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O Mercador de Sonhos
O Mercador de Sonhos
O Mercador de Sonhos
E-book187 páginas2 horas

O Mercador de Sonhos

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Sobre este e-book

O Mercador de Sonhos é uma antologia com seis estórias fantásticas. Todas situadas no reino onírico de Morserus, onde animais antropomórficos são divididos entre Cinco Nações. Onde Cães, Gatos, Coelhos, Gorilas e Ratos tentam encontrar sua humanidade em um mundo desprovido de seres humanos. Os contos são: (O Que é Morserus?) (Um Brinde de Veneno) (O Trono de Cinzas) (O Mercador de Sonhos) (A Dança dos Orkshas) (Um Banquete para Fantasmas) Bem-vindo, ao Mundo de Morserus.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de nov. de 2015
ISBN9781311890641
O Mercador de Sonhos

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    O Mercador de Sonhos - M M Schweitzer

    Morserus

    - O Mercador de Sonhos -

    Marcello Schweitzer

    Instituto Yoskhaz

    Kryiah Editora

    1ª edição

    Rio de Janeiro, 2020

    Copyright  2020 Marcello Schweitzer

    Copyright  2020 por Kryiah

    A Kryiar é um selo do Instituto Yoskhaz

    Todos os direitos reservados

    Título original:

    Morserus – O Mercador de Sonhos

    Capa: Danielle Fróes

    Revisão e preparação dos originais: Marcelo Cezar

    Diagramação: Danielle Fróes

    Projeto editorial: Kryiah

    Editor responsável: Jorge Desgranges

    Marcello Schweitzer

    Morserus – O Mercador de Sonhos – 1ª edição

    Rio de Janeiro: Kryiah, 2020.

    ISBN: 978-65-87158-00-6

    Ficção / Contos / Metafísica

    www.kryiah.com

    Sumário

    1 — O Que é Morserus?

    2 — Um Brinde de Veneno

    3 — O Trono de Cinzas

    4 — O Mercador de Sonhos

    5 — A Dança dos Orkshas

    6 — Um Banquete para Fantasmas

    1 O Que é Morserus?

    — O que é Morserus? — perguntou o Rato criança ao Bode velho.

    — Não seja tolo, roedor — o Bode respondeu gentilmente.

    A criança ficou indignada; não queria ser tola. Mas se ela não perguntasse, não saberia. Tolos não são os que não sabem; tolos são os que não perguntam.

    — Posso saber então qual a tolice da minha pergunta?

    — Morserus é o nome do nosso mundo. Todos sabemos disso.

    O Bode colocou o monóculo nos olhos e andou até a proa do barco. A noite era clara, e a Lua Branca brilhava no céu sem nuvens. Sua luz banhava a segunda lua, a Lua Negra. Era um bom sinal, pois o Capitão acreditava que as noites de duas luas simbolizavam um ciclo de paz, um equilíbrio temporário entre a luz e a escuridão.

    O pequeno Rato colocou mais carvão dentro da fornalha. Era o seu trabalho: limpar o pequeno convés e garantir que o fogo queimasse forte dentro do braseiro. Ele olhou para cima e viu que o balão estava cheio, sem risco de perder altitude. Sem risco de ele ser chamado de roedor de nuvens, que era como o capitão o chamava sempre que ele não fazia um bom trabalho.

    — Poxa, Capitão, olha como o senhor é? Sempre achando que eu sou burro. Se eu fosse burro, tinha ficado em Kazil, passando fome e roubando para viver — exibiu um sorriso de orgulho misturado com arrogância. — Sou esperto, Capitão. Talvez não esperto como o senhor, que sabe fazer um barco voar. Mas aprendo o tempo todo. Foi assim que virei guia. Aprendi o nome das coisas, quem criou as coisas. E quanto mais eu sabia, mais agrados eu ganhava dos turistas.

