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Argentina/78 – Uma Copa do Mundo: Política, Popular e Polêmica
Argentina/78 – Uma Copa do Mundo: Política, Popular e Polêmica
Argentina/78 – Uma Copa do Mundo: Política, Popular e Polêmica
E-book429 páginas3 horas

Argentina/78 – Uma Copa do Mundo: Política, Popular e Polêmica

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Sobre este e-book

Pedi para entrevistar o ministro de esportes argentino.

Não tinha a menor intenção em ouvi-lo.

É preciso agora confessar que não passava de um vergonhoso golpe.

O que eu precisava era entrar no prédio da Secretaría de Deporte, Educación Física y Recreación, o equivalente à pasta de esportes daqui. Chegar até a Avenida Miguel B. Sánchez 1050, enganar com algumas perguntas e botar em prática a última parte do plano: dar uma desculpa e conseguir autorização para ir ao teto do prédio.

O prédio fica exatamente no meio do caminho entre o Monumental de Nuñez e a Esma (Escuela Superior de Mecánica de la Armada), o maior campo de concentração e genocídio das ditaduras do continente. Quatro décadas depois, tentar mostrar em imagem a aberração que foi tudo aquilo: enquanto se jogava uma final de Copa do Mundo, gente era torturada. Entre um e outro, 700 metros de distância.

Impossível não perder a respiração ali quando se consegue estabelecer no raio do seu olhar a dimensão do absurdo.

Pois ler este "Argentina 78: uma Copa do Mundo política, popular e polêmica" é um pouco como estar de novo no teto daquele prédio entre a Esma e o campo do River.

Ler a obra de Alvaro do Cabo é, palavra por palavra, ter no olhar a dimensão do absurdo do que foi aquilo tudo.

O rigor acadêmico de Alvaro aliado à narrativa digna de uma grande reportagem. Memória fundamental de um tempo para que "nunca más".

Os pecados de sempre da imprensa, salvo as exceções de sempre, estão no que já é um dos livros mais relevantes sobre esse período.

Expõe as exacerbadas "defesas da nação" presentes nas crônicas tanto aqui como lá. Que nos dão boas pistas para entendermos como chegamos até aqui: outros tempos, outros temas e a mesma imprensa cúmplice que outrora "não viu" os horrores das ditaduras e anos depois "não viu" o mar de lama que inundava a Fifa.

Ler Alvaro do Cabo é mais do que nunca a expressão da velha definição do que é História: "conhecer o passado para entender o presente".



Lúcio de Castro

Historiador e Jornalista
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de jun. de 2018
ISBN9788547317362
Argentina/78 – Uma Copa do Mundo: Política, Popular e Polêmica

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    Argentina/78 – Uma Copa do Mundo - Alvaro Vicente G. Truppel P. do Cabo

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    À minha pequetita e iluminada Maitê, razão maior da minha existência, que veio ao mundo no meio dessa árdua trajetória acadêmica, com muita alegria, força, superando adversidades, servindo de inspiração e conforto nos momentos mais difíceis do meu trabalho.

    AGRADECIMENTOS

    À minha esposa Milena Contrucci Jamel, mãe dedicada e grande companheira nos momentos bons e ruins.

    Ao meu orientador Victor Melo, que sempre esteve presente e nunca me deixou esmorecer.

    Aos grandes amigos onipresentes com debates, sugestões, livros, críticas, incentivo e, principalmente, boas risadas durante conversas histórico-futeboleiras: Ronaldo Helal, Luiz Carlos, Rafael Fortes, Maurício Drumond, João Malaia, Gustavo Serra, Thiago, Rogério, Zegui, Leandro, Felipe, Bosco e tantos outros companheiros nesse caminho sinuoso.

    Aos demais membros do Laboratório Sport-UFRJ e do grupo de pesquisa Esporte e Cultura-UERJ, com quem compartilho em reuniões, congressos, palestras, bares, e, ao longo de uma década, reflexões, ideias, comentários, hipóteses, dúvidas sobre o mais apaixonante objeto acadêmico que existe para muitos brasileiros.

    Ao meu avô, Vicente de Paulo Graça, ex-jogador do Botafogo, e ao craque do Flamengo, Zico, a quem devo grande parte da minha paixão pelo futebol.

    Ao meu pai, Alvaro Alberto Truppel Pereira do Cabo, minha vó Inah e à minha irmã, Aninha, que em algum lugar com certeza estão torcendo por mim.

