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Desmascarada
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E-book347 páginas5 horas

Desmascarada

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Sobre este e-book

Seria possível que ela fosse na realidade uma assassina e a cabecilha das salteadoras de caminhos chamadas As Raparigas de Glory?

Nick Falconer fora enviado de Londres para a pacata povoação de Peacock Oak para resolver o assassinato do seu primo Rashleigh e desmascarar uma versão feminina de Robin dos Bosques. No entanto não podia imaginar que Mari Osborne, a principal suspeita, fosse tão bonita, nem tão arrebatadamente sedutora. Nick propôs-se possuí-la de corpo e alma e ficar a saber todos os seus segredos a qualquer preço, ainda que a paixão os queimasse aos dois.
Contudo, Mari tinha segredos mais profundos do que aquilo que Nick podia imaginar. Tentou resistir, mas conseguiria ela ocultar-lhe durante muito tempo o seu passado sinistro? Confiar no homem que desejava podia levá-la directamente à forca…
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de dez. de 2011
ISBN9788490009871
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    Pré-visualização do livro

    Desmascarada - Nicola Cornick

    Um

    Azálea O perigo está por perto

    Às vezes, quando o pesadelo surgia no meio da escuridão e acordava com frio e trémula, acendia uma vela para se sossegar. Outras vezes, como aquela, surpreendia-a desprevenida, mesmo antes do amanhecer, quando a luz começava a filtrar-se pelas cortinas. Ia morrer. Não conseguia respirar. Tinha os pulsos em carne viva pela corda que a atava à carruagem e as pernas doíam-lhe insuportavelmente pela caminhada interminável. O chiado contínuo das rodas ecoava-lhe na cabeça. Tinha a saia esfarrapada e nas coxas podiam ver-se as marcas das chicotadas que Rashleigh lhe dera da carruagem entre gargalhadas quando ela caía ao chão. Tinha jurado castigá-la por ter vomitado durante toda a viagem da Rússia até Inglaterra. Era a vingança por a ter desejado, desejara passar toda a viagem metido na cama, e ela, em vez de lhe agradar com o seu corpo, tinha-o vexado com os seus enjoos e dissera-lhe que lhe dava asco. Era Inverno e o caminho estava quase intransitável. Ia descalça, tinha os pés arroxeados, as mãos intumescidas e os pulsos ensanguentados. Além disso, queria matá-lo. Se Rashleigh lhe desse uma oportunidade, se se descuidasse o mínimo, matá-lo-ia. No entanto, o momento nunca chegara. No seu sonho só havia fúria, impotência e uma dor quase insuportável, mas nunca tivera a satisfação de se libertar. A escuridão estendia-se interminavelmente diante dela. Era uma escrava, um objecto. Estava aprisionada para sempre.

    Mari acordou. Os retalhos do pesadelo dissiparam-se. Estava deitada na cama enorme da sua casa de campo de Peacock Oak. Já tinha amanhecido e no andar de baixo ouvia-se os passos dos criados. Jane trar-lhe-ia o pequeno-almoço. Em breve, bateria à porta e comentaria animadamente o dia bom que estava enquanto abria as cortinas para que a luz entrasse. Ouviu um ruído de porcelana a tilintar atrás da porta, Jane bateu e cumprimentou-a como todos os dias.

    – Bom dia, senhora.

    Mari sempre tinha pensado que Jane tinha uma capacidade espantosa de estar contente. Inclusive nas manhãs mais sombrias de Inverno, quando a neve se amontoava do outro lado da janela e o vento entrava pela chaminé, ela dizia que passaria num instante. Jane era a governanta e ocupava-se de Peacock Cottage com a ajuda de uma criada e de um jardineiro chamado Frank, seu primo e de poucas palavras, ao contrário de Jane.

    – Que manhã maravilhosa, senhora! – Jane deixou a bandeja na mesa-de-cabeceira e foi abrir as cortinas. – Será um dia perfeito para a festa no jardim e para o baile de Sua Excelência.

