Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Sonhe mais
Sonhe mais
Sonhe mais
E-book275 páginas4 horas

Sonhe mais

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Jai Pausch passou por um trauma: a perda do marido para um câncer de pâncreas. A enfermidade de Randy Pausch também destruiu as verdades e as certezas em que Jai acreditava.
Pega de surpresa pela doença, que avançou rapidamente, Jai Pausch precisou inverter suas prioridades. Acostumada a cuidar da família, percebeu que aquele era, também, o momento de cuidar de si mesma, porque, do contrário — caso fraquejasse —, sua família não sobreviveria. E, apesar de todas as alterações pelas quais passou, foi capaz de registrar a maior parte de suas experiências, dúvidas e medos.
Este registro acabou se constituindo num relato vigoroso sobre como a morte muda o relacionamento entre as pessoas e sobre como é possível sobreviver, passo a passo, a essas mudanças.
Sonhe Mais é referência para todos os que estão vivendo uma fase de transição e é leitura obrigatória para aqueles que passaram, ou estão passando, por um momento de dor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mar. de 2013
ISBN9788581631394
Sonhe mais

Relacionado a Sonhe mais

Ebooks relacionados

Autoajuda para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Sonhe mais

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Sonhe mais - Jai Pausch

    1

    VIVENDO O SONHO

    — Então, posso pegar o bloco e jogá-lo? Randy perguntou, incrédulo.

    Ele estava aprendendo sobre pesquisa de computação gráfica na Universidade da Carolina do Norte, onde eu trabalhava enquanto fazia meu doutorado em Literatura Comparada. Randy era PhD em Ciência da Computação na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, e pesquisava sobre realidade virtual e interação entre humanos e computador. Em pé no laboratório de realidade virtual, ele parecia uma criança de 37 anos brincando com um video game Wii. Em vez de olhar para o mundo gerado pelo computador em uma televisão montada na parede, estava olhando para uma tela instalada no interior de um capacete especial. Hoje, muitos norte-americanos sabem como segurar um equipamento para fazer objetos ou avatares se moverem em um video game. Mas, há 14 anos, essa tecnologia ainda não estava disseminada, não era sequer um jogo. Em vez disso, era um experimento para ver como a realidade vir­tual poderia ser atraente. Nessa demonstração, jogar o bloco não era parte das funções do programa, mas Randy não sabia disso e fazia milhões de perguntas. De manhã, eu já havia notado seu lado questionador enquanto visitamos outras partes do laboratório de realidade virtual. Caminhando ao lado dele, podia notar que estava realmente interessado em nossa pesquisa, absorvendo tudo. Para mim, parecia óbvio que ele era inteligente. O que mais poderia se esperar de um PhD da Carnegie Mellon? Mas, para minha surpresa, Randy era muito pé no chão. A primeira vez que o encontrei naquela manhã, e por e-mails anteriores, ele insistiu que eu o chamasse de Randy, não de dr. Pausch. Para ele, não eram necessários a cerimônia nem o reconhecimento de seu título, o que configurava uma mudança revigorante em relação às normas da Academia. Eu me senti totalmente à vontade com ele, ainda que tivesse acabado de conhecê-lo. E queria conhecê-lo melhor.