    A minha mãe Lúcia Graça Truppel do Cabo, apesar dos pesares.

    PREFÁCIO

    Está chegando a hora! No momento em que escrevo, estamos a menos de 3 meses de mais uma Copa do Mundo, dessa vez disputada na Rússia. No passado, o envolvimento do brasileiro com o evento era maior. Lembro-me com saudade de como a essa altura, quando era criança, já estávamos recolhendo fundos na vizinhança para enfeitar as ruas. Eram três rituais: o da coleta dos fundos, o da compra do material e o grande momento da ornamentação.

    Nos dias de hoje, as celebrações são menores. Talvez porque grande parte dos jogadores não jogue mais no Brasil, reduzindo-se a identificação deles com o selecionado e com o torcedor. Ou talvez possa ser algum desdobramento da última Copa do Mundo, realizada no Brasil, quando tivemos algumas decepções, entre as quais um resultado inesquecível (do ponto de vista negativo) em um jogo contra a Alemanha e os inúmeros problemas que ocorreram antes, durante e depois do evento, o fracasso da promessa de que este deixaria um legado para o País.

    As coisas mudaram, mas nem tanto assim. Basta ver que a essa altura muitos são os que já estão a colecionar as figurinhas do álbum do evento. Já começaram as disputas pelos cromos mais difíceis. Crianças (e por vezes adultos também) jogam bafo-bafo. Feiras de trocas incrementam operações comerciais impensáveis no mundo real do futebol (no qual seria impossível trocar um jogador de uma equipe pequena por um figurão famoso).

    As muitas propagandas já nos lembram de que, daqui a pouco, muitos estarão vidrados na televisão, desfrutando partidas memoráveis, sofrendo por perder alguns jogos em função de compromissos, debatendo sobre as pelejas do dia anterior ou que ainda vão acontecer. Em breve, surgirão por todos os cantos milhares de técnicos, todos entendidos de futebol, o fascínio do velho esporte bretão tomará conta de nossa vida.

    O livro de Alvaro trata desse tema. Mais especificamente de uma Copa do Mundo. Uma das mais polêmicas, marcada pela ascensão de um novo líder mundial do mundo do futebol (o brasileiro João Havelange), pelas relações com um governo autoritário e violento (num momento em que, na América do Sul, lamentavelmente, grassavam experiências semelhantes), por resultados controversos no âmbito do esporte em si.

    A Argentina sagrou-se campeã, um título que foi e segue sendo marcado pela ambiguidade. O Brasil foi desclassificado depois de um resultado escandaloso. Os dois países viviam momentos políticos que guardavam muitas similaridades. Como teria as suas imprensas representando a participação dos selecionados? Essa é uma das questões centrais que Alvaro tentou responder nesta obra, que originalmente é sua tese de doutorado.

    Trata-se, portanto, de um livro acadêmico. Todavia certamente interessará a todos os perfis de leitores. Para tal, contribui a escrita ágil, arguta, leve (sem deixar de ser densa) de Alvaro, pesquisador de larga competência que há mais de uma década vem se dedicando a estudar as Copas do Mundo.

    O leitor vai perceber que seu olhar para o grande evento esportivo vai mudar depois de ler o livro de Alvaro. Isso não significará abandonar o prazer de acompanhar tudo o que for possível. Ainda que não tenha poupado posicionamentos críticos, em momento nenhum o pesquisador abandonou sua paixão, deixou de ser o amante, aquele que também cultua seu objeto.

    Nada pode substituir o prazer de ver um bom jogo de futebol. Mas sou capaz de apostar que o leitor vai ter prazer próximo ao ler esta obra, que já nasce para ser referência obrigatória.

    Prof. Dr. Victor Melo

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Outono de 2018

    APRESENTAÇÃO

    Foi um prazer e uma honra ter sido convidado para escrever a apresentação deste livro. Prazer porque este trabalho é o resultado de uma tese de doutorado primorosa, escrita e defendida com excelência por Alvaro do Cabo. Honra porque, além de amigo, Alvaro é um historiador detalhista, que trabalha as fontes com muita seriedade e rigor acadêmico, ensinando-nos bastante sobre o ofício da profissão.

