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Análise do Comportamento e suas Aplicações: Desafios e Possibilidades Volume 2
Análise do Comportamento e suas Aplicações: Desafios e Possibilidades Volume 2
Análise do Comportamento e suas Aplicações: Desafios e Possibilidades Volume 2
E-book440 páginas3 horas

Análise do Comportamento e suas Aplicações: Desafios e Possibilidades Volume 2

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Sobre este e-book

O livro tem por objetivo dar continuidade à discussão iniciada no primeiro volume, acerca das aplicações práticas da Análise do Comportamento, abordando as áreas da educação, das organizações, da mídia e questões sociais, buscando ampliar a compreensão da diversidade de campos de atuação em que o behaviorismo radical pode contribuir. O conteúdo dos livros contempla ainda o profissional que já se encontra inserido no campo de atuação com o qual se identifica, e que busca maneiras de se atualizar e ampliar a sua prática por meio desta perspectiva teórica. A coletânea de artigos aqui reunidos apresenta reflexões e aplicações relevantes a partir da lente teórica do behaviorismo radical, que preza por uma prática atenta as questões sociais e individuais, e que se caracteriza por cuidadosamente observar contingências e manipular variáveis, buscando sempre a ampliação da qualidade de vida, onde quer que se aplique.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de nov. de 2020
ISBN9786599113314
Análise do Comportamento e suas Aplicações: Desafios e Possibilidades Volume 2

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    Pré-visualização do livro

    Análise do Comportamento e suas Aplicações - Denise Lettieri

    Uma interpretação analítico-comportamental sobre a imagem da mulher em comerciais de cerveja

    Sarah Késia Veloso Silva

    Ariela Oliveira Holanda

    Jorge M. Oliveira-Castro

    O presente capítulo apresenta uma interpretação sobre as funções assumidas pela figura feminina no controle exercido por estímulos usados em dois vídeos. Os vídeos faziam parte de anúncios de campanhas publicitárias de cerveja e foram selecionados arbitrariamente, um deles tendo como público-alvo mulheres e o outro, homens. Adicionalmente, tendo como base essa interpretação e dados publicamente disponíveis sobre a venda de cervejas, inferimos o efeito dos comerciais sobre o comportamento de consumo das cervejas. A partir de noções contemporâneas sobre Feminismo e Publicidade, conceitos analítico-comportamentais são utilizados para a interpretação sobre o controle exercido pelos estímulos: a) o Modelo na Perspectiva Comportamental (Behavioral Perspective Model - BPM) de interpretação do comportamento do consumidor e b) o Paradigma da Equivalência de Estímulos. Após uma revisão desses conceitos, este capítulo documenta a metodologia utilizada para a inspeção visual dos vídeos e a interpretação resultante.

    O estudo do comportamento do consumidor tem atraído olhares de diversas áreas do conhecimento, como economia, antropologia e marketing. Disciplinas como o marketing, por exemplo, beneficiam-se desse tipo de conhecimento, na medida em que ele possibilita a descrição de fatores ambientais e motivacionais envolvidos no comportamento de consumo. Conhecer tais fatores possibilita o desenvolvimento de tecnologias relacionadas ao controle do consumo, bem como à proteção e à educação do consumidor (Naline, Cardoso & Cunha, 2013).

    Enquanto um dos maiores produtores de cerveja do mundo, o Brasil tem nesta indústria uma de suas principais anunciantes (Silva, 2010). Anúncios veiculados por marcas de cerveja no país parecem insistir no uso da imagem feminina. Compreender essa estratégia publicitária, portanto, poderá elucidar questões acerca de quais mecanismos têm sido utilizados para atrair o consumidor, bem como da funcionalidade de tais mecanismos. Dessa forma, permite-se também discutir o modo como a mulher tem sido vista numa sociedade na qual seus papéis e a forma de ser representada passou por diversas transformações (Lipovetsky, 2000).

    A Análise do Comportamento, na medida em que busca entender o comportamento em função de variáveis ambientais, tem contribuído para o aumento das possibilidades de investigações teóricas a respeito do comportamento de consumo, possibilitando um incremento significativo de métodos e abordagens empíricas nas pesquisas que envolvem marketing, psicologia e economia (Oliveira-Castro & Foxall, 2005).