    Fui tomada por sua natureza brincalhona e tranquila. Acho que foi por isso que preguei uma peça nele: Ah, claro, você pode jogar o bloco lá para dentro da outra sala! — Eu menti, quando Randy experimentava o painel de demonstração. Então, ele pegou o bloco com o controle remoto do jogo, ergueu-o até a cabeça e o jogou com toda força. Não funcionou! ele exclamou. Bem, então você deve ter soltado o botão muito rápido, eu disse. Olhei ao redor, para os estudantes de graduação que estavam apresentando a demonstração. Rimos todos juntos, e rimos da piada. Randy tentou várias vezes pegar e arremessar o bloco, até perceber que estávamos rindo. Então, ergueu o capacete, olhou para mim com um brilho nos olhos e riu junto conosco. Foi amor à primeira vista. Tudo o que eu via era aquele homem de 1,80 metro de altura, cabelos escuros e grossos, com grande senso de humor e seguro de si. Ele deve ter me achado atraente e talvez um pouco charmosa, pois me convidou para sair naquela noite. Obviamente, fiquei animadíssima e aceitei o convite. Eu literalmente me sentei ao lado do telefone e esperei que ele me ligasse depois de sua reunião durante o jantar. Como o horário da ligação chegou e passou, achei que ele tivesse mudado de ideia, que a conexão que eu sentira entre nós fosse apenas minha imaginação, que tinha me enganado achando que as intenções dele comigo eram sérias. Então, o telefone tocou. Randy desculpou-se por ter ligado mais tarde do que havia prometido, mas a reunião atrasara. Ele realmente queria se encontrar comigo e esperava que não fosse muito tarde para isso. Peguei minha bolsa e saí pela porta com o coração disparado.

    É ao mesmo tempo doce e amargo pensar em como nos conhecemos e começamos a namorar, como eu passei a confiar nele e acreditar o suficiente a ponto de me casar novamente. Eu já tivera um primeiro casamento conturbado com meu namorado da época da faculdade, o que me deixara um tanto cínica com relação ao casamento e à minha capacidade de encontrar um homem que pudesse ser fiel àqueles votos eternos de amor, honra e felicidade. Fazer um retrospecto daqueles primeiros dias me causa muita dor; dilacera a ferida que só agora começa a cicatrizar. Dói muito pensar em nosso primeiro encontro, quando caminhamos pela Rua Franklin na Chapel Hill e demos as mãos. Tive que alcançar a mão dele para segurá-lo um pouco para trás, para manter o passo junto dele, pois ele caminhava rápido e eu era muito mais lenta. Lembro-me de quanto suas mãos eram macias, de quantos pelos tinha nas articulações de seus dedos e de que roía as unhas, assim como eu. Quando dávamos as mãos, ele às vezes esfregava meus dedos perto das articulações, o que dissipava todo o meu estresse e me deixava meio mole. Não éramos algo yin e yang; de alguma forma, simplesmente combinávamos — no intelecto, nas brincadeiras e nas emoções.

    Ele ficaria em Chapel Hill só por uns dois dias e todo o seu tempo estava agendado para reuniões com o corpo docente da universidade. Mas, no segundo dia de sua visita, Randy me perguntou se eu gostaria que ele ficasse mais um dia para que pudéssemos sair juntos novamente. Eu me senti lisonjeada e disse que sim. Depois que saí do trabalho, ele tomou o ônibus comigo, de volta para meu apartamento. Não perdeu tempo e começou a alterar sua agenda, fazendo ligações do celular ali mesmo do ônibus. Não era muita gente que tinha celular naquela época e Randy parecia um peixe fora d’água marcando reuniões de trabalho. Ninguém jamais havia movido céu e terra para estar comigo; senti-me tão especial, tão afortunada por ser tratada com tanta gentileza!

    Mais tarde naquela noite, conversamos sobre os salários das escolas de graduação, empréstimos estudantis para pessoas que procuravam diplomas em profissões que não dariam aos estudantes salários suficientes para pagar de volta os empréstimos, e muito mais. Falamos sobre muitas coisas durante aquele simples jantar chinês.

    Para mim, Randy era lindo, mas é preciso muito mais do que boa aparência para alguém se apaixonar. Acho que deve ter sido a combinação de intelecto e humor, gênio e atleta, tecnologia e arte, honestidade e integridade que me levou até ele. Adorava o fato de ele ser um cientista sério e intelectual, mas não ser esnobe. Ele não se levava muito a sério, embora tivesse opiniões abalizadas e convicções muito fortes. Era cheio de vida, o tipo de pessoa que traz energia para dentro de uma sala e em torno de quem as pessoas gravitam. E o jeito que ele olhava para mim, desde o primeiro momento, era algo que nunca havia sentido antes e talvez jamais sentirei de novo.

