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A queda: O juramento do lobo esquecido - Volume 1
A queda: O juramento do lobo esquecido - Volume 1
A queda: O juramento do lobo esquecido - Volume 1
E-book381 páginas5 horas

A queda: O juramento do lobo esquecido - Volume 1

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Sobre este e-book

O jovem reino da Britânia vivia um colapso político causado pela conselheira real – uma mulher marcada por muitas cicatrizes do passado, assim como muitos outros guerreiros que já haviam ocupado as posições de cavaleiros reais. Na tentativa de mascarar os problemas governamentais, a rainha foi instruída a nomear um capitão da guarda real para o cargo de primeiro cavaleiro. E ele jurou proteger o povo e ser justo em suas ações.
Paralelamente, uma dupla de viajantes, com aparências e habilidades muito peculiares, chegava a uma pacata vila do reino – com uma missão de resgate que teria desdobramentos surpreendentes.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento24 de abr. de 2023
ISBN9786525450230
A queda: O juramento do lobo esquecido - Volume 1

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    Pré-visualização do livro

    A queda - João Jung

    Prólogo

    O clima estava ótimo, gaivotas voavam, a brisa do mar era suave e o sol fazia grande participação. O povo nas ruas estava em ritmo de festa, pois havia muitos motivos para comemorar. Naquele dia, um herói da capital seria reconhecido pela rainha. Seus anos de serviço e dedicação culminaram nesse momento. Ainda jovem e inocente, ele era muito gentil com os plebeus à sua volta. No começo, não se acredita no que é imputado a você, mas, com o tempo, passa-se a assumir que é inferior. Ele jamais demonstrou superioridade em seu olhar e caminhar. Palavras nunca foram importantes diante do impacto dos gestos. A rua que levava até o centro da cidade jamais esteve tão limpa como hoje. Nikolas pensou.

    Enquanto andava por aquele caminho de pedra com seus compatriotas da guarda real, sentiu-se muito nervoso. Eles conversavam, ao fundo, sobre diversos assuntos, de mulheres à política exterior. Porém, por mais que estivessem gritando nos seus ouvidos, não seriam escutados. O nervosismo abafava todo o estrondo de gritos e sons de instrumentos improvisados pelos moradores de King’s Triumph.

    Não havia um residente que não estivesse lá, comemorando e exaltando o grande herói do povo. A caminhada até o centro da cidade durou cerca de vinte minutos. O caminho todo seguiu com extrema euforia popular. Nikolas não conseguia pensar em nada. Nem mesmo um filme de sua breve história passava pelos seus pensamentos. Jamais gostou de ser ovacionado ou levantado a uma posição de extrema expectativa, sempre se sentiu perdido e sozinho nesse mundo.

    Chegando ao seu destino, começou a suar dentro de sua armadura, que reluzia como a platina. O grande palanque no centro da cidade fora construído especialmente para essa ocasião. Guardas reais cercavam seu entorno com enorme atenção e cautela. Ao verem Nikolas, não conseguiram conter sua felicidade diante de seu jovem e espirituoso capitão. A rainha, com um belo vestido formal amarelo, o esperava pacientemente com uma expressão neutra. Sua Majestade estava sentada em uma espécie de trono de madeira esculpido pelos melhores carpinteiros do reino, o mínimo para alguém da realeza. O povo perto do palanque gritava tanto que não era possível saber o que tentavam dizer. Ao subir as escadas, Nikolas fez contato direto com a rainha, que lhe ofereceu um leve sorriso. Mesmo depois de o rapaz ter cortado o contato visual, ela insistia em fitar o jovem de pele clara como leite e olhos negros. Assim que se posicionou ao lado dela, a cerimônia já podia começar. O povo, entendendo isso, foi se calando aos poucos. Passados alguns minutos, o silêncio que só existia na mente do jovem cavaleiro se instaurou na praça. A rainha, então, assentiu.

    — Cidadãos de King’s Triumph, hoje é um dia de grande alegria e tremendo valor histórico, pois será nomeado um novo cavaleiro real. Por muitos anos, ninguém foi digno de preencher a vaga daquele cujo nome foi banido e condenado ao esquecimento. Mas isso, enfim, mudou! É com grande alegria que lhes apresento: Sir Nikolas Hondhal – começou a rainha com uma entonação triunfante.

