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Feminismos e interseccionalidade:  Mulheres negras, protagonistas de suas histórias
Feminismos e interseccionalidade:  Mulheres negras, protagonistas de suas histórias
Feminismos e interseccionalidade:  Mulheres negras, protagonistas de suas histórias
E-book135 páginas1 hora

Feminismos e interseccionalidade: Mulheres negras, protagonistas de suas histórias

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"Feminismos e interseccionalidade: mulheres negras, protagonistas de suas histórias" traz a força do debate sobre gênero, raça e classe, que alcança cada vez mais espaços sociais e de produção do saber. A interseccionalidade de gênero, raça e classe aborda, em especial, as mulheres negras e as negativas que vivenciam em razão de um estereótipo que as inferioriza, mas também aprendemos com suas histórias e com a ruptura de um destino que se pensava definitivamente traçado. Esta publicação é destinada a pesquisadores e interessados em discutir temáticas imprescindíveis para a equidade de direitos e para a conquista da cidadania.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de mai. de 2020
ISBN9788546220038
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    Feminismos e interseccionalidade - Viviane Gonçalves Freitas

    (UnB)

    1. MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS NO BRASIL: ORGANIZAÇÃO, AGENDA E CONTEXTO DE LUTAS NOS ANOS 1970-1990

    ¹

    Viviane Gonçalves Freitas

    Introdução

    Este capítulo tem como objetivo apresentar a organização dos movimentos das mulheres brasileiras, a partir da segunda metade dos anos 1970, quando se institucionalizam, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), debates a nível nacional e internacional sobre questões relativas às mulheres, a fim de incentivar discussões e políticas públicas voltadas para essa parcela da população. No entanto, como será apresentado adiante, esse sujeito mulher tinha raça e classe social definidas – brancas e de classe média –, o que foi enfaticamente criticado pelas mulheres negras.

    A prática de universalizar um perfil neutrode mulher, como se assim fosse possível contemplar as diferentes necessidades e demandas, não passou incólume a ativistas e intelectuais negras como Lélia Gonzalez. Integrante da diretoria do Movimento Negro Unificado (MNU) e primeira coordenadora do Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras, do Rio de Janeiro, Gonzalez criticava o estereótipo atribuído às mulheres negras no interior dos movimentos feministas de serem agressivas, criadoras de caso, sem possibilidade de diálogo com as demais. Justamente por defender novas categorias para a definição do movimento de mulheres negras, propôs o termo mulheridade (womanism²) ao invés de feminismo (Bairros, 2000). Na mesma perspectiva, Sueli Carneiro (2003, p. 118) utiliza a expressão enegrecendo o feminismo, a fim de designar a trajetória das mulheres negras no interior dos movimentos feministas brasileiros. Assim, assinala a identidade branca e ocidental da formação clássica feminista, ao mesmo tempo em que revela a insuficiência teórica e prática política para integrar as diferentes expressões do feminino construídas em sociedades multirraciais e pluriculturais.

    Com o intuito de melhor apresentar essas discussões baseadas em autoras que também vivenciaram como ativistas o início das mobilizações das mulheres negras, inseridas tanto em entidades dos movimentos negros quanto dos movimentos de mulheres e feministas, este capítulo divide-se em duas seções, além dessa introdução e das considerações finais. A primeira parte apresenta o contexto de lutas que inauguram a agenda de reivindicação das mulheres negras ainda nos anos 1970, no momento em que se ressaltava que, se a luta pela democracia não estaria completa sem as mulheres, também não poderia deixar à margem as mulheres negras. A seção seguinte aborda a agenda mobilizada pelos coletivos de mulheres negras, com destaque para os grandes encontros nacionais que debateram temas como discriminação racial, mercado de trabalho e saúde da mulher negra, em especial, os direitos reprodutivos. Nas considerações finais, são apresentados alguns caminhos para pesquisas futuras, principalmente, no que tange às ativistas digitais que, desde o início dos anos 2000, trazem novo fôlego para os debates feministas.

    1. Contexto de lutas

    Na segunda metade dos anos 1970, o movimento de trabalhadores brasileiros que começava a se reorganizar nos sindicatos, nas associações de bairro e nas comissões de políticas públicas ainda se apresentava de maneira fragmentada e dispersa. Havia, inclusive, a parceria com a ala progressista da Igreja Católica, por meio das pastorais e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Também era o momento da organização dos movimentos feministas e de mulheres. Essa pluralidade dos movimentos, segundo Sader (2010), não refletia nenhuma compartimentação de camadas ou classes sociais diversificadas, visto que, muitas vezes, as mesmas pessoas circulavam de um movimento para outro, dando a entender tal trânsito, portanto, como indicativo de diferentes formas de expressão.

    De acordo com Gonzalez (1985), o desenvolvimento e a expansão dos movimentos sociais nessa época propiciaram a mobilização e a participação de vários setores da população brasileira, com dois objetivos em comum: a reivindicação de seus direitos e uma intervenção política mais direta. Como será discutido mais adiante, para a população negra, essa abertura foi concretizada no Movimento Negro e no Movimento de Associação de Moradores das favelas e dos bairros periféricos.

    Enquanto o Movimento Negro desenvolveu-se a partir sobretudo de setores das classes médias, o Movimento de Favelas organizou-se a partir do subproletariado urbano em associações de moradores. (Gonzalez, 1985, p. 99)

    Ainda sob o olhar inquisidor da ditadura militar, foi, nos anos 1970, que as primeiras manifestações do feminismo de segunda onda surgiram no Brasil. O contexto de lutas por liberdades individuais na Europa e nos Estados Unidos e a influência que o contato dos grupos de exilados, principalmente das exiladas, com essas novas ideias sobre a condição das mulheres na família e na sociedade de maneira mais ampla, foram fortes impulsionadores de novos debates e questionamentos. Para o regime militar, qualquer manifestação de feministas era vista com desconfiança, já que as entendia como política e moralmente perigosas. Alvarez (1990) destaca que o perfil e as reivindicações das mulheres da década de 1970 eram bem distintos dos daquelas que foram às ruas em São Paulo, em 1964, na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação de mulheres das classes mais favorecidas em prol de valores e costumes tradicionais, que contribuiu para a retirada do presidente João Goulart (1961-1964) do poder. Anos mais tarde, as mulheres – não apenas as brasileiras, mas de todo o Cone Sul – reclamavam do elevado custo de vida, denunciavam o desaparecimento de familiares contrários aos regimes ditatoriais, discutiam os entraves aos direitos reprodutivos e lutavam por espaços e reconhecimento no mercado de trabalho.

    Os movimentos feministas que chegavam à cena brasileira na segunda metade da década de 1970 traziam nas mobilizações e nos debates outras reivindicações que iam além do direito ao voto almejado pelas sufragistas, no início do século XX, na primeira onda dos feminismos³. Velasco (2012) ressalta que a intersecção com a raça no debate de gênero é uma importante distinção e diferenciação quanto à primeira onda feminista, que deixava a questão racial completamente alijada. Essa discussão abre novas possibilidades de interpretação e de reivindicação por direitos à medida que parte de diferentes grupos de mulheres em busca de posições igualitárias, reconhecendo no racismo uma característica estrutural das relações entre mulheres brancas e não-brancas.

    As feministas dos anos 1970, ainda que mantivessem importantes afinidades ideológicas com o projeto de transformações estruturais e institucionais da esquerda, segundo Alvarez (2000, p. 389), em termos organizacionais, enfatizavam a autonomia absoluta em relação à esquerda, à oposição mais ampla e ao Estado. Nas palavras da autora, nesse momento,

    O feminismo brasileiro definia-se em relação e/ou contraste com: a esquerda (tanto a revolucionária como a teórica-acadêmica, que insistiam em relegar a opressão de gênero ao estatuto de contradição secundária); as mulheres não-feministas participantes também da oposição, conhecidas então como as políticas, que insistiam em priorizar a luta geral e se proclamavam femininas e não-feministas; as centenas de grupos de mulheres de base – muitas vezes vinculadas à Igreja Católica (antifeminista mesmo quando progressista) – que proliferavam então no país, organizados em torno da sobrevivência da família e da comunidade e que constituíam um público privilegiado para as intervenções culturais-políticas das feministas; e a imagem distorcida pelos meios de comunicação dos movimentos feministas burgueses, imperialistas, de ódio ao homem da América do Norte e da Europa. (Alvarez, 2000, p. 389)

    Assim,"ser uma feminista passou a ter um sentido novo e multifacetado, já que nele estava contido o entendimento de se ter uma política centrada em um conjunto de questões específicas" das mulheres; aderir a determinadas normas de organização e agir em certos espaços públicos a fim de aprofundar a análise da opressão de gênero, além de, nos próprios movimentos de mulheres, promover a consciência dessa opressão (Alvarez, 2000, p. 389, grifos da autora). Um pouco mais adiante, no mesmo artigo, a autora salienta que a dupla militância – ou seja, a participação de feministas tanto em partidos políticos quanto em organizações de classe – era comum nessa época, visto que era considerada importante para se conseguir avanços na luta geral e nos grupos de mulheres, quanto a suas reivindicações específicas.

    Entretanto, esse entendimento não era unânime. Para algumas pessoas, a atuação em movimentos diferentes ao mesmo tempo, dentro da militância de alguns deles, colocava a defesa da agenda feminista como uma desvirtuação ou motivo para enfraquecimento da luta de esquerda (Cardoso, 2004; Pinto, 2007; Sader, 2010).

    Na verdade, a esquerda exilada, marxista e masculina via no feminismo uma dupla ameaça: à unidade da luta do proletariado para derrotar o capitalismo e ao próprio poder que os homens exerciam dentro dessas organizações e em suas relações pessoais. Portanto, o feminismo, que no Brasil não era visto com bons olhos pelo regime militar ultradireitista, também não tinha guarida entre os militantes da extrema esquerda. [...] Talvez o grande problema encontrado pelos homens fosse que ele estava politizando a vida dentro de casa... (Pinto, 2007, p. 53)

    Soares (1994, p. 12) coloca as mulheres dessa época – que chama de novas atrizes – como aquelas que transcenderam seu cotidiano doméstico, fizeram despontar um novo sujeito social: mulheres anuladas emergem como mulheres inteiras, múltiplas, em detrimento do imaginário coletivo que as via como cidadãs despolitizadas ou intrinsecamente apolíticas.

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