    Depois daquele encontro, nosso romance foi um redemoinho. Ele vivia em Pittsburgh, Pensilvânia, e eu, em Chapel Hill, Carolina do Norte. Assim, obviamente, foram necessárias muitas viagens para nutrir nosso relacionamento. Às vezes, eu viajava até Pittsburgh, onde ele me mostrava a cidade, me apresentava a seus amigos e colegas e, discretamente, começava a me integrar à sua vida. O amor começou a aflorar, apesar de eu não perceber. Não tinha certeza se podia acreditar que um homem como aquele teria sérias intenções comigo, uma mulher já divorciada aos 30 anos e ainda batalhando um PhD em Literatura.

    À medida que nosso namoro se desenvolveu outono adentro, levei-o à casa de meus avós em Chesapeake, na Virgínia, para o Dia de Ação de Graças. De presente, ele levou uma casinha de biscoito de gengibre para minha avó, que ele mesmo fez em suas noites após o trabalho. Que surpresa encontrar um homem que fazia bolos e criava casinhas de gengibre! E ele fez isso do zero, de um modelo que ele mesmo fizera com cartolina, não com um kit comprado na Michaels. O esforço e a atenção que empregou para criar e transportar a casa dizia muito sobre ele e as coisas que valorizava. Randy poderia ter trazido um buquê de flores para a reunião de família, mas quis ir além para causar boa impressão. Também mostrou seu lado criativo, aquele que não aceitava o lugar-comum.

    Mais tarde, ele me levou para Colúmbia, em Maryland, para as comemorações de aniversário de seu pai e sua mãe. O presente dele para o pai era simples: biscoitos de chocolate feitos em casa. Na opinião de Randy, presentes não eram para mostrar quanto dinheiro as pessoas tinham intenção de gastar, e sim quanto sentimento se colocava neles. A filosofia dele combinava com a minha e eu passei a amá-lo e a respeitá-lo ainda mais por causa disso.

    Logo estávamos juntos todos os finais de semana e todos os feriados, e Randy me fez passar por experiências inesquecíveis. Podia ser um tour pelos bastidores da maquete de um parque popular de diversões temático ou um encontro com pessoas repletas de ideias fascinantes. Ele me convidava para participar de jantares e viagens de negócios, embora eu não fosse uma cientista de computação. Eu adorava o estímulo intelectual, as conversas que desafiavam minhas noções preconcebidas e os assuntos ecléticos. Sabendo que eu não tinha essa formação tecnológica, Randy me explicava as ideias básicas por trás do assunto a ser discutido, para que eu pudesse participar. Ele fazia isso de forma respeitosa e objetiva, sem nenhuma condescendência. Além disso, perguntava minha impressão sobre as coisas, ouvindo com cuidado, demonstrando quanto valorizava minha opinião. À medida que os finais de semana ficavam mais curtos, os dias da semana ficavam mais longos. Era mais difícil não estar com aquele homem o tempo todo. A distância entre nós não podia mais ser preenchida por uma ligação telefônica.

