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Hendecágono
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E-book194 páginas2 horas

Hendecágono

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Sobre este e-book

Na matemática, Hendecágono é o nome dado ao polígono com onze lados. Já neste livro, é a conexão entre onze contos sobre o drama de pessoas que, em algum momento de suas vidas, passaram pela experiência da solidão.

Cada história retrata um aspecto diferente da solidão, formando ao final uma imagem complexa a respeito deste sentimento classificado por muitos como o "mal deste século". Em comum, os personagens não tem apenas o fato de serem solitários. Cada pessoa e conto estão de algum modo interligados. São histórias independentes, mas que se lidas em conjunto garantem ao leitor um entendimento mais profundo das tramas.

Assim como na figura geométrica, cada aspecto da solidão, seja ele positivo ou não, forma um polígono onde suas arestas convergem ao mesmo ponto central: o isolamento que a cada dia se aprofunda nos corações das pessoas.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de dez. de 2014
ISBN9781311079152
Hendecágono
Autor

Igor De Alcantara

Nascido na pequena cidade de Janaúba-MG em 07 de Maio de 1977, Igor Alcantara mudou-se logo cedo para Brasília-DF, onde viveu a maior parte de sua vida, tendo morado ou visitado quase todas as unidades da federação.Desde cedo ele foi levado a ler compulsivamente. Como estudava no período da manhã e morava longe, só podendo voltar para casa à noite, gastava suas tardes em uma biblioteca de Brasília.Por isso, desde seus nove anos de idade, leu diversos clássicos da literatura. Aos dez anos já conhecia a obra de Oscar Wilde, aos onze já havia lido Homero e Dante e aos doze, todas as peças de Shakespeare e boa parte dos livros de Kafka, Dostoievski e Machado de Assis, seus autores preferidos.Seu primeiro conto, “A Flor de Moscou” foi escrito aos onze anos. Desde então ele nunca parou de escrever. Boa parte do que produziu foi perdido, mas algumas coisas ainda persistem. Outras tantas obras ele simplesmente escreveu como presente a alguns amigos, não guardando cópias das mesmas. Já algumas foram perdidas durante o tempo.Igor Alcantara é um autor que acredita que escritores precisam se arriscar em terrenos antes não explorados. Por este motivo seus livros são de estilos diferentes entre si. É apenas saindo da "zona de conforto" que se pode realmente evoluir na arte das palavras.Apenas após os trinta anos de idade publicou algumas de suas obras escritas no passado e textos inéditos. Com as novas tecnologias gráficas, esse antigo sonho tornou-se realidade.Logo após a publicação, algumas de suas obras foram premiadas em diversos concursos literários, o que representou o início do reconhecimento de seu talento como escritor.Se quiser saber mais sobre Igor Alcantara, além de obter informações adicionais sobre este e outros livros, visite a página pessoal do autor:http://www.igoralcantara.com.br

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    Hendecágono - Igor De Alcantara

    Cento e Vinte

    "A velhice poderia ser a suprema solidão,

    não fosse a morte uma solidão ainda maior".

    Jorge Luís Borges

    Está escuro ao ponto de não poder enxergar nada. Absolutamente nada. Acho que estava dormindo, pois não me recordo de ter ali chegado e nem sei o que faço neste lugar. Aliás, que local é esse? Onde estou? Tento forçar a memória, mas é difícil recordar-me de qualquer coisa que tenha acontecido nas últimas horas.

    O ar é pesado e está muito difícil respirar. Como queria estar com algum aerossol para asma. Bastariam duas inalações e já poderia me sentir melhor, mas não é o caso. Não tenho nenhum remédio comigo e começo a ficar cada vez mais asfixiado.

    Abro a boca para que mais ar penetre em meus brônquios, mas é como se nada acontecesse, é como se não existisse oxigênio. Sinto-me mais sufocado a cada minuto que passa e nem posso fazer nada a respeito. Deveria gritar e perder o pouco de ar que me resta? Acho melhor não. Se houver perigo por perto, a pior coisa que posso fazer é chamar a atenção para minha presença.

    Percebo rapidamente que minhas mãos e pernas estão amarradas e minha cabeça está envolta por um capuz e este é o motivo pelo qual não consigo respirar normalmente e nem ver qualquer coisa. Decido não me mover, não sei se estou sendo observado por alguém. Em caso de dúvida, é melhor ficar imóvel e esperar a próxima ação de meu algoz.

