Análise funcional em psicologia clínica
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Análise funcional em psicologia clínica - Peter Sturmey
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Sturmey, Peter
S936a Análise funcional em psicologia clínica [livro eletrônico] / Peter Sturmey ; organizadoras: Maria de Jesus Dutra dos Reis, Luziane de Fátima Kirchner ; tradutores: Maria Helena do Carmo Gomes, João Henrique de Almeida ; colaboradores: Bárbara Kolstok Monteiro, Thaísa Jaoude, Ricardo Martinelli Bondioli -- Londrina : Eduel, 2021.
1 livro digital.
ISBN 978-65-89814-32-0
Disponível em: http://www.eduel.br
Título original: Functional analysis in clinical psychology.
1. Psicologia clínica. 2. Psicologia clínica comportamental. 3. Análise funcional (Psicologia). 4. Avaliação comportamental (Psicologia). I. Reis, Maria de Jesus Dutra dos. II. Kirchner, Luziane de Fátima. III. Gomes, Maria Helena do Carmo.
IV. Almeida, João Henrique de. V. Monteiro, Bárbara Kolstok. VI. Jaoude, Thaísa. VII. Bondioli, Ricardo Martinelli.
VIII. Título.
CDU 159.9.019.53
Autor: Peter Sturmey
Titulo original: Functional Analysis in Clinical Psychology
Editora original: Jonh Willey & Sons Ltd, 1996
Direitos da tradução em Língua Portuguesa reservados à
Editora da Universidade Estadual de Londrina
Campus Universitário
Caixa Postal 10.011
86057-970 Londrina – PR
Fone/Fax: 43 3371 4673
e-mail: eduel@uel.br
www.eduel.com.br
sumário
AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO DAS SÉRIES
PREFÁCIO
PARTE I
Capítulo 2
PARTE II
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
PARTE III
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
REFERÊNCIAS
Aos meus pais
AGRADECIMENTOS
Muito dos materiais deste livro deriva diretamente do ensino na Universidade de Birmingham entre 1987 e 1991. Eu tenho uma dívida com meus colegas, dos quais eu tenho utilizado ideias livremente. Em particular, eu gostaria de agradecer ao Professor Kevin Howells, ao Dr. Clive Eastman e à Dr. Delia Cushway, que ministraram muitos desses cursos comigo. Eu aprendi muito com todos eles. Eu gostaria também de agradecer aos estagiários que participaram desses cursos. Um agradecimento especial deve-se à Mary McCann, à Thelma Sargee, e à Deb Olvera, que pacientemente me ajudaram com a preparação do manuscrito em diversos momentos. Por fim, agradeço ao Jhonny e ao Max Matson: fontes de inspiração e excelentes modelos durante o verão de 1991.
PREFÁCIO DAS SÉRIES
As séries Wiley em Psicologia Clínica visam a fornecer um conjunto abrangente de textos que abordam a aplicação da ciência psicológica para os problemas da saúde mental e das deficiências. Fundamental para este trabalho é a habilidade que os psicólogos exercem em suas análises funcionais de problemas com os quais lidam. Isso é verdade, quer eles estejam tratando um adulto com agorafobia, uma pessoa com transtorno alimentar, uma criança que se recusa a ir à escola ou uma pessoa que apresenta comportamentos estereotipados associados a um problema de aprendizagem.
Neste livro, Peter Sturmey descreve cuidadosamente cada aspecto de uma análise funcional completa, do estágio de geração de hipóteses por meio do delineamento do tratamento até sua avaliação. Utilizando seus exemplos de uma ampla variedade de trabalhos psicológicos com adultos e crianças, ele destaca que, a menos que as intervenções sejam baseadas no conhecimento das funções dos comportamentos-alvo, elas não serão completamente efetivas. Esse é um argumento extremamente importante, considerando que profissionais da saúde mental estão, cada vez mais, necessitando tratar pessoas com problemas mais severos e aparentemente intratáveis.