    Lembro-me vividamente de uma excursão universitária para Chicago com seus alunos de pós-graduação da Carnegie Mellon. Uma das produções teatrais mais impressionantes de hoje, o Blue Man Group, envolve três atores pintados de azul da cabeça aos pés, que não dizem uma só palavra no palco, mas, em vez disso, usam tambores, tecnologia e linguagem corporal para se comunicar e extasiar a plateia. Era uma grande novidade na época, diferente de qualquer teatro que já tínhamos visto. No final, Randy estava fascinado. Ele se virou para mim com lágrimas nos olhos e disse: Estou tão feliz por você estar aqui passando por esta experiência comigo!. Mais tarde naquela noite, fomos assistir a O casamento de Tony e Tina, uma peça na qual a plateia é tratada como se fossem os convidados do casamento, participando até mesmo da ação. Então, quando os atores chamaram todas as mulheres solteiras para ir pegar o buquê, Randy e seus colegas insistiram para que eu fosse. Para minha surpresa, peguei o buquê. Podem imaginar a gozação que ambos ouvimos de seus colegas e alunos. Depois da viagem a Chicago, eu sabia que não levaria muito tempo para Randy me pedir em casamento. Mas não tinha certeza se poderia abrir mão de meus medos e entregar de vez meu coração. Eu me preocupava se não estaria me prendendo, de novo, na armadilha de uma relação com um marido que não tentasse resolver os problemas e, em vez disso, mantivesse o comportamento destrutivo, e que eu tivesse que viver infeliz ou passar por um divórcio doloroso. Eu deixaria que meu passado ofuscasse meu futuro? Ficaria amarrada àquele fracasso ou reconheceria minha força e tentaria de novo? Essas eram algumas das perguntas que me fazia o tempo todo.

    Ele era divertido, espirituoso, mas, acima de tudo, amoroso. Sabia que me amava porque ele o demonstrava, não só me dizendo. As atitudes de Randy revelavam seu coração e sua personalidade em pequenos gestos, como comprar um guarda-chuva quando eu não tinha um, ou em gestos grandiosos, como prometer que pagaria todas as despesas para que eu me mudasse de volta a Chapel Hill caso nosso relacionamento não desse certo. Apesar de ter muito medo, eu confiava em Randy e em nosso relacionamento e concordei em me mudar para Pittsburgh. Continuava assustada quando apresentei meu aviso prévio de duas semanas como aspirante a coordenadora e assistente do Departamento de Ciência da Computação, contei aos meus amigos e à minha família que estava me mudando e comecei a procurar um apartamento e um emprego em Pittsburgh.

    Todas as vezes que vou a Pittsburgh pela I-70W e atravesso o Pennsylvania Turnpike, lembro-me de minha viagem com Randy em um caminhão de mudança, com todas as minhas posses deste mundo empacotadas na parte de trás e o carro no reboque. Aqueles sentimentos de medo e animação vêm à tona quando me lembro de Randy atrás do volante, olhando para mim, sorrindo, esticando-se para segurar minha mão. Depois de um casamento fracassado, era preciso muita coragem para confiar em alguém de novo. Mas Randy fez parecer fácil acreditar nele e em nós. Eu tinha certeza de que nosso casamento não acabaria em divórcio; sabia que seria até que a morte nos separe. Eu só não sabia que seria tão cedo, logo após fazermos nossos votos. Nós nos casamos em 20 de maio de 2000, em Pittsburgh, sob dois carvalhos, em uma cerimônia simples, na presença dos familiares mais próximos e alguns amigos.

    Mesmo depois de Dylan, Logan e Chloe nascerem, a mágica continuou. Randy adorava ser pai e queria filhos para encher o carro até o teto, como ele me explicou. Eu tinha 34 anos e Randy, 40, quando demos início à nova família; assim, não houve muito tempo entre um filho e outro. Dylan nasceu no final de 2001; Logan veio dois anos e meio mais tarde, e Chloe, 19 meses depois de Logan. Três filhos em cinco anos! Filhos pequenos trazem muito estresse ao casamento e o nosso não foi exceção. Quando Dylan nasceu prematuro, sete semanas antes do previsto, com quase 1 quilo, Randy e eu ficamos apavorados ao pensar em perder nosso primeiro filho. Lembro-me de que Randy entrou em seu modo de solução de problemas para criar uma agenda de trabalho na qual minha mãe, eu e ele nos revezássemos para acordar com Dylan a cada três horas, para alimentá-lo e trocá-lo, e anotar tudo o que ele punha para dentro e para fora, a fim de que o pediatra pudesse medir seu crescimento, chegando a ponto de descrever a consistência e cor de suas fezes e como ele comia (acho que tenho alguns desses gráficos guardados até hoje. Imagine descrever o cocô de um bebê às 3 da manhã!). Quando pequeno, o perigo residia no fato de que ele era muito fraco para chorar quando precisava comer, então fizemos isso durante três meses até que Dylan ganhasse peso suficiente para que pudéssemos esperar que ele chorasse quando estivesse com fome. Absolutamente exaustivo. Acho que Dylan só conseguiu dormir uma noite inteira sem acordar quando fez 5 anos e aprendeu a colocar um CD de histórias para ouvir quando acordava no meio da noite.