    – Assim espero.

    Mari sentou-se, cobriu-se com o xaile grande e serviu-se de chá. Era forte e aromático, como gostava.

    Quando Mari lhe dissera os seus gostos naquele aspecto, Jane explicara-lhe que o chá forte era típico de Yorkshire, sem saber que Mari desenvolvera o seu gosto antes, na Rússia, onde bebia um chá preto tão forte que, tinha a certeza, até a própria Jane se teria engasgado. Junto da chávena havia uma carta e um exemplar do Times de três dias antes. As notícias chegavam a Peacock Oak um pouco mais tarde do que a outros sítios, mas era-lhe quase indiferente. A vida decorria no campo com poucas alterações e complicações, exactamente como Mari gostava.

    – Ontem à noite, preocupou-me que pudesse cair uma tempestade de Verão que estragasse as flores e deitasse por terra todo o nosso trabalho – continuou Mari.

    – Nada disso. O jardim ficará lindo, senhora. Que flores tão bonitas que escolheu para Sua Excelência! O senhor Osborne teria ficado orgulhoso de como continuou o seu trabalho.

    Jane olhou para o pequeno retrato pendurado na parede, junto da cama de Mari.

    – Sim… – Mari sorriu e espreguiçou-se. – O meu querido senhor Osborne.

    Apreciava muito o falecido senhor Osborne. Um idoso grisalho, paternalista e com uma cara amável que parecia corresponder ao seu temperamento. Fora o marido perfeito, rico e atencioso. Mari sentiu um arrebatamento de afecto por ele. Tinha-o tão presente que, às vezes, quase se esquecia de que o senhor Osborne era fruto da sua imaginação. Não contara a ninguém que não era viúva. Uma mulher solteira que vivesse numa aldeia precisava de um passado respeitável e o seu não poderia ser mais escandaloso. O senhor Osborne, embora imaginário, fora um homem muito recto, o filho mais novo de um presbítero da Cornualha e dono de uma empresa, pequena, mas próspera, de importação e cultivo de plantas exóticas. Parecera-lhe muito divertido criar o marido à sua medida. Tinha a certeza de que o senhor Osborne fora severo no trabalho, mas delicado no trato familiar. Bebia com moderação e fumava um charuto em ocasiões especiais, mas não tinha nenhum vício. Não lhe pedia nada no campo sentimental e, melhor ainda, não quisera uma relação física. Algo que agradecera muito, porque nunca mais voltaria a querer ter uma relação física com um homem.

    Por um instante, o pesadelo ameaçou apropriar-se outra vez da sua cabeça. Mari sentiu um calafrio. Rashleigh… Não pensaria em Rashleigh, nem no passado. Estava tudo morto e enterrado. Ao fim e ao cabo, o próprio Rashleigh estava morto, pois tinham-no assassinado dois meses antes num conflito em Londres.

    Marina tremeu um pouco ao recordar aquela noite. Nunca chegara a saber como é que o conde seguira o seu rasto até Yorkshire, sete anos depois de fugir dele. Ingenuamente, começara inclusive a acreditar que seria livre para sempre. Por isso, quando recebera a carta que a chantageava, quase ficara doente pelo choque. Soubera imediatamente que teria de se encontrar com Rashleigh pelo bem de todos aqueles que ele ameaçava expor. Ele sabia todos os seus segredos e poderia fazer com que a enforcassem. Sabia que era uma escrava que tinha fugido e, o pior de tudo, sabia a verdadeira identidade de Glory e das raparigas que a acompanhavam. Tinha ameaçado contá-lo às autoridades se não se encontrasse com ele.

    Não tivera outra alternativa, se quisesse salvar quem amava. Viajara até Londres e marcara um encontro n’A galinha e o abutre. Tinha um quarto no edifício em frente e pedira-lhe que esperasse um pouco antes de ir ter com ela, mas nunca chegara. Então, começara a ouvir dizer que o tinham apunhalado no beco. Ela não ficara para descobrir mais nada. Sabia que, se descobrissem a sua história como escrava e amante de Rashleigh, e também que a tinha chantageado, estaria perdida. Todos os segredos que guardara com tanto esforço seriam descobertos e as pessoas que amava também estariam perdidas. Sabia que tinha motivos de sobra para assassinar Rashleigh e que ninguém acreditaria que era inocente. Tinha de escapar dele pela segunda vez na sua vida.