De interesse particular dos leitores, será um guia útil de como comunicar os resultados de uma análise funcional para terceiros. Peter Sturmey objetiva ensinar as habilidades envolvidas em uma abordagem, em vez de simplesmente o conhecimento sobre ela. Como em todos os bons manuais, ele inclui exemplos ricos e falhos, de modo que os leitores possam aprender com os dois. Finalmente, ele inclui uma revisão crítica da literatura disponível e examina que outros trabalhos de pesquisa clínica precisam ser feitos.
Com uma riqueza de exemplos de casos em todas as partes, este livro beneficiará todos os estudantes e profissionais da saúde mental.
PREFÁCIO
Análise funcional em psicologia clínica foi escrito para proporcionar aos psicólogos, analistas do comportamento e estudantes de Medicina uma visão global do desenvolvimento em análise funcional nos últimos anos. Este livro surgiu principalmente do ensino de um curso para estudantes de psicologia clínica que estavam trabalhando com uma diversidade de populações clínicas, incluindo pacientes adultos ambulatoriais com grande variedade de problemas clínicos, crianças e adolescentes e seus familiares, pessoas com atrasos no desenvolvimento, idosos, pessoas com problemas de saúde mental de longa duração e medicina comportamental. Espero que este livro seja um texto apropriado para outras pessoas utilizarem em cursos similares. Meu interesse próprio em distúrbios do desenvolvimento irá, sem dúvida, aparecer em alguns momentos. Trabalhar no campo dos distúrbios do desenvolvimento tem sido uma área fértil para a análise funcional, mas espero que meus esforços para fazer um livro aplicável no trabalho clínico, com qualquer população ou problema, tenham sido bem-sucedidos e úteis para psicólogos clínicos trabalhando em qualquer campo.
Um objetivo particular é o de destacar as implicações de pesquisas para o dia a dia da prática clínica e vice-versa. Como alguém que tem ido da prática clínica para a vida acadêmica e retornado, que tem sido ativamente envolvido em pesquisas, ensinando e praticando, tenho consciência da frustração que terapeutas e estudantes podem experimentar ao acessar e utilizar as pesquisas na prática, assim como as frustrações que pesquisadores têm ao tentar influenciar a prática.
As raízes da análise funcional vêm de um longo caminho. Elas podem ser encontradas nos relatos de Darwin sobre a evolução, que influenciou o trabalho de Skinner (Skinner, 1989). Muito do início da sua aplicação para a psicologia clínica pode ser vista no trabalho de terapeutas comportamentais no final dos anos 1950 e 1960, como na releitura de textos clássicos de Ayllon e Azrin (1968) sobre economia de fichas. Muitos exemplares de análise funcional podem ser discernidos, incluindo analisar comportamentos de linha de base para identificar reforçadores e o uso de táticas construcionais para estabelecer comportamentos funcionais alternativos, a fim de substituir os comportamentos indesejáveis, mal adaptativos indiretamente.
Embora a análise funcional tenha estado conosco há um longo período, grandes mudanças têm ocorrido nos últimos anos. Elas incluem mudanças tecnológicas, como métodos de avaliação melhores e mais explícitos da função do comportamento, assim como alguns refinamentos conceituais. Desde o início dos anos 1980, têm-se desenvolvido novos questionários, formatos de entrevistas, métodos observacionais e estratégias para profissionais e pesquisadores utilizarem. O desenvolvimento dessas novas tecnologias tem sido rápido, e seus impactos continuam sendo avaliados. Exemplos encorajadores de produções transpostas, de uma área da prática clínica para outra, estão começando a aparecer. Por exemplo, Kearney e Silverman (1990) desenvolveram a primeira pesquisa sobre autolesão em pessoas com distúrbios do desenvolvimento como base para a construção de tecnologias para avaliar as funções da recusa escolar em crianças e adolescentes sem distúrbios do desenvolvimento.
A análise funcional tem se desenvolvido em muitos campos diferentes, desde a psicologia criminológica (Gresswell & Hollin, 1992) até a projeção de ambientes de vida em naves espaciais (Brady, 1990). É difícil para o terapeuta e para o pesquisador acompanharem o desenvolvimento em seu próprio campo, assim como em campos externos. Um dos propósitos deste livro é reunir essa literatura e destacar algumas semelhanças que podem ser encontradas em diferentes contextos, para congregar as inúmeras tecnologias que já estão disponíveis para uso.
