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As Profundezas: A Ilha
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As Profundezas: A Ilha
E-book316 páginas4 horas

As Profundezas: A Ilha

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Sobre este e-book

“O mundo não tem limites.

Jamais parei para pensar quanto espaço existe – o quanto distante, o quão longe a água ao redor de nossa ilha alcança mundo afora. Em algum lugar lá no fundo da minha mente, talvez eu possa ter acreditado que um segundo Muro foi erguido ao redor de Tresco para conter a imensidão das águas, para que elas não ultrapassem pelas bordas, para que não nos varram de nossa existência na terra e nos arrastem para as profundezas de um imenso abismo”.

Leia e Walt estão a caminho do Outro Lado, onde a lendária terra da Cornualha os espera. Tony, seu mais novo amigo, contou-lhes que todas as guerras do passado haviam sido esquecidas e que hoje os cidadãos de Bodmin e Dartmoor vivem em paz. As pessoas seguem os princípios de uma religião antiga, que prega o perdão e a não violência.

No entanto, Walt e Leia logo descobrem que até mesmo uma sociedade ideal e amante da paz como esta pode ter seus defeitos. Durante sua estada em Dartmoor, os dois resolvem fazer uma viagem à proibida Exeter, a antiga cidade de seus antepassados, e eles acabam descobrindo muitas coisas que jamais esperavam sobre o novo mundo.

Os segredos são sombrios e as paixões, profundas, nesta emocionante conclusão da trilogia intitulada 'A Ilha'.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento24 de jun. de 2020
ISBN9781393728177
As Profundezas: A Ilha
Autor

Jen Minkman

Jen Minkman (1978) was born in the Netherlands and lived in Austria, Belgium and the UK during her studies. She learned how to read at the age of three and has never stopped reading since. Her favourite books to read are (YA) paranormal/fantasy, sci-fi, dystopian and romance, and this is reflected in the stories she writes. In her home country, she is a trade-published author of paranormal romance and chicklit. Across the border, she is a self-published author of poetry, paranormal romance and dystopian fiction. So far, her books are available in English, Dutch, Chinese, German, French, Spanish, Italian, Portuguese and Afrikaans. She currently resides in The Hague where she works and lives with her husband and two noisy zebra finches.

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    As Profundezas - Jen Minkman

    As Profundezas

    Jen Minkman

    Copyright © 2014 Jen Minkman

    Design da capa © Jen Minkman

    Todos os direitos reservados. Além de negociações justas com a finalidade de estudos pessoais, pesquisas, críticas ou resenhas, permitidas de acordo com a Lei de Direitos Autorais, não é permitida a reprodução de nenhuma parte desta obra, por qualquer método ou processo, sem a permissão prévia, por escrito, da autora.

    Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima.

    Não haverá mais morte, nem tristeza,

    nem choro, nem dor,

    pois a antiga ordem

    já passou.

    Apocalipse 21: 4

    O Mundo Através das Águas

    1 – Leia

    O mundo não tem limites.

    Jamais parei para pensar quanto espaço existe – o quanto distante, o quão longe a água ao redor de nossa ilha alcança mundo afora. Em algum lugar lá no fundo da minha mente, talvez eu possa ter acreditado que um segundo Muro foi erguido ao redor de Tresco para conter a imensidão das águas, para que elas não ultrapassem pelas bordas, para que não nos varram de nossa existência na terra e nos arrastem para as profundezas de um imenso abismo.

    Mas esse Muro não existe. Içamos as velas e zarpamos, navegando dia e noite, sem limites que nos detenham, sem fronteiras que nos impeçam de seguir adiante. Também não existe um abismo tão profundo capaz de nos engolir. O que há é apenas o horizonte, cada vez mais próximo e ainda assim imutável. E a noite, que nos traz estrelas brilhantes, cintilantes, que parecem nunca sair do lugar, apesar de o Explorer seguir firme em sua viagem.

    Walt, sussurro, na terceira noite em que estamos juntos no convés. Acredita mesmo que vamos chegar em algum lugar? Parece que estamos parados.