    O chão é frio e úmido. Acho que estou sobre uma espécie de lama, é difícil dizer. A superfície é macia e ao mesmo tempo irregular. Em uma de minhas costelas sinto a ponta de uma pedra ferir minha pele. Não está chovendo, mas deve ter chovido algumas horas atrás pela presença de água ao meu redor. É certo que eu estou deitado sobre a terra.

    Não sei por que aquilo me lembrou de um acontecimento quando eu tinha doze anos de idade. Eu estava na casa de meu pai, havia ido visita-lo por uns dias. As pessoas achavam que seria bom para nós dois um pouco de convívio. Desde que ele se separou de minha mãe, não tivemos muito contato, já que no início ela dificultava as visitas a que ele tinha direito. Minha mãe usava a mim para se vingar dele.

    Encontrávamo-nos às vezes. No entanto, esses encontros eram estranhos, já que o afastamento nos tornou quase desconhecidos. Sempre existia aquele silêncio desconfortável quando ninguém sabia o que dizer e esperava que o outro iniciasse algum assunto. Esse alguém era sempre meu pai e o assunto era a escola ou os esportes ou o clima.

    Naquele dia, meu pai decidiu que iria preparar o meu almoço. Ele estava todo feliz na cozinha. Disse que eu iria adorar o que ele estava cozinhando, que era a sua especialidade e que todos que comiam, elogiavam bastante. Eu na verdade não estava muito interessado, mas fingi alegria para não estragar a empolgação do velho.

    Era triste vê-lo naquele estado: feliz por algo tão simples e que para ele significava muito. No fundo meu pai era uma pessoa sozinha, assim como eu. Devo ter herdado isso dele, se é que algo assim pode ser herdado. De todo modo, era constrangedor vê-lo querer me agradar sem saber como fazê-lo.

    Finalmente o almoço ficou pronto e ele serviu um prato bem cheio para mim e outro para ele mesmo. Colocou refrigerantes na mesa e apresentou-me sua iguaria: creme de abóbora com cubos de carne e queijo derretido. Deveria ser muito gostoso, mas havia um detalhe: eu sou alérgico a abóbora. Muito alérgico mesmo. Ao ponto que se eu tivesse comido metade daquele prato, teria morrido. Com certeza. Eu devo ser a única pessoa alérgica a abóbora no mundo.

    A decepção dele quando eu o disse isso foi evidente. Ele se sentiu péssimo por não saber algo tão importante. Pediu licença e foi ao banheiro. Eu sabia o que ele foi fazer lá, tinha ido chorar. Em silêncio e sozinho. Culpa e remorso são coisas difíceis demais para lidar, ainda mais depois de certa idade.

    No fundo eu tinha pena do velho. Ele se esforçava de verdade, mas não tinha como recuperar o tempo que perdemos. Ele não me conhecia e eu não o conhecia. Eu não o admirava e deve ser difícil para um pai saber que nem o seu filho o admira. No fundo, quando nos encontrávamos eu só queria que acabasse logo e eu pudesse voltar para casa.

    Arrependo-me muito de não tê-lo dado mais espaço, de não ter eu também tentado me reaproximar. De qualquer forma, agora é tarde demais para pensar nessas coisas. Meu pai está morto. Eu não fui ao enterro, preferi acusá-lo por sua ausência e vinguei-me estando eu também ausente em seu funeral. Como queria não ter feito isso.

    Um vento frio tornava a minha atual situação ainda mais desconfortável. Não muito distante, eu escuto um barulho familiar. Não sei dizer agora do que se trata, mas é algo que eu já ouvi antes. É um som que se repete e segue um padrão, mesmo que irregular. Concentro-me e tento lembrar que ruído é aquele, mas não consigo. É um conjunto de dois sons, um mais curto e outro longo, parecem produzidos por uma pessoa usando algum tipo de ferramenta, mas nada mais me vem à mente.

    O ar gelado me faz querer tossir, o que eu devo evitar a todo custo. Só agora percebo que estou despido de minhas roupas. Mesmo sendo este o menor de meus problemas, sinto-me envergonhado por encontrar-me em tal situação. Todo meu corpo treme de frio e espero que ninguém esteja me olhando, pois isso denunciará meu estado desperto. Não sei por que, mas tenho a certeza de que se me encontrarem acordado, minha situação tende a piorar.