    No entanto, Rashleigh já estava morto e ninguém seguiria o seu rasto. Há anos que criara uma nova identidade e apagara muito bem o seu rasto para que ninguém a encontrasse. Nem sequer sabia como é que Rashleigh a tinha encontrado, mas, uma vez morto, levara o segredo para a campa.

    O senhor Osborne era o oposto do conde Rashleigh em todos os sentidos. Era delicado, moderado e amável. Ela tinha inventado um ser exemplar, um homem que nunca lhe teria feito mal, ameaçado, nem ofendido.

    – Efectivamente – Mari sorriu ao retrato que tinha comprado numa casa de penhores. – O senhor Osborne era um exemplo deslumbrante entre todos os homens.

    Lady Hester está a tomar o pequeno-almoço no seu quarto, senhora – comentou Jane em referência a quem tinha acompanhado Mari durante os últimos cinco anos. – Diz que está um pouco cansada, mas que a acompanhará a dar um passeio pelo terraço às dez horas em ponto, antes de irem para a festa no jardim.

    – Adorarei fazê-lo – replicou Mari.

    No entanto, por dentro censurava-a um pouco. Sabia qual era o mal de Hester e não era cansaço. Lady Hester Berry, a prima mimada do duque de Cole, estava entediada, o que a levava a beber em tabernas, a dar-se com qualquer um e a coisas piores. Sem dúvida, naquela manhã ainda estaria uma desgraça.

    Jane estava a pegar na chávena de Mari. Adorava mexericar de manhã.

    – Frank disse-me que houve outro assalto ontem à noite, senhora. Aquele bando, as Raparigas de Glory…

    Mari desdobrou devagar o jornal para ganhar algum tempo.

    – O que fizeram?

    – Cortaram a passagem ao administrador do senhor Arkwright quando voltava para Harrogate e ficaram com o dinheiro de Arkwright.

    – Com todo? – perguntou Mari, com os sobrolhos arqueados.

    – Com um décimo dos lucros, senhora – explicou-lhe Jane, com os olhos brilhantes pela emoção. – Arkwright prometeu uma décima parte aos trabalhadores do tear e, depois, recusou-se a dar-lhes. Dizem que as Raparigas de Glory o deram a quem tinha enganado. São umas heroínas, senhora.

    – São umas criminosas – rebateu Mari. – Agem contra a lei.

    Jane entristeceu-se. Preferia o aspecto romântico de roubar aos ricos para dar aos pobres à realidade inflexível do código penal.

    – Sim, senhora – concedeu Jane. – Naturalmente, mas, perdoe-me, penso que aquelas raparigas são verdadeiras heroínas – insistiu, com orgulho. – Compreendo que não aplauda salteadoras de caminhos, mas só assaltam quem maltrata os fracos e necessitados.

    – Não penses que censuro os princípios das Raparigas de Glory, Jane, limito-me a recordar que roubar é um crime.

    – Sim, senhora – Jane fez uma ligeira reverência. – Quer que volte daqui a pouco para a ajudar a vestir-se?

    – Obrigada, Jane. Lerei o jornal durante cerca de vinte minutos e, depois, estarei disposta.

    Jane saiu e Mari ouviu os passos que se afastavam pelo corredor. Não voltou a pegar no jornal, mas abriu a carta que estava intacta numa mesa-de-cabeceira. Hester costumava rir-se por deixar as cartas por abrir durante horas, quando ela as abria com nervosismo assim que chegavam. Claro que Hester punha entusiasmo em tudo na vida e ela era muito mais cautelosa.