Assim como fornecer um compêndio de ferramentas de avaliação e procedimentos para uso em análise funcional, este livro também revisa a literatura sobre análise funcional em diferentes áreas. Uma distinção importante está entre os métodos e processos de análise funcional (Mash, 1985). Ocorreram grandes avanços nos métodos da análise funcional, muitos dos quais precisam ser completamente testados quanto à sua precisão, confiabilidade e validade ao influenciar no delineamento do tratamento. Contudo, progressos importantes foram claramente observados. Em contrapartida, o processo de análise funcional foi relativamente ignorado.
Isso dá origem a uma importante questão da pesquisa e da prática. Terapeutas e, de fato, assistentes técnicos podem ser rapidamente treinados para utilizar os métodos de análise funcional. Apesar disso, o processo de desenvolver e utilizar a análise funcional tem sido negligenciado. Aliados à questão do processo estão os aspectos de eficiência, economia e custos. Os serviços, tanto públicos quanto privados, são cada vez mais conscientes dos custos e sensíveis a questões de responsabilidade. Essas questões estão intimamente ligadas à aplicação da análise funcional na prática clínica e precisam ser abarcadas em pesquisas futuras.
PARTE I
INTRODUÇÃO E REVISÃO DA LITERATURA
Capítulo 1
ANÁLISE FUNCIONAL: UMA INTRODUÇÃO
Uma tarefa comum, enfrentada por qualquer terapeuta, é a avaliação de um problema clínico para determinar qual a intervenção apropriada para modificar os comportamentos-problema, os pensamentos ou os sentimentos. Um problema clínico pode estar relacionado a um indivíduo, a um grupo ou a uma organização. Em quaisquer desses casos, o terapeuta realiza o mesmo procedimento: decide que informação coletar, delineia o problema, decide as ações a serem tomadas e avalia as mudanças. Esse problema e a análise funcional como um sistema de resolução de tais problemas configuram o tema deste livro.
Neste capítulo, a base conceitual da análise funcional é revisada. Um contexto histórico da área é apresentado. As diferentes definições e conotações são ilustradas ao rever as explicações alternativas de análise funcional. Finalmente, uma visão geral do livro é apresentada na última seção deste capítulo.
ABORDAGENS ESTRUTURALISTAS E FUNCIONALISTAS
Diferentes abordagens têm sido frequentemente consideradas para o problema delineado. Uma distinção em relação a esse problema tem sido comumente feita entre as abordagens estruturalistas e funcionalistas (Haynes & O’Brien, 1990). Abordagens estruturalistas são exemplificadas por diagnósticos de personalidade e explicações psicodinâmicas do comportamento humano. Aqui a ênfase é colocada sobre a classificação correta da forma do comportamento. Alguns exemplos incluem as classificações psiquiátricas, tais como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), a avaliação de tipos de personalidade, ou a demarcação de um determinado estágio de desenvolvimento psicológico. Todas estas explicações procuram olhar para o padrão de comportamento de uma pessoa e classificá-lo em uma variedade de tipos pré-determinados.
Abordagens estruturalistas têm tido sucesso considerável na Fisiatria. Em doenças agudas, a estrutura de um problema apresentado, a causa do problema e o tratamento sugerido estão todos estreitamente ligados entre si (ver Figura 1.1).
Figura 1.1. Um modelo de diagnóstico estruturalista simplificado
Figura 1.2. Modelo de diagnóstico estruturalista simplificado aplicado à uma doença simples
Modelos de diagnóstico estruturalistas têm sido muito bem-sucedidos em tratamentos de quadros agudos. Enfermidades agudas, tais como infecções bacterianas ou fraturas, prestam-se prontamente a esse modelo mais simples, no qual um diagnóstico eficaz e um entendimento correto do processo da doença predizem satisfatoriamente o tratamento (ver Figuras 1.2 e 1.3). Contudo, mesmo dentro da medicina, problemas crônicos com múltiplos riscos associados e importantes componentes biocomportamentais, tais como obesidade, hipertensão ou doença arterial coronariana, não se enquadram prontamente a tal modelo. No caso de doenças psiquiátricas complexas e distúrbios comportamentais, tem sido observado pouco sucesso no uso desse modelo. Ainda existe considerável controvérsia sobre a confiabilidade da classificação psiquiátrica (Zwick, 1983). Além disso, causas únicas e discretas não têm sido determinadas ou relacionadas ao tratamento e prognóstico de forma simples. Assim, a adequação da explicação estruturalista para determinar um tratamento tem sido frequentemente questionada.