    Walt meneou a cabeça de um lado para o outro, sorrindo para mim. Não, ele responde. Pela primeira vez em anos estamos realmente em movimento. Rumando em direção a algum lugar. A interminável espera chegou ao seu fim.

    Retribuo o sorriso e complemento: Você está tão poético hoje.

    Sim, eu sei quando e como ser romântico. E Walt puxa-me contra o seu peito em um caloroso abraço. Será que eu estaria me vangloriando demais se contasse sobre isso para alguém?

    Não, não estaria. É estranho, mas quanto mais navegamos para longe da ilha, mais à vontade Walt ia ficando. É como se ele não precisasse provar mais nada para ninguém – e realmente não precisava. Para ser franca, o povo dele estava certo e o meu, não. Ainda assim, os povos de ambos os lados do Muro haviam perdido a fé, embora isso possa ter nos atingido com mais força. Em Newexter a tensão era crescente quando de lá eu saí. Os jovens que deixaram a casa dos pais, a anos atrás, foram subitamente forçados a regressar, e a mudança não foi um sucesso em todos os casos. Pelo menos o Colin não teve que lidar com esse problema, porque ele conseguiria uma casa com a Ami de qualquer maneira. Além disso, ele não se importaria de morar com a nossa mãe por mais algum tempo. Ele estava tão feliz em vê-la de novo. Agora que nossas regras antigas não se aplicam mais, ele pode visitá-la diariamente.

    Quanto a mim – não sei onde vou morar quando voltar. Oriente e Ocidente são opções viáveis. Talvez possa construir uma casa perto da passagem onde a Estrada Scilly atravessa o Muro e me tornar uma guardiã do portão. Não há restrições ao trânsito entre Hope Harbor e Newexter, mas não custa nada ficar de olho no movimento, por via das dúvidas.

    E no que você está pensando?, Walt sussurra por sobre a minha cabeça.

    Sobre o meu futuro em Tresco, respondo.

    Você quer voltar?

    Sim, claro. Lanço-lhe um olhar desconfiado. E você, não quer?

    Sim. Quero reconstruir a nossa cidade. Afinal de contas, muito em breve terei idade suficiente para ser o próximo Guardador dos Livros. Ele suspira. Mas devo admitir, até que seria bom ser um ilustre desconhecido por mais um tempo.

    Tanto Tolos como Descrentes estavam embarcados no Explorer, e estavam convivendo muito bem. Não chega a ser surpreendente, pois eles são os nossos mais novos aventureiros. As pessoas que costumam recuar e olhar para que lado o vento sopra decidiram permanecer em casa. Bem, as pessoas a bordo ainda nos olham com certa desconfiança, acrescento. Você simplesmente não pode continuar achando que seja isso seja tão importante assim.

    Walt concorda, assentindo vagarosamente com a cabeça. "Acho que você tem toda a razão. Atualmente a única coisa que me preocupa é o tanto que você gosta de mim".

    Retribuo-lhe com um sorrio atrevido. Claro que eu gosto um tantão assim de você. Walt sorri timidamente. Então me mostre o quanto, ele diz, com um tom suave em sua voz.

    Então venha até aqui, eu o desafio.

    Ele abaixa a cabeça e me beija suavemente na boca, enquanto suas mãos deslizam pela minha espinha, descendo até a minha cintura, vagando um pouco mais abaixo, assim como quem não quer nada. Lentamente, minhas bochechas enrubescem, enquanto ele cuidadosamente abre meus lábios com sua língua, enroscando a dele, delicadamente, na minha. Por um instante, penso no primeiro beijo que trocamos – dentre tantos lugares, foi acontecer logo em um cemitério. Meu corpo inteiro vibra de desejo sob o toque dele. Tudo isso é muito novo para mim, mas, no entanto, meu corpo sabe exatamente o que quer fazer, e minha mente sabe exatamente o que pode ser feito.

    Deslizo minhas mãos em volta do seu pescoço e enrosco meus dedos em seus cabelos encaracolados. Walt solta um gemido quase inaudível, quando amasso meus seios contra seu peito, para ficarmos ainda mais próximos. Leia, ele fala com a voz rouca. Você quer ficar comigo esta noite?