    Desdobrou a carta. Só havia uma linha escrita em letras maiúsculas:

    EU SEI TUDO. SEI O QUE FIZESTE.

    Não havia nenhuma assinatura. Mari não reagiu como teriam reagido nove em cada dez pessoas. Não ficou pálida, nem gritou. Semicerrou os olhos e bateu a carta contra os dedos da outra mão. O problema era que fizera muitas coisas. Roubara o conde de Rashleigh, fugira dele, mentira para conseguir uma vida diferente, estava presente quando tinham matado Rashleigh, fazia parte de um bando que roubava aos ricos para dar aos pobres… Não sabia ao que se referia o autor da missiva. Deixou a carta na cama, levantou-se e foi até à janela. Uma brisa ligeira acariciou-lhe a cara e colou-lhe a camisa de dormir ao corpo. Era um vento quente que cheirava a feno e a Verão. Jane tinha razão, estava um dia lindo para uma festa num jardim e Laura, amiga de Mari e duquesa de Cole, sabia receber. Seria um acontecimento do qual todo o condado falaria durante meses.

    Da janela podia ver as estufas onde cultivava as suas plantas exóticas. Frank já estava a trabalhar. Tinha aberto as clarabóias e estava a regar. A cerca a sul, atrás da estufa, separava o terreno de Mari do parque para veados da residência dos Cole. Tinha uma porta pintada de branco que Mari atravessava quando ia ver Laura. As ovelhas pastavam debaixo dos carvalhos e, mais à frente, o rio serpenteava, lento e pouco profundo. Mais nada se mexia na paisagem. Uma leve neblina de calor começava a elevar-se da erva. A vista era muito aprazível, mas, apesar do calor, Mari abraçou-se como se procurasse consolo. Sentia alguma coisa no ar. Alguém estava a observá-la e à espera.

    A carta tinha-a inquietado. Era natural. Ao pensar melhor, apercebia-se que não podia ser uma coincidência que tivesse chegado tão pouco tempo depois da morte de Rashleigh. Ele devia ter contado tudo a alguém dos arredores. O pesadelo ainda não acabara. Devia tê-lo esperado. Devia ter sabido que, quando um escravo fugia, tinha de continuar a fugir para sempre. Sabia o que aconteceria depois. Pedir-lhe-iam dinheiro em troca do silêncio e tinha de decidir o que faria. Nunca tinha cedido aos maus-tratos, nem à chantagem, embora tivesse questionado, com um certo cansaço, quando se livraria definitivamente do passado. Naturalmente, nunca o esqueceria, mas podia tentar conviver com ele, manter o segredo. Se não houvesse outras pessoas que tinham tanto interesse em recordar-lho…

    Abanou a cabeça. Aqueles acessos de pessimismo não eram próprios dela. Estava nervosa por ter de falar com os convidados da duquesa, é claro. Não gostava de eventos sociais. Além disso, também havia a menção de Jane das actividades de Glory e das suas raparigas. No entanto, nada indicava que as autoridades tivessem alguma ideia sobre a identidade daquelas saqueadoras que, de vez em quando, muito de vez em quando, assustavam os ricos e mesquinhos para ajudar os pobres e necessitados. Depois, a carta… Enfim, tinha de esperar para ver o que aconteceria. Hester ajudá-la-ia. Ajudavam-se sempre uma à outra. Hester e Laura eram as únicas que sabiam todos os seus segredos.

    Mari atravessou o quarto com passo decidido e tocou a sineta para que Jane a ajudasse a vestir-se. Ia ser um dia maravilhoso. O jardim novo seria um sucesso extraordinário, os convidados da duquesa saberiam apreciá-lo e, no fim, a vida em Peacock Oak voltaria à rotina aprazível que levara durante os últimos anos. Mesmo assim, Mari sentiu um calafrio. Alguém iria. Conseguia pressenti-lo. Alguém perigoso.

    Dois

    Azeda - Doçura oculta

    – Acho que foi um grande sucesso – comentou Laura Cole, mais tarde.