    Investigar interpretativamente estratégias publicitárias, em especial no que se refere à imagem da mulher, permitirá compreender porque um produto, muitas vezes, é vinculado a uma imagem com a qual não possui nenhuma relação (Fontenelle, 2005). Sugere-se que investigações desse tipo também contribuem para o planejamento de agendas de pesquisa empírica sobre problemas socialmente relevantes, neste caso, relacionados à imagem da mulher na sociedade.

    A mulher, seus papéis e seu corpo

    As transformações sociais ocorridas a partir do século XX repercutiram sobre a forma como o papel da mulher passou a ser apresentado e vivenciado. A função da mulher, antes desse período, estava atrelada ao seu papel de mãe e esposa, subordinada ao homem, o provedor da casa. Nessa perspectiva, a educação era direcionada para os homens, não havendo incentivo para que a mulher também estudasse. A partir de lutas de movimentos sociais na Europa e nos EUA na década de 1960, alguns direitos como o do ensino e do voto foram conquistados. Daí em diante, buscou-se a aprovação de leis diminuíssem diferenças de gênero, aumentando o espaço de atuação da mulher na sociedade (Fiorin, Patias & Dias, 2011).

    Observou-se então uma vinculação cada vez maior da mulher ao mundo do trabalho, fazendo-a se afastar, gradativamente, daqueles papéis que antes lhe eram atribuídos (Fiorin, Patias & Dias, 2011). O acesso à educação foi de suma importância para seu envolvimento com atividades profissionais, o que fez a mulher ser economicamente mais ativa e, consequentemente, uma consumidora em potencial (Nogueira, 2013).

    Ao falar das transformações dos papéis da mulher na sociedade, Lipovetsky (2000) descreve três tipos de mulher. A primeira mulher, aquela anterior ao século XIV, era a mais tradicional. Não sendo vista como símbolo de beleza, era, por natureza, inferiorizada pelos homens. Também representada pela sua fecundidade, era fortemente associada à função de procriação. A partir da Idade Média, surge a Segunda Mulher, a qual passa a ser idealizada, sendo representada de forma exaltada e venerada. Junto a isso, atrelava-se a sua posição de submissão ao homem. A terceira mulher, aquela do século XXI, destaca-se pela sua emancipação, atuando nas diversas esferas, como na direção de empresas, na política e na arte. Ela, no entanto, aparece frequentemente como sedutora, principalmente através da mídia e da publicidade.

    Segundo Lipovetsky (2000), a moda e a publicidade representaram uma influência significativa no que se refere à liberação das mulheres. Tal liberação, característica da ascendência da Terceira Mulher, não eliminou, contudo, as diferenças sexuais, tampouco desatrelou a imagem feminina de um papel de sedução. O autor acrescenta que as estratégias de sedução utilizadas por homens e mulheres continuam sendo diferentes. A mulher parece recorrer à valorização estética de seu corpo, enquanto o homem faz uso do dinheiro, da posição social e do prestígio (Lipovetsky, 2000).

    O autor defende que, apesar da primeira fase do feminismo ter preconizado uma ruptura total com as funções anteriormente designadas à figura feminina, hoje as mulheres rejeitam apenas aquilo que possa impedir sua autonomia. Isso quer dizer que a mulher ainda está aberta a exercer os papéis que lhe forem convenientes, inclusive os mais tradicionais. Isso caracteriza a existência de múltiplas possibilidades de ser mulher (Fiorin, Patias & Dias, 2011).

    É válido salientar que a construção da identidade, seja ela feminina ou masculina, parte também das referências tomadas a partir dos padrões e particularidades que cada sociedade constrói em relação ao corpo (Barbosa, Matos & Costa, 2011). Segundo as autoras, o mundo pós-moderno, devido ao crescimento acirrado do mercado de produtos e serviços, assiste ao incentivo constante ao consumo material, o que fez com que o corpo ganhasse maior atenção, estando relacionado ao prazer e à sexualidade.