    Walt tem seu próprio camarote no navio. Bem, não que fosse inteiramente seu – pois ele divide o espaço com o pai, mas o William geralmente está ocupado até altas horas da noite, ajudando o Comandante Tom e o Tony a manterem o navio no rumo.

    Não sei, respondo em meio a um repentino ataque de timidez.

    No silêncio que se fez, minha respiração é tão ofegante quanto a dele. Desculpe-me, ele murmura em meu ouvido, recuando, deixando cair as mãos ao lado do corpo. Ele deixa escapar um sorriso nervoso. Eu, hmm, quase avancei o sinal.

    Não se preocupe. Ajeito o meu cabelo com a mão. Eu também. Na verdade, tenho receio de não ser capaz de parar quando estivermos a sós. Agora que me livrei do ditador em seu solar, expus para todos as mentiras sobre a nossa ilha e salvaguardei o bem-estar da minha família, sinto um desejo irresistível de aproveitar a vida. E Walt certamente contribui para o meu prazer de viver – isso é cristalino para mim.

    Por que não ficamos aqui juntinhos até você pegar no sono?, ele sugere. Estou em um dos dormitórios femininos cobertas abaixo, reservado para as moças do meu lado da ilha. As moças do solar estão tão acostumadas a serem apartadas dos rapazes, até fazerem sua escolha e se casarem, que teriam dificuldade em dormir em um quarto com algum rapaz do nosso grupo. A maioria delas está feliz em ter um dormitório exclusivamente feminino. Menos a Padma, minha vizinha de colchão. Ela adoraria entrar em contato com os rapazes da parte ocidental da ilha, porque é tão curiosa quanto a minha amiga Mara.

    Sim, eu adoraria ficar aqui um pouco mais com você. Pego-lhe a mão e beijo-lhe no rosto. Estou tão feliz que Walt esteja comigo. Mesmo que eu não o conheça há muito tempo, passamos por tanta coisa, que parece que somos amigos por muito mais tempo do que há apenas um punhado de dias.

    Descemos as escadas para o convés inferior. O jogo suave do navio embalado pelas ondas me fez acordar várias vezes durante a minha primeira noite a bordo, mas a segunda noite foi melhor. E agora até que passei a gostar da sensação de estar sendo embalada para dormir, ainda mais tendo o Walt aninhado a meu lado, contando-me as histórias da sua infância.

    Por que você não me conta de novo aquela história sobre os Descrentes?, pergunto, enquanto me espreguiço no colchão. A Padma já está dormindo, então tenho que falar baixinho. Por quanto tempo tivemos garras exatamente?

    Walt sorri, um tanto o quanto constrangido. Ei, eu não acreditava mais naquelas histórias quando pulei o Muro, okay?, respondeu defensivamente, pegando e acariciando o dorso da minha mão, antes de prosseguir. "Óbvio que os padres disseram ser tudo verdade. Eles até guardavam um livro cheio de fábulas sobre um homem que podia caminhar sobre a água e que alegava ter sido enviado pelos deuses. De acordo com Praed o Primeiro, ele era um Descrente disfarçado, cujo objetivo era nos fazer cair em tentação e seguir seus passos sobre a água e, assim, nos afogaríamos, antes que Annabel viesse nos salvar. Um sorriso amargo surge na boca de Walt. O nome dele era Jesse, e reza a lenda que ele cortou as próprias garras e trocou a capa preta por uma branca e, assim, não o reconheceríamos pelo que ele tinha sido. Coisa de louco, não acha?"

    Muito louco, com certeza, respondo, devolvendo-lhe um sorriso provocador. Apenas o tipo de fábula que eu esperaria de um Tolo.

    Ha-ha. Ele me faz cócegas na lateral do meu corpo e mordo o lábio para não rir muito alto. Pare, sorrio preocupada. Assim, vamos acordar a Padma.

    Aos poucos, Walt vai parando e me lança um olhar contemplativo. Ainda não acredito que você conseguiu sobreviver sem seus pais, a partir dos dez anos, ele murmura. Deve ter sido muito difícil.

    Foi tudo bem, sussurro. Eu tinha o Colin e a Mara.

