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Jogo de linguagem e a ética ferencziana
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Jogo de linguagem e a ética ferencziana
E-book201 páginas5 horas

Jogo de linguagem e a ética ferencziana

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Sobre este e-book

Nas palavras de Danilo Marcondes, que assina o prefácio do livro: "Ludwig Wittgenstein, na filosofia da linguagem, e Sándor Ferenczi na psicanálise, são dois dos pensadores mais originais do século XX. Mas, nunca houve um encontro entre ambos e muito provavelmente ignoraram as obras um do outro pela diferença de área e por circunstâncias do contexto, embora fossem praticamente contemporâneos. Flora Tucci promove esse encontro através de temas que possibilitam uma interação inovadora e produtiva entre os pensamentos desses dois autores que torna possível um diálogo não realizado, mas que, como o leitor verá, não só faz todo o sentido, mas abre novos caminhos de interlocução e de desenvolvimento para questões cruciais na filosofia e na teoria psicanalítica. Suas leituras e sua experiência clínica permitem uma rara e profundamente original articulação entre temas e autores que não encontramos relacionados na literatura especializada em ambas as áreas, filosofia da linguagem e psicanálise. "
IdiomaPortuguês
Editora7Letras
Data de lançamento14 de jan. de 2021
ISBN9786559050154
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    Jogo de linguagem e a ética ferencziana - Flora Tucci

    Sumário

    Agradecimentos

    Wittgenstein e Ferenczi: o jogo de linguagem paciente/terapeuta – Danilo Marcondes

    Introdução

    Capítulo 1 – Ferenczi, ética e jogo linguagem

    Capítulo 2 – Jogo de linguagem

    Capítulo 3 – Jogos de linguagem na obra ferencziana

    Capítulo 4 – A ética em Ferenczi

    Considerações finais

    Referências bibliográficas

    Texto de orelha

    Quarta capa

    Sobre a autora

    A Khalid (o meu mais importante leitor)

    e Francisco Salomão, meus grandes amores.

    Aqueles que resgatam a linguagem da ternura em mim.

    Agradecimentos

    São tantas pessoas que vêm a cabeça neste momento dos agradecimentos. Amores e encontros profundos que me transformaram ao longo do tempo. Certamente citar a todos será uma tarefa impossível, então, faço um agradecimento geral aos meus grandes amigos e familiares.

    Os agradecimentos mais específicos são para: Danilo Marcondes pela generosidade e parceria de tantos anos. E, principalmente, pelo apoio e confiança de que este trabalho seria possível. À Jô Gondar, que, ao longo dos anos, foi (e é) a minha principal guia nos estudos mais profundos da obra de Ferenczi, proporcionando-me um caminho instigante de reflexão teórica e clínica. A Omar Salomão com sua contribuição multifacetária de artista, poeta, editor e leitor. A Leonardo Câmara, irmão de destino, que experimenta junto o amor por Ferenczi. A Octavio Bonet e André Stock, que acreditaram antes de mim mesma que esse livro poderia se tornar realidade. Aos meus pacientes, fonte de inspiração e afetos.

    Wittgenstein e Ferenczi: o jogo de linguagem paciente/terapeuta

    Danilo Marcondes

    Não há um único método filosófico, mas há métodos como diferentes terapias.

    [Wittgenstein, Investigações Filosóficas § 133]

    Ludwig Wittgenstein, na filosofia da linguagem, e Sándor Ferenczi na psicanálise, são dois dos pensadores mais originais do século XX. Mas nunca houve um encontro entre ambos e muito provavelmente ignoraram as obras um do outro, pela diferença de área e por circunstâncias do contexto, embora fossem praticamente contemporâneos.