    Barbosa, Matos e Costa (2011) observam que o corpo pós-moderno está fragmentado em partes, aparecendo como músculos, seios, boca, olhos, coxas, glúteos, cabelos etc. Pedaços esses transformados pela publicidade em alvos de consumo e tratamento, pois a tecnociência tornou possível a reparação dos defeitos do corpo biológico. Por isso, fala-se em um corpo fragmentado, inacabado, em constante mudança, que tem sua imagem representada pela mídia com ênfase em partes específicas (De Oliveira, Fernandes & Silva, 2009). O mundo atual se encontra imerso em uma cultura fundamentada na valorização do corpo, cuja imagem ideal é disseminada pela publicidade (Barbosa, Matos & Costa, 2011).

    Para Goldenberg (2011), o corpo aparece como elemento fundamental para a construção de uma identidade brasileira. A autora destaca que o corpo bem cuidado, sem rugas, estrias, manchas, sem excessos de gordura, é o único que está convenientemente vestido ainda que sem roupa. A própria concepção de mulher passa, então, por essa adequação ao modelo ideal, admirado também pelas mulheres, mas de forma expressiva pelos homens (Goldenberg, 2011).

    A autora observa que houve uma emancipação feminina quanto aos seus antigos papéis de procriação, mas, ao mesmo tempo, as normas sociais estéticas apresentam-se atualmente como uma obrigação. Dessa forma, ao passo que se impõe a ideia de autonomia individual, aumenta-se também as exigências em relação ao corpo (Goldenberg, 2011). Esse tipo de obrigatoriedade, como afirma a autora, não atinge apenas as celebridades, mas as pessoas ‘comuns’ como um todo, tendo em vista a abrangência da publicidade.

    Dos Santos (2009) ressalta que compreender as posições ocupadas pela mulher na sociedade é imprescindível para a compreensão de como ela vem sendo representada pela publicidade ao longo do tempo. A autora questiona os reais papéis da mulher contemporânea, visto que embora a figura feminina seja representada em seu papel mais independente e emancipada, ela também aparece, por vezes, como objeto sexual a ser admirado principalmente pelos homens.

    A publicidade e os comerciais de cerveja

    A palavra publicidade advém do termo latim publicus e designa o ato de tornar público, de divulgar. Inicialmente, tinha seu sentido ligado ao âmbito jurídico, passando a adquirir um significado comercial a partir do século XIX. Antes voltada apenas ao fornecimento da informação, a publicidade passa a adquirir um caráter persuasivo devido à necessidade de aumento dos bens de consumo, característica da era industrial (Muniz, 2004).

    Enquanto prática persuasiva, a publicidade se utiliza de estratégias que combinam textos, sons e imagens dotados de sentidos, ou seja, utiliza-se de diferentes códigos semióticos, sendo eles verbais ou não verbais (Petermann, 2006). McCracken (2007) considera a publicidade um instrumento de transferência de significado, na medida em que leva o espectador a atribuir categorias constituídas culturalmente a um bem de consumo.

    Para o autor, a estratégia consiste em escolher os objetos capazes de materializar os significados que pretendem ser evocados pelo bem de consumo. Busca-se estabelecer uma relação clara entre imagens visuais e matéria verbal, em que esta seria uma espécie de legenda que deixa explícito para o público as propriedades expressas pela imagem (McCracken,2007). Tais propriedades se referem, por exemplo, a atributos como alegria, beleza, sensualidade, saúde, sofisticação, elegância, entre outros (Tavares, Urdan & Shigaki, 2014).

    Conforme observa Silva (2011), o anúncio publicitário tem na identificação um fator de extrema importância, de forma que haverá maior probabilidade de mudança no comportamento de compra caso o consumidor se veja na mesma situação vivida pelos anunciantes do produto, identificando-se com eles. A autora afirma que tal identificação acontece se o consumidor discriminar no modelo publicitário algumas características que repara em si próprio. A partir de então, os reforçadores que controlam o comportamento do modelo passarão a também controlar o comportamento do consumidor.