    Nesse período, percebemos que Randy não se dava tão bem acordando no meio da noite, pois não conseguia voltar a dormir e, no dia seguinte, de manhã, estava exausto para trabalhar. Como eu podia ficar em casa e tirar uma soneca quando as crianças dormiam, assumi os turnos da noite para aliviar Randy e tornar a vida dele um pouco mais fácil. Dar e receber. Isso é o que sempre fizemos para atravessar os períodos mais difíceis e tornar melhor nossa vida juntos.

    Enquanto eu me entregava profunda e completamente à tarefa de cuidar de Dylan, Randy viu que eu estava arriscando perder todos os limites entre mim e meu pequeno bebê. Sempre seguro, acreditava que sabia do que eu precisava quando não estava pensando direito, pois a exaustão e o medo coloriam meu processo de tomada de decisão. Percebendo o buraco no qual eu me encontrava, ele me obrigou a ficar um tempo longe do bebê e da casa, assim eu poderia respirar um pouco. Não gostei nem um pouco desse arranjo, mas, mesmo reclamando, deixava Dylan aos cuidados do pai.

    Lembro-me de ir ao parque e ficar sentada tentando ler, incapaz de me concentrar nas palavras da página. Tudo o que eu via era vermelho — raiva por não estar com Dylan. No entanto, depois de algumas vezes, aprendi a sair de meu modo mãe e usar essas horas para fazer alguma coisa que me interessasse. Esse sentimento recém-descoberto de autoconsciência e autopreservação foi muito importante para mim, já que nossos dois outros filhos nasceram logo depois e muito próximos um do outro. Podia até não ser o que eu gostaria de ouvir ou ver em mim, mas Randy e eu tínhamos uma comunicação tão honesta que podíamos compartilhar qualquer coisa. Se um não concordava com o ponto de vista ou com a sugestão do outro, discordávamos com respeito ou encontrávamos uma maneira de fazer funcionar bem para os dois. Lembro-me só de algumas vezes quando aumentamos o tom de voz, com raiva ou frustrados um com o outro, o que é incrível, considerando o estresse da educação dos filhos e de uma doença terminal. Randy era sempre tão racional e razoável, e me amava tão completamente, que faria qualquer coisa por mim.

    Embora a fase dos bebês tenha sido difícil para ele, Randy realmente voltou a ser o que era quando as crianças estavam, mais ou menos, com 2 anos de idade. Era ele quem fazia as coisas malucas com elas. Uma de suas brincadeiras favoritas era assuste a mamãe, geralmente feita com truques bobos. Quando as crianças eram pequenas, Randy gostava de equilibrá-las na palma da mão. As crianças ficavam em pé e paradas enquanto Randy mexia as mãos para cima, para baixo e para o lado. Claro que eu me assustava e gritava nos momentos certos e as crianças adoravam isso. Randy também era aquele a quem elas se aconchegavam no sofá. A mamãe parecia estar sempre ocupada cuidando de uma criança ou de outra ou preparando uma refeição ou lanche, mas o papai era o parceiro de bagunça, dando muita atenção a cada uma, conversando sobre o que tinha acontecido durante o dia ou sobre algum assunto do interesse delas. Randy também cozinhava com elas, geralmente o café da manhã nos finais de semana, quando tínhamos a maior parte de nosso tempo livre. A coisa que Randy mais gostava de fazer era panqueca de bichinhos. Ele não usava uma forma pré-moldada; em vez disso, colocava a mistura diretamente dentro da frigideira de um jeito que a forma ficasse parecida com alguma coisa. As crianças diziam qual era a forma da panqueca, talvez um cavalo ou um porco. Era como um teste de Rorschach, um jogo divertido que estimulava muita conversa e risadas à mesa do café da manhã. Ah, quantas manhãs felizes passamos juntos falando sobre aquelas panquecas!