    Flora Tucci promove esse encontro através de temas que possibilitam uma interação inovadora e produtiva entre os pensamentos desses dois autores, que torna possível um diálogo não realizado, mas que, como o leitor verá, não só faz todo o sentido, mas abre novos caminhos de interlocução e de desenvolvimento para questões cruciais na filosofia e na teoria psicanalítica. Suas leituras e sua experiência clínica permitem uma rara e profundamente original articulação entre temas e autores que não encontramos relacionados na literatura especializada em ambas as áreas, filosofia da linguagem e psicanálise.

    Por que essa relação é importante e que contribuição pode trazer para esses dois campos é a pergunta que nos guia e que deve necessariamente ter múltiplas respostas. Podemos ver a psicanálise como teoria através de sua formulação inicial com Freud, e, no caso que nos interessa aqui, em seu desenvolvimento bastante original por Ferenczi. Mas este é sobretudo um grande inovador, pela maneira como desenvolve na técnica psicanalítica seu modelo de relação entre analista e paciente com uma maior ênfase na interação entre ambos do que a preconizada por Freud. Há um verdadeiro jogo de linguagem wittgensteiniano entre terapeuta e paciente, e é nisso que se encontra a originalidade da proposta de Ferenczi. Mas o que é esse jogo de linguagem e em que medida podemos entender essa interação com base na metáfora, ou mesmo no modelo, do jogo? É Wittgenstein que nos permitirá tratar dessa questão.

    Como nos mostra a autora, Wittgenstein foi um filósofo altamente inovador ao romper com sua primeira versão da filosofia analítica da linguagem, apresentada no Tractatus Logico-Philosophicus de 1921. Nas Investigações filosóficas, publicadas postumamente em 1953, Wittgenstein apresenta uma visão alternativa à do Tractatus e se afasta de seu primeiro pensamento, chegando mesmo em um determinado momento a se referir ao "autor do Tractatus" (§ 23) como se fosse alguém distante, com quem não mais se identificasse.

    É nas Investigações que Wittgenstein apresenta o que seria sua principal contribuição a uma nova visão sobre linguagem, rompendo com o formalismo e o logicismo da concepção então dominante ao introduzir o jogo de linguagem (Sprachspiel) como novo modo de compreender a linguagem em uso, valorizando a linguagem de nossa experiência, a troca entre falante e ouvinte, em oposição ao papel central atribuído anteriormente à estrutura lógica da proposição e sua relação com o real.

    Um jogo é, em geral, sempre jogado entre pelo menos dois parceiros, dois interlocutores, mas é crucial que se entenda a linguagem também como linguagem não verbal, ou seja, como toda forma de interação, produtora de significado, que recorre ao uso de signos. Do gesto à vestimenta, tudo significa, e são esses processos de significação que se tornam fundamentais para a terapia psicanalítica – e é através deles com frequência que o inconsciente se manifesta.

    O significado se constitui através de um jogo de que participam os falantes. A metáfora do jogo – ou talvez mais do que metáfora, o modelo do jogo, porque tem um caráter interpretativo – permite ressaltar a interação, apresentando a linguagem como um processo dinâmico em que nada está pronto ou concluído e em que o significado se constitui de diferente maneiras. Cada jogo tem suas regras, mas o conceito de regra não deve ser visto de forma rígida como a regra de cálculo ou a regra sintática em nossa gramática (Investigações, § 81). Regras são procedimentos que nos permitem interagir, negociar as formas de relação entre os participantes do jogo, e que não possuem um formato único, mas se definem pelos próprios participantes do jogo, seus objetivos ao jogar e os elementos de que dispõem para isso. Com frequência as regras não estão fixas e determinadas, mas temos apenas linhas gerais que vão dar origem a aplicações específicas. Podemos improvisar desde que nosso parceiro aceite isso e também o faça, fazemos as regras na medida em que jogamos (Investigações §83). Com frequência podemos começar um jogo sem saber onde vamos chegar e sem necessariamente supor um ganhador e um perdedor.