    Agarrou Mari pelo braço e desceram pela rampa do jardim, passaram pela cascata com poças cheias de musgo, passaram pela fonte sob um salgueiro-chorão e chegaram aos jardins propriamente ditos que havia atrás da casa. A residência dos Cole tinha um resplendor esbranquiçado à luz do entardecer.

    – Estou muito cansada – disse Laura, com uma careta. – Além disso, doem-me os pés. Foi uma tolice calçar estes sapatos dourados! No entanto – apertou o braço a Mari, – obrigada, querida Mari, porque foi todo maravilhoso.

    – Alegra-me de tenhas gostado – Mari olhou para a sua amiga. – Tu também trabalhaste muito para receber os convidados. Não te invejo. Prefiro as plantas.

    – É verdade. Alguns dos convidados foram terríveis – reconheceu Laura. – Malcriados! Ouvi lady Faye a chamar-te «aquela artesã». Que mulher tão trôpega, venenosa e com ar de superioridade! Além disso, passou todo o dia a empurrar a pobre Lydia para os braços de John Teague, quando ele só queria falar com Hester – Laura olhou à sua volta. – Onde está Hester? Já foi para casa?

    – Sabes que precisa de horas para se arranjar para um baile – respondeu Mari.

    – Deve estar a humedecer a combinação – disse Laura, com um sorriso brincalhão. – Sou tão má! Sabes que gosto muito de Hester, mas o vestido que usou na semana passada na festa de lady Norris era quase indecente. Não podes falar com ela, Mari?

    – Não – respondeu Mari. – Não sou a sua mãe. Tentei, Laura, mas sabes que Hester faz o que quer.

    – Pois… – Laura suspirou e parou para ver as rosas trepadeiras que cresciam no jardim murado. – Frank contou-me que plantaste estas rosas com pés do jardim da casa de campo antiga. São muito antigas?

    – Têm centenas de anos – respondeu Mari.

    – Estão lindas com a lavanda – elogiou-as Laura. – O meu pequeno jardim!

    Mari sorriu ao ver a duquesa de Cole, que se entretinha com um jardim, quando à sua volta se estendiam os hectares da residência dos Cole. Conhecera Laura na Sociedade Hortícola de Skipton e Laura gostara em seguida da ideia de Mari a ajudar a replantar os jardins da residência dos Cole. Mari resistira em vão e afirmara que a duquesa sabia muito mais do que ela e que, para a ajudar numa empresa daquela magnitude, precisava de um jardineiro com mais experiência. Laura, habituada a não fazer caso dos outros, como uma boa duquesa, decidira que queria a ajuda de Mari e a amizade dela, e que não havia mais nada a discutir. Laura era tão encantadora e tão distante do snobismo habitual entre a gente da sua condição que Mari não conseguira rejeitá-la. Trabalharam durante quase dois anos nos projectos e tornaram-se grandes amigas, apesar das reservas de Mari. Sabia que era perigoso permitir-se ter intimidade com alguém e que ser a protegida da duquesa de Cole concentraria muita atenção nela, uma atenção que não queria. Naquele dia, tinha-o comprovado. Toda a sociedade do condado imitava a duquesa de Cole e, como ela tinha um jardim novo, todos queriam outro e pediam-lhe que o projectasse.

    Lady Craven está aí – disse-lhe Laura, enquanto a cumprimentava com a mão. – Disse-me que vai pedir-te que lhe projectes um jardim com flores e um terraço de ervas aromáticas em Levens Park.

    Mari abanou pesarosamente a cabeça.

    – Lorde Broughton já falou comigo, tal como o senhor Napier e lady Jane Spring.

    – Todos falam de ti. Consideram que tens muito talento.

    – São muito amáveis – replicou Mari. – Tinha a certeza de que a fonte persa não resultaria e que as árvores de fruto morreriam por causa do pulgão.

    – És demasiado modesta e um pouco pessimista – Laura suspirou. – Desculpa-me, Mari. Às vezes, esqueço-me de que não gostas de estar rodeada de gente e que escolheste Peacock Oak para viver porque é muito tranquilo.

