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Somos todos órfãos 2.ed
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E-book132 páginas1 hora

Somos todos órfãos 2.ed

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Sobre este e-book

A SEGUNDA EDIÇÃO DO ROMANCE DE RÉGIS DE OLIVEIRAInspirado em "Os filhos do nosso bairro", de Naguib Mahfuz – Nobel de Literatura em 1998 –, este livro põe em xeque e desnuda as religiões do mundo. Régis de Oliveira, por meio de parábolas, pretende explorar os sentimentos humanos e esclarecer que as religiões sempre tendem à dominação e à promessa de uma vida melhor em outro lugar. Mas essas pregações, segundo a obra, acabam eliminando o que há de mais notável no ser humano: a vida que vive.Aqui não há um compromisso com a realidade, nem com a lógica, nem com o tempo. Os diálogos se travam com seres imaginários, ou que podem ter existido, sem preocupação como real. Mortos que voltam a viver e a falar.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de out. de 2018
ISBN9788542815276
Somos todos órfãos 2.ed

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    Somos todos órfãos 2.ed - Régis de Oliveira

    1.

    ADÃO E LILI. O HOMEM E A MULHER

    No princípio era o caos. Havia um vazio dentro de si. Ele não se contentava com nada. Estava entristecido e sem rumo. Nada o agradava. Nada o satisfazia. Vivia em crise. Faltava-lhe uma companhia. Todos os dias voltava para casa e se sentia sozinho.

    O pai o adotara para que fosse um bom homem e criasse uma família, entre outros elevados propósitos. Encontrou-o perdido no mundo quando ainda era criancinha. Pensou em fazer dele um grande homem e um político de primeira grandeza à frente do povo, e que também teria muitas mulheres e disseminaria seu sangue mundo afora.

    Criara-o com todo carinho, propiciando-lhe educação esmerada. No entanto, constatou que falhara. O filho só pensava em mulheres, vida sossegada, bebida e comida. Tudo que resultasse no sabor da vida rude e carnal.

    Pouco importava o que o pai pretendia. O filho continuava seu cotidiano insuportável.

    De repente, contudo, fez-se a luz. Como por milagre, avistou uma mulher que percebeu ter sido criada para ele.

    – Seu pai fez você para mim – disse-lhe pela primeira vez em que se falaram.

    Adão havia escolhido uma mulher do seu gosto. Rosto lindo. Corpo escultural. Muito mais bela que Hera, Afrodite e Atena juntas. Todos conhecem a história do pomo da discórdia. Éris, a deusa da discórdia, jogou o pomo no meio de uma festa onde as três deusas estavam presentes, e disse que a fruta deveria ser entregue à mais bonita.

    Como escolher? Um humano, Páris, foi indicado para decidir, e elege Afrodite, que lhe prometera a mulher mais bonita da Terra. As outras deusas também lhe prometeram poder, força e inteligência. Nada. Ele optou pela bela mulher. Helena de Esparta, que depois vem a ser de Troia, que deu origem ao decênio de guerra entre essa cidade e todas as outras da Grécia.

    Nem mesmo estas deusas eram mais lindas que Lili. Quando Adão a viu, o fogo ardeu em seu corpo. A beleza de seu rosto correspondia à do corpo.

    A conquista não foi difícil.

    – Lili, você é maravilhosa. Farei tudo para tê-la até o fim de minha vida – disse Adão.

    – Você é que me faz assim – respondeu sorrindo a mulher, já excitada.

    Mulher gosta de homem alegre, pensou ele. Tenho que ser agradável, mostrar-me atencioso, dar-lhe um presente. Uma flor é o que a mulher gosta. Depois de uma joia, claro.

    O começo foi divino. Quando ninguém percebe os defeitos do outro.

    Passaram a morar juntos e em pouco tempo o relacionamento se deteriorou.

    É que o convívio não é só de sexo. É de compreensão mútua, de concessões recíprocas e de entendimento das falhas do outro. Sem isso, tudo se esgarça. Quando você mora sozinho, faz o que quer. Quando mora com outra pessoa, faz o que quer desde que não incomode o outro. Caso contrário, você muda seu comportamento. Senão, não há convivência.

    Não demorou para notar que as coisas não estavam funcionando bem. Lili era distraída e dispersa. Não cuidava da casa como ele achava que deveria. Faltavam coisas na geladeira. A comida não era das melhores. Via-se que o chão não estava limpo. Adão passou a ficar preocupado, amuado, olhar absorto, vendo o nada.

    Ela também estava incomodada. Ele não lhe dava atenção. Não procurava agradá-la. Nenhuma surpresa. Nenhum presente. Nenhum gesto de carinho. Nada. O início fulgurante soçobrava. Somente sexo, e da maneira dele.

    Ambos tinham atração física mútua irresistível. Amavam-se continuamente. Só que Adão impunha seus gostos. Para não criar problemas, ela, de início, aceitou. Mas começou a ficar insatisfeita. Começavam com o arrancar de roupas. A calcinha voava para longe. Adão ficava teso e a penetrava com gosto. Profundamente. Em pé. Deitados. Sobre a mesa. Na cozinha. No banheiro. Violência animal, mas absolutamente satisfatória. Gozavam até perder o fôlego. Sem limites. Sem meio e sem fim. Orgasmos múltiplos. Contínuos. Um desespero.

    Com o passar do tempo, o homem passou a procurá-la apenas para sua satisfação. Usufruir de seu corpo e abandoná-la. Por vezes ela tinha longos momentos de intimidade quando, então, se tocava e se sentia úmida. Esfregava-se para obter prazer. Não era justo.