    Especificamente, com relação aos mecanismos publicitários utilizados pelo mercado de cerveja, em sua maioria, observa-se a insistência de tais agências publicitárias em utilizar, enquanto estratégia de comunicação de bens de consumo, a imagem da mulher, relacionando-a ao prazer (Carvalho, 2010). Um dos quatro maiores produtores de cerveja do mundo, o Brasil conta com uma produção anual de mais de oito milhões de litros desse produto, o que movimenta um capital de aproximadamente R$ 20 bilhões por ano. A indústria de cerveja é, portanto, uma das principais anunciantes brasileiras dos meios de comunicação em massa (Silva, 2010).

    Segundo Carvalho (2010), a publicidade há décadas utiliza a imagem da mulher para promover bens de consumo, o que é feito exaustivamente quando se refere a anúncios de cerveja. O uso de signos pela publicidade, como afirma Silva (2010), corresponde ao objetivo pretendido de convencimento na medida em que leva o consumidor a crer que o consumo de determinado produto é capaz de oferecer bem-estar, felicidade e prazer, fazendo-o apreender determinados estilos de vida. A autora explica que o texto publicitário não pretende persuadir seu público-alvo a obter um produto apenas por seu valor utilitário, mas visa à criação da necessidade de adquirir o que está sendo oferecido tendo em vista o status, o poder e o prazer que isso lhe permite.

    Outro esquema básico usado pela publicidade para convencer o consumidor é o estereótipo, capaz de sugestionar pela boa aparência (Momo & Franco, 2013). A estratégia consiste no uso de um modelo padrão baseado nos ideais da sociedade, pois o objeto só se torna persuasivo caso seja aceito pela maior parte das pessoas. Assim, o uso frequente da imagem de um corpo ideal da mulher tem por objetivo legitimar um padrão, um estereótipo de beleza.

    A estratégia publicitária, então, consiste em associar os desejos e fantasias do consumidor a alguma figura (o estereótipo). Dessa forma, o desejo do consumidor é aliado a novos desejos, sendo os indivíduos atraídos emocionalmente por meio da criação de novas necessidades (Momo & Franco, 2013). A evocação de sentimentos se trata, portanto, de uma variável bastante considerada por muitos publicitários (Silva, 2011).

    O Behaviorismo Radical compreende as emoções como produtos de contingências (Rico, Golfeto & Hamasaki, 2013). De acordo com as autoras, o analista do comportamento trata os sentimentos como manifestações físicas do organismo, e não como fenômenos mentais. Assim, embora os sentimentos não possuam natureza diferente do comportamento, eles aparecem como eventos privados, sendo eliciados pelos mesmos eventos ambientais causadores do comportamento público. Portanto, os sentimentos não são a causa do nosso comportamento, mas ocorrem de forma correlata a estes (Skinner, 1953/2003).

    O modelo na perspectiva comportamental

    O comportamento de consumo pode ser caracterizado como diverso e complexo. Isso porque, para a obtenção de cada produto ou serviço, existem diferentes fatores ambientais e motivacionais envolvidos (Naline, Cardoso & Cunha, 2013). Conhecer tais fatores, de acordo com os autores, pode contribuir para o desenvolvimento de tecnologias voltadas a áreas que buscam compreender o controle do comportamento de consumo humano.

    A despeito dos subsídios que a Análise do Comportamento disponibiliza para o marketing, as abordagens cognitivas são preponderantes quando se trata das contribuições que a psicologia possa oferecer à área (Gracia, 2010). Conforme observam Naline, Cardoso e Cunha (2013), tais abordagens concebem que o funcionamento intelectual e o processamento racional de informações são responsáveis pela resolução de problemas e tomada de decisão que resultam na escolha do consumidor. Entende-se, portanto, que eventos mentais são causadores do comportamento e que as variáveis ambientais apenas impulsionam os processos cognitivos.

    O primeiro modelo comportamental de interpretação do comportamento do consumidor a partir de uma abordagem ampla e sistemática foi proposto em 1990 por Foxall (Oliveira-Castro, Foxall, 2005). Denominado Modelo na Perspectiva Comportamental (Behavioral Perspective Model-BPM), esse modelo está fundamentado no Behaviorismo Radical. A ênfase é dada às interações entre variáveis ambientais, onde ocorrem as situações de consumo, e à história de aprendizagem do consumidor (Naline, Cardoso & Cunha, 2013).