    O Bode sorriu. Sim, era por isso que ele tinha escolhido o pequeno Rato. Não pelas perguntas, isso era um sintoma da doença maior que era o eterno otimismo, sempre acompanhado de uma curiosidade insaciável. Era cansativo sempre ficar explicando o mundo para uma criança que vivera toda sua existência numa única cidade e nunca frequentara uma escola. Mas, por outro lado, ele estava velho, e o gosto pela vida estava se esvaindo como o olor de um velho perfume. Músicas sobre amor eterno pareciam não fazer mais nenhum sentido, seus pratos preferidos tinham agora o gosto insípido, não existia quantidade de sal ou pimenta que lhe devolvesse o prazer que a idade roubara de seus repetitivos dias. Sua vida estava perdendo o significado. O pequeno Rato não era uma cura para esse crescente cinismo, mas era uma homeopatia deveras eficaz.

    — Sua pergunta foi retórica, é isso? — o Bode perguntou, passando sua mão pela barbicha longa e branca. — Se quiser uma resposta objetiva, então faça uma pergunta objetiva.

    O pequeno Rato fechou o semblante. Ele odiava quando o Bode usava palavras como ‘retórica’. Havia tanta coisa no mundo que o Rato não conhecia. E sempre que achava que tinha descoberto tudo, surgiam palavras como essas, que o faziam ver que ele sabia era nada. Não que fosse admitir isso. Ele acenou que sim. Sempre fingia que sabia e anotava mentalmente no seu baú de burrices tudo que desconhecia sobre a vida.

    — Nosso mundo é mágico? É isso o que eu quero saber.

    O Bode riu.

    — Não seja tolo; novamente com as perguntas sobre mágica. Já tivemos essa conversa, Roedor. Não existe mágica.

    — Como você explica então a divisão do nosso mundo? Por que apenas cinco espécies têm nações enquanto todas as outras vivem em tribos ou em reservas? Eu vi um Lobo uma vez. Os guardas da cidade o arrastaram para a praça e deixaram o povo apedrejá-lo até a morte — o Roedor coçou a cabeça. — O maior Rato da cidade batia no ombro do Lobo. E o muque do coisa ruim? O corpo era músculo puro. Se não fossem as correntes, ele teria matado a cidade toda. Agora me diz, como é que os Coelhos têm uma nação e os Lobos vivem em tribos?

    — Primeiro, o Lobo não teria matado a cidade toda. A capital de Kazil tem mais de um milhão de habitantes. Um Lobo Selvagem pode ser mais forte que um Rato, talvez cinco Ratos, mas dez Ratos podem contra qualquer indivíduo, mesmo um Lobo ou qualquer uma das espécies tribais. Segundo, quanto aos Coelhos, é uma estória longa.

    — Conta rápido, vai dar tempo, a ilha ainda está longe.

    O Bode sorriu. Era sempre um conforto deixar de ser um simples capitão de um pequeno barco e virar um sábio aos olhos de uma criança. Seus olhos passaram pelo pequeno Rato e miraram para além do convés; ele viu que ainda estavam distantes das ilhas que flutuavam no ar da noite. Havia tempo para conversar.

    — Vamos começar do início — colocou a mão sobre o ombro do Rato e o levou para o bombordo. — Olhe para baixo.

    — Você sempre disse que nunca era para olhar para baixo. Que eu podia ficar tonto e cair dentro do abismo.

    — Você me obedeceu, então. Nunca olhou para o abismo?

    — Todo mundo olha. Quem vai vir até aqui e não olhar para baixo?

    O Rato olhou para o nada. O abismo era um vazio diferente do vazio do céu. No céu existiam as duas luas e as estrelas. No abismo não existia nada, exceto a escuridão total. Nem mesmo as bordas ele podia ver a essa distância da cidade-porto. Era como se o mundo inteiro não existisse. Somente os barcos e as ilhas que flutuavam sobre um mar de escuridão total.

    — Dizem — falou o Bode, — que toda vida do mundo brotou desse abismo. Que antes do abismo existir nosso mundo era morto. Havia apenas desertos e montanhas cobrindo o território de norte a sul. Esse é o centro do nosso mundo, porque foi desse abismo que nasceu toda a vida em Morserus. A história conta que primeiro vieram os Lagartos. Depois os Cães, os Gatos, os Coelhos e os Porcos.