    Sempre nos ajudamos mutuamente, emprestando um ao outro um pouco da nossa Força, sempre que o outro não estava em condições de seguir adiante. De fato, nós três descobrimos anos atrás que a colaboração nos tornou mais fortes do que tudo o mais. Sabíamos que não se tratava apenas de procurar a Força que existe dentro de cada um de nós.

    O Colin sempre soube disso melhor do que ninguém. Ele sempre esteva lá quando precisei, apesar de nunca ter me perdoado por prepará-lo para a vida no solar de uma forma mais selvagem. Depois que deixamos Newexter, não me permiti ser uma pessoa emotiva. Eu o repreendi durante aquelas noites solitárias regadas a lágrimas derramadas pela ausência dos nossos pais. Sabia que nunca poderíamos voltar, e quanto mais cedo meu irmão mais novo por meia hora se acostumasse com a ideia, melhor seria.

    Somente mais tarde, nossos papéis se inverteram. Foi quando Colin pareceu ter crescido como em um passe de mágica, da noite para o dia, transformando-se em um jovem de ombros largos e braços musculosos, quase tão fortes quanto os de Saul, do Cal e do Max. Foi quando ele passou a ser o meu protetor. E a Mara, que conhecia todos os meus segredos, exceto meu maior medo – que era esperar muito da vida e me decepcionar.

    De repente, passei a sentir muita falta do meu irmão e da minha melhor amiga. Compreendo perfeitamente por que eles não quiseram vir conosco – uma vez que eles decidiram levar uma vida a dois e construir um lar, antes de se aventurarem pelo mundo. O Colin e a Ami iniciaram a construção de uma casa pequena, quando deixei Newexter, e Mara foi morar com o Andy e os pais dele, para se que se acostumassem a viver juntos. Ah, depois você me conta tudo sobre a Cornualha, é o que ela diria. E assim que houver viagens semanais de navio para lá, quero levar o Andy para fazer um tour por lá.

    Tão logo a costa esteja segura, Colin e Mara também poderão navegar para Penzance, acrescenta Walt bem de mansinho, aparentemente adivinhando meus pensamentos.

    Por que não estaria segura?, murmuro. Tony nos contou que as pessoas em sua cidade vivem juntas e em paz. E o líder daquele outro condado, Dartmoor, trabalha com eles para manter a paz.

    Sei lá. Walt, então, se espreguiça ao meu lado e me puxa para um caloroso abraço. Só vendo para crer. As pessoas no continente podem ter aprendido com os erros de seus antepassados, mas não pretendo ir muito a fundo sem manter os olhos bem abertos.

    Beijo-lhe no rosto. Estou feliz por você não ser tão ousado, admito calmamente. Você me faz sentir segura.

    O jogo do navio e a respiração de Walt contra o meu rosto lentamente me embalam e pego no sono.

    2 – Leia

    Na manhã seguinte, o dormitório amanhece turbulento. A Padma está ajoelhada ao lado do meu colchão e me sacode firme pelo ombro. Chegamos!, ela se agita ao falar, com um tremor em sua voz. Já se pode avistar terra!

    Santo Luke! Será que ela está falando sério? Sento-me e tropeço no meu próprio pé ao tentar levantar, para olhar em volta. As outras moças e rapazes se agruparam próximo das escadas. Todos querendo levantar a cabeça para dar a primeira espiada no Outro Lado.

    Quando chego ao convés, Walt e seu pai se juntaram ao Tony na balaustrada mais próxima da proa.

    Conseguimos, diz Walt, ofegante, voltando-se na minha direção. Sim, chegamos! Podemos avistar ao longe os prédios antigos de Penzance. Ele me puxa para um abraço entusiasmado e me beija no rosto. Olho fixamente para o Outro Lado – é um trecho de litoral que jamais ousei acreditar que existisse. Uma terra nunca d’antes avistada. E os tais edifícios, que o Walt mencionou, parecem tão diferentes do que me acostumei a ver. As estruturas no porto são construções de pedras, as linhas são retas e é tudo muito carregado no tom cinza. No entanto, mais para o interior, também vejo casas lindamente ornamentadas com ondulações ao longo das cornijas e as paredes construídas com material marrom avermelhado. Ademais, vejo pilhas de escombros e ruínas de formas estranhas. Não sobrou muita coisa daquela cidade. As pessoas que decidiram lançar bombas nesse lugar não se importaram com a beleza de Penzance. Tudo teve que ser destruído.