    Isso é angustiante. Não sei onde estou, nem o que me aguarda e muito menos como vim parar aqui. Sinto vontade de chorar, mas não posso. Isso me faz lembrar de uma pessoa a quem causei prantos alguns anos atrás. Acredito que estou pagando por aquilo e por todas as coisas ruins que fiz em minha vida. Não foi por mal que eu fiz tal ato, foi por covardia e um pouco de egoísmo.

    O medo de tudo dar errado falou mais alto e eu desisti dela. Conhecemo-nos através da Internet, em uma sala de bate-papo muito popular. Desde o início percebi que tínhamos muito em comum. Gostávamos dos mesmos assuntos e tínhamos a mesma visão em relação a questões do dia-a-dia. Sendo assim, nasceu uma amizade de maneira bem natural. Amizade essa que para mim era muito importante.

    Como era de se esperar, essa amizade evoluiu para algo mais intenso e quando me dei conta, estava apaixonado por ela e ela por mim. Morávamos em cidades diferentes, poucas horas de viagem de uma para a outra. Víamo-nos apenas nos finais de semana. Era um pouco cansativo, mas valia a pena aquele sacrifício.

    Luciana morava com seus pais e teve uma criação muito severa por parte da família. Eu era seu primeiro namorado e demorou alguns meses até que nos fosse permitido sair para passear sem a companhia de nenhum irmão ou primo. No início aquilo me incomodava, mas acabei me acostumando com toda a desconfiança que despertava.

    Nossos passeios normalmente eram para o cinema de sua cidade ou a algum restaurante. Durante a exibição dos filmes, eu aproveitava a escuridão para tentar algumas carícias um pouco mais ousadas, mas era sempre advertido por minha namorada. Aquilo para ela era muito novo e mesmo meus beijos precisavam de certo controle para não passar dos limites que o pudor de Luciana permitia.

    No entanto, após algumas insistências, ela aos poucos acabou cedendo e notei que ela na verdade gostava do que estava acontecendo. Eu mexi com suas convicções e a fiz desejar algo que ela até então havia negado. Eu a fiz se sentir uma mulher e mostrei que não havia pecado algum na forma em que eu demonstrava o meu carinho por ela.

    Em uma destes dias em que deveríamos ir ao cinema, eu a convenci a aceitar meu convite para desviarmos o caminho até a um motel na saída da cidade. Já havia sugerido isso a ela diversas vezes, mas ela sempre negava, alegando querer manter sua virgindade. No entanto, eu sabia que ela também desejava aquilo, assim como eu. Chegou então o dia em que minhas investidas deram fruto e meu convite foi aceito.

    Eu tinha muito respeito por ela e tinha ótimas intenções sobre o nosso relacionamento. De maneira alguma planejava magoá-la. Eu só achava uma grande besteira toda aquela história de a mulher casar-se virgem sendo que o desejo de ambos dizia o contrário.

    No início, como era de se esperar, ela estava muito nervosa. Tratei de tranquilizá-la e aos poucos meus carinhos e beijos a fizeram se soltar. Tirei a sua roupa bem devagar, deixando apenas uma luz fraca iluminar o quarto para que ela perdesse um pouco da vergonha. Fiz com que ela igualmente me despisse aos poucos para conhecermos as formas um do outro conforme nos sentíssemos mais à vontade.

    Quando vi seu lindo corpo nu, senti uma euforia muito grande. Suas curvas eram perfeitas e poder tê-las para mim era não menos do que maravilhoso. Foi assim com todo o carinho e cuidado que fizemos amor naquela noite por horas. Foi uma experiência incrível para os dois e eu pude sentir pelo modo como ela me abraçava, que ela sentia tanto ou mais prazer do que eu. Como algo assim, feito com respeito e sentimento sincero, pode ser um pecado?

    O problema foi o que eu fiz depois, mas tais lembranças eu prefiro não ter. A asfixia não me abandou. Se ao menos meu algoz retirasse o capuz, eu poderia respirar um pouco melhor. É terrível a sensação de abrir a boca em busca de ar e não receber a quantidade suficiente. Minha cabeça já começa a doer, o que era sinal de que meu cérebro está recebendo pouco oxigênio. Aquilo me preocupa na mesma proporção que me aterroriza.

    O mesmo barulho se repete. Imagino o som como a marcação de um ritmo musical: um, dois, três. Novamente: um, dois, três. O primeiro ruído dura o tempo em que eu digo um, dois. Por fim, o barulho final acontece durante a contagem do três. Isso se repete durante um bom tempo até que o silêncio impera por não mais que setenta segundos e a sinfonia retorna.