    Constituindo-se como campo de pesquisa relativamente recente, a análise do comportamento do consumidor, de acordo com Oliveira-Castro e Foxall (2005), parte de uma interpretação do comportamento das pessoas com base nos princípios de aprendizagem, situando-se na convergência entre a psicologia econômica e a ciência de marketing. Conforme discutido pelos autores, a área abrange uma diversidade de comportamentos de consumo como comprar, apostar, escolher marcas, poupar e outros. Por conta dessa abrangência, ainda segundo os autores, tais estudos requerem um tratamento mais amplo, envolvendo uma série de questões que combinam os princípios da Análise do Comportamento com conceitos e ideias de áreas afins.

    Parte-se do pressuposto de que fenômenos complexos como o comportamento de consumo, apesar de poderem ser descritos a partir de termos provenientes de observações diretas de fenômenos mais simples, como aqueles realizados em laboratório, carecem de termos outros, capazes de abarcar esses fenômenos em sua complexidade. Entretanto, as generalizações obtidas sobre esse tipo de comportamento devem ser interpretações baseadas na contingência de três termos (Oliveira-Castro & Foxall, 2005). O paradigma da tríplice contingência proposto por Skinner (1969) pressupõe que o comportamento operante deve ser analisado levando em consideração seus antecedentes, a própria resposta e suas consequências.

    Os conceitos apresentados por Foxall (1998) surgem a partir do desdobramento das unidades de análise da tríplice contingência. O comportamento de Consumo é determinado por suas consequências e por eventos antecedentes à situação de consumo. A situação de consumo é a relação entre o cenário do comportamento do consumidor e a história de aprendizagem pessoal pela qual este passou (Foxall, 1998). A resposta de consumir é capaz de produzir consequências reforçadoras e punidoras, sendo que ambas podem ser utilitárias ou informativas. Trata-se de um modelo teórico que descreve o comportamento do consumidor como multideterminado (Gracia, 2010) e selecionado por suas consequências (Silva, 2011), como mostra a FIGURA 1.

    Figura 1. Modelo na perspectiva comportamental. Adaptada de FOXALL (2010, p. 9)

    Define-se cenário de consumo como o conjunto de estímulos ambientais situacionais que sinalizam a disponibilidade de reforço ou punição contingentes às respostas de consumo (Foxall, 1998). O autor afirma que tais estímulos podem ser físicos (música ambiente, logomarca da loja, propagandas no local de venda), sociais (quantidade de vendedores, acompanhantes do consumidor), temporais (duração da oferta, datas comemorativas) e regulatórios (regras de conduta da loja ou do consumidor).

    A depender da história de reforçamento ou punição do consumidor, tais estímulos, a priori neutros, passam a funcionar como estímulos discriminativos que podem sinalizar, em um determinado cenário, consequências possíveis para respostas de aproximação e afastamento (Foxall, 1998). Respostas como procura, escolha e compra de um bem ou serviço se referem à tendência de aproximação, resultante do contato do consumidor com consequências reforçadoras das ações de consumo. A tendência de afastamento, por sua vez, ocorre quando o consumidor evita os produtos ou serviços devido ao contato com consequências punitivas por ocasião da resposta de consumo (Foxall, 1998).

    Os estímulos discriminativos irão definir a amplitude do cenário de consumo, o qual se encontra em um contínuo entre abertura e fechamento. Em um cenário aberto são apresentadas ao consumidor várias alternativas de escolha, não havendo pressões coercitivas. Exemplo disso ocorre quando o indivíduo está em uma situação de compra num supermercado e pode escolher entre diversas marcas. Por tal motivo, torna-se difícil predizer a topografia do seu comportamento. Já um cenário mais fechado não oferece tantas alternativas ao consumidor, podendo contar com algum nível de controle coercitivo. Nessas circunstâncias, o comportamento é mais facilmente previsível, tendo em vista que as contingências de consumo são controladas por pessoas que não estão sujeitas a elas (Foxall, 1998).