    O silêncio foi quebrado pelos barulhentos gritos de todos os que assistiam à ocasião. E a rainha aproveitou para jogar palavras de canto ao cavaleiro.

    — Tenho certeza de que ficarei surda depois disso... você merece esse título.

    Nikolas ficou sem graça perante os dizeres da jovem monarca. Os cabelos castanhos e olhos verdes da mulher sempre o cativaram, assim como, inegavelmente, seu corpo e beleza o atraíram.

    Após dizer isso, em um movimento inesperado, a rainha retirou a espada longa da cintura do cavaleiro e a ergueu para o céu. A reação das pessoas que viam aquele gesto era pedir silêncio àqueles que ainda bradavam. E como se estivesse seguindo uma dança, Nikolas levou um dos joelhos ao chão e abaixou sua cabeça. A rainha sorriu.

    — Você, Sir Nikolas Hondhal, capitão da guarda real, jura guardar esse reino? – perguntou.

    — Juro. – Apesar de todo o nervosismo, ele falou de uma maneira firme e decidida a primeira palavra que disse naquele dia. Então a espada tocou seu ombro esquerdo.

    — Você jura proteger a rainha?

    — Juro. – A espada tocou seu ombro direito.

    — Você jura se levantar em favor dos cidadãos dessa terra? – Nikolas levantou o rosto e olhou nos olhos da monarca de uma forma decidida e determinada.

    — Com a minha vida. – Foi ela quem desviou o olhar dessa vez. E a espada tocou sua cabeça.

    — Então, eu, Katherine de Britânia, rainha deste reino e soberana sobre esta terra, elevo o capitão da guarda real Sir Nikolas Hondhal ao posto e ao título de primeiro cavaleiro real da Britânia. Que todos os seus atos, de agora em diante, representem a soberania deste reino, sua paixão e lealdade por ele e por mim, sua rainha.

    A cerimônia havia terminado. A população comemorava e dançava pelo capitão da guarda real e, agora, primeiro cavaleiro real da Britânia. Nikolas não tinha palavras ou expressões para descrever o que sentia. As sensações de timidez e de felicidade se misturavam e o deixavam confuso.

    Uma coisa se destacou naquele momento: o perfume de Katherine, que batia palmas e sorria enquanto seu belo cabelo castanho era movido pelo vento – esse que, apontando para o norte, lembrou o jovem de seu tão distante e inalcançável lar.

    Ao longe, de uma janela do castelo real, Rose olhava para o grande evento e mexia em seus cabelos loiros, quase brancos, enquanto seus pensamentos vagavam pelo passado. Distraída, quase não percebeu uma presença se aproximando, na escuridão e serenidade que emanavam da construção. Ao notá-lo, agiu calmamente.

    — Então você veio, Leonhart. Ou devo chamá-lo de Lorde Brivon? – disse a mulher, nostálgica. O saudosismo também era refletido no sorriso meigo de Rose frente àquele homem alto, com cabelos e barba grisalha. Ela então se lembrou de que, um dia, eles já foram dourados e brilhantes.

    — Não podia deixar de prestigiar a nomeação do garoto como primeiro cavaleiro real da Britânia. E também queria falar com você pessoalmente, lady Rhoades – disse Leonhart, com tom sério e olhar melancólico. Rose achou graça da saudação irônica do velho leão.

    — Eles se parecem muito. Não há como negar que Nikolas é filho dele. A habilidade e arrogância parecem ser hereditárias. – disse ela, com um tom que carregava grande carga emocional. Ela se sentia melhor por não precisar esconder esse sentimento do antigo conhecido.

    — Já que estamos a sós, e você praticamente governa esse reino, penso que posso dizer o nome dele: Claramente, ele é filho de Mikael, mas tem algo que eu não entendo. Por que nomeá-lo primeiro cavaleiro? – Rose riu da sinceridade de Leonhart brevemente até ouvir aquele nome. Ela pensou um pouco na resposta e suspirou.

    — Saudosismo, talvez. Enfim, ele jamais saberá sua relação com o lobo esquecido. – Por mais que tentasse dizer o título adotado para se referir a Mikael em todo o reino, ela não conseguia esquecê-lo em seu coração.

