Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Sininho envenenada
Sininho envenenada
Sininho envenenada
E-book224 páginas3 horas

Sininho envenenada

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Baseado nos diários de um pai e sua filha usuária de drogas, o livro revela o drama vivido pelos autores e por sua família na luta contra as drogas. Com o intuito de ajudar eles decidiram revelar sua passagem pelo conturbado mundo das drogas. Engenheiro e professor universitário, o pai expõe sua luta e o esforço pela recuperação da filha.Graciela, por sua vez, narra os altos e baixos da sua dependência química, dos 15 aos 22 anos. Desde 1995 até 2002, quando ela começa a querer sair do inferno, cada pequena vitória e cada recaída estão registradas .
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de jul. de 2011
ISBN9788588642454
Sininho envenenada

Relacionado a Sininho envenenada

Ebooks relacionados

Memórias Pessoais para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Sininho envenenada

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Sininho envenenada - Daniel Delgado Saldívar

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    © 2006 by Daniel Delgado-Saldivar e Graciela Felix Delgado

    Capa: Bruno Lucena

    Projeto Gráfico: Bruno Lucena e Pedro Costa

    Diagramação: Pedro Costa e Nicole Mussi

    Revisão: João Pinheiro

    Produção para ebook: Fábrica de Pixel

    CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    D392s

    Delgado, Graciela Felix, 1980

    Sininho envenenada / Graciela Felix Delgado, Daniel Delgado-Saldivar

    Rio de Janeiro - Outras Letras, 2006

    ISBN 85-88642-07-7

    1. Delgado, Graciela Felix, 1980- - Diários. 2. Delgado-Saldivar, Daniel, 1956- - Diários. 3. Delgado, Graciela Felix, 1980- - Uso de drogas. 4. Drogas e juventude. 5.Tóxicos e juventude. 5. Toxicômanos - Relações com a família. I. Delgado-Saldivar, Daniel, 1956-. II. Título.

    2006

    Todos os direitos desta edição reservados

    à Outras Letras Editora Ltda.

    Rua Almirante Gonçalves, 15/302

    22.060-040, Rio de Janeiro, RJ

    Tel/Fax: (21)2267.6627

    E-mail: outrasletras@outrasletras.com.br

    www.outrasletras.com.br

    Apresentação

    Pediram-me para fazer a apresentação desse livro e, após lê-lo, comovida, emocionada, vi-me estranhamente cheia de impedimentos.

    Eu, logo eu, que trabalho com a questão da droga, da drogaadição, do envolvimento dos usuários e suas famílias, que não passo um dia sequer da minha vida sem estar às voltas com internação hospitalar para uns, medicação para outros, terapias individuais, familiares etc, eu, logo eu, fiquei sem saber o que dizer, comovida demais para falar.

    Há algo nesse livro que nos toca mais do que uma história que ouvimos em um consultório. É um concerto a dois, um dueto vivido e executado no mesmo tempo e espaço por duas pessoas, pai e filha, concerto esse que teve que ser resgatado da memória de cada um, pois cada um, à época dos acontecimentos, tocava uma partitura diferente.

    Acontecimentos vividos por um, refletidos no outro com as inevitáveis indagações: Onde eu estava quando você...? O que eu fazia enquanto você?... No resgate dessa história ficam marcas profundas na vida dos personagens - reais - e do leitor.

    Como apresentar este livro?

    Como falar de uma ferida aberta e ainda sangrando?

    Qual o distanciamento que se deve ter para se falar da questão das drogas para os que -pai e filha -viveram todo o inferno desse drama?

    Eu sei que alguns argumentam que nem todos mergulham de cabeça como a Graciela da nossa história, que algumas pessoas conseguem usar algum tipo de droga durante vários anos sem nenhuma seqüela, mas estamos falando de uma brincadeira com roleta russa... Sabemos que algumas pessoas são menos vulneráveis que outras às ações da droga e a grande indagação, a que move destinos é: quem de nós é ou está nesse momento da vida vulnerável?

    Quem consegue experimentar uma droga e abandoná-la e quem, como Graciela, tem que percorrer os mais tortuosos caminhos, açoitada dia e noite nos que seriam os melhores anos de sua vida por um desejo sem fim, insaciável, que a leva à prostituição, à mentira, ao afrouxamento dos valores morais e quase à morte?

    Desde o advento da sociedade industrial, o ser humano vive uma relação consumista com todas as coisas. O ser humano consome não só para satisfazer suas necessidades naturais como também necessidades artificiais e facultativas.