    Tive o privilégio de ter sido orientador da sua dissertação de mestrado intitulada Copas do Mundo de futebol - 1930 (Uruguai) e 1950 (Brasil). O olhar vitorioso - Uma análise do discurso da imprensa uruguaia. Alvaro tinha passado em primeiro lugar na seleção do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desde o seu ingresso, ficou evidente que estávamos diante de um pesquisador rigoroso, que procurava de forma incansável e criteriosa suas fontes. Durante o período de seu mestrado, publicamos alguns artigos relacionados diretamente ao tema de sua dissertação, entre outros relacionados à área de mídia e esporte.

    Seu estágio docente – uma atividade obrigatória no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj – foi realizado com um esmero exemplar. Afinal de contas, Alvaro já dava aulas, fazia muitos anos em escolas privadas, municipais e estaduais do Rio de Janeiro. O salto para o magistério no ensino superior foi feito com maestria, bem como a necessidade de aliar, naquele momento, a história com o campo da comunicação.

    Dois anos após a conclusão do mestrado, Alvaro do Cabo ingressou no Programa de Pós-Graduação em História Comparada para realizar seu doutorado. Em meio à realização dos créditos e da pesquisa de doutorado, publicamos, em 2014, o livro Copas do Mundo: comunicação e identidade cultural no país do futebol, pela Eduerj, com apoio do CNPq. Devo registrar que foi extremamente prazeroso organizar essa obra com meu ex-mestrando, que eu já via como um par, como um pesquisador maduro, que muito contribuía para os estudos do meu grupo de pesquisa Esporte e Cultura, na Uerj.

    Em 2016, Alvaro defendeu sua tese de doutorado intitulada Imagens Nacionais: representações do Campeonato Mundial de 1978 em veículos da imprensa do Brasil e Argentina, sob a orientação de Victor Melo, um intelectual que é referência no campo da sociologia do esporte. Li seu trabalho com muito entusiasmo, pois, desde o início, ficou evidente que se tratava de uma pesquisa de fôlego, que coroava a carreira de seu autor como um pesquisador de ponta do futebol e suas representações identitárias no Uruguai e na Argentina. Foi um orgulho participar da banca de sua defesa de doutorado.

    O presente trabalho é o resultado desta pesquisa de doutorado, mas é também o produto de uma carreira que já vinha se desenhando desde o início de seu mestrado. Afinal de contas, como já dei a entender no parágrafo anterior, Alvaro do Cabo sempre se interessou pelas relações políticas e identitárias do futebol de nossos vizinhos Uruguai e Argentina.

    O que temos neste livro é um estudo ímpar sobre um momento emblemático do futebol argentino e brasileiro e, por consequência, da América Latina.

    A Copa do Mundo de 1978 é pródiga em narrativas identitárias aliadas ao tema político e ao uso do esporte com finalidades extradesportivas. A opção de Alvaro pela análise comparativa entre veículos da imprensa argentina e brasileira revelou questões relevantes e cruciais para o entendimento da relação entre mídia, esporte e política na Argentina e no Brasil. Se o tema, por si só, já seria significativo de questões basilares para a compreensão dessa relação, a forma como Alvaro lidou com ele, bem como sua análise da imprensa dos dois países, mostrou-nos a intenção das narrativas da imprensa e seu papel de legitimar e definir situações, com suas edições aparentemente neutras e objetivas.

    De uma forma geral, as Copas do Mundo de Futebol FIFA têm contribuído para a formação e o reforço da identidade dos países, principalmente quando nos referimos à Argentina e Brasil. Em 1978, ambos os países viviam sob a égide de regimes ditatoriais. A partida entre Argentina e Peru pelas semifinais daquele torneio, por exemplo, suscitou dúvidas e polêmicas sobre a interferência do regime argentino em seu resultado, que perduram até os dias de hoje. Adianto ao leitor, no entanto, que, sobre esse tema específico, as dúvidas continuarão, já que não era o objetivo da pesquisa dirimi-las. Porém o tratamento que Alvaro dá ao tema nos ensina muito sobre a retórica jornalística e sua construção de culpados nesse episódio.

    De uma forma geral, este trabalho de Alvaro aprofunda-se na questão do esporte como operador de nacionalidade. Sua análise de todo o Mundial de 1978, em veículos da imprensa argentina e brasileira, desnuda a retórica nacionalista, elevada a uma potência ímpar naquele período emblemático na história dos dois países. Se hoje a equação seleção-nação está esmaecida, como já procurei demonstrar em alguns trabalhos, 1978 é um ano no qual la nuestra, do lado argentino, e a pátria de chuteiras, do lado brasileiro, faziam-se presentes de forma bastante expressiva.

