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A cidade inexistente
A cidade inexistente
A cidade inexistente
E-book88 páginas2 horas

A cidade inexistente

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Sobre este e-book

O aviso do doido não adiantou: a cidade logo seria inundada pelas águas da hidrelétrica e sua evacuação era inevitável. A construção de outra cidade, espelho da primeira – incompleto ainda que fiel –, obriga os cidadãos a se mudarem, inconsoláveis. Somente o velho decide ficar. A partir daí, José Rezende Jr. desenrola a narrativa de A cidade inexistente, história que surpreende pelas direções que toma, pela maneira singular de explorar lugares-comuns da existência humana. É com assombrosa habilidade que o autor costura as pontas do enredo num jogo de espelhos entre real e surreal, original e cópia, memória e invenção, individual e coletivo, construindo uma obra sólida e tocante.
IdiomaPortuguês
Editora7Letras
Data de lançamento31 de ago. de 2020
ISBN9786586043716
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    A cidade inexistente - José Rezende Jr.

    Sumário

    Prólogo

    O fim do mundo

    O último trem

    A guerra do cu do mundo

    Tinham razão as cabras

    Lugar nenhum

    O cachorro, o menino e o velho

    Os infinitos ermos

    O matador de cidades

    Greve de fome

    Seu francisco

    O fogo diz adeus

    O padre voador

    A metamorfose

    Destino de cão

    A moça

    Ludimila primeira e única

    E quando vierem as águas?

    O passarinho inexistente

    Carta de despedida

    O coração, cadê?

    O cachorro mais solitário do mundo

    A plateia inexistente

    A falta que faz um doido

    Os ventos

    Todos órfãos

    Bodas de sangue

    Cabra cabriola

    A noiva fantasma

    A extinção das cabras

    O advogado fantasma

    A peleja do santo com a bestaferadodemo

    Striptease [1]

    Striptease [2]

    Antes continuassem lobos

    O casamento do velho e da moça

    Para morrer basta um cachorro

    A soma de todos os medos

    Gran circo

    Caboclos-d’água

    Travessia

    O mundo acaba em água

    Um avesso revirado êxodo

    Recomeçados

    Epílogo

    Texto de orelha

    Sobre o autor

    Nada em rigor tem começo e coisa alguma tem fim,

    já que tudo se passa em ponto numa bola;

    e o espaço é o avesso de um silêncio

    onde o mundo dá suas voltas.

    joão guimarães rosa

    Eu me lembro das coisas, antes delas acontecerem...

    j. g. r

    para: déia

    e lula.

    prólogo

    Os homens do governo botando no caminhão as tralhas da família, a família fritando no sol do meio-dia, o caminhão tossindo ­­cuspindo fumaça, e o velho na derradeira hora dizendo eu daqui não arredo o pé, e então o cachorro em ato de desobediência civil escapando do colo do menino e saltando da carroceria feito filhote fosse, sendo que igualmente velho era o que de fato era, e entrando de volta na casa e se espichando aos pés do velho, a língua de fora e o olhar canino anunciando: eu daqui não arredo as patas.

    Aí os homens do governo coçam as respectivas cabeças em movimentos involuntários e quase sincronizados, e olham em volta com inveja dos outros homens do mesmo governo que lograram embarcar em outros caminhões diferentes outras famílias, os embarques pacíficos e ordeiros. Os demais caminhões já ganhando a estrada, longo comboio de paus de arara carregados de retirantes famílias, os homens, as mulheres, as crianças e os bichos feito fossem da seca fugitivos sendo que fogem do justo contrário, o aguaceiro que está por vir. Não demora o governador, com a bunda sentada lá na capital, aperta o controle remoto e abre as comportas da hidrelétrica e inunda esse cu de mundo onde autoridade nenhuma do estado jamais sujou a sola do sapato – e que os cidadãos cudemundenses não enchessem por demais o saco, mandou avisar o governador, visto que o governo pagou indenização, a contragosto mas pagou, e ainda por cima fez construir léguas adiante uma cidade nova idêntica, cópia fiel da cidade velha.

    Órfão de cachorro e avô, o menino desembarca do caminhão seguido pela mãe, cada qual carregando no peito o engolido choro. Mudo, quieto, calado, amuado e ofendido, por último desembarca o pai e sem dizer palavra entra de novo na casa que lhe viu nascer o avô, o pai e os filhos. É uma casa já quase sem vida, despida de gente e mobília, a não ser uma cadeira velha, um velho sentado na cadeira velha e um cachorro velho deitado aos pés do velho dono. Um minuto nem demora o pai e já volta do colóquio com o velho balançando a cabeça e anunciando o que era do conhecimento até da longínqua nuvem de poeira levantada pelo último caminhão-retirante que a esta hora rumava com destino à cidade nova: o velho não vai.

    Aos homens do governo, que mesmo em do governo sendo despossuem autoridade para arrancar de dentro de casa um vivente, ou dois, contando o cachorro, e enfiar à força na carroceria dum caminhão, não resta alternativa a não ser solicitar reforços, que chegam num piscar de olhos. Uma dezena de PMs armados até os dentes, despachados dias antes da capital com ordens expressas de debelar todo e qualquer foco subversivo.

    A disparidade de forças salta aos olhos, visto que o foco subversivo em questão não passa de um homem velho e um velho cachorro. Mas ordens são ordens e subversão é subversão, tendo por grave agravante o fato que o cachorro rosna e exibe os dentes, ainda que poucos os restantes dentes, a quem da porta da casa pense em para dentro entrar.

    Se não sai por bem sai por mal, decide o governo, ali representado por um sargento e seus nove praças, a coesa tropa já de prontidão para executar a ordem de desintegração de posse. Abrigo de quatro gerações da família que vai embora, a casinha simples acabara de ser promovida a Área de Relevante Interesse Nacional, e os bravos militares ali justo estavam para defender os interesses da pátria até o último homem, nem que para isso fosse preciso defender a pátria do último velho e do último cachorro.

    Mas eis que à beira da inglória batalha, o advogado dos direitos humanos surge do nada e

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