    Quanto mais bens adquirimos mais queremos adquirir.

    Esse é o drama de Graciela e de seus amigos: há sempre um vazio a ser preenchido com novas drogas... Que também não são suficientes. E demandam mais e mais, às custas do próprio corpo e da própria vida.

    Que este livro sirva para refletirmos sobre nosso tempo, sobre princípios sólidos de nossos antepassados hoje esquecidos, como a noção do que era certo e errado, o temor a Deus, o respeito pela palavra empenhada, o respeito aos bens alheios e à moral do indivíduo e da família.

    Graciela entrou no mundo das drogas por volta dos 14 anos. Hoje, em nossa Instituição, Nepad-Uerj[1] já cuidamos de crianças que ingressam nesse círculo infernal por volta dos nove anos de idade. As drogas se sofisticaram, a idade do início de consumo caiu.

    Graciela, como Sininho, nos remete à literatura infantil, aos contos de fadas, e fatalmente nos lembramos da história do Barba-Azul, onde havia uma porta que não deveria ser aberta. Durante anos, encaramos essa metáfora como a porta da curiosidade, da sabedoria, do enfrentamento do novo etc. Havia monstros a serem enfrentados e heróiscrianças que conquistavam o auto-respeito e a auto-estima vencendo, tal como Davi a Golias, os desafios propostos pela sociedade adulta, representada pelos pais, avós, professores etc.

    Hoje, diante do quadro das toxicomanias que não mais só dizem respeito à curiosidade e ao prazer, mas infelizmente à violência, ao narcotráfico, à corrupção e à morte, penso nessas histórias e rezo para que os pais de agora consigam lidar com essa delicada equação, em que o interesse pelo novo e o desejo por novas descobertas sejam dirigidos a prazeres cada vez mais elevados do ponto de vista espiritual e moral, até que se chegue a uma maturidade em que as portas possam ser, sem sustos, abertas.

    Esse livro deve ser lido, porque traz à baila questões como recompensa aos filhos, culpa, enfraquecimento da família etc. Leiam o livro, reflitam, porque as dúvidas e incertezas dos pais de Graciela podem ser as suas dúvidas.

    A coragem deles em enfrentarem o problema pode ser a sua coragem.

    Maria Thereza C. de Aquino

    Médica Psiquiatra - Diretora do Nepad-Uerj

    Preâmbulo

    Minha vida não tinha mais sentido, não valia nada, não significava mais nada. Eu não sabia mais o que fazer nem como agir; não estava mais agüentando a vida que levava, para que levá-la em frente? Nos poucos momentos de sinceridade comigo mesma eu reparava que não sabia absolutamente nada. A única certeza que tinha era que se eu usasse mais e mais os problemas desapareceriam temporariamente e eu não seria mais obrigada a encarar o círculo vicioso que havia construído.

    Minha vida estava baseada em mentiras e manipulações. No início foi bom, muito bom; ficava impressionada de ver como conseguia obter o que queria. Tudo chegava quase como uma mágica. Mas, com o tempo, todas essas mentiras e manipulações se gastaram e foram ficando até cansativas. Muitas pessoas, entre elas meus pais, já percebiam o que estava acontecendo e, com eles, meus truques não davam mais resultado. Assim, a minha saída foi correr atrás de pessoas que não me conheciam muito bem ou que não sabiam o que estava acontecendo. É claro que deu certo.

    E é claro que eu queria ser manipulado. Eu queria pensar que tudo estava bem, que ela não estava usando drogas, que mais cedo ou mais tarde ela voltaria a ser a filhinha doce e amável que eu não via há tempos. Pensava mil e uma vezes antes de questionar suas promessas não cumpridas, seus planos nunca executados, seus comportamentos raramente coerentes... E, quando perguntava, aceitava com alívio qualquer explicação, por mais esdrúxula que fosse. Eu não uso drogas, pai, já aprendi a viver sem elas. Ou eu vou arranjar um emprego e pagar minhas contas, você vai ver! E eu ficava mais um dia tranqüilo, mais um dia sem preocupações, mais um dia sem ter que agir, sem ter que enfrentar um inimigo que, forte e todo-poderoso, morava dentro de minha filha.

    – Você quer parar de usar drogas?

    Nunca seu silêncio foi tão claro. Machuca, fere. Olho para ela e só vejo o rosto em chamas de um animal raivoso que ri de mim. Apesar de seu choro, apesar de sua fragilidade, tento ficar firme, tento não demonstrar o quanto me machuca o caminho que ela escolheu. O rosto em chamas só quer alimentar-se da determinação de minha filha. Ela fala calmamente, mas seus olhos não se fixam em mim, não se fixam nela, não se fixam em nada...