    — E os Ratos, os Bodes, os Leões e todas as outras espécies?

    — Nossas espécies vieram depois — o Bode se afastou da borda. — Como chegarem primeiro, os Lagartos dominaram o mundo — o pequeno Rato queria falar algo, mas o Bode colocou os dedos em seus lábios. — Sim, não existem mais Lagartos em Morserus. Eles fugiram para o deserto sem-fim quando os Gatos roubaram seu poder das estações e criaram um inverno que durou cem anos.

    — Está vendo, você falou que não existia mágica.

    — Lembra o que você falou, quando entrou nesse barco pela primeira vez?

    — Que o barco voava usando mágica.

    — E como o barco voa?

    — O ar quente se acumula dentro do balão e, por isso, fica menos denso que o ar do lado de fora. Por ser mais leve, o balão sofre pressão e sobe, tal qual uma bolha que fazemos dentro d’água.

    O Bode acenou com a cabeça, satisfeito. Ele tinha explicado ao Rato como o barco funcionava apenas uma vez. Bastou uma vez e o Rato conseguiu repetir tudo, palavra por palavra.

    — Mágica é como chamamos as coisas que não sabemos como funcionam — o Bode prosseguiu. — Tudo tem sua causa e efeito.

    — Mas, e as ilhas? Como as ilhas voam sem balões?

    — Elas voam usando o mesmo poder das duas luas e do sol.

    — Que poder é esse?

    — Uma vez eu perguntei para um Gato da Academia, ele era um animista de roupa negra e óculos amarelos. O Gato me disse que existe outro mundo que não podemos ver. Como o vento, que sentimos no nosso rosto, mas que não existe para os nossos olhos. Ele usou um termo estranho, biosfera preta ou negra, não lembro ao certo. De acordo com o Gato, esse segundo mundo sustenta as ilhas flutuantes.

    — Como isso não é mágica?

    — Mágica é a palavra que esconde a ignorância; quando você sabe como a coisa funciona, acaba a ignorância, acaba a mágica.

    O que o Bode não falou é que ele tinha perguntado, à época, qual era a mágica que sustentava as ilhas, e o Gato tinha ficado bravo, usara mesmo o termo ‘ignorante voluntário’. Era um poder que algumas pessoas tinham de usar o que sabiam para diminuir os que não sabem. Contudo, o Gato fora generoso com suas explicações. Afinal, o Capitão não era realmente um Capitão, seu trabalho era simplesmente levar os habitantes de uma ilha às outras, e à cidade-porto. Se aos olhos do Rato ele era grande, aos olhos dos viajantes ele não era nada.

    — Mas por que só cinco espécies têm nações? Por que os Bodes não têm nação? Por que os Lobos não têm nação?

    — Os Bodes não têm o fascínio carnal das outras espécies. Eu sempre fui diferente, sempre tive muitas namoradas e aventuras fora das montanhas, mas eu nunca tive um filho. Não temos números para fazer uma nação, nossa espécie está estagnada há séculos.

    — E os Lobos? — o pequeno Rato perguntou fascinado. — Por que eles não têm nação?

    — Por que não uniram suas tribos. Assim como um macho tem que se unir a uma fêmea para ter filhos e formar uma família, as tribos têm que se unir num acasalamento de identidades para se formar um reino e depois uma nação.

    — O que é um acasalamento de identidades?

    — E quando deixamos de ser apenas nós mesmos e nos tornamos algo maior.

    — Estou boiando aqui, Capitão. Joga a corda que não entendi foi nada.

    — O sacrifício é a resposta. Pelo que nos sacrificamos, mede-se nosso degrau de consciência — o Bode viu a careta que fez o pequeno Rato. — Calma, eu explico. Um bandido, um ser considerado ruim, não vai sacrificar sua vida por nada e ninguém, pois sua vida é seu maior bem. Não só ele não morreria por outro, mas também mataria qualquer um para salvar a si próprio. Já um pai ou uma mãe se sacrificaria por seus filhos. Com a família, nossa vida se torna não mais o todo, mas apenas uma parte do todo. A família é o primeiro degrau.