    — Não há como determinar isso... só o tempo dirá. – Leonhart parecia alheio a toda a política da capital, cansou de acompanhar os desdobramentos do exercício de Rose naquele lugar. Sabia que não pertencia mais a tudo isso.

    — Então, se a nomeação do jovem cão de platina não o trouxe aqui, o que o fez? – contestou Rose antes que ele se perdesse em sua amargura novamente. O velho leão voltou a si e assumiu uma postura muito mais séria.

    — O carregamento que você mandou até meus domínios não chegou. Foi extraviado nas terras de Charles Warren. – Ela colocou a mão na testa e cobriu os olhos com claro desgosto.

    — O carregamento vale muito para nós, por isso mandei para você.

    — O que havia nele? – perguntou o homem com certa preocupação.

    — Nada tão importante, só um pouco de ouro, um ótimo cavalo e... a Painful Howl. – Dizer aquele nome sabendo da situação não a deixava nada confortável, mas tentou aliviar a tensão com um pouco de ironia.

    — Mandarei cartas para Charles, vamos encontrar quem fez isso e, seja quem for, receberá a punição adequada. – Embora os olhos verdes de lorde Brivon passassem tranquilidade e firmeza, seu senso de urgência estava alto.

    — Faça isso. Espero que aquele velho entenda a real dimensão da situação. – As palavras de Rose para descrever o respeitado Charles mostravam clara antipatia.

    Leonhart se retirou rapidamente para seus aposentos, a fim de escrever e enviar os seus melhores mensageiros para a fronteira com Celtia, domínios de Warren. Rose remoeu a atual situação e, por mais que tentasse esquecer, o passado sempre a revisitava. Uma conclusão escapou de seus lábios.

    — Estamos ficando velhos...

    ARCO I: A PROCURA

    Capítulo 1

    O dia estava pela metade quando adentraram a vila de Faithful Lady. Chegaram até lá sem serem percebidos, o porto real de King’s Triumph estava praticamente vazio com a grande festa ocorrendo na capital. O mesmo podia ser dito das estradas do rei. Mercadores preferiam rotas alternativas na terra onde a armada do campo tinha domínio sobre os moradores. Esses caminhos abrigavam muitos perigos, mas o lucro, para os negociantes, valia suas vidas. Quando os dois cavalos entraram na cidade, os moradores — a maioria fazendeiros — olhavam com atenção e curiosidade. Era raro ver pessoas com roupas tão diferentes como aquelas: um homem com um estranho casaco negro e uma espada longa em suas costas e uma jovem com um manto de diversas cores escuras que remetiam às florestas densas, muito comuns na região.

    Mas o que realmente fez os residentes fixarem os olhares no casal foi a aparência da moça. Ela tinha a pele cor caramelo e os cabelos castanhos levemente ondulados, com alguns fios claros que refletiam a luz do sol. Os olhos castanho-claros estavam fixados na crina de seu lindo cavalo, cor de areia, Rasiq. Ela claramente demonstrava desconforto. Quando se aproximaram da entrada do convento — cuja existência foi o que motivara a construção de uma vila ali —, alguns guardas começaram a se perguntar sobre o outro indivíduo.

    — Ei, olhem para ele! Quem carregaria uma espada daquele jeito? – disseram em tom de deboche e estranheza. Todos eles riam da situação.

    Os risos pararam quando fizeram contato direto com o homem que aparentava ter cerca de quarenta anos. Seus olhos negros, com olhar frio, foram o suficiente para deixá-los com medo de continuarem as piadas. As vestimentas dele, embora incomuns, tinham certa genialidade e equilíbrio entre defesa e mobilidade, com todo o seu tronco coberto por uma peça feita de pequenas placas de aço sobrepostas, revestida por tecido negro, que se estendia até a frente de suas coxas, através de duas extensões da armadura. Os membros inferiores eram protegidos por armadura acolchoada preta. Havia caneleiras e proteções laterais de aço nas coxas. Os braços e ombros eram cobertos pelo grande casaco com ombreiras de metal. Ele estava sem capuz, revelando seu cabelo e barba rasa preta, assim como a pele pálida, indiscutível característica dos Worhal. Isso atiçou ainda mais o medo e a dúvida dos guardas. Ao chegarem ao convento, ele desceu de sua égua branca, Moonlight, e estendeu a mão para a jovem.