    Tanto frio me faz voltar muitos anos no passado, quando eu ainda era uma criança. Eu e alguns amigos brincávamos em uma espécie de floresta próxima de nossas casas. Gostávamos de imaginar que aquele era um lugar mágico e criávamos todo tipo de fantasias. Como não era muito distante, nossos pais deixavam que ficássemos ali até tarde da noite, principalmente nos fins-de-semana.

    Houve uma tarde, no entanto, que nunca vou esquecer. Corríamos pela mata executando um de nossos vários jogos quando um de nós caiu e se machucou gravemente. Quando voltamos para olhar como nosso amigo estava, ele não se mexia. Entramos em desespero. Gritamos pelo nome dele várias vezes, mas nenhuma resposta veio.

    Pedro, este era seu nome, bateu a cabeça em uma pedra e ficou desacordado. O sangue era abundante. Ficamos desesperados. O medo maior era acontecer alguma coisa conosco. Um de nós levantou a hipótese de sermos acusados pela morte e passarmos a vida toda na prisão. Outro disse que o mais provável seria nos condenarem à pena de morte. O pavor era geral.

    Éramos apenas crianças, mas de repente tínhamos um assunto muito sério a resolver. Obviamente que a morte não foi por nossa culpa e não seríamos nem ao menos indiciados pelo crime. No entanto, não sabíamos como a justiça funcionava. Assim, fazia todo o sentido para nós pensar que tudo de errado poderia nos acontecer. Nosso medo era fundamentado pelos recentes casos de pessoas condenadas à prisão quando anos mais tarde descobre-se que eram inocentes.

    Foi aí que a coisa piorou. Ao invés de contarmos aos nossos pais o que havia acontecido, decidimos enterrar o corpo e dizer que Pedro havia sido sequestrado. A ideia foi dada por Ruy, que era o mais velho de nós. No início discordamos de tal absurdo, mas depois de pensarmos um pouco melhor, acabamos por aceitar.

    Fomos a uma área mais afastada da mata e cavamos um buraco com duas pás que Paulinho pegou em sua casa. Depois de tudo pronto, espalhamos algumas folhas pelo local, conforme nos orientou Ruy. Ele disse que aprendeu isso ao ver um filme recentemente. Lavamos as mãos e repassamos dezenas de vezes a história que iríamos contar.

    O que dissemos aos pais e mais tarde aos policiais foi que dois homens haviam chegado armados e levaram Pedro embora. Fomos perguntados diversas vezes sobre detalhes a respeito dos sequestradores e dissemos tudo: características físicas, roupas, tatuagens e cicatrizes. Como a história tinha sido bem ensaiada e a polícia jamais desconfiaria de um grupo de crianças, a mentira foi convincente e a floresta onde ele estava enterrado, jamais explorada.

    Nosso amigo está até hoje sepultado naquele lugar. Nenhum de nós voltou ali e nem mesmo tocamos neste assunto. Nunca mais. O clima jamais foi o mesmo de novo. Ficamos com essa pesada marca em nossas vidas e sob o constante medo de sermos descobertos. A exceção foi apenas Ruy, que parece que desenvolveu um comportamento sádico após o episódio. Foram muitas vezes que o vi torturando animais. Ele causava pavor em todos nós.

    Medo maior sinto eu agora, ainda mais depois de descobrir do que se trata o som ritmado que eu escuto. Aquelas memórias fizeram lembrar-me do barulho de pás cavando o chão. Um, dois, a pá pega a terra e em três a pá joga a terra fora. Um, dois e três. Um dois e três. Esse movimento repetido foi o mesmo que fizemos anos atrás naquela floresta. A vida se vingava de mim.

    Como não percebi isso antes? O fato é que estou deitado na lama fria, despido e amarrado. Além disso, alguém cava um buraco. Isso me faz imaginar coisas que eu espero que não sejam verdadeiras. Como fazer para escapar daquela situação sem colocar tudo a perder de uma vez por todas? Preciso pensar rápido em uma saída.

    De repente o barulho para. Tento então ficar imóvel para que não percebam que eu estou acordado. Passos e aproximam. Um a um escuto aqueles pés batendo contra o solo e chegando cada vez mais perto de mim. O medo transforma-se em terror. Que chances tenho eu contra aquela pessoa se nem me locomover eu posso devido à corda que me amarra? O que fazer agora?

    Escuto uma tosse seca e rouca seguida do barulho de um assovio provindo de

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