    Alvaro do Cabo nos mostra, no presente livro, como as celebrações nas vitórias e as reações nas derrotas são carregadas de estereótipos relacionados às culturas argentina e brasileira. Isso, por si só, já seria uma contribuição inestimável para o campo da sociologia do esporte. Porém, mais do que isso, o livro é uma obra prima sobre os meandros das narrativas midiáticas e suas intenções em eventos que emulam os nacionalismos como as Copas do Mundo. E, no caso presente, trata-se de uma das Copas mais emblemáticas para se tratar da relação entre mídia, futebol e nação.

    Boa leitura!

    Prof. Dr. Ronaldo Helal

    Universidade Estadual do Rio de Janeiro

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO

    1

    A COPA DO MUNDO NA ARGENTINA – NACIONALISMO E MOBILIZAÇÃO

    SOCIAL PRÉVIA EM TORNO DO EVENTO

    1.1 MUNDIAL NA ARGENTINA: NACIONALISMO E DEFESA DA PÁTRIA "EN LA

    FIESTA DE TODOS"

    1.2 O CAMINHO PARA O TORNEIO: EXPECTATIVAS NO BRASIL E NA ARGENTINA

    2

    SELEÇÃO NACIONAL E MANIFESTAÇÕES POPULARES

    2.1 DOS PAPELITOS AO CARNAVAL

    2.2 VOZES DISSONANTES E INTEGRADORAS 

    2.3 A RETÓRICA UFANISTA DA CONQUISTA E AS CRÍTICAS NO INVICTO REVÉS 

    3

    PERSONALIDADES LEGITIMADORAS E MARCANTES DO EVENTO

    3.1 MILITARES – A ONIPRESENÇA DO GENERAL RAFAEL VIDELA E DO ALMIRANTE

    HELENO NUNES 

    3.1.1 Videla, o anfitrião 

    3.1.2 Heleno Nunes, o interventor 

    3.2 TÉCNICOS – O COMUNISTA MENOTTI E O CAPITÃO COUTINHO 

    4

    ESTILOS DE JOGO E A CONSTRUÇÃO DOS ESTEREÓTIPOS NACIONAIS

    4.1 BRASIL – FUTEBOL-FORÇA X FUTEBOL-ARTE 

    4.2 ARGENTINA – A REDENÇÃO DA "VIVEZA CRIOLLA

    4.3 PERU – DE GRATA SURPRESA A POLÊMICO VILÃO 

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    O futebol é uma grande fonte de representação coletiva da modernidade. Em alguns países, como o Brasil, serviu inclusive como um importante elemento de construção discursiva da identidade nacional, inserindo-se no processo de legitimação cultural do seu povo¹, sendo fator de influência nos domínios econômico, social, político e até mesmo jurídico do país.

    Desde uma convocação da seleção nacional para um simples amistoso, passando pela discussão do regulamento dos campeonatos regionais e nacionais, ou relacionada a assuntos políticos, como a CPI da Nike² e o Estatuto do Torcedor,³ a paixão emanada pelo esporte faz com que pesquisar futebol não seja apenas um agradável passatempo, constituindo-se em uma atividade importante para a compreensão da sociedade brasileira e até mesmo da nossa história contemporânea.

    Dentro do cenário esportivo internacional, os Jogos Olímpicos Modernos e as Copas do Mundo de futebol são os eventos que mobilizam o maior número de pessoas no mundo, sobretudo devido à cobertura dos meios de comunicação. Os torneios mundiais de futebol apresentam a cada quatro anos uma enorme audiência global e um crescimento no número de países cujos jogos são transmitidos pela televisão. Na edição de 2010, por exemplo, sediada na África do Sul, foi atingido o índice recorde de 3,2 bilhões de espectadores, aumentando 8% em relação ao torneio realizado na Alemanha em 2006⁴, dado que se manteve na Copa realizada no Brasil⁵.

    O papel dos meios de comunicação como definidor da situação⁶ e mediador dos eventos esportivos durante os torneios vem sendo cada vez mais estudado pelos pesquisadores das ciências humanas e é fundamental para compreendermos como competições esportivas entre nações tornaram-se globalizadas e universais. Segundo Richard Giulianotti e Roland Robertson (2009, Prólogue XI):

    O maior evento futebolístico – as finais da Copa do Mundo – é um exemplo da conectividade da rede mundial e da avançada consciência global, é um torneio que atrai dezenas de milhares de espectadores internacionais em rede mundial por um mês inteiro, e inicialmente organiza mais de 200 times nacionais na busca da qualificação.