Figura 1.3. Modelo de diagnóstico estruturalista simplificado aplicado a um problema psicológico/psiquiátrico
Abordagens funcionalistas do comportamento enfatizam o propósito do comportamento para a pessoa (Goldiamond, 1974, 1975a). Essas abordagens atribuem importância e frequente destaque ao papel que os eventos ambientais desempenham na causa, controle e manutenção do comportamento. Também evidenciam uma aproximação idiográfica da avaliação de cada problema. Ou seja, estão interessadas na análise e tratamento do comportamento do organismo individual em vez de um diagnóstico de grupo. As abordagens funcionalistas do comportamento retiram a ênfase na forma em que o problema é apresentado e direcionam a atenção para a função que o comportamento pode ter para o indivíduo. Elas enfatizam o mapeamento da função, ao invés da forma, para os problemas do tratamento. Assim, problemas apresentados com diferentes formas podem ser vistos como conceitualmente similares e implicarem em intervenções similares. Por exemplo, análises funcionais de uma pessoa idosa com doença de Alzheimer que deliberadamente cai, e de uma criança que choraminga e se agarra a seus pais, podem mostrar que ambos os comportamentos são mantidos por atenção inapropriada. Ambos podem exigir tratamentos muito similares, mesmo que os diagnósticos implicados sejam muito diferentes.
Exemplo de Caso
Um exemplo de análise pela abordagem funcionalista é ilustrado por um estudo de caso breve, descrito por Bergman (1976). Um garoto de 7 anos de idade foi encaminhado com um diagnóstico de hiperatividade. Ele havia acabado de iniciar tratamento com metilfenidato para hiperatividade. Durante a avaliação, seus pais descreveram que eles sempre tinham problemas em colocá-lo para dormir. Sua mãe o descreveu como uma criança nervosa
. Anteriormente, seu médico havia recomendado que ficasse acordado o quanto quisesse, de forma que eventualmente ele se cansaria e cairia no sono. Essa estratégia falhou, então o médico recomendou tentar o uso de metilfenidato.
Uma entrevista com os pais revelou que eles permitiam que o garoto dormisse junto com eles todas as noites. Desse modo, sua hiperatividade
era realmente um comportamento social operante. A intervenção inicial foi um procedimento de extinção. Seus pais foram instruídos a colocá-lo em sua cama imediatamente, com o mínimo de interação toda vez que a criança viesse para o quarto deles, não importando quantas vezes isso acontecesse. Dentro de duas semanas, sua hiperatividade no período noturno havia cessado. A hiperatividade
no período diurno foi igualmente tratada com um procedimento de extinção. Sua mãe foi instruída a não o tratar como uma criança nervosa
e a permitir que ele brincasse livremente. Nos seis meses de acompanhamento, não houve recorrência da hiperatividade noturna e o garoto preferia agora brincar livremente com seus pares em vez de ficar o dia todo ao redor da mãe.
Neste estudo, a abordagem estruturalista do médico pode ser contrastada com a abordagem funcionalista do terapeuta comportamental. O médico está preocupado em fazer um diagnóstico correto como critério para selecionar um tratamento farmacológico indicado para aquele diagnóstico. O terapeuta comportamental não está tão preocupado com o diagnóstico. Em vez disso, a ênfase é colocada no entendimento dos determinantes ambientais do comportamento. O ambiente é então modificado baseando-se na melhor hipótese acerca da natureza do comportamento.
RAÍZES HISTÓRICAS
A ideia do funcionalismo tem uma longa história na ciência e na filosofia, que remonta há mais de 2000 anos (Haynes & O’Brien, 1990). Exemplos do funcionalismo podem ser descobertos em campos diversos tais como sociologia, antropologia e biologia. Não é coincidência que Skinner inspirou-se muito em Darwin. Darwin perguntava Por que os tendilhões dos Galapagos têm diferentes tamanhos de bicos em diferentes ilhas?