    O Modelo na Perspectiva Comportamental (BPM) sugere que o comportamento do consumidor produz como consequência eventos reforçadores e punitivos, sendo que ambos podem ser utilitários ou informativos. Tanto o reforço utilitário quanto o reforço informativo aumentam a probabilidade de que as respostas que os produziram ocorram futuramente em circunstâncias semelhantes. No sentido inverso, tanto a punição utilitária quanto a informativa favorecem a diminuição da probabilidade de ocorrência futura das respostas que as produziram (Foxall, 1998).

    O reforço utilitário é mediado pelo próprio produto ou serviço. Resulta dos benefícios decorrentes diretamente da posse ou do uso dele. Refere-se ao valor de uso, ou seja, às consequências econômicas e funcionais derivadas da compra e do uso do bem ou serviço, estando também associado aos sentimentos derivados de tais benefícios. Já o reforço informativo tem caráter simbólico, sendo mediado pelas relações sociais, o que o torna um tipo de reforço verbal. Refere-se ao nível de status e aceitação social adquiridos pelo consumidor por ocasião do consumo efetivado. Pode também ser um tipo de reforço privado tendo em vista as avaliações que o indivíduo pode apresentar sobre seu próprio desempenho (Foxall, 1998).

    O autor chama de consequências aversivas as punições utilitárias e informativas produzidos pela resposta de consumo. No caso da punição utilitária, tem-se que a utilidade do produto ou serviço está comprometida. Já a informativa ocorre quando, por ocasião da obtenção de um produto avaliado socialmente como desqualificado, o consumidor recebe atenção social negativa de outras pessoas.

    O BPM então propõe que o comportamento econômico envolve interações de forças opostas, pois produzem tanto consequências reforçadoras quanto punitivas, as quais ocorrem simultaneamente. Assim, de uma forma geral, segundo Foxall (1998), a frequência e as características de determinado comportamento de consumo dependem do repertório aprendido pelo consumidor, do cenário de consumo, bem como das propriedades reforçadoras ou punitivas dos produtos ou serviços adquiridos.

    Apesar de a literatura em marketing colocar a empresa voltada ao marketing como aquela que procura responder aos desejos de um consumidor pouco sensível aos estímulos ambientais, o modelo proposto, conforme observam Oliveira-Castro e Foxall (2005), descreve as estratégias de marketing como abrangendo contínuos esforços de alterar a amplitude dos cenários de consumo, bem como de controlar os estímulos reforçadores e punitivos. Tais autores descrevem algumas linhas de pesquisa em análise do comportamento do consumidor que partem do paradigma operante. Uma das linhas relevantes busca uma investigação de comportamentos de escolha em situações de risco; outras se debruçam sobre os efeitos que as instruções e as mudanças na configuração econômica do país exercem sobre as escolhas dos consumidores. Outra linha, a exemplo da pesquisa conduzida por Barnes-Holmes, Barnes-Holmes e Smeets (2000, apud Oliveira-Castro & Foxall, 2005), se propõe a estudar a relação entre propagandas publicitárias, por exemplo, e a formação de classes de equivalência. Os pesquisadores investigaram a preferência por diferentes refrigerantes do tipo cola, a partir de um procedimento utilizado para gerar equivalência de estímulos. Emparelhou-se palavras neutras com palavras de conotações positivas e negativas. Em seguida tais palavras inicialmente neutras foram emparelhadas a nomes fictícios de marcas de refrigerantes, sendo que os refrigerante representados pelas diferentes marcas eram idênticos. Foi então observado que houve preferência pelas marcas emparelhadas com as palavras de conotação positiva por parte daqueles que passaram anteriormente pelo teste de equivalência. Não houve diferenças consideráveis em relação à preferência com aqueles que não passaram pelo treino prévio.

    A área de Propaganda e Marketing pode ser beneficiada pelos estudos envolvendo a extensão do controle exercido pelos estímulos de uma mesma classe de equivalência. Isso porque pesquisas desse tipo investigam o controle de propriedades de uma marca ou rótulo sobre respostas de escolha do consumidor (Modenesi et.al, 2009).