    Aprofundando as leituras⁷ sobre o objeto Copa do Mundo, é possível identificar que sua realização quase sempre envolve intensamente tanto o povo quanto as autoridades governamentais dos países-sede, constituindo eventos que acabam sendo mobilizados como representação simbólica das nações.

    No período das Copas, uma catarse coletiva atinge países como o Brasil, em que o futebol tem essa representatividade. Diversos slogans e músicas nacionalistas com estrofes emblemáticas – como 90 milhões em ação/Pra frente, Brasil ou Verde, amarelo, azul e branco/Forma o pavilhão do meu país – são propagados tanto em períodos de ditadura militar quanto, mais recentemente, em pleno governo democrático exercido pelo Partido dos Trabalhadores. Nos torneios mundiais de 2006 e 2010, os torcedores cantaram nas ruas o famoso bordão: Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.

    Além disso, o torneio consolidou-se, ao longo do século XX, em importante palco de exposição internacional, fazendo parte do calendário de atividades mundiais, atraindo a atenção de praticamente todos os países do mundo. É importante ressaltar que, atualmente, a Fifa tem mais associados do que a própria ONU, (211 X 193)⁸, e serve de importante esfera de legitimação, inclusive para regiões que postulam ingressar nas Nações Unidas, como a Palestina e o País Basco.

    A cada quatro anos, a metáfora de que o mundo para ao assistir as Copas parece cada vez mais concreta, sobretudo em países em que a identificação coletiva nacional passa profundamente pelo futebol, como Argentina e Brasil.

    Desde o século passado, os esportes modernos, sobretudo o futebol, servem como elemento de legitimação nacional e de formação da identidade coletiva em muitos países. Tal situação amplifica-se com a disputa entre nações selecionadas previamente nos continentes e em megaeventos esportivos.

    Levando em consideração a importância histórica do objeto Campeonato Mundial de Futebol, esta obra investiga a relação entre futebol, Copas do Mundo e a ideia de Nação. O principal objetivo deste trabalho é comparar os discursos de periódicos argentinos e brasileiros sobre o torneio realizado na Argentina, em 1978, a fim de identificar semelhanças e distinções nas construções de imagens nacionais e, também, a propagação de representações coletivas a partir das seleções de cada país, além das personalidades públicas envolvidas no evento.

    É importante destacar que a maior parte dos trabalhos existentes sobre Copas do Mundo apresenta compilações de resultados, curiosidades e escalações feitas principalmente por jornalistas que aproveitam, sobretudo, os anos da realização dos eventos para indiscriminadamente lançar manuais no mercado sobre a História das Copas⁹.

    Acerca do torneio escolhido, os trabalhos acadêmicos específicos são escassos e não analisam profundamente as relações entre mídia, representações coletivas e história. O recorte temporal do mundial de 1978 possibilita investigar historicamente uma conjuntura política emblemática e presente na memória coletiva de ambas as nações.

    O estudo comparativo auxilia na construção de um panorama abrangente que não fique limitado à visão do futebol como ópio do povo¹⁰, nem supervalorize as questões futebolísticas sem contextualizar historicamente as conjunturas internas de cada um dos países, como geralmente apontam os ensaios jornalísticos sobre o assunto¹¹.

    A questão central é analisar as representações coletivas propagadas no discurso dos veículos de comunicação pesquisados e identificar sua provável relação com questões nacionais durante a realização do torneio. O método comparativo serve para identificar as semelhanças e diferenças nas visões construídas em ambos os países no torneio analisado.

    As fontes constituídas por matérias jornalísticas, crônicas e charges, elaboradas antes e durante o torneio de 1978, servem para perceber possíveis construções simbólicas nacionalistas e verificar se ocorreram formas de contestação explícitas ou difusas. É importante entender também as possíveis representações coletivas geradas pelas fontes pesquisadas, relacionando-as às coberturas jornalísticas e às conjunturas históricas nos dois países.