    — Vamos, Taysa. – Ela aceitou a ajuda e desceu de Rasiq, ainda que há muito tempo já soubesse desmontar de seu cavalo sozinha. Mas parece que Barian nunca deixou de vê-la como aquela pequena garotinha que mendigava pão na capital do segundo maior reino da Karmária.

    Os belos cavalos foram amarrados na entrada do local e seguiram para a grande porta de madeira, que estava fechada. Os dois se entreolharam, Barian fez um gesto com os ombros, logo depois pegou a aldraba da porta e bateu algumas vezes, gerando um som rítmico. Taysa riu da situação, enquanto a voz de uma senhora adveio de dentro da grande construção.

    — Espere, espere! – Ela apertou o passo e rapidamente puderam ser ouvidas diversas trancas sendo abertas. A porta abriu o suficiente para que uma pequena senhora, que usava roupas brancas de freira, colocasse o rosto para fora.

    — O que foi agora? – perguntou a senhora com uma rusga enorme. Ela se arrependeu de dizer isso ao olhar para Barian e Taysa. As aparências incomuns a fizeram ter receio quanto aos dois, ainda mais quando se tratava de um Worhal e uma karmariana. O som de sua saliva sendo engolida a seco pode ser ouvido pelos dois viajantes.

    — Nós queríamos informações sobre uma moça que mora nesse convento. Sua colaboração é de extrema importância – disse o homem, de uma forma que fez a jovem mirá-lo com um olhar de divertimento.

    — Bom, normalmente não podemos compartilhar essas informações, mas já que mostrou alguma educação, vou ver o que posso fazer – falou a madre, enquanto olhava para Taysa dos pés à cabeça, com clara estranheza.

    — Obrigado, madre. Nós poderíamos entrar? – perguntou ele, de uma forma gentil e muito persuasiva. A senhora pensou um pouco e suspirou.

    — Podem, mas deixem suas armas na entrada. E não toquem em nada! – ordenou ela, enquanto tentava demonstrar sua superioridade fazendo um gesto com a cabeça — que falhou por causa de sua baixa estatura em comparação com a do casal.

    A porta se abriu totalmente, revelando um grande hall de entrada com uma mesa de madeira no centro e uma escadaria ao fundo. Ela levava para um segundo andar, que era sustentado por colunas de pedra. Se a velha freira alcançasse a altura da cintura de Barian, já seria um exagero, mas ela caminhava e falava de uma forma rápida e rabugenta. Quando se aproximaram da mesa, ela apontou e virou-se para os dois.

    — Deixem tudo que tiverem de armas aqui, qualquer coisa afiada, pontuda ou que possa matar alguém. Essa será a retribuição da confiança que depositei em vocês. Não vão querer trair uma indefesa e gentil senhora, não é? – disse ela, apontando o dedo para o rosto dos viajantes e demonstrando claro medo e desconfiança. Toda a situação divertia muito Taysa e Barian.

    — Nós o faremos, porém, pode demorar um pouco – concordou o homem, enquanto a jovem escondia um riso com a mão. A madre apenas fez uma expressão utilizando a região do rosto onde um dia existiu uma sobrancelha.

    Taysa deixou na mesa duas adagas idênticas, que tinham as guardas em formato levemente curvo. Barian ficou um tempo deixando armas naquela mesa. Começou com sua espada longa, adornada com uma gema azul escura em formato de gota, no meio da guarda, que possuía diversos desenhos esculpidos, e era feita com um metal que lembrava a platina reluzente e um pomo com o formato de uma rolha achatada. Retirou de sua cintura uma espada quase idêntica à outra, mas adequada para usar com uma só mão, e com a gema em um azul mais puro, além de um pomo circular com uma lua minguante dentro de uma lua cheia. Depois, de trás da cintura, tirou uma adaga com guarda curva e um anel lateral, além de um pomo octogonal com um pequeno escudo gravado nele e uma grande faca da Germânia, que tinha a cabeça de um lobo como pomo e um protetor de punho lateral em forma de garra. A senhora o olhava com espanto e ele, cansado de desamarrar cintos, a olhou com sinceridade.

    — Essas são minhas armas principais no momento. Há outras na minha égua, e ainda tenho muitas facas de arremesso comigo – revelou o homem. Enquanto dizia isso, levantou seu casaco e mostrou as diversas lâminas que estavam compartimentadas em várias peças presas ao seu corpo. A velhinha arregalou os olhos e deu um salto. O pensamento de esconder-se em uma coluna próxima passou pela sua mente. Mas estufou o peito e cerrou os olhos.

    — Agradeço por sua sinceridade, não tenho intenção de perder tanto tempo com vocês. Então deixe aí essas que estão na mesa e venha comigo até a sala de registros para conversarmos sobre a moça que estão procurando – respondeu Mary, decidida. Rapidamente, ela virou as costas e começou a subir as escadarias enquanto reclamava com sua própria pessoa.

    A escadaria levou até um largo corredor com diversas portas e muitas luminárias pela parede. No final dele, havia uma porta com algumas trancas. A madre sacou um enorme molho com incontáveis chaves e, antes que chegasse até as fechaduras, já começou a separá-las da maneira mais rabugenta e silenciosa possível. Taysa suspirou diante da cena e Barian deu um leve sorriso. Não foi surpresa para eles quando as chaves separadas pela senhora não abriram fechadura alguma. A cada tentativa, um xingamento saía da boca da freira. Até o mais desacreditado ficaria chocado com as palavras que ela proferiu com raiva. Depois de muitos pulos e palavras indignas, a porta foi destrancada, e uma sala com diversos livros e pergaminhos se revelou aos dois aventureiros.

    A senhora fez gestos de triunfo e expressões de vitória diante dos incontáveis documentos. Então, ela foi para trás de uma mesa que estava à frente da porta e puxou uma cadeira, na qual sentou-se com dificuldade, devido ao seu tamanho. Seus pés não tocavam o solo.

    — Aqui estamos, na sala de arquivos. Vocês poderiam me dizer o nome da moça que procuram? – questionou a madre com tom sério, cotovelos apoiados na mesa e mãos juntas. Os aventureiros continham suas risadas e esforçavam-se para encarar a situação com seriedade.

    — Bem... nós não sabemos o nome dela, apenas a descrição de sua aparência – Barian disse isso de uma forma relaxada. A madre levantou a sobrancelha que não possuía e os dois seguraram o riso.

    — Parece que vocês gostam de me fazer perder tempo... pode levar meses para saber se ela sequer esteve em nossas dependências. Mas já que estamos aqui, descrevam-na. – A impaciência era notória em seu falar e em seus gestos, era possível ver seus pés se balançando no ar.

    — Cerca de dezessete anos, longo cabelo castanho escuro, fisionomia magra como a da Taysa – disse Barian, apontando para a jovem ao seu lado –, mas uma musculatura não tão fortalecida. E o principal: um olho verde e o outro azul. – Ao terminar essa descrição, uma notória expressão de reconhecimento ficou estampada no rosto da madre. Ela suspirou.

    — Vocês estão procurando Ellen Ingram. Morou conosco desde que nasceu. Ótima menina, uma das minhas prediletas, porém, creio que não posso ajudá-los daqui em diante. – As palavras dela carregavam um claro pesar.

    — O que aconteceu com ela? – perguntou Barian de forma firme e calma.

    — Partiu hoje de manhã com uma caravana mercantil, mas não sei para onde e muito menos o porquê... acho que Ellen se cansou de estar presa aqui. – As palavras da velha senhora sinalizavam que ela se importava com a vida da moça.

    — Sinto muito, madre. Mas obrigado pela ajuda. Você foi de extrema importância para nossa tarefa – assentiu o homem, com uma voz que buscava confortá-la. Ele e Taysa viraram as costas e, antes de saírem, ouviram o questionamento da freira.

    — Se me permite perguntar, aventureiro, mas o que busca com Ellen? – indagou a madre, de uma forma direta e preocupada.

    — Não permito. Me perdoe, mas terá que confiar em um estranho dessa vez. – Ele e a jovem karmariana continuaram andando até a escadaria e, antes que a madre os perdesse de vista, ele se despediu com um aceno sem virar para ela. A velha senhora não sabia dizer, mas sentiu que ficaria tudo bem com sua querida Ellen.

    Quando saíram do convento, a luz do Sol já se esvaía. Taysa estava rindo da dificuldade que Barian teve para reacoplar suas espadas de volta ao corpo, enquanto o guerreiro pensativo esquematizava o próximo passo que dariam. Desamarraram os cavalos e caminharam com eles pela rua principal da vila até a única taverna do lugar. Apesar do horário adequado, parecia haver poucas pessoas no estabelecimento. Adentraram o local e comprovaram tal suspeita. O taverneiro estava quase dormindo sobre o balcão, esperando alguém chegar. Quando avistou os dois viajantes, estranhou-os. Entretanto, eram seus únicos clientes até então — consequentemente, o robusto homem colocou um sorriso no rosto.

    — Sejam bem-vindos à taverna Drunken Man. O que posso fazer por vocês, caros clientes? – falou em alta e alegre voz o senhor com monocelha e enorme quantidade de pelos por toda a extensão dos braços. Taysa se sentou em um banco, enquanto Barian se aproximou da lareira.

    — Queremos comida, bebida e informação – disse o Worhal, de modo sereno. O taverneiro encarava a beleza estonteante da jovem que, ao perceber, estalou seus dedos em frente ao rosto do homem de modo a chamar-lhe a atenção.

    — Ele está falando com você, taverneiro – falou a jovem karmariana, com claro aborrecimento perante a atitude do grande homem, que se recobrou.

    — É.… meu nome é George, podem me chamar assim. Que informação vocês procuram? – apresentou-se de forma desajeitada. Barian esboçou uma expressão alheia à situação e continuou.

    — Uma caravana mercantil partiu daqui hoje de manhã. Você sabe para onde ela foi? – O que era uma simples conversa entre um taverneiro e um viajante, rapidamente, tornou-se um interrogatório.

    — Eles estavam partindo para o porto de King’s Triumph, eram comerciantes de especiarias genovesas. Claro que não iriam usar as rotas convencionais, a armada do campo cobra tributos abusivos em todas elas. – George não resistiu às perguntas do guerreiro. Preferiu colaborar com ele, pois seu olhar assertivo deixava muito claro que as perguntas não eram motivadas por mera curiosidade.

    — A armada do campo, claro, que decepção eu tenho desse reinado – declarou o homem de manto negro, com uma expressão desgostosa. – Pode me mostrar essas rotas alternativas? – Os comentários de Barian demonstravam certo desprezo pelo lugar, contudo, suas perguntas eram incisivas a respeito do paradeiro da caravana.

    — Posso, tenho um mapa delas aqui comigo. Cobro um certo preço para mostrá-lo aos comerciantes que as desconhecem, mas para vocês farei de graça – disse, sorrindo e mirando Taysa, que o encarou com um olhar assassino, assustando-o.

    O taverneiro ausentou-se por alguns minutos e retornou com um mapa do domínio real, estendendo-o no balcão. Barian se aproximou e sentou ao lado de sua companheira de viagem. O taverneiro começou a apontar para as estradas ilustradas no grande papel.

    — Eles foram por essa rota aqui. Demorará cerca de três dias para chegarem até o porto real, devido à má qualidade das estradas clandestinas. Vocês planejam ir a pé ou a cavalo?

    — Estamos a cavalo – disse o viajante, satisfeito pela correta leitura de ações do taverneiro.

    — E eles são rápidos? – Barian e Taysa sorriram enquanto se entreolhavam. George, entendendo o que queriam dizer sugeriu:

    — Durmam na vila esta noite e partam amanhã, será fácil alcançá-los. Assim, evitarão os bandidos que assolam as estradas.

    — Está bem. Há algum lugar nesta vila onde podemos descansar e guardar nossos cavalos? – perguntou Barian. O homem com monocelha sorriu.

    — Fiquem por aqui mesmo, há um quarto lá em cima com duas camas e um estábulo com feno atrás da taverna para guardarem os animais. – Barian assentiu.

    — Então assim será, obrigado. – O taverneiro, em pura alegria, realizou um sinal positivo com a cabeça.

    Após guardarem os cavalos e fazerem uma farta refeição com George, os viajantes subiram até o simples quarto e arrumaram-se em suas camas.

    — Como se sente em voltar para cá? – cochichou a moça de forma preocupada antes de dormirem.

    — É estranho, ainda mais nessas terras. É como se nada tivesse mudado depois de vinte anos. Eu envelheci e o tempo ficou parado neste lugar maldito – declarou o homem com certa dificuldade de explicar.

    — Entendo... eu me saí bem hoje? – perguntou a jovem em um tom sutil, mas totalmente atento. Era difícil para ela entender como seu mentor se sentia em relação à situação, e ele nunca se saiu bem em tentar expor seus sentimentos.

    — Você foi ótima, estou orgulhoso por ter aguentado toda a pressão dos locais, continue assim. Mas é tarde, vamos dormir. Amanhã partiremos antes do amanhecer. – Barian se sentia feliz perto de Taysa, porém, suas ordens sempre vinham acompanhadas de muita firmeza. Não podia evitar essas mudanças de tons de maneira repentina, tinha medo de acostumar mal a menina.

    — Boa noite, Abi! – disse a jovem, com clara alegria. Mesmo com as ordens, ouvir a aprovação daquele homem sempre foi muito importante para ela, a presença dele representava que ainda tinha um chão para a sustentar, mesmo perante todo o caos.

    — Durma bem, minha pequenina – falou o homem de pele pálida com um sorriso, embora ela não pudesse ver.

    Ser chamado de Abi trazia enorme calor para seu coração, porém, transmitir isso a Taysa sempre fora complicado para ele. Não demorou muito para que ela caísse no sono, contudo, Barian se perdeu nos seus próprios pensamentos durante a madrugada. Pela primeira vez em muitos anos, o passado lhe incomodava. Admitir isso não estava em seus planos, e tudo o que podia fazer era pensar alto.

    — Esse lugar é mesmo amaldiçoado.

    Capítulo 2

    O amanhecer surgia diante das florestas fechadas das terras reais. Moonlight e Rasiq troteavam com seus cavaleiros pelas rotas mercantes. Os viajantes se admiravam com toda a camuflagem que essas péssimas estradas tinham. Muitas árvores com largas copas cobriam o céu durante todo o caminho que seguiam. Entretanto, a enorme quantidade de buracos e desníveis no chão faziam qualquer um se perguntar como caravanas inteiras conseguiam circular por aqui. Conforme trilhavam o caminho de terra, mais difícil se tornava a locomoção. Então, Barian e Taysa resolveram fazer uma pausa para que os cavalos descansassem.

    — Quanto mais teremos que fazê-los trotear? – disse a garota, com um pouco de impaciência.

    — O necessário para alcançarmos a caravana – respondeu o homem, com um leve sorriso. Taysa fez uma careta. – George falou que os alcançaríamos em meio dia. Achei exagero, mas agora entendo o porquê. – Enquanto falava isso, apontava para os buracos com uma expressão de desgosto.

    — Esse lugar é perfeito para emboscadas – expressou a jovem, admirada pela falta de cuidado do local.

    — Mercadores não são muito conhecidos por cuidar de patrimônios públicos – comentou Barian, em um tom cômico e ácido. A menina de olhos castanhos apenas riu e continuou analisando a floresta.

    Pássaros cantavam, enquanto animais faziam seus sons ao longe. Essa combinação gerava uma natural sinfonia. A menina com cabelos reluzentes e levemente ondulados perdeu-se em seus pensamentos mediante tal cena, enquanto o homem de pele pálida admirava-a. Contudo, poucos minutos depois, a hora de seguirem em sua busca havia chegado. O tempo era curto e precisavam continuar a missão. Montaram em seus fiéis animais e aumentaram o ritmo. A monotonia fez Barian observar a estrada em alguns detalhes, como sinais de pessoas que adentraram a floresta que os cercava e, às vezes, vestígios de combates que ocorreram. Diante de tudo isso, pensou consigo:

    Taysa observava os arredores mais atenta, não queria que fossem pegos desprevenidos. Retirou seu arco recurvo de seu cavalo e o pendurou em suas costas, através de um pequeno suporte na capa, e ainda deixou uma aljava com algumas flechas à mão. Seu mentor aprovou a atitude silenciosamente. Recapitular as informações deixava a mente do espadachim ocupada. Relembrava da

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