    O pequeno Rato riu.

    — Só se for na sua terra. Em Kazil, na nação dos Ratos, pai nenhum vai se sacrificar por seus filhos. Quatro irmãos meus morreram de fome. Você acha que meu pai não tinha comida? É cada um por si onde eu nasci.

    — E os filhos dos mais ricos? Esses também morrem de fome?

    — Claro que não. Filho de rico vale mais que ouro — o pequeno Rato ficou triste. — Entendi. Meu pai está num nível e os ricos, noutro.

    — Não necessariamente, mas sim. Cada qual tem seu nível. Os Lobos e as demais tribos selvagens se encontram no segundo degrau. Eles todos têm um Kar, que é o líder da tribo. Os membros da tribo se submetem à vontade do Kar. Eles se sacrificam pelo Kar, se sacrificam pela tribo. Então você vê, Roedor, quanto maior o número de seres unidos num coletivo de identidade, maior o degrau de consciência de seu povo. O terceiro degrau na história de Morserus aconteceu há mais de seiscentos anos, quando Erik, o Bondoso, se autodeclarou deus de todos. Ele subjugou os Javalis como sua primeira espécie escrava. E unificou as tribos de Porcos criando um reino. Depois, Erik escravizou as tribos dos Coelhos e dos Rinocerontes, dando início ao seu império no coração de Morserus, nas terras conhecidas como Ilys. Mas os Porcos não foram a única espécie a descobrir o poder da união. No Norte, os Cães criaram um governo de três castas sociais, com o seus códices de obediência. No Oeste, os Gorilas uniram suas treze tribos, em que treze juízes unificaram sua espécie com seus tribunais e leis. No Leste, os Gatos construíram suas sete torres; cada torre era uma academia de saber. Nascia o primeiro governo de meritocracia do conhecimento.

    — A história do Sul eu sei — o Roedor interpôs. — Em Kazil, os Ratos ainda viviam dentro da Cidade Baixa, e não exista a Cidade Alta. A Cidade Alta só foi fundada em 513, quando quase todos os Porcos foram chacinados pelos Leões. Os Porcos que sobraram fugiram para o Sul e fundaram nova capital. Todavia, temendo a fúria dos Leões, eles abandoaram sua cidade e se renderam incondicionalmente ao Leão Branco.

    — Muito bem, meu pequeno Roedor. Então, como você vê... No final, cada nação nasceu de sua união racial. Aqueles que não acompanharam esse degrau de consciência se tornaram ou as tribos selvagens ou as espécies sem pátria, como os Porcos.

    — Eu vi os desenhos nas paredes do Palácio das Lágrimas. Em uma parede, esse Erik era devorado por animais; o Porco era tão gordo que você não via seus braços nem pernas, ele era todo ondulado com camadas de gordura, e um animal mordia cada uma dessas camadas. Na parede em frente, o desenho era do Leão Branco sentado num trono, rindo.

    — Sim, mas os Porcos tiveram sua vez quando criaram o Banco dos Gigantes. Hoje eles não têm mais pátria, mas são a raça mais rica dentre as Cinco Nações.

    — Como os mercantes que moram aqui, nas ilhas flutuantes. Esse é o lugar mais rico do mundo. É por isso que eu vim para cá — o pequeno Rato olhou para um belo veleiro voador que passava ao lado de seu compacto barco. — É difícil acreditar que os Porcos são mais ricos que os mercantes.

    — Hoje eles são, mas na queda do Império dos Porcos nascia a Dinastia dos Leões Brancos. Em poucos anos os Leões conquistaram os Cães de Caltos e os Gorilas de Gaul; foram derrotados apenas para os Gatos em Troferus. Mas estes se renderam quando viram que não poderiam conter o poder acumulado das três nações conquistadas pelos Leões.

    — Mas os Leões eram uma tribo; como uma tribo de selvagens

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