, o que indicava que ele gostaria de saber qual a função ou a vantagem evolucionária de apresentarem tamanhos de bicos diferentes nas diferentes ilhas. Do mesmo modo, um cientista comportamental pode perguntar Qual a função destes comportamentos aparentemente patológicos para essa pessoa? Qual é a vantagem destes comportamentos para terem sido selecionados pelo ambiente?
. Skinner faz, repetidamente, referência a semelhança entre seleção natural e psicologia operante (Skinner, 1989):
Comportamento... é o produto de três tipos de seleções, a primeira das quais, a seleção natural, é o campo da etologia. O segundo, o condicionamento operante, é o campo da análise do comportamento. O terceiro, a evolução das contingências sociais de reforço, chamamos cultura... (p. 27).
O vocabulário e as metáforas da psicologia operante são claramente emprestados da teoria da evolução. Desse modo, entende-se que o ambiente seleciona o comportamento. A remoção do reforço leva à extinção do comportamento. Comportamentos operantes são selecionados, observados em unidades e extintos. Formas mais complexas de comportamento evoluem gradualmente. Para mais detalhes, uma discussão mais aprofundada da evolução do comportamento durante o tempo de vida de um organismo pode ser encontrada em Glenn, Ellis e Greenspoon (1992) e Glenn e Field (1994). Entende-se que o trabalho de psicólogos skinnerianos dos anos de 1950 e 1960 formam a base dos interesses atuais em análise funcional.
No Reino Unido, uma contribuição importante foi feita por Monty Shapiro. Ele desenvolveu uma série de metodologias que permitem avaliar repetidamente um problema do cliente (Shapiro, 1966, 1970). Seus métodos de medidas possibilitam que uma variedade de comportamentos-alvo sejam monitorados diária ou semanalmente. Essa noção de medidas repetidas, por meio da análise das variações do comportamento no dia a dia e das possíveis causas, foi uma importante contribuição. A noção de estudar intensamente as variações do comportamento de um cliente ao longo do tempo foi uma contribuição valiosa de Shapiro para as abordagens funcionalistas, assim como o estudo rigoroso de um único rato ou pombo durante um processo de aprendizagem, como realizado pelos analistas experimentais do comportamento.
Finalmente, o trabalho de Israel Goldiamond sobre táticas construcionais é outra contribuição importante para a análise funcional (Goldiamond, 1974, 1975a, 1975b). Táticas construcionais são aqueles métodos de intervenção que se pautam na noção de que o comportamento-problema é um comportamento que, embora seja aflitivo para o cliente ou para pessoas significativas de seu convívio, produz com sucesso consequências desejáveis e lógicas que não são produzidas pelo comportamento adaptativo da pessoa. Goldiamond estava preocupado tanto com a ecologia de comportamentos múltiplos de uma pessoa, mais do que focalizando uma única resposta ou problema, quanto com a ecologia social na qual o comportamento do indivíduo ocorre. A faceta mais conhecida da explicação construcional centra-se na ampliação de repertórios atuais de comportamentos adaptativos e no desenvolvimento de novos repertórios. Assim, o foco de uma explicação construcional não é tratar o comportamento-alvo diretamente, mas dar suporte e aumentar comportamentos alternativos funcionalmente equivalentes.
Goldiamond também identificou o papel do insight dentro das contingências que controlam o comportamento do cliente como um componente primordial do tratamento. Assim, a noção de expor a análise funcional para o cliente, como uma forma de tratamento, pode ser encontrada nos escritos de Goldiamond.
QUESTÕES CONCEITUAIS
Embora exista uma literatura empírica relativamente vasta sobre análise funcional em psicologia clínica, o desenvolvimento teórico e a análise conceitual do termo têm surpreendentemente recebido pouco reconhecimento e não são bem conhecidos. Foram realizadas poucas revisões destas questões. O leitor pode consultar o trabalho de Haynes e O’Brien (1990) para uma revisão mais recente e compreensiva, e uma descrição dos apontamentos iniciais pode ser observada no trabalho de Owens e Ashcroft (1982). Uma revisão concisa é apresentada por Jones (1983). Um debate interessante sobre a natureza das análises funcionais pode ser visto em uma série de artigos de Samson e McDonnell (1990), McDonnell e Samson (1992) e Jones e Owens (1992).