    – Eu só queria ficar aqui no apartamentinho e procurar um emprego.

    – Não.

    A palavra mais difícil vem automaticamente à minha boca. Paredes firmes para o animal faminto que tenta engolir o que resta de sua força de vontade. Ela aceita a negativa e sai com um objetivo vago e confuso, como todos os objetivos que tem tido nos últimos meses. E eu fico aqui, no pequeno apartamento, fumando um cigarro atrás do outro e pensando se leva muito tempo para colocar grades fortes nas janelas e força no meu coração.

    O que é que eu queria? De verdade? Queria que aceitassem minhas imposições e me deixassem viver minha vida do jeito que eu quisesse. Eu queria fazer as coisas do meu jeito, agir da minha maneira, sem que ninguém enchesse minha cabeça com um monte de conselhos. Ninguém tinha nada a ver com a minha vida.

    Tentei fazer com que meu pai liberasse o apartamentinho e, pra variar, o que eu quis não aconteceu. Fiquei puta da vida, mas guardei tudo dentro de mim, pois não podia demonstrar raiva para não aumentarem os nãos. O que podia fazer para me acalmar, além do que eu já fazia diariamente? Saí, dando a desculpa de que ia ver alguém. A vontade batia cada vez mais rápido. Pensei no que fazer, pra quem ligar, aonde ir... É até fácil: ligo aqui, corro ali e pronto! Faço o que o corpo pede e tudo se acalma de uma maneira tão rápida e tão completa que até parece que tudo o que falei e chorei foi queimado junto com a pedra, que alívio...!

    Meia hora depois começa tudo de novo. Droga...! Sinto um aperto dentro de mim e uma angústia muito forte que bate tão violentamente que machuca. Fico pensando em como vou olhar para meu pai assim; eu não presto...

    O que estou fazendo? Só para variar não consegui me controlar, falo pra mim mesma em voz alta, dentro do ônibus. Parece que não sei o que eu quero, sinto medo de que tudo seja assim pra sempre... Ainda acho que minha vida tem volta, sim, mas não sei como pedir ajuda. Tenho medo de fazer isso, acho que estou muito fechada dentro de mim. Vivo apenas meu mundo e não quero passar pela humilhação de me sentir derrotada; sinto que se tiver que me humilhar minha vida desaparecerá e então eu não serei mais eu.

    No terceiro cigarro acho que deixei escapar a última oportunidade de salvá-la. Ela saiu daqui com mais um não, com mais uma porta fechada. A culpa rasga minha firmeza como faca sem ponta, com dor além da morte: para onde ela foi? Ela vai se prostituir, responde a culpa, quebrando, de vez, a minha pretensa segurança. Entro em pânico. Com a faca pendurada no peito, esqueço o elevador e desço as escadas até chegar na rua. Sequer sei onde procurar. Caminho, quase corro, em direção ao centro da cidade. Olho dentro dos ônibus e busco entre os jovens que enchem os botecos e os cafés. Mas ela não está lá. A faca entra mais fundo, gira, se contorce e me absorve. É só uma casca de mim que volta ao apartamento para continuar esperando...

    No ônibus, lembrei do que o Roberto, meu namorado, falou antes de usarmos: Você está mentindo tanto, até pra mim, que também está destruindo a minha vida. Era verdade. Até eu estava acreditando em minhas próprias mentiras. Eu não tinha mais palavra, tudo era baseado nessas mentiras. Lembrei das mentiras esdrúxulas que eu havia contado e de todas as pessoas que eu já tinha machucado. Cara, eram muitas! Sempre menti, mas esses últimos meses foram os piores; nunca havia mentido de uma forma tão escancarada, sem preocupar-me com o que podia acontecer. Mas as mentiras não estavam mais funcionando.

    Entro em desespero, só consigo me ver como um animal indefeso. As palavras de meu namorado bateram tão forte depois do uso que parecia que algo tinha explodido na minha cabeça. Meu coração batia muito forte e a falta de ar era grande. Não conseguia controlar minha angústia.

    A dor e a depressão vieram de uma vez só. Me senti como se fosse a única pessoa no mundo, sozinha, sem ninguém ao meu lado e a meu favor... Ah, como eu gostaria de ser um animalzinho recebendo carinho e comida, que está feliz na companhia de seus donos. Mas não. Eu era a Graciela, sem comida, sem carinho e, pior, sem coragem de pedir. Tinha apenas a rua e, se duvidasse, nem ela me queria mais.

