mas chorava por dentro, com todos os sentimentos misturados e sufocados no peito, como se também fosse explodir a qualquer momento ou congelar para sempre toda a emoção que a dor represava, todas as antigas dores e medos que aprendeu a calar a vida inteira.
Vó Benedita ordenara ao menino que fosse para o quarto, porque era embrutecida demais para acalmar ou consolar qualquer pessoa. Foi a forma que encontrou para disfarçar e esconder suas próprias fraquezas, estratégia que a transformou numa mulher de coração frio, de comportamento rígido. Nada em seu semblante ou em sua personalidade indicava delicadeza ou sensibilidade. Nem
A Morte
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mesmo a morte tão trágica e prematura de seu único filho emprestava-lhe algum sinal de docilidade.
Dinara foi até o quarto, abraçou o menino perguntando se ele estava bem. Foi o mais carinhosa possível, ele ainda chocado, a tudo ouvia sem dizer nada.
Ela pediu a autorização da Vó Benedita para levá-lo a sua casa, pois tinha uma filha da mesma idade, assim os dois poderiam brincar. E, se não tivesse vontade, ele se sentiria melhor estando com outra criança. Autorização consentida e Allan foi embora sem voltar a ver o corpo do pai.
Nara estava no chão montando um quebra-cabeças, quando viu sua mãe entrar com Allan, ela tirou o volumoso cabelo loiro dos olhos e observou cismada aquele menino que só conhecia de vista, nem sabia seu nome. Ela se levantou e continuou o observando, enquanto que ele só mirava para o chão.
– Nara, eu trouxe um amiguinho para você brincar. O
nome dele é Allan. – Apresentou Dinara. – Quer montar o quebra-cabeça com ela, querido? Fica aqui com ela na sala, eu vou pegar alguma coisa para você comer, tá bom? – Ele balançou a cabeça sem certeza do que estava respondendo ao certo. Dinara beijou o menino na cabeça e foi contar ao marido sobre o suicídio.
– Quer brincar? – Perguntou Nara sentando-se outra vez no chão. Allan demorou de se decidir, por fim sentou-se perto dela, mas não mexeu no quebra-cabeça.
– Você não sabe montar? – Perguntou Nara querendo incluí-lo na brincadeira. Ele deu de ombros e ela não teve dúvidas de que seu novo amiguinho estava imensamente
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triste.
– Você sabe o que acontece quando alguém morre? –
Perguntou ele.
– A pessoa vira anjo. – Respondeu Nara, começando a entender de onde vinha aquela tristeza toda e aqueles olhos vermelhos e inchados de Allan.
– Meu pai morreu hoje, será que ele virou anjo?
– Deve ter virado.
– Eu não quero virar anjo. Meu pai levou um tiro na testa. – Sua voz embargou de repente e as lágrimas voltaram a cair.
– Não fica assim. – Disse Nara carinhosamente passando a mão no rosto dele, impedindo que as lágrimas corressem. Allan se controlou para não voltar a chorar, não queria passar vexame, para distrair a emoção encaixou uma peça do quebra-cabeça.
Vó Benedita foi à casa de Dinara buscar seu neto, agora que o corpo já havia sido levado e as pessoas já tinham ido embora.
Allan não quis ir. Nara intercedeu para que ele ficasse. Nas poucas horas juntos, os dois criaram uma forte e sincera amizade.
– Pode deixar ele dormir aqui hoje, Dona Benedita. –
Disse Dinara.
– Mas ele vai dar trabalho, pode chorar de noite. –
Depois de muito discutirem, Vó Benedita achou por bem deixar o menino dormir lá. – Mas se der trabalho, nem vá
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me chamar, quem quis ficar com ele foi você. – E dizendo isso pegou o rumo de casa. Dinara havia se iludido de que com a desgraça, a velha perderia a brutalidade.
Allan e Nara foram colocados para dormir na mesma cama, Dinara contou uma história e quando eles já ressonavam, ela apagou a luz.
Logo pela manhã, o marido de Dinara levou o menino para a casa. Vó Benedita deu banho e o vestiu de preto para o enterro. No cortejo, Nara andou ao lado de Allan e próximos ao caixão, os dois conversaram sobre seus conhecimentos pós-morte.
Não demorou muito para que o assunto mudasse de morte para vida. Os dois se tornaram amigos inseparáveis.
Foram colocados na mesma escola, Vó Benedita, logo se arrependeu disto, pois Allan só queria saber de estar com Nara e ela tinha outros planos para ele. Queria criá-lo na mais completa disciplina e assim tentava fazer; para conseguir, contava com castigo e todo o tipo de violência.
Certa vez, por ele ter se atrasado oito minutos para voltar da casa de Nara, Vó Benedita o colocou por uma hora ajoelhado no milho e se saísse apanhava.
Sendo assim, a velha tornou-se a grande inimiga dos dois amigos que tinham que lutar contra ela para manter uma amizade que começou num momento de dor e trouxe ao coração de Allan, principalmente, uma alegria que nunca antes fora capaz de experimentar. Embora fosse sua vó, ele sentia muita raiva e a cada dia nutria em seu coração um sentimento de rejeição e ódio que sabia não ser comum um neto sentir pela avó. Desde que seu pai era vivo, ela já
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era assim cruel com ele, mas antes de ser órfão, ao menos era defendido contra os métodos primitivos da avó.
Vó Benedita tinha 50 anos, ficara com todos os bens do filho, e recebia duas aposentadorias. Ela era ranzinza desde criança, a vizinhança brincava dizendo que ao nascer, ela brigou com o médico que lhe dera um tapa.