    É essa matriz interpretativa da regra do jogo que se revela proveitosa na teoria e na técnica psicanalíticas. Uma sessão psicanalítica pode ser vista nesta perspectiva como um jogo de linguagem em que dentro dos contornos mais gerais da teoria psicanalítica e de seus conceitos fundamentais definimos, terapeuta e paciente, a forma pela qual jogamos, nossas estratégias discursivas, em uma relação que envolve um engajamento no jogo e também, principalmente, uma empatia entre os jogadores.

    Há muitos jogos, de cartas principalmente, mas também de xadrez, em que os jogadores devem esconder o jogo, mas para os jogadores que já antecipam isso, esconder o jogo é também uma forma de jogar, de definir estratégias discursivas e de ao menos até certo ponto contar com a empatia do outro jogador, mesmo em um contexto de conflito. Nessa perspectiva a técnica psicanalítica adquire uma nova dimensão e permite abrir novos caminhos de reflexão e de aplicação.

    É para o entendimento dessa relação, de sua especificidade na sessão psicanalítica e mais amplamente na técnica terapêutica psicanalítica, que ocupa um lugar central para Freud e onde Ferenczi foi inovador, que a autora traz um novo elemento de importância crucial e uma de suas principais contribuições, se não a mais importante. Trata-se da ética, da dimensão ética da relação entre terapeuta e paciente. Ou seja, da necessidade de se pensar essa relação, mesmo que particularmente assimétrica, como essencialmente ética. Mas ética tornou-se para nós um termo excessivamente amplo e, por isso, vago. Aqui, contudo, se trata de pensar uma ética da psicanálise e nesse sentido interpretar a prática psicanalítica como tendo uma ética própria, que consiste essencialmente no reconhecimento mútuo entre paciente e terapeuta como parte de um processo interativo que, como dissemos, tem suas próprias regras, que vão se constituindo e sendo negociadas na medida em que o jogo é jogado. O elemento ético mais original em Ferenczi consiste em dar ao paciente um papel mais ativo e mais integrante do ato de jogar, assumindo um desempenho mais dinâmico e, portanto, mais responsável pelo que ocorre no jogo da experiência clínica. Ao mesmo tempo, cada jogo é um jogo e uma nova sessão é um novo jogo, seja com o mesmo paciente ou com outros. Mas as experiências do analista e do paciente vão sendo constituidoras do jogo, de seus efeitos e consequências, como as regras que fazemos quando jogamos.

    A discussão wittgensteiniana das regras, parte central de sua concepção de jogo de linguagem, ilumina de forma privilegiada o jogo da terapia psicanalítica, na medida em que a autora soube trazê-la para a análise do pensamento e da prática de Ferenczi. Nesse aspecto o Diário Clínico tem uma importância central; o caráter ético dessa relação pode ser ressaltado. Mais do que uma reiteração da relevância da ética, frequentemente encontrada, trata-se aqui de uma proposta efetiva de sua aplicação prática e de sua importância concreta na clínica diante de dilemas que o terapeuta enfrenta constantemente.

    É raro encontrarmos essa articulação entre pensamento filosófico, teoria psicanalítica e prática clínica, tendo como questão unificadora a preocupação com a ética, ou seja, a formulação de uma ética da psicanálise. A autora levanta essa questão, relativamente ainda pouco discutida, e aponta através de sua reflexão caminhos possíveis para o desenvolvimento de uma proposta nesse sentido. Sua formação filosófica, sua formação psicanalítica e sua experiência clínica trazem elementos fundamentais para o tratamento desse tema. O domínio pela autora de uma ampla bibliografia em ambas as áreas deixa claro seus conhecimentos sobre o status quaestionis, tomando esses conhecimentos como solo para o desenvolvimento de sua própria proposta interpretativa inovadora. Isso lhe permite ir além das questões tradicionalmente tratadas quando se aproxima filosofia e psicanálise, geralmente relacionadas à linguagem e à subjetividade. Daí a relevância de trazer a questão da ética para a discussão.