    E, no entanto, não consigo impedir que lágrimas de alegria marejem meus olhos, encantados com aquela vista. Sim, conseguimos! Ali estava a cidade para onde nossos antepassados enviaram seus filhos, de modo a lhes oferecer uma nova vida.

    Tony sorri com entusiasmo, um brilho em seus olhos castanhos. Estou feliz por ter conseguido encontrar o caminho de volta, ele comenta. A antiga carta náutica que encontramos em Penzance foi destruída junto com o nosso navio. Realmente tive que confiar na minha memória para traçar os rumos desta nossa viagem. Henry teria feito um trabalho melhor, suponho. Ele era um navegador talentoso. Por um momento, seu semblante escurece ao pensar em seu amigo, morto e enterrado em nossa ilha.

    Pousei suavemente a mão no braço de Tony. Obrigado por vir nos encontrar, digo em tom solene. Sem você, nunca teríamos tido a chance de nos lançarmos nessa aventura.

    Se o Tony e o Henry não tivessem aparecido em nossa praia, Walt poderia não ter atravessado o Muro e nunca ter me conhecido. Sem ele, eu ainda estaria sofrendo sob as rígidas regras de Saul – ou possivelmente me casaria com outro ‘remanescente’ como eu.

    O litoral ia ficando cada vez mais próximo. Olho fixamente para tudo, com olhos arregalados e ansiosos, e vejo que o Walt está igualmente impressionado com tudo o que nos cerca nesse momento. Mary e Agnes, ele gagueja, assim que nos aproximamos de terra e vemos de perto as edificações ainda intactas do porto de Penzance. Esses prédios são tão enormes! É como se os construtores tivessem empilhado dez casas regulares umas sobre as outras para construir esses edifícios gigantescos de tão altos.

    Por que as pessoas querem viver em lugares tão altos?, pergunto, baixinho.

    Talvez para economizar espaço, responde Tony. A terra estava superpovoada. Mas agora, todas as grandes cidades estão em ruínas. Tudo foi bombardeado. E as cidades e os pequenos povoados sucumbiram a doenças. Em todos os lugares que costumavam ser densamente populados, as terras ficaram improdutivas. Tudo contaminado pela radiação.

    Então nos diga, como seus ancestrais conseguiram reconstruir Bodmin?, Walt pergunta.

    A antiga Bodmin se foi. Tony fixa o olhar no litoral. Nossos antepassados construíram uma nova cidade em Bodmin Moor. Naquela época, os pântanos eram pouco habitados e, assim, o inimigo não conseguiu nos atacar lá. E, por isso, o solo não se contaminou.

    Há poucos dias, ele nos disse que existem duas grandes cidades naquela região – Bodmin, na Cornualha, e Dartmoor, em Devon. As pessoas em Devon criaram sua própria capital, reerguendo uma antiga penitenciária e construindo mais casas ao seu redor. Agora, Dartmoor é uma região com dez mil habitantes – um número inacreditavelmente elevado para uma moça do interior como eu. Walt teve que me explicar o que seria uma penitenciária. Seu povo tem várias celas em Hope Harbor, que são usadas para manter presas as pessoas que fizerem algo de errado. Quanto mais grave fosse o erro que cometessem, por mais tempo permaneceriam trancafiados. Não temos nada parecido. Se os adultos de Newexter não puderem cumprir as regras da comunidade, eles serão expulsos. Mas isso quase nunca aconteceu. Todas as pessoas do nosso lado do Muro sabem que uma vida solitária, sem amigos ou parceiros, não pode ser chamada de vida, de jeito algum.

    Quando o Comandante Tom finalmente aproxima o Explorer em segurança para atracar no porto de Penzance, estamos todos de pé no convés. Ficamos calados – apenas o comandante dá as suas ordens para os marinheiros do cais. Pela primeira vez em muito tempo, um navio está atracando no cais daquela cidade destruída. Gaivotas guincham, enquanto rasgam o céu azul sem nuvens.