    Equivalência de estímulos

    O paradigma da equivalência de estímulos foi proposto, segundo De Rose e Bortoloti (2007), por Sidman e Tailby (1982), como uma forma de testar se Relações Condicionais entre estímulos arbitrariamente relacionados entre si eram também Relações de Equivalência. Os critérios para a identificação dessas relações são as propriedades de simetria, reflexividade e transitividade da Teoria de Conjuntos da matemática. Para a Teoria de Conjuntos, elementos que tenham essas propriedades podem ser mutuamente substituíveis e, no caso do comportamento, os estímulos seriam mutuamente substituíveis (De Rose & Bortoloti, 2007).

    Por exemplo, se os elementos A, B e C mantém uma relação de reflexividade, eles são identificados como iguais entre si (A=A, B=B, C=C). A propriedade de simetria ocorre quando a ordem dos elementos for reversível (se A=B, então B=A). A relação de transitividade, por sua vez, que requer necessariamente três conjuntos de estímulos (Hübner, 2006), é estabelecida quando os elementos comuns agrupados em par determinam o surgimento de um terceiro par ( se A=B e B=C, logo A=C). Assim, os termos que mantém uma relação de equivalência, possuindo as três propriedades, pertencem à chamada classe de equivalência (Straatmann, 2008).

    De acordo com este paradigma, o símbolo pode ser entendido como um estímulo que faz parte de uma Relação de Equivalência com outros estímulos. Uma vez equivalentes, as respostas emitidas diante de um estímulo podem passar a ser emitidas diante dos demais componentes da classe. Por isso, em determinados contextos, age-se diante de um símbolo como se o fizesse diante do estímulo ao qual ele se refere (Bortoli & De Rose, 2014).

    Quando estímulos fazem parte de relações de equivalência, novos desempenhos recombinantes podem ocorrer sem necessidade de serem treinados diretamente. Porque não envolvem treino direto, esses desempenhos tem sido chamado de emergentes, derivados ou indiretos (Straatmann, 2008). Nesse contexto, os desempenhos recombinantes são previsíveis, porém são estabelecidos arbitrariamente. A autora explica que, para cada modelo, designa-se um estímulo de comparação como correto, sendo, portanto, arbitrária a relação entre o modelo e o estímulo de comparação.

    O paradigma da equivalência de estímulos não se confunde com o conceito de generalização, pois enquanto este último explica a emissão de comportamentos diante de estímulos morfologicamente semelhantes entre si, o conceito de equivalência pode explicar o surgimento de novos comportamentos diante de estímulos fisicamente diferentes e relacionados arbitrariamente entre si. Entretanto, redes novas de relações mais complexas podem ser produzidas pela interação entre a equivalência de estímulos e a generalização, conforme novos estímulos sejam inseridos em uma classe (Albuquerque & Melo, 2005).

    O método tradicionalmente usado para que tais relações se estabeleçam chama-se emparelhamento de acordo com o modelo (do inglês, matching-to-sample). Conforme Hübner (2006), tal procedimento consiste na apresentação inicial de um estímulo modelo e, de forma simultânea ou posterior, apresentam-se estímulos de comparação. Dito de outra forma por Straatmann (2008), um conjunto de estímulos modelo e um conjunto de estímulos de comparação são apresentados, sendo que o sujeito deve optar por um ou mais estímulos de comparação a partir da apresentação do estímulo modelo. Assim, cada elemento que compõe o conjunto modelo estabelece uma relação com um elemento do conjunto de comparação (De Rose, 1993 apud Straatmann, 2008).

    De forma geral, esse procedimento se utiliza de relações condicionais treinadas de forma direta, com reforçamento diferencial de escolhas certas e erradas. Após o treino, são conduzidos testes que verificam o surgimento de relações condicionais não treinadas. Pode ocorrer, ainda nesse processo, a transferência de funções, na qual uma determinada função adquirida por um estímulo transfere-se para os membros da classe a que pertence, sem que haja necessariamente o treino direto (Straatmann, 2008). Estímulos pertencentes à mesma classe de equivalência seriam, portanto, funcionalmente semelhantes quanto ao controle de um comportamento.

    Desta feita, em conformidade com o que dizem Albuquerque e Melo (2005), compreende-se que, quando os estímulos tornam-se intercambiáveis e substituíveis, eles podem ser considerados equivalentes, de maneira que quando um estímulo adquire uma função no controle do comportamento operante, tal função é transferida para outro estímulo. Nas palavras das autoras: ‟para se falar de equivalência de estímulos, um comportamento operante comum deve ser controlado por estímulos diferentes.".