    Insatisfeita e contrariada. Agora que vivo com alguém que desejei, por que será que estou assim?

    Até que o interpelou.

    – Não pode ser só do seu jeito, Adão, deixe de ser machista – disse Lili, angustiada. – Por que não podemos dividir os prazeres da vida?

    – Assim não dá, Lili. Juntei-me a você para que pudesse ter sossego. Mas você não quer aceitar. Mulher e homem nasceram para viver juntos procurando o seu oposto, você não sabia? – respondeu Adão, contrariado. – O homem tem superioridade física e deve impor suas regras. Você não leu Platão, que disse em O Banquete que o amor é desejo, e uma vez satisfeito já não se quer mais?

    Mal conseguiam conviver. Adão tinha na cabeça que a mulher nascera para satisfazer os prazeres do homem. Lili não concordava. Entendia que os direitos deveriam ser iguais.

    No começo, houve uma fusão desbragada de sentimentos. Tesão não faltou. Adão era insaciável. Ela o atendia, a qualquer hora. Ela tinha o mesmo furor. Desesperado. Queria o amor de todas as formas e em qualquer circunstância.

    Também ela o procurava. Quando vinha a libido, ia direto ao seu homem. Queria transar. Queria ter orgasmos.

    – Meu bem, venha cá – dizia toda amorosa e já baixando a calcinha.

    Ele não se fazia de rogado, sempre pronto para o amor.

    As querelas iniciaram-se quando ele se satisfazia e deixava Lili no meio do caminho. Ela percebia que não estava certo.

    O relacionamento piorou quando ela também quis ficar por cima. Ele achava errado. Ora, a mulher tem que ser submissa. Mulher que é mulher deve aceitar o marido do jeito que ele é, e o natural era ficar por cima e por aí penetrá-la. Da maneira normal. O que era normal para ele? Era encontrar sempre tudo arrumado, e ela, sempre fresquinha para seu prazer. Por que as coisas haveriam de ser diferentes?

    Lili se impacientava. A repressão de seus sentimentos poderia provocar problemas psíquicos. Freud já não falara que, quando um impulso sofre restrição, ele fica armazenado no interior da pessoa e, uma hora ou outra, volta a aparecer com consequências negativas? Ela não queria saber: ou seria também do seu jeito ou a coisa não terminaria bem.

    – Olha, você está me deixando na seca. Assim não dá. Você vem, me deixa excitada. Me penetra, goza e vira de lado. E eu? Tenho que me virar sozinha.

    Ela foi ao pai. Explicou o que se passava e pediu que ele desse um jeito. Se homem e mulher iam viver juntos no mundo, que fosse de forma igual. A mulher não podia ter uma posição inferior.

    – Você tem que saber que as coisas no mundo têm uma razão e uma finalidade. A razão do prazer sexual não é apenas para satisfação de vocês, mas para procriar. A finalidade essencial do sexo é ter filhos, para preencher o mundo.

    – Ademais – continuou o pai –, você tem que ter paciência. Adão foi feito à minha semelhança. Você veio depois dele. Saiba obedecê-lo.

    – Como mulher não posso aceitar as coisas dessa forma. Para mim, com todo o respeito, as pessoas são iguais e com iguais direitos. Não há superior a outro. Ambos são iguais. O prazer é comum. Todos devem procurá-lo – respondeu, azeda. – E os filhos não devem vir quando as pessoas não querem.

    Disse que jamais se submeteria de forma incondicional. Se quisesse, poderia fazer um acordo para que a razão falasse mais alto, mas não se conformava com posição secundária.

    Se essa era a regra, ela não a aceitaria. Iria advogar pelo mundo afora a independência de comportamento e a igualdade de direitos. Nada de ficar na cozinha. Nada de lavar e passar e cuidar da casa, apenas. Iria abrir uma guerra santa contra tal situação.

    As mulheres têm que ter direitos iguais. Se tivessem relação sexual fora da parceria original, por que seriam apedrejadas? Por que o homem também não deveria ser apedrejado? Por que o homem pode ter quantas amantes quiser e todos entendem que está certo?

    Alguma coisa tinha que ser feita. Era injusto que as mulheres apenas servissem para pasto de lascívia dos homens.

    Jamais aceitarei isso com passividade, pensou Lili. A mulher é biologicamente desigual, mas tem que ser igual em direitos.

    Em países da África faziam incisões no clitóris da mulher para que ela não tivesse prazer, mas produzisse mais prazer para o homem. Em alguns países asiáticos, a mulher era relegada a segundo plano e obrigada a se cobrir.

    O homem podia ter várias mulheres. Estas só podiam pertencer a um homem. Não tinham direito a escolher o parceiro que lhes era imposto por acordo de família. Na história, serviam de moeda de troca em tratados entre Estados. Sujeitavam-se totalmente à vontade do pai e, depois, do marido.

    Nenhum direito tinham de participar da vida em sociedade. Só iam a determinados lugares se o marido autorizasse. Não podiam ser cidadãs, isto é, integrar a vida da polis, ou seja, da cidade e do país. Nem votar podiam.

    A situação era crítica, e elas eram estupradas sem que pudessem reclamar. Serviam de pasto a homens despudorados e desfilavam como prostitutas em bordéis masculinos.

    Coitado, então, daquele que nascesse ou viesse a ter gestos efeminados. Seria morto. Não se admitia qualquer outra opção sexual que não a heterossexual. Todos tinham que se enquadrar num mundo masculino.

    Assim ela pensava quando Adão chegou e

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