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A vida afinal: Conversas difíceis demais para se ter em voz alta
A vida afinal: Conversas difíceis demais para se ter em voz alta
A vida afinal: Conversas difíceis demais para se ter em voz alta
E-book140 páginas1 hora

A vida afinal: Conversas difíceis demais para se ter em voz alta

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Sobre este e-book

A partir de experiências profissionais e pessoais, e de um recorte de sua pesquisa de doutorado com pacientes com câncer metástico, Cynthia Araújo constrói uma reflexão sensível e contundente sobre o viver e o viver sob a perspectiva da morte. Como advogada da União, entre tantas atribuições, ela defendeu o Estado brasileiro em casos de fornecimento de medicamentos caros pelo SUS a pacientes com câncer. Centenas de processos e entrevistas com pacientes oncológicos depois, a autora levanta questões que interessam a cada um de nós, com câncer ou não, em A vida afinal.
Remédios que podem prolongar um pouco a vida de quem espera deles uma cura ou
décadas inteiras pela frente – um abrir mão do presente com qualidade pela expectativa de um futuro que tantas vezes não vem.
Escolheriam os mesmos tratamentos se soubessem o que realmente podem oferecer?
Neste ensaio, o olhar da autora está voltado para as percepções sobre esse tempo a mais de vida de quem está próximo do fim e para a finitude que paira no ar de cada um. Sua escuta de depoimentos no Brasil e na Alemanha a conduzem pelo tortuoso caminho dos sentimentos, das emoções e das ações de quem não tem mais tanto tempo entre os seus afetos e sonhos.
Com muito cuidado, tanto com o leitor quanto com os pacientes e seu entorno, Cynthia propõe reflexões sobre dignidade no fim da vida, autonomia sobre os limites do próprio corpo e o impacto da esperança nas decisões, especialmente a partir da comunicação médica, em conversas difíceis demais para se ter em voz alta. Não foi sem coragem, a mesma que ela encontrou nas pessoas que entrevistou, que Cynthia Araújo escreveu este livro.
IdiomaPortuguês
EditoraParaquedas
Data de lançamento7 de jul. de 2023
ISBN9786584764552
A vida afinal: Conversas difíceis demais para se ter em voz alta

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    A vida afinal - Cynthia Araújo

    1. UM IMORAL CHAMADO CÂNCER

    Em 1994, o médico e escritor Sherwin Nuland dedicou dois dos doze capítulos de sua importante obra Como morremos (na edição em português da editora Rocco, de 1995) ao que chamava de uma das doenças fatais que levará a grande maioria de nós.2 Gosto muito desse livro porque ele nos ajuda a encaixar a morte dentro da vida, a perceber a morte como algo verdadeiramente natural e intrínseco ao humano. Nuland diz que desconhecendo qualquer regra, o câncer é amoral. Desconhecendo qualquer propósito além de destruir a vida, o câncer é imoral.3

    O que chamamos de câncer representa uma grande variedade de doenças que compartilham a característica fundamental do crescimento anormal das células4 e encerram prognósticos e desfechos diferentes. Trata-se de um conjunto de doenças relacionadas especialmente à longevidade. O fracasso na ideia de cura do câncer, embora deva-se, também, aos diferentes tipos da doença – além das diferenças entre os genes e mecanismos bioquímicos, e entre os próprios pacientes –, deve-se, principalmente, ao fato de que esse conjunto está intimamente ligado ao processo de envelhecimento.5 Por isso, o número gradativamente maior de casos de câncer não apenas está longe de ser um problema que a ciência médica está prestes a resolver, como é um problema que tende a piorar, porque mais pessoas estarão vivas por cada vez mais tempo.6

    Quando entrevistei o escritor e pianista Igor Reyner para o blog da Folha de S.Paulo em que escrevo, o Morte sem Tabu,7 ele me disse algo muito marcante sobre a sua experiência como paciente com câncer: nunca se trata apenas da doença, porque não é possível isolar a doença da experiência que se tem sobre ela; existe uma dimensão perturbadora, que é a ideia, para além da doença, seus sintomas e seu tratamento, de estar com câncer.

    Durante muito tempo, o câncer foi a doença sobre a qual se falava aos sussurros e jamais publicamente.8 O médico Siddhartha Mukherjee conta que, no começo dos anos 1950, uma sobrevivente de câncer de mama houvera ligado para o New York Times para publicar o anúncio de um grupo de apoio a mulheres com a mesma doença. "Desculpe, sra. Rosenow, mas o Times não publica a palavra mama, nem a palavra câncer, em suas páginas", foi a resposta que ouviu.9 Mesmo que a noção do câncer como algo abominável e até de mau agouro tenha surgido apenas no século XX, tomando o lugar que antes era da tuberculose,10 até hoje se trata de um estigma.

    Sabemos que muitas pessoas ainda escondem o diagnóstico de câncer de seus familiares e amigos. Sabemos que muitos familiares ainda pedem aos médicos que não informem o diagnóstico à própria pessoa doente. Uma pesquisa realizada no Reino Unido demonstrou que é comum que mulheres do sul asiático escondam os sintomas, procurem assistência médica apenas tardiamente ou iniciem tratamentos sem apoio ou conhecimento de familiares ou pessoas próximas. Muitas recusam a quimioterapia por medo de perder os cabelos e revelar a

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