Um problema que persistentemente tem aparecido na literatura refere-se ao uso de vários termos diferentes apresentados como mais ou menos equivalentes ao termo análise funcional
. Em outros momentos, o mesmo termo tem sido utilizado com conotações ligeiramente diferentes por diferentes autores. Hynes e O’Brien (1990) elencam análise funcional do comportamento
, avaliação comportamental
e formulação de caso comportamental
como alguns dos termos utilizados. Para aumentar a confusão, poucas definições explícitas do termo análise funcional
, além das apontadas por Haynes e O’Brien, têm sido apresentadas. Estas definições têm incluído: (a) afirmações relativas à forma matemática da relação entre diferentes variáveis; (b) afirmações relativas à função ou propósito do comportamento; (c) uma abordagem ateórica, genérica, para avaliação e formulação de caso; (d) uma análise funcional eclética, descritiva; (e) uma análise funcional comportamental, descritiva; (f) o uso do termo exclusivamente para manipulações experimentais de variáveis, com o objetivo de mostrar relações funcionais entre comportamento e ambiente; e (g) a análise funcional como um método de tratamento ou componente do tratamento. Estas sete conotações do termo análise funcional
serão revisadas a seguir mais detalhadamente.
Relações Matemáticas entre Variáveis
Análise funcional é um termo usado para descrever um ramo abstrato da matemática. Esse ramo descreve a relação entre variáveis, ao remover detalhes desnecessários do conteúdo de um problema. Entretanto, existem periódicos de matemática, tais como Functional Analysis e Journal of Functional Analysis, que não têm qualquer relação com psicologia clínica. Dentro desse contexto, uma análise funcional é simplesmente descritiva. A causalidade não é necessariamente implicada.
Analogias clínicas desse tipo de análise funcional são evidentes. Questões típicas de avaliação, tais como Onde o problema ocorre?
ou Quando o problema é mais grave?
, levantam informações sobre a maneira pela qual as variáveis estão relacionadas ao(s) problema(s) comportamental(is). Considere a afirmativa comer compulsivamente durante o final de semana raramente acontece antes das 16 horas, e é mais provável de ocorrer progressivamente das 16hs às 21hs
. A afirmativa constituiria esse tipo de análise funcional. Ela simplesmente descreve a forma da relação entre a hora do dia e a compulsão alimentar. Não faz qualquer inferência sobre o objetivo do comportamento da pessoa que come compulsivamente ou sobre qualquer possível causalidade.
Este aspecto de análise funcional tem sido desenvolvido por Haynes, que chama a atenção para o fato de que a análise funcional entre variáveis pode ter formas distintas (Haynes, 1988; Haynes & O’Brien, 1990). Análises funcionais lineares simples são possíveis, como a probabilidade de comer compulsivamente, para esse cliente, aumenta no transcorrer do dia
. Contudo, análises funcionais podem ser mais complexas que isto. A forma de uma análise funcional pode ser linear, quadrática, em forma de U
ou de qualquer outra forma. Por exemplo, alguém pode dizer que a frequência de comer compulsivamente aumenta dramaticamente (quadraticamente) das 16hs às 21hs e então reduz dramaticamente (quadraticamente) e permanece próximo a zero das 23hs da noite até às 15 horas
.