    De Rose e Bortoloti (2007) propõem a equivalência de estímulos como um modelo de significado, ao verificarem que estímulos abstratos, originalmente sem significado, passam a compartilhar o significado de estímulos significativos quando tornados equivalentes a estes, havendo a transferência de significados. Tais estímulos passam então, a ser compreendidos de modo similar.

    O significado diz respeito a objetos, ações ou eventos aos quais um determinado estímulo se tornou equivalente (Albuquerque & Melo, 2005). No entanto, como ressaltam os autores, a relação de equivalência entre estímulos está sob o controle contextual, ou seja, a depender do estímulo contextual presente, a classe a que um determinado estímulo pertence poderá mudar.

    O paradigma da equivalência de estímulos tem promovido diversas pesquisas, apresentando um potencial de aplicação validado para a compreensão da linguagem, do significado e de conceitos, enfim, de temas cujo estudo tem sido empreendido tradicionalmente pela psicologia cognitiva (Alburquerque & Melo, 2005). Trata-se, pois, de uma ferramenta conceitual da Análise do Comportamento para o estudo de comportamentos complexos, os quais se supunha não poderem ser abarcados por essa teoria (Bortoli & De Rose, 2014).

    Com base no paradigma da equivalência de estímulos e no Modelo na Perspectiva Comportamental, este estudo tem como objetivo geral investigar funções assumidas pela figura da mulher no controle exercido pelos estímulos usados na publicidade de cerveja. Os objetivos específicos são: analisar os mecanismos utilizados por campanhas publicitárias para favorecer o consumo do produto anunciado; comparar dois comerciais de cerveja que se utilizaram de diferentes estratégias no uso da imagem feminina; e identificar as relações simbólicas envolvidas nos anúncios analisados.

    Método

    O presente estudo foi realizado em quatro etapas. Inicialmente, fez-se a seleção dos vídeos que seriam analisados. Em seguida, foram observadas as funções da imagem feminina em cada vídeo. Posteriormente, foram selecionados vídeos que diferissem quanto às funções da imagem da mulher. A seguir, foram congeladas algumas das cenas de cada vídeo e, finalmente, realizou-se a análise funcional dessas cenas.

    Para a seleção dos vídeos a serem analisados, foram visualizados os vídeos encontrados em uma plataforma de compartilhamento de vídeos obtidos a partir da pesquisa com a expressão mulher em propagandas de cerveja. Os vídeos resultantes da pesquisa com a combinação das expressões comerciais da ou propagandas da com os nomes das principais marcas de cerveja no Brasil (Kaiser, Brahma, Devassa, Antártica, Skol, Sol, Nova Skin e Bohemia) também foram visualizados. Assistiu-se ainda aos vídeos relacionados àquele que estava sendo visualizado, sugeridos pela própria plataforma. Após essa visualização inicial, foram selecionados os vídeos de comerciais brasileiros de cerveja que mostravam a imagem feminina durante a maior parte do comercial.

    Restaram disponíveis para a análise 37 videos. Desses, dois foram selecionados para a realização das análises funcionais. Optou-se pela seleção dos dois vídeos, por se entender que a função da imagem feminina diferia entre os dois. Os demais vídeos visualizados pareciam trabalhar com uma função da imagem feminina semelhante àquela apresentada por um dos vídeos selecionados para a análise. Analisar, portanto, outro vídeo além dos dois selecionados poderia produzir resultados semelhantes quanto à função da imagem da mulher. Além disso, optou-se pela seleção desses vídeos por serem mais recentes. Entendeu-se que vídeos mais recentes retratariam de forma mais fidedigna os aspectos relacionados à cultura atual. Os filmes publicitários selecionados foram veiculados um no ano de 2011 e outro em 2014.

    Anteriormente à realização das análises funcionais, foi realizada uma análise preliminar do material audiovisual selecionado, seguindo-se as etapas propostas por Denzin (2004, apud Flick, 2009) para a

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