Nunca fora muito religiosa, ia à missa uma vez na vida outra na morte, como ela mesma costumava dizer.
No mês de dezembro, ela foi ter um particular com o padre. Reclamou a ele que era um despropósito a Missa do Galo começar à meia noite.
– Não sou desempregada para dormir a uma da manhã como o senhor. – O padre tentou não ficar nervoso.
– Dona Benedita, é só uma vez no ano. A Missa do Galo tem que ser realizada à meia-noite. E não se preocupe, porque o dia seguinte é feriado.
– Eu vou ficar acordada até meia-noite só para ver a sua cara de água benta?
– A senhora está me ofendendo.
– Pois então morra ofendido. – Vó Benedita começou a falar mais alto. As beatas que estavam na igreja foram ver o que estava acontecendo.
– Quem a senhora pensa que é para falar assim comigo? É melhor a senhora ir embora. – Exaltou-se o padre em uma oscilação de nervoso e tentativa frustrada de equilíbrio.
– Sua mãe esqueceu de lhe dá uma coisa. – Disse Vó
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Benedita se aproximando do padre com um olhar fulminante.
– Do quê? – Quis saber o padre.
– Disso! – Gritou a velha dando-lhe um tapa que ecoou mais forte que os sinos. As beatas ficaram horrorizadas. O padre perplexo e constrangido não sabia o que dizer. – Tapa não mata, ensina a viver, por isso o senhor não aprendeu. – E dizendo isso foi embora, com esta briga, nunca mais pôs os pés na igreja.
Quem gostou disto foi Allan, que desde a morte do pai, não suportava ir à igreja. Quando ia, se lembrava do dia da morte do pai, lembrava-se que seu pai virara anjo com um tiro na testa. Em uma conversa com Nara, ela lhe disse que escutara seu pai dizer que quem se mata vai para o inferno. Agora tinha mais um motivo para não gostar da igreja, já que o padre sempre falava nos sermões como o inferno é horrível. Para Allan, era mais confortador não acreditar em nada disso.
– Isso tudo é mentira, Nara. A pessoa que morre não vai nem pra céu e nem pra inferno, isso não existe. – Disse Allan um dia no intervalo da escola.
– E vai pra onde então? – Perguntou Nara, crédula em tudo que ele dizia.
– Ah, depois que a pessoa morre... Morre! Acho que não vai pra lugar nenhum.
– E como é que a gente vai se vê depois que a gente morrer? – Perguntou Nara numa agonia que ia do estômago ao coração. Esta agonia passou para Allan que também não
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podia aceitar tal pensamento.
Havia se passado um ano e dois meses desde a morte do seu filho, era dia de finados, Vó Benedita se aprontou para ir ao cemitério e levou seu neto consigo. Allan queria passar na casa de Nara e chamá-la, não queria ir só com a avó. Ela não deixou. Ele esperneou. Queria ir com Nara, a avó disse que não, ele insistiu batendo os pés no chão, o que chamava a atenção de quem passava por eles e deixava sua vó ainda mais furiosa. Foi então que Vó Benedita não pensou duas vezes, levantou a mão e a desceu com toda a força na face dele que caiu chorando de dor.
– Levanta! – Gritou Vó Benedita, puxando-o pelo braço. Allan a seguiu chorando até o cemitério. Ela o mandava engolir o choro e ele chorava em silêncio. Ao chegar, enquanto caminhavam para o túmulo de seu pai, eles se encontraram com Nara que estava com os pais.
Quando os dois se viram, abriram um sorriso e se aproximaram para ficar juntos.
– Pronto. – Disse Dinara olhando para a filha e depois para Vó Benedita. – Ela estava chorando porque não queria vim, queria ficar com o Allan. – Riu achando graça do carinho que um tinha pelo o outro.
– Tá faltando é tapa pra ensinar esses dois a viver. – E
sem falar mais nada Vó Benedita seguiu a passos largos para o túmulo do filho, deixando para trás o casal boquiaberto com a atitude de frieza e rispidez daquela mulher cuja experiência de perda parece não ter servido para abrandar o seu coração.
As duas crianças saíram correndo pelo cemitério, já
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esquecidas das lágrimas. Como dois desbravadores, eles queriam descobrir os mistérios daquele lugar que podia causar temores e náuseas aos adultos, mas que para eles era só um lugar a mais, que se bem observado, tinha até sua beleza, apesar do clima de melancolia.
Allan parou próximo a um jardim de flores pequenas, queria mostrar para Nara, pois o instinto dizia-lhe que meninas gostam de flores. Ele sentia uma necessidade infantil e incontrolável de agradar Nara. E a cada sorriso dela, era como se ele houvesse conquistado uma medalha.
Afinal de contas, ela era o único prazer da sua vida. Ambos sentiam-se bem em passar horas conversando. Às vezes, cansados, brincavam de soneca, a brincadeira consistia em os dois ficarem calados encostados um no outro, até que aquele que cochilasse primeiro perdia.
Depois das flores, os dois passaram a olhar as fotografias das lápides para ver como era o rosto das pessoas enterradas ali. A cada pessoa que viam, Allan soltava um comentário, às vezes engraçado, que fazia Nara sorrir, outra medalha. Nara também fazia alguns comentários, mas os dela eram mais altruístas, consistia em fazer os dois adivinhar como aquela pessoa era em vida e de que morrera.
A alguns