Os comportamentos podem ter causas múltiplas e as causas podem variar entre indivíduos e no tempo. Por exemplo, uma pessoa com agorafobia e ataques de pânico pode ter ataques de pânico principalmente quando está em situações sociais nas quais pode ser criticada ou quando pensa sobre tais situações. A probabilidade de uma crise de pânico pode aumentar quando a pessoa se encontra numa maior condição de estresse, a título de exemplo, quando trabalha com prazos. Múltiplas causas podem ser adicionadas ou relacionadas. Por exemplo, uma pessoa pode reagir de forma inadequada em uma reunião com seu chefe, mas se essa reunião ocorrer poucos dias antes do prazo de entrega de um relatório, ela pode reagir catastroficamente, com apresentação de ataques de pânico extremamente intensos e longos. As causas também podem ser bidirecionais (Haynes, 1988). Owens e Ashcroft (1982) apontam para a importância da identificação do ciclo de feedback dentro de uma análise funcional. Por exemplo, uma pessoa que teme a incompetência social e críticas de outros pode ficar ansiosa na presença de um desconhecido. Isso pode levá-la a agir estranhamente na presença de outras pessoas. A outra pessoa pode então fazer perguntas para ver se ela está bem. Isso pode fazer a pessoa ficar ainda mais ansiosa e incompetente socialmente. Esse é um exemplo de um ciclo de feedback positivo (Owens & Ashcroft, 1982).
Haynes e O’Brien (1990) refinaram estas ideias mais profundamente a fim de esclarecer a natureza das variáveis que podem estabelecer a análise funcional. Os autores notaram que algumas variáveis funcionais são causais e outras são correlacionais. Algumas são controláveis ou modificáveis. Outras não são. Algumas variáveis são importantes em magnitude, enquanto outras são triviais. Análises funcionais são probabilísticas em vez de determinísticas. Análises funcionais também não são excludentes. Isto é, uma relação entre duas variáveis não impossibilita relações entre estas e outras variáveis.
Análises funcionais são transitórias e podem variar com o tempo. Por exemplo, as variáveis relacionadas ao início de um problema podem não ser as variáveis relacionadas ao seu desenvolvimento posterior ou a sua manutenção atual. Por exemplo, há evidências empíricas de que as funções dos comportamentos de autolesão em pessoas com atrasos no desenvolvimento podem mudar ao longo do tempo (Lerman, Iwata, Smith, Zarcone, & Vollmer, 1994). Isso pode estar associado a recaídas, uma vez que o tratamento inicial, indicado pela primeira análise funcional, não é mais apropriado.
Variáveis independentes podem ser necessárias, suficientes, necessárias e suficientes para as mudanças, ou meramente correlacionais. Assim, identificar as variáveis que realmente causam um problema clínico pode ser muito difícil, uma vez que no ambiente natural podem existir outras variáveis que estão correlacionadas à verdadeira causa. Por exemplo, uma pessoa com agorafobia associada a ataques de pânico pode descrever ataques de pânico quando deixa a sua casa. Contudo, ela somente consegue sair de casa quando acompanhada por seu cônjuge. Além disso, ela descreve que recentemente tentou sair de casa, apenas para visitar uma irmã, que vive a uma distância equivalente a uma caminhada de aproximadamente meia hora da sua casa. Nessa situação, não fica claro se os ataques de pânico são causados por algum aspecto perceptual associado com deixar a casa, como ver o céu aberto, a possibilidade de encontrar estranhos que a avaliem negativamente, o comportamento do marido quando tenta sair, ou pensamentos sobre o que pode acontecer ao chegar à casa da irmã. Haynes e O’Brien (1990) vão adiante, afirmando que relações funcionais também podem ter limites dentro dos quais estas relações são mantidas, e além dos quais elas podem mudar ou ser inaplicáveis. Por exemplo, uma pessoa pode reagir exageradamente às críticas sociais somente quando vivencia momentos de depressão. Quando não está deprimida, ela pode ser capaz de ignorar as críticas sociais com facilidade.
As variáveis funcionais podem ser variáveis em nível macro, tais como classe social ou etnia, ou ser variáveis a nível micro, tais como frequência de críticas sociais. Finalmente, relações funcionais causais exigem que as variáveis causais sempre precedam o evento causado. Isto é, uma condição necessária, mas não suficiente, para a causalidade.
Esta análise levou Haynes e O’Brien (1990) a definir análise funcional como a: identificação de relações funcionais importantes, controláveis, causais, aplicáveis a um conjunto específico de comportamentos-alvo para cada cliente
(p. 654). Assim, a aplicação clínica de análises funcionais não tenta descrever todas as relações entre variáveis relevantes. Aquelas que são de magnitude trivial e que não podem ser modificadas são excluídas, com o objetivo de simplificar o quadro e identificar aquelas variáveis que poderiam ser modificadas