    A aplicação de teorias filosóficas a outras áreas do pensamento e da prática tem sido rara entre nós e constituiu um desafio constante para o desenvolvimento de uma efetiva reflexão interdisciplinar, muito discutida, mas pouco realizada de forma efetiva.

    Não se trata aqui, portanto, apenas de um trabalho comparativo, o que no caso já seria um imenso esforço, mas efetivamente de uma proposta de articulação entre elementos fundamentais do pensamento de dois grandes autores, o que consiste em um grande desafio, cujo resultado, a meu ver, extremante produtivo em sua complexidade, o leitor poderá julgar a partir de diferentes perspectivas.

    Introdução

    Ao longo do desenvolvimento deste trabalho,¹ muitas vezes me foi questionado como seria possível propor uma interlocução entre Ferenczi e Wittgenstein. São autores sobre os quais não se tem muita notícia de articulações e que, a despeito de terem sido contemporâneos, não se encontraram. Inicialmente pode parecer estranhamente híbrido, mas penso que o ponto de articulação aqui proposto é um campo fértil, onde ambos os pensamentos se potencializam. Um grande amigo, André Stock, me colocou que possivelmente não se trata de hibridismo, mas de crítica. Cito suas palavras:

    Poderia dizer que o antônimo de hibrido é puro. É justamente contra uma certa ‘pureza’ – nem falemos da teologia! – que se dá a sua demanda ética. Assim, eu seria menos polida: o que você chama de hibrido é crítica, escrutínio, exame, tudo aquilo que Husserl e Descartes chamam de operação de derrocada necessária do edifício das vaidades alheias, para a reconstrução do novo. Isto é, o trabalho antidogmático da filosofia.

    Penso que esta observação capta um ponto importante de inspiração e desafio: desenvolver um trabalho onde a filosofia é tomada como uma ferramenta de leitura do pensamento ferencziano. Uma certa derrocada do edifício das vaidades, propondo o que poderia ser tido como uma simples aplicação do jogo de linguagem proposto por Wittgenstein. Mas defendo que esta simples aplicação é um forte exercício de colocar a filosofia em movimento e articulação com uma certa dimensão prática, tendo em vista que a leitura aqui proposta de Ferenczi tem como elemento central sua clínica.

    A perspectiva ferencziana nos meus primeiros estudos chegou de forma que as reflexões se mantiveram instigantes, mas ao mesmo tempo estranhamente fragmentadas, como algo que não estava no lugar certo, que precisava se ajustar para fazer sentido. Contudo, quanto mais me aproximava desse pensamento, mais entendia que esse elemento inicialmente estranho era próprio da escrita ferencziana, e a concepção de jogo de linguagem de Wittgenstein apresentou-se como uma ferramenta de compreensão e fluidez para essas leituras. O intuito é que se possa mostrar os meandros desse percurso e abrir caminho, a quem interessar, para novas experiências e leituras.

    Com o trabalho já em estágio avançado – mesmo que possa parecer um pouco óbvio –, notei que o ponto principal de inspiração para aproximar Ferenczi e Wittgenstein,² na perspectiva aqui proposta, é a questão da linguagem. Em ambos, a linguagem está presente de modo central. Mas se trata da linguagem numa perspectiva em que lhe é tirada qualquer força transcendente, estrutural ou de primazia. Linguagem que perde sua função primordial de habilidade humana, que seria o que nos define como seres racionais, dotados de algo que os animais não têm, que nos permite experimentações que nenhum outro ser experimenta.

    A linguagem em ambos os trabalhos pode ser entendida como uma ferramenta que permite aos autores se relacionarem de forma viva, dinâmica, com suas obras e leitores. Autores que desnudam símbolos e metáforas, elementos esses que levariam a uma elaboração que torna a palavra rebuscada, refinada. Autores que aproximam a linguagem do agir, da prática. Que desdivinizam³ a linguagem e, assim, a nós, seres humanos