    Por mais que adorássemos ficar juntos, também gostávamos de estar com nossas famílias. Queríamos que as crianças as conhecessem, embora vivêssemos a pelo menos quatro horas de nosso parente mais próximo. Assim, viajamos muito para Maryland e Virgínia para visitar nossas famílias, desde quando as crianças eram bebês. Lembro-me da última viagem antes de Randy descobrir que tinha câncer. Foi no verão de 2006, e decidimos visitar meu irmão mais novo em Raleigh, na Carolina do Norte. A maioria das pessoas não consideraria a combinação de um recém-nascido, um bebê de quase 2 anos e uma criança de 4 anos e meio, numa viagem de carro, como férias. Mas estávamos firmes no propósito de manter nossos laços familiares bem unidos. Sabíamos muito pouco sobre quanto esses laços seriam postos à prova quando, logo depois, precisamos recorrer às nossas famílias para nos ajudar.

    Era o início de agosto e o tempo estava quente — calor do sul, quando a umidade atinge perto de 90% ao longo do dia e o dia começa já com 30 ºC. Ficamos hospedados em um pequeno hotel com piscina, não muito longe da casa de meu irmão. A palavra-chave era piscina. Durante os poucos dias que ficamos em Raleigh, passamos a maior parte de nosso tempo na água. Os meninos e Randy adoravam; os dois se revezavam para pular na água, esperando que Randy os pegasse, enquanto eu segurava a bebê, Chloe, em uma parte mais tranquila da piscina. Meu irmão e a esposa dele vinham para um churrasco à tardezinha e para relaxar à sombra ou brincar na água com as crianças. Meus amigos da faculdade vieram para dar um mergulho conosco.

    Lembro-me particularmente de uma amiga que observava Randy brincar com os meninos: ela ficou muito emocionada pelo amor que tinham um pelo outro e pela alegria que sentiam de estar juntos. Lembro-me de olhar para a mesma cena e pensar em quanto eu era feliz por fazer parte de uma família tão maravilhosa e quantas vezes mais eu veria essa cena se desdobrar à minha frente ao longo da vida: meu marido, o pai deles, amando-os, passando tempo com eles, aproveitando os prazeres simples da vida. Este era uma dos meus sonhos tornando-se realidade — ter uma família, uma família amada e feliz. Há os desafios, sem dúvida, mas as recompensas são muito maiores do que jamais esperei.

    Eu amava ser mãe e esposa e me atirei nesses papéis com fervor, aprendendo a fazer meu coração crescer o bastante para amar quatro pessoas. Quando a vida parece um mar de rosas, é difícil imaginar o chão tremendo e depois engolindo você por inteiro. A pior coisa que temia naquela época era uma das crianças ter infecção de ouvido. Não poderia supor que nossa jornada como família e como casal estava prestes a dar uma reviravolta, uma mudança radical que nos testaria e ameaçaria nos destruir. O que tínhamos era um vínculo forte e um amor com base na confiança e na comunicação. Penso em quanto hesitei em deixar minha antiga vida em Chapel Hill para construir uma vida nova com Randy em Pittsburgh. Foi a coisa certa a fazer: pensar com cuidado sobre o casamento, ter uma visão apurada de quanto é difícil manter um relacionamento saudável. É uma decisão da qual, até hoje,

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1