    A Copa de 1978 é constantemente associada, no senso comum, tanto de brasileiros quanto de argentinos, às ditaduras militares que governavam esses países no momento da realização do evento. O discurso da manipulação política é constantemente acionado na construção da memória desse torneio, principalmente na Argentina.

    A comparação feita entre os discursos nos dois países durante o torneio, sobretudo devido à censura existente na imprensa argentina, auxilia na percepção de diferentes visões sobre a Copa do Mundo que podem ser reveladoras de fatos encobertos ou distorcidos no âmbito local, mormente no que diz respeito ao olhar brasileiro sobre a campanha vitoriosa dos anfitriões em 1978.

    Uma possível relação com a dinâmica internacional de poder e a análise das conjunturas políticas específicas do Brasil e da Argentina no ano de 1978 será utilizada como subsídio para o grande painel¹².

    A campanha de um selecionado nacional pode ser apropriada simbolicamente em função da conjuntura política local interna. A construção da memória do torneio pode passar por ressignificações ao longo dos anos, distanciando-se do discurso elaborado no momento da realização da competição.

    A comparação entre os materiais produzidos por veículos da imprensa brasileira e da argentina permite vislumbrar o olhar do outro, identificando, assim, questões identitárias e estereótipos que ajudam a entender a relação entre os regimes políticos ditatoriais no período e os periódicos pesquisados. As visões cruzadas sobre a Copa de 1978 permitem analisar as representações surgidas em torno de ambas as nações.

    Surgem algumas indagações preliminares. Qual foi a participação dos meios de comunicação na construção da imagem do torneio? Até que ponto é possível relacionar os veículos analisados com o discurso governamental? Como o olhar do outro contribui para a configuração ou não de representações ou estereótipos nacionais durante as Copas?

    A partir de uma análise das representações geradas pelos meios de comunicação escolhidos em ambos os países, pretende-se perceber como foi elaborada a construção de determinadas imagens sobre o evento, com foco na importância atribuída pelos jornalistas à realização do torneio, além da tentativa de entender os silêncios existentes.

    O campeonato realizado em 1978, na Argentina, também ficou muito conhecido devido à tentativa de apropriação política do futebol pela junta militar presidida pelo general Jorge Rafael Videla. Os organizadores esforçaram-se na organização de um campeonato modelar que calasse a pressão internacional, vinda principalmente da Europa, de organizações de direitos humanos e movimentos como o Comité d’Organization pour le Boycotte a la Coupe du Monde en Argentine (Coba). Segundo Magalhães (2014, p. 128-130):

    Fundado no final de 1977, o COBA era resultado da associação entre dois distintos grupos políticos de esquerda francesa. Por um lado estavam militares mobilizados pela questão dos exilados argentinos e da crise política que vivia o país, que participavam do Comité de Soutien du Peuple Argentin (CSPLA), desde 1975. Ou seja, que já participavam de ações de solidariedade antes do golpe de 24 de março de 1976. Por outro lado, grupos formados principalmente por indivíduos focados na crítica histórica do uso do esporte, baseados principalmente nos casos da Copa do Mundo da Itália em 1934. E dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Além da Copa de 1978, os Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 também aparece como alvo de críticas e boicote.

    Entretanto, segundo Eduardo Archetti, dentro do país buscou-se associar a imagem de uma emergente Nação Argentina integrada, vivendo uma nova experiência histórica e a união de todo o povo seria simbolizada pelos 11 jogadores da seleção dirigida por César Luís Menotti (apud Tomlinson e Young, 2006, p. 137, tradução nossa):

    A Junta declarara orgulhosamente que a competição mostrou que as partidas não foram disputadas apenas com 11 jogadores em campo, mas com 25 milhões de argentinos. A Argentina teria vencido pacificamente a subversão. Um novo país teria nascido.

    Todavia a plausível utilização do futebol como propaganda do regime político, bem como o próprio título conquistado em circunstâncias questionáveis pelo selecionado argentino, reverberam negativamente na memória do torneio até os dias atuais, sobretudo por causa da polêmica goleada de 6x0 aplicada na seleção peruana que classificou a Argentina para a final, eliminando a equipe brasileira, até então invicta no torneio.

    É importante destacar que, atualmente, muitos argentinos criticam um comportamento supostamente passivo da população durante a Copa, visto que, por exemplo, a apenas um quilômetro do Estádio Monumental de Núñez, palco da partida final, encontra-se até hoje a Escuela Superior de Mecánica de la Armada (Esma), maior centro de tortura e detenção durante a ditadura militar na Argentina.