    – Efectivamente – Mari riu-se. – Mas isso foi antes de teres voltado! O advogado disse-me que era um sítio muito isolado, onde nunca acontecia nada. Parecia-me perfeito, até que tu chegaste!

    As duas riram-se.

    – Bom… – a voz de Laura tingiu-se de amargura. – Poderia ter ido para Buckinghamshire, para Norfolk, para Surrey ou para qualquer outra das residências dos Cole, mas escolhi Yorkshire porque era o sítio mais afastado de Charles.

    – Laura… – Mari apoiou a mão no seu braço. – A sério que é para tanto?

    – Estimar o meu marido e saber que ele não me corresponde? – perguntou Laura. – Sim, é para tanto. Além disso, agora que Charles veio passar o Verão cá, é ainda pior.

    – Lamento. Nunca tive marido e não posso entendê-lo, mas compadeço-te.

    – Chiu! – Laura olhou à sua volta. – Alguém pode ouvir-te e o que seria da respeitável senhora Osborne?

    – Imagino que voltasse a meter-se numa bela confusão.

    Mari olhou para o relógio da torre dos estábulos. Na ponta, o cata-vento, em forma de salteador de caminhos, estava imóvel. Mari abanou a cabeça. O sentido de humor de Laura, às vezes, parecia-lhe excessivo.

    – É melhor que vás arranjar-te. Chegarás tremendamente atrasada ao baile que ofereces. Vou certificar-me de que Hester também esteja a arranjar-se.

    – Virás, não é? – Laura agarrou-lhe as mãos. – Nem que seja por pouco tempo. Por favor, Mari…

    Mari tinha pensado em passar a noite calmamente, mas, ao ver o rosto suplicante da sua amiga, abrandou.

    – Está bem. Só um pouco. Não creio que vá acontecer-me alguma coisa.

    – Esse é o conceito que tens da famosa hospitalidade dos Cole? – Laura riu-se e despediu-se dela com a mão. – Vemo-nos daqui a pouco.

    O jardim estava deserto. O sol estava a pôr-se atrás das colinas e a penumbra azulada começava a apoderar-se do bosque. Mari, impulsivamente, tirou os sapatos e as meias, e deleitou-se com a frescura da erva. Estava cansada, como Laura. Tinha passado todo o dia tensa, tivera de receber os convidados e de comentar com eles os projectos dos jardins. Além disso, tivera de representar um papel. Agora que as sombras tinham caído, queria libertar-se daquela personagem, queria que desaparecesse como se o calor do dia desaparecia. O inconveniente de ter inventado uma personagem era que, por vezes, queria libertar-se da respeitável senhora Osborne e ser Mari, a rapariga que sempre fora um pouco louca. Parou junto da fonte. Sentiu a boca seca só de pensar no prazer fresco. Olhou à sua volta. Não havia ninguém. Era muito tentador. Ninguém a veria. Escondeu-se entre os pinheiros que a rodeavam e começou a tirar a roupa.

    Passava um pouco das oito horas da noite quando a diligência que ia de Skipton para Leyburn parou diante do portão da residência dos Cole e deixou duas encomendas, sete cartas e Nicholas Falconer.

    Nick tinha passado o dia em Skipton, a falar com os diferentes representantes da lei e da ordem que tão flagrantemente tinham sido incapazes de apanhar as Raparigas de Glory. Para trás tinham ficado um capitão das forças voluntárias bastante zangado, dois juízes de paz indignados e um meirinho quase furioso. A todos chateava aquele interesse súbito do Ministro do Governo pelos assuntos locais e implicava mais trabalho para eles.

    Nick deixara Dexter Anstruther para os tranquilizar e, na manhã seguinte, quando tivesse chegado toda a bagagem de Londres, iria com ele à residência dos Cole. Por enquanto, Nick poderia encontrar-se com Charles Cole, um amigo de longa data, e desfrutar da lendária hospitalidade dos duques de

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