    Paraíso corrompido

    Sete anos atrás - maio

    A primeira vez? Ah, lembro muito bem... Eu estava começando a primeira série do segundo grau num colégio particular, um dos muitos em que já estudei; isso significava pessoas e lugares novos para conhecer.

    Sempre fui comunicativa, nunca tive problemas para fazer novas amizades, especialmente as amizades que desejava. Já tinha uma leve noção do que queria; sempre tive inveja de meus amigos, pois a maioria tinha mais idade do que eu: eles podiam sair à vontade e fazer o que quisessem e eu também queria ser assim.

    Esse ano foi muito bom em termos de sensações. Fiz uma amizade especial, a Clara. Ela também queria conhecer coisas novas e também queria fazer coisas que não podia. Na nossa sala de aula, muitos já usavam maconha e nós também queríamos experimentar. Além das amizades de colégio, eu tinha as amizades de bairro, que já eram antigas; foi com elas que comecei a fumar cigarro e a beber. E elas também já usavam maconha.

    Na época, um parente meu fumava maconha e eu sabia; ele fumava e eu queria saber se era mesmo tão bom assim.

    Até que chegou o momento adequado. Descobri o esconderijo dele e peguei um pouco; É claro que, na época, eu não entendia nada de quantidade nem de qualidade. Fiquei super feliz e fui correndo à casa da Clara para fumarmos. Fizemos um cigarro de maconha, sem saber direito como fazer, e acendemos. Fumamos tudo, até o final, não sobrou nada. No começo a sensação foi gostosa, comecei a rir e não parava mais. Meu corpo doía de tanto rir. Qualquer coisa que eu visse ou falasse era motivo para dar risada. O olho vermelho, então, que legal! Nunca imaginei que eu ficaria assim tão legal, mas fiquei. Quando o efeito começou a passar veio uma vontade louca de comer, só que não sabíamos o quê. Abrimos todos os armários da cozinha, abrimos a geladeira e nada nos apeteceu. Então, pegamos alguns vales-refeição, fomos até uma banquinha e compramos dois sacos enormes de chicletes Ping-Pong. Voltamos para casa já mascando alguns chicletes. Sentamos no sofá para assistir televisão; colocávamos um chiclete atrás do outro, ficamos com a boca cheia, sem poder falar, mas conseguíamos rir. Passou-se mais um tempo e eu comecei a ficar branca e nervosa; não sabíamos o que fazer, entramos um pouco em desespero e resolvemos ligar para uma amiga da Clara que já fumava fazia tempo, para saber o que poderíamos fazer. Ela nos disse que não podíamos fazer nada, tínhamos que esperar, uma hora tudo passaria. Só que, em meia hora, eu teria que voltar para casa e aí o desespero aumentou. Veio junto com o medo de que acontecesse alguma coisa comigo, ou de levar uma baita bronca de meus pais. Pensamos bastante e decidimos ligar para a minha mãe perguntando se eu poderia dormir na casa da Clara. Liguei. Comecei a falar e a gaguejar ao mesmo tempo, parecia que ela já sabia de tudo, mas consegui. De repente, tudo melhorou, menos a minha cor. Fiquei branca por mais algumas horinhas.

    Depois de ter usado uma vez, tudo ficou mais fácil. Podia conversar sobre o assunto e pertencia ao grupo das pessoas que fumavam. Isso me permitiu continuar com minhas amizades e me fez bem, pois nunca gostei de me sentir excluída de um grupo. Assim consegui fazer parte dele.

    E vocês acham que eu percebi alguma coisa? Ela tinha 14 anos, seu irmão tinha 15, e eu passava os dias trabalhando como louco tentando subir a escada profissional e dando aula de qualquer coisa em qualquer lugar. Do meu ponto de vista, estava construindo a família perfeita, com um apartamento, dois carros, uma casa de campo e viagens ao exterior... Bem Classe A, o sonho de qualquer homem. Não podia desviar-me desse objetivo; qualquer justificativa que ela me desse para suas mudanças de comportamento eram prontamente aceitas. Qualquer venda ficava bem sobre meus olhos.

    Tinha havido avisos, claro. Na primeira noite em que ficou sozinha em casa, enquanto minha esposa Mara, meu filho Daniel e eu viajávamos a Blumenau onde eu fui dar uma aula, ela detonou minha garrafa de uísque. Semanas

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1