    O que irá acontecer a seguir?, Walt pergunta. Ele se volta para o pai, que parece um tanto o quanto impotente. William mantém os olhos fixos na prancha que está sendo passada para o cais – uma ponte para um novo mundo, um mundo desconhecido.

    Não faço ideia, ele responde.

    Talvez queira visitar o cemitério onde seus antepassados estão sepultados, sugere Tony, cordialmente.

    Sim, William concorda. Acho que seria uma boa ideia.

    Lentamente, os passageiros do navio desembarcam e se espalham pelo cais, olhando ao redor atônitos e curiosos ao mesmo tempo. Tony lidera o caminho para um grande edifício cinza, um pouco distante das docas.

    Este é o edifício da administração portuária onde o Henry e eu encontramos o rádio que emitia o sinal de socorro, ele nos conta, falando o mais alto que podia para que as pessoas na parte de trás do grupo também pudessem ouvi-lo. "Foi também aqui que encontramos o manifesto do navio com todos os nomes das crianças que embarcaram no Annabelle".

    Entramos em grupo no edifício. O interior do prédio está quente, abafado e o ar, viciado. O sol do verão penetra pelos vidros das janelas. Os vidros se parecem com os das janelas de Hope Harbor – só tínhamos vidro nas janelas do solar e mais em nenhum outro lugar. Escondida em um canto, repousa uma espécie de escrivaninha cheia de botões e controles deslizantes. Lembrou-me do dispositivo que Tony havia usado para nos transmitir a mensagem. Esse móvel deve ser o rádio, suponho.

    Será que essa coisa ainda funciona?, pergunto ao Tony.

    Ele sacode a cabeça. Henry desconectou a maioria dos painéis solares presos ao rádio VHF e os montou em um ônibus antigo, de modo que pudéssemos dirigir de volta a Bodmin assim que voltarmos a Penzance. Ele usou os painéis mais leves, que eram usados para dar partida no motor do velho barco em que costumávamos navegar para Tresco.

    Oh. Não faço a mínima ideia sobre o que ele acabou de falar.

    Nesse meio tempo, o Walt foi até uma mesa repleta de livros antigos. Suas mãos acariciam as capas diligentemente. Leia, ele me chama. Venha e dê uma olhada. Aqui está o diário que pertenceu ao pai de Luke".

    Ainda tenho que me acostumar com o fato de o pai de Luke não ser o Pai das Trevas – ele era apenas uma pessoa comum, um sujeito boa praça, tentando salvar seu filho, transmitindo a ele uma mensagem final. Há pouco dias, tive acesso à lista de nomes que constavam do manifesto do navio, junto com o Walt, e foi assim que descobrimos que o rapaz que escreveu o nosso Livro se chamava Lucas Walker. Talvez por isso ele tenha sido inspirado a assumir o nome do seu herói, Luke Skywalker, ao começar uma nova vida.

    Quando abro o diário e leio a última página, não consigo impedir que algumas lágrimas jorrem. As palavras se misturaram e parecem querer nadar para bem longe. Se ao menos o Lucas soubesse o quanto seu pai o amava. Se ao menos nós soubéssemos. Tenho que levar este livro e mostrá-lo às pessoas de Newexter, para que possam ver com seus próprios olhos que os pais são pessoas confiáveis – que o Luke nunca deveria ter virado as costas para o seu próprio pai.

    Posso ficar com o livro?, pergunto, hesitante, ao Tony.

    Claro, diz ele. Esse diário deve ser o seu novo Livro.

    Enfio aquele caderno de anotações no bolso da calça. Não é muito grande – bem menor que o nosso Livro antigo, que tem uma foto de Luke e Leia na capa – mas o seu conteúdo significa o mundo para mim.

    Walt passa o braço em torno dos meus ombros e me puxa para sair, deixando para trás o calor sufocante daquele edifício portuário. Por fim, chegamos ao cemitério. Muitas das lápides aqui são feitas de madeira e têm uma forma estranha – dois feixes de luz que se cruzam. Não faço ideia do significado desse simbolismo. Nossas sepulturas são sempre marcadas com lápides lisas e quadradas. Todos em silêncio, seguimos o William pelos caminhos do cemitério, lendo os

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