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Além da Fronteira: Livro #1 da série As Crônicas de Dartmoor
Além da Fronteira: Livro #1 da série As Crônicas de Dartmoor
Além da Fronteira: Livro #1 da série As Crônicas de Dartmoor
E-book280 páginas3 horas

Além da Fronteira: Livro #1 da série As Crônicas de Dartmoor

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Sobre este e-book

“As pessoas da minha cidade viram a cabeça para mim ao passar por elas. Todos sabem exatamente para onde estou indo. Meus pés quase tropeçam no piso irregular da calçada da rua de paralelepípedos, quando percebo que o Mark me acompanha com o olhar. Apenas nessas ocasiões é que ele nota a minha presença na face da Terra, e sei que é por um fato que gostaria que nunca tivesse ocorrido. Todas as outras vezes em que eu desejei que ele me olhasse – na escola, na praça do mercado, nas festas dos meus colegas de turma – seus olhos simplesmente me ignoraram; olharam, mas não viram o que eu queria que ele visse. Não passo de uma loba em pele de cordeiro. Para eles, represento uma ameaça em potencial.

Já sei o que acontecerá, quando eu chegar à Clínica. Receberei aquele horrível chá de ervas, que sempre me deixa sonolenta e enjoada – é para me acalmar e eles sempre repetem essa ladainha – e depois terei que conversar com aquele psiquiatra sem-noção, que me fará as perguntas habituais sobre cenários predeterminados e como eu responderia a eles. Isso tudo para que ele possa avaliar as minhas tendências, possivelmente violentas. Isso tudo, porque esse estigma me acompanha desde que completei doze anos e a pessoa que mais amava na face da Terra foi Expurgada em praça pública, no coração da cidade em que vivemos.

Meu nome é Sarah, e meu pai transgrediu as leis sobre violência.”

Voltemos ao mundo da série A Ilha para conhecer Sarah, residente de Dartmoor City. Ela é uma garota amargurada, sente-se presa por viver em uma cidade cercada e seu espírito aventureiro a impulsiona a se aventurar além da fronteira que a mantém confinada. Ocorre que ela não faz ideia de como conseguir atingir esse objetivo. Mas, quando ela descobre um segredo de Estado, que o Presidente Jacob prefere manter guardado a sete chaves, Sarah se vê obrigada a comandar um movimento pela liberdade – porque ela encontra um rapaz, que é ainda mais prisioneiro do que ela, e que precisa desesperadamente da sua ajuda.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento3 de set. de 2020
ISBN9781071564592
Além da Fronteira: Livro #1 da série As Crônicas de Dartmoor
Autor

Jen Minkman

Jen Minkman (1978) was born in the Netherlands and lived in Austria, Belgium and the UK during her studies. She learned how to read at the age of three and has never stopped reading since. Her favourite books to read are (YA) paranormal/fantasy, sci-fi, dystopian and romance, and this is reflected in the stories she writes. In her home country, she is a trade-published author of paranormal romance and chicklit. Across the border, she is a self-published author of poetry, paranormal romance and dystopian fiction. So far, her books are available in English, Dutch, Chinese, German, French, Spanish, Italian, Portuguese and Afrikaans. She currently resides in The Hague where she works and lives with her husband and two noisy zebra finches.

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    Além da Fronteira - Jen Minkman

    Além da Fronteira

    Jen Minkman

    Livro #1 da série As Crônicas de Dartmoor

    Copyright © 2015 Jen Minkman

    Design da capa © Jen Minkman

    Traduzido por José Luiz Corrêa da Silva

    Todos os direitos reservados. Além de negociações justas com a finalidade de estudos pessoais, pesquisas, críticas ou resenhas, permitidas de acordo com a Lei de Direitos Autorais, não é permitida a reprodução de nenhuma parte desta obra, por qualquer método ou processo, sem a permissão prévia da autora.

    Sarah

    Prólogo

    Saio de casa, no bairro de Heather Terrace, em uma ensolarada manhã de sábado. Sinto o vento, quente e convidativo, soprando em minha pele. O que não me parece justo, não sei bem como explicar, porque essa é mais uma caminhada de rotina rumo à Clínica. E esse é o último lugar em Dartmoor City para onde gostaria de estar me dirigindo, neste exato instante.

    As pessoas da minha cidade viram a cabeça para mim ao passar por elas. Todos sabem exatamente para onde estou indo. Meus pés quase tropeçam no piso irregular da calçada da rua de paralelepípedos, quando percebo que o Mark me acompanha com o olhar. Apenas nessas ocasiões é que ele nota a minha presença na face da Terra, e sei que é por um fato que gostaria que nunca tivesse ocorrido. Todas as outras vezes em que eu desejei que ele me olhasse – na escola, na praça do mercado, nas festas dos meus colegas de turma – seus olhos simplesmente me ignoraram; olharam, mas não viram o que eu queria que ele visse. Não passo de uma loba em pele de cordeiro. Para eles, represento uma ameaça em potencial.

    Já sei o que acontecerá, quando eu chegar à Clínica. Receberei aquele horrível chá de ervas, que sempre me deixa sonolenta e enjoada – é para me acalmar e eles sempre repetem essa ladainha – e depois terei que conversar com aquele psiquiatra sem-noção, que me fará as perguntas habituais sobre cenários predeterminados e como eu responderia a eles. Isso tudo para que ele possa avaliar as minhas tendências, possivelmente violentas. Isso tudo, porque esse estigma me acompanha desde que completei doze anos e a pessoa que mais amava na face da Terra foi Expurgada em praça pública, no coração da cidade em que vivemos.

    Meu nome é Sarah, e meu pai transgrediu as leis sobre violência.

    1.

    Assim que chego aos portões da cidade, nuvens carregadas se avolumam, vindas do ocidente. Pelo visto, temos uma forte tempestade a caminho.

    Passaporte, senhorita, o guarda da fronteira me para, barrando a minha passagem.

    Se ao menos Jesus mostrasse um pouco da sua misericórdia e desse a esse homem uma generosa noção de memória de longo prazo, já seria um adianto. Afinal de contas, venho aqui toda semana e ele está sempre de plantão aos sábados. Já não basta a humilhação de ser uma das pessoas que precisam se reportar às autoridades todos os fins de semana, por causa de problemas familiares. A situação dessas pessoas ainda piora, quando há funcionários do controle de fronteira que sequer as reconhecem como uma séria ameaça ao Estado, que, aparentemente, elas representam, desde que um membro da família tenha sofrido de aflição violenta no passado.

    Talvez não devesse ficar tão preocupada com isso. Penso, enquanto apanho meu passaporte na bolsa, que carrego a tiracolo. Da capa do meu passaporte, o rosto amado do filho de Deus sorri para mim, mas a imagem dele não me ajuda em nada para me manter calma.

    Pronto, aqui está, digo ao guarda, abrindo o livreto para mostrar a minha fotografia, desenhada a lápis, e os meus dados pessoais. Esta sou eu. Satisfeito?

    Ele cerra os olhos e me devolve o documento de viagem, com um olhar desdenhoso. Pega leve no vitriol, senhorita Hart.

    Ele pode não ser inteligente o suficiente para se lembrar de um rosto depois de alguns dias, mas não é que o sujeito é astuto o suficiente para perceber o meu sarcasmo? Bem, abençoada seja a sua alma.

    Sei quando estou sendo desagradável. Muito agressiva. Obviamente, tudo isso deve ser herança genética.

    Agora, falando sério, se mais uma pessoa me disser que tenho genes ruins por causa do meu pai, juro por Gideão que darei, a quem falar isso mais uma vez, um bom exemplo de genes ruins para que nunca mais se esqueça. É do conhecimento de todos que o meu olhar furioso já foi suficiente para conter alguns adolescentes malvadinhos. Posso até levantar a voz, mas só um pouco. Só porque é isso que eles esperam que eu faça. Pelo visto é o que vai acontecer por aqui um dia desses, cedo ou tarde.

    Com sua licença, murmuro da forma mais humilde que consigo. Posso passar?

    Ele se afasta e libera a minha passagem. Nem olho para trás. Em vez disso, prossigo, passos apressados para descer a rua, olhando contemplativamente para o passaporte, que ainda está sem minhas mãos.

    Nele consta o meu nome, ligado a outros dois – o de Sam Hart e Iris Masterson. Minha mãe insistiu para que eu adotasse o nome de família dela, depois que eles Expurgaram meu pai em plena praça pública, bem na frente palácio presidencial, mas eu não quis mudar meu nome. Isso seria uma traição... ao pai mais adorável deste mundo.

    Ainda não sei exatamente o que aconteceu naquele dia. Minha mãe se nega a falar sobre isso comigo e com o Timothy, o meu irmão mais novo. Então, na época em que aconteceu aquilo, Tim tinha apenas três aninhos e, por isso, não consegue se lembrar de jeito nenhum do nosso pai. Mas eu sim. Lembro-me muito claramente daquele dia. A cidade fervilhava de gente. O povo estava agitado, muito animado, o ambiente era de festa, porque os visitantes do ocidente estavam reunidos em nossa cidade. Eram a nova geração dos que sobreviveram à guerra do Velho Mundo e, pelo que diziam, haviam se estabelecido em alguma ilha, depois de serem violentamente bombardeados. Ainda me lembro de ter pedido à mamãe que arrumasse o meu melhor vestido, para que eu pudesse ir à praça com meus amigos para ver e matar a curiosidade sobre aquelas pessoas estranhas que viriam em nossa cidade naquela noite. Mas isso foi no tempo em que eu ainda tinha amigos.

    Acabou que não fui à festa alguma. Minha mãe não me deixou sair de casa de jeito nenhum naquela noite, ainda mais depois de o mensageiro presidencial ter aparecido em nossa porta e anunciar, friamente: Senhora, o seu marido foi Expurgado de acordo com a lei.

    Lembro bem do Timothy chorando na cama a noite toda. Ele era jovem demais para compreender essas coisas da lei e, depois de ficar acordada e ouvir os soluços desesperados do meu irmão até o amanhecer, resolvi que eu também estava com raiva demais para tentar entender alguma coisa sobre as leis. Mas tento ser obediente, em respeito à minha mãe. Ela não suportaria outro Expurgo na família e é por isso que eu me sento direitinho e bem comportada, e até deito e rolo, sempre que se espera isso de mim. A única coisa que não farei é me fingir de morta, de jeito nenhum. Vivo para um belo dia, quem sabe, jogar tudo para o alto e fugir dos meus problemas.

    E quando vejo aquela imponente estrutura de tijolos da Clínica surgindo no horizonte, meu estômago dá cambalhotas e tento segurar as batidas agitadas do meu coração. Eu odeio aquele lugar. Odeio com todas as minhas forças, do fundo do coração e da minha alma. A imagem daquele lugar vive martelando na minha cabeça, que esse tratamento é um caminho sem volta. Não para mim, que ganhei um carimbo vermelho no passaporte. O Manifesto de Dartmoor City me proíbe de frequentar qualquer lugar fora da Grande Dartmoor, nem mesmo ir à Nova Bodmin para a Feira Anual. O único lugar que me é permito ir além da cerca é Exeter, mas ainda não estou tão desesperada para fazer essa viagem.

    Oi, Sarah, um dos meus ex-colegas da escola me cumprimenta. É o Peter, que está ao lado da caixa de correio, colocando alguns cartões postais. Sua voz parece bem amigável, o que não combina com que seus olhos refletem. Seu olhar não me engana. Está claro que ele não confia mais em mim. Isso fica mais óbvio ainda, quando percebo que ele me olha de cima a baixo, mas ele é educado demais para ir direto ao ponto. Então Peter sorri e acena para mim, saindo de fininho ao perceber que eu tinha mudado de rumo. Eu também tinha que colocar uma correspondência na caixa de correio.

    Não esquenta comigo, murmuro. Só vim aqui colocar uma carta no correio.

    Com certeza. Peter me dá um sorriso meio amarelo e sai batido. Que covarde.

    Minha mãe escreve para a irmã dela em Nova Bodmin toda semana. Às vezes, a tia Viola visita a gente e nos conta sobre a cidade que ela escolheu para morar. Bodmin parece um sonho para mim. Uma cidade muito mais tolerante e descontraída. Se um dia conseguir sair daqui e me aventurar além da cerca, é para lá que eu vou. Sabe o quê? Nem ligaria para avisar a tia Viola, é claro. O que ela menos precisaria numa hora dessas é que aparecesse alguém que lhe trouxesse mais problemas. Tenho certeza de que encontraria um lugar legal naquela cidade para me alojar e começar uma vida nova, do zero. Talvez até encontrasse um cara legal, que não olhasse para mim com carinha de nojo.

    Fico até envergonhada de dizer, mas nunca fui beijada. E olhe que já completei dezessete anos. Sabe o que mais? Nunca fiquei de mãos dadas com alguém. Caramba, mas eu tinha doze anos, quando o Expurgo do meu pai aconteceu e, depois disso, me tornei uma pária para o nosso povo. Sei que existem outras crianças como eu, que nunca poderão assinar o Manifesto, mas, que eu saiba, nenhuma da minha idade. A maioria tem mais de dezoito anos e tem um empreguinho de quinta categoria nas minas. Ah, me lembrei que tem uma garota de dez anos, a Janice, e um menino de treze anos chamado Ferris. Pelas costas, a garotada o chamava de cara de fuinha. Sendo bem sincera, dá para entender o porquê desse apelido. Ferris sempre foi muito fofoqueiro.

    Seja bem-vinda, senhorita Hart, me cumprimenta a recepcionista da Clínica, olhando para mim com um sorriso bastante amigável. Ela realmente sabe tocar a alma de alguém com o olhar. Adoro quando ela está de plantão. Ela é tão simpática, que faz com que as minhas idas à Clínica sejam menos traumáticas.

    Obrigada, Michelle, respondo. Posso me sentar na sala de espera?

    Perguntei, porque às vezes eles me colocam em uma sala separada das demais pessoas, para não incomodar os pacientes regulares.

    Claro que pode, Michelle acena com a cabeça já acinzentada pelo tempo. Vou trazer seu chá em um minuto.

    Oh, Glória! Dou um leve sorriso e vou para a sala de espera, cabisbaixa. Da última vez, nem precisei beber essa porcaria. Talvez eles quisessem ver se eu me transformaria em uma besta selvagem, sem os remedinhos com que eles vivem me entupindo. Quer saber? Já estou de saco cheio. Mas o que temos por ora é o velho chá de ervas com cheiro de xixi morno.

    A sala de espera está vazia. As paredes são nuas, despojadas de qualquer objeto de decoração remotamente reconfortante ou acolhedor. Na minha opinião, bem que eles poderiam pendurar alguns pôsteres alegres nas paredes. Isso se eles pedissem a minha opinião. No museu da nossa cidade há um quadro muito antigo, daqueles que costumavam pendurar em salas de espera de clínicas e hospitais, que diz Uma Maçã ao Dia Mantém a Saúde em Dia. Não faço a menor ideia do isso quer dizer. Sabe, às vezes penso que as pessoas do Velho Mundo eram meio doidinhas também. Sei lá, mas já faz alguns meses que o Timothy passou a comer maçãs no café da manhã todos os dias, o que me deixou meio intrigada com a minha mãe, mas foi quando eu dei conta de uma coisa – lembrei que o Tim foi ao museu em alguma ida nossa à cidade e deve ter visto o tal pôster da maçã. Acho que ele espera nunca ter que passar pelo que estou passando. Mas quando ele fizer treze anos, vai ter que comprar roupas novas, porque vai começar a crescer bastante. Essa é a idade em que os meninos viram rapazes, a voz fica grave, e os seios das meninas incham e elas começam a menstruar, virando mocinhas. É quando a gente se transforma em ameaça em potencial à sociedade. Nossos médicos, que são muito espertos, descobriram isso tudo. Para eles, a violência é hereditária, então os pecados dos pais são os pecados dos filhos.

    Demorou, mais cheguei. Michelle interrompe meus pensamentos, que fervilham sem parar em minha mente atormentada. Nossa, como eu penso em tanta coisa! Ela coloca uma caneca daquele chá de xixi fumegante na minha mão, e meio que ordena: Beba tudo. O Doutor Harrington vai te chamar daqui a pouquinho.

    Obrigada, balbucio, bebendo obedientemente o chá, enquanto ela me observa para ver se obedeci direitinho à sua ordem. Será que só eu sinto isso, ou o sabor daquele chá de xixi só faz piorar a cada vez? Eu quase engasgo quando dou um gole maior daquela porcaria fedorenta.

    A recepcionista faz menção de sair, mas só sai mesmo depois de ver que eu já havia entornado metade da caneca goela abaixo. Lá fora, o trovão retumba e gotas pesadas de chuva começam a bater contra a telha de metal da sala de espera da Clínica. Eu tinha razão – aquelas nuvens escuras que vi traziam as primeiras chuvas de outono deste ano. Em breve, Dartmoor se tornará uma cidade fria e escura. Em breve, também, celebraremos mais um Natal em torno da árvore. Mais um sem a presença do meu pai. Vamos entoar canções para celebrar os primeiros Gideões, aqueles que entregaram a Bíblia Sagrada para o nosso líder religioso, para que todos nós hoje possamos conhecer mais sobre a vida e as palavras de Jesus.

    Sem choro, sem dor, falo baixinho, olhando para a placa acima da porta que estampa o slogan de Dartmoor.

    Foi nesse momento que tive a certeza de ter ouvido alguém chorando. O som é fraco, mas é bastante nítido para mim. Dou uma olhada rápida para a porta à minha esquerda. Está entreaberta e acho que leva a um corredor escuro. Parece que ouço soluços bem fraquinhos, ecoando pelo corredor. Ouço com um pouco mais de atenção, e tenho certeza de que tem alguém chorando de verdade. De repente os soluços viram gritos desesperados de dor, que se transformam em gritos mais desesperados de frustração e raiva, e eu ali na encolha, só escutando. Alguém com raiva – neste lugar? Não pode ser! Ninguém seria estúpido bastante para demonstrar atitudes violentas por essas bandas, ainda mais aqui dentro da Clínica. Quem sabe esse chá de xixi fedorento começou a fazer efeito e está embaralhando a minha cabeça. Ou será que o doutor está me preparando para ver a minha reação diante de outra pessoa violenta.

    Pois bem, se isso é um jogo, então vamos jogar. Talvez esta seja a minha chance de mostrar a eles que sou capaz de me controlar e manter a calma. Só que, assim que me levanto, sinto as pernas bambearem, mas consigo me equilibrar e caminho até a porta. É uma daquelas portas que abrem apenas por um lado. Para meu azar, é exatamente para o lado em que estou e a porta não tem maçaneta. A porta está oscilante e, se ela bater quando eu passar, não terei como abri-la por dentro. Meu coração dispara. Posso senti-lo pulsando no céu da boca.

    Em silêncio, passo bem devagar e deixo a porta entreaberta atrás de mim. Não enxergo um palmo na minha frente, porque não há lâmpadas no teto e a única janela naquele corredor apertado está lá no final, quase no teto. Mas, aos poucos, meus olhos se acostumam com a escuridão e consigo desvendar os segredos daquele corredor escuro. Vejo três portas à minha esquerda. Não, não são portas – são grades. Por trás das barras de ferro nas portas de grades vejo espaços muito apertados, que costumavam ser usados para manter as pessoas presas. Dartmoor já foi uma penitenciária ou jaula – como aprendi na escola. Por isso, me parece estranho que alguém esteja preso, hoje em dia, em Dartmoor. Então, por que ouço um homem aos berros no final do corredor?

    Engulo em seco e ando na ponta dos pés, me aproximando lentamente da antiga cela, de onde vêm os gritos. Quero sair daqui, o homem suplica. Pelo amor de Luke, me soltem. Ou então me matem logo – mas acabem logo com isso. Prendo a respiração para não fazer barulho, mas nem precisava. O homem está histérico e grita cada vez mais alto. Malditos! Espero que Darth venha pegar todos vocês. Que vocês morram de tanta dor e que suas famílias também morram junto com vocês!" Seus punhos furiosos sacodem as barras da cela que o mantêm prisioneiro.

    Tenho os olhos arregalados e parece que congelei. Não consigo me mexer. Minha visão se turva. Tudo fica borrado e vejo tudo embaçado, como sempre acontece quando bebo daquele chá. Meu medo é tão grande, que sinto um arrepio me subindo pela espinha. Sei lá o que está acontecendo, mas uma certeza eu tenho: esse homem não é de Dartmoor. Duvido que ele seja de Bodmin ou da distante Exmoor, que fica lá nos confins do noroeste. Ninguém que eu conheço se arriscaria falar, quiçá gritar daquele jeito. Ninguém. Se algum Soldado de Gideão ouvisse essa gritaria, enfiaria uma agulha no braço dele antes mesmo que ele pudesse piscar. Quer saber, ele tem um sotaque tão estranho, que posso apostar que esse cara não seja nem deste mundo.

    Alô?! Tento um primeiro contato, com a voz trêmula. Oi – eu não sou médica nem trabalho na Clínica. Acho que você deveria se acalmar. Você não pode gritar desse jeito. Uma parte de mim ainda acredita que tudo isso é um truque. Para que, de alguma maneira, o Doutor Harrington possa descobrir como vou reagir, quando for confrontada com outros homens que se comportem como o meu pai.

    Como em um passe de mágica, o homem da cela para de gritar. Devagarzinho, avanço e paro na frente das barras que me separam da criatura agressiva presa naquela jaula. E qual é o seu nome?, pergunto e, ato reflexo, me encolho, ao me dar conta da pergunta imbecil que tinha acabado de fazer. Seja qual fosse a reação dele... será que caberia perguntar qual seria a sua cor favorita?

    Parece que ele pensou a mesma coisa, porque soltou uma risadinha de quem não estava acreditando no que estava ouvindo. O que isso te interessa?, resmungou o sujeito.

    Bem, agora acho que posso olhar para o interior da cela. Sim, percebo que ele não é tão velho quanto eu imaginava. Sua voz é grave e parece desgastada. Mesmo na penumbra consigo ver que ele é jovem. Se me perguntassem, meu palpite é que ele teria uns vinte anos, mais ou menos. Estava de calça cinza e usava um casaco preto de manga comprida com o capuz puxado para cima da cabeça. Dava até para ver seus cabelos ruivos grudados na testa, que estava encharcada de suor. Não sei, mas ele parece muito doente.

    Se você quiser, vou embora..., falo, um pouco irritada.

    Não. Sua resposta é imediata, urgente. Seus olhos piscam sem cessar, fico tensa diante daquela expressão autêntica de raiva, do desespero que arde naqueles olhos negros como a escuridão daquele lugar. Meu nome é Jinn. Ele fala e cerra os olhos, fazendo força para se lembrar das regras de uma simples conversa casual. E você, como se chama?, ele então continua.

    Me chamo Sarah, respondo, timidamente, me sentindo

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