    Autores memorialistas, como o jornalista e advogado Pablo Llonto, autor de La vergüenza de todos: el dedo en la llaga del mundial ‘78 (2005), associam, por exemplo, a organização do campeonato e o título, em 1978, diretamente à manipulação política da junta militar, que efetuara 2 anos antes o golpe contra Maria Estela Martinez de Perón, em 24 de março de 1976. Responsabilizam também os meios de comunicação e grande parte do povo argentino por serem omissos em denunciar as mortes e a violência do regime imposto.

    Segundo Llonto, a conquista configurou-se ao longo dos anos paradoxalmente num símbolo de vergonha e arrependimento para a memória coletiva argentina:

    Sin embargo en los cuarteles, incluidos los de los tiempos de Perón, siempre se habló de lo útil que podía ser un Mundial de Fútbol para un gobierno. Lo que los uniformados nunca adviertieron fue que aquel Mundial 78, con los años, provocaría en los argentinos el menos feliz de los sentimintos tribuneros, el arrepentimiento. (LLONTO, 2005, p. 14).

    Outro trabalho jornalístico que também faz duras críticas à organização do evento, aos meios de comunicação e ao próprio povo durante a Copa é o de Ricardo Gotta, Fuimos campeones: la dictadura, el mundial 78 y el misterio del 6 a 0 a Perú (2008). O autor faz afirmações categóricas a respeito da censura, da intervenção política no trabalho dos jornalistas e à relativa passividade com que esses profissionais subordinavam-se às determinações da junta militar:

    El vicecomodoro Jorge S.Pedregol era interventor de LR4 Radio Splendid y LR6 Radio Excelsior. Sin un mínimo pudor, ni disimulo firmó el comunicado que prohibía qualquer crítica al plantel nacional y a quienes lo integraban. Claro que bajaba órdenes superiores. En muchos medios de comunicación hubo similares directivas. En Continental, Dora Quadros hizo pegar un memo por los passilos: Se recuerda a los productores de programas que está expresamente prohibida toda crítica a la realización del Mundial de fútbol, al técnico César Luis Menotti y a su estilo de juego. (GOTTA, 2008, p. 54).

    É importante ressaltar que os autores supracitados podem ser úteis na contextualização geral, porém suas obras carecem de discriminação das fontes e as afirmações necessitam de confrontação com documentos históricos e reflexões de pesquisadores acadêmicos.

    O sociólogo Alejandro Horowicz, que escreveu o ensaio político Las dictaduras argentinas. Historia de una frustración nacional (2012), também afirma que o comportamento do povo argentino foi de passividade e a vitória nos gramados foi associada à Nação:

    Nadie faltó a la cita. Casi todos como un solo hombre se desgarraban las manos aplaudiendo la victoria nacional. El mundial de fútbol y la patria se volvían una unidad indiscernible. Atacar al mundial, atacar la patria y atacar al gobierno era la misma cosa: campaña antiargentina, infamia, traición. (HOROWICZ, 2012, p. 25).

    O historiador Marcos Novaro descreve a adesão de muitos argentinos, principalmente da classe média e dos setores conservadores, à ditadura militar e à contracampanha publicitária do Processo¹³, cujos lemas eram Defenda sua Argentina e Os argentinos são direitos e humanos.

    Ademais, ele afirma também que a vitória no torneio foi apresentada pelo regime como o maior prêmio durante a nova onda de modernização do país:

    En 1978 comenzaron a regresar al país muchos artistas que se habían exiliado antes o poco después del golpe, muchos de ellos perseguidos por la Triple A, y se reinsertaron en los circuitos del teatro, el cine y la televisión. En forma más extendidas las clases medias y altas disfrutaron de una nueva ola de modernizacíon del consumo facilitada por la apertura comercial y el dólar barato. De lejos el más sintomático de estos prémios con que el regímen invitaba a los argentinos a participar del nuevo orden fue el Mundial de Fútbol realizado en el país a mediados de ese año. (NOVARO, 2011, p. 154).

    Apesar das intensas transformações econômicas liberais no país, caracterizadas como uma onda de modernização, e da postura supostamente passiva de grande parte da população durante o torneio, a ditadura não era uma unanimidade. Segundo o historiador Luis Romero, o ano de 1978 foi emblemático no que concerne aos discursos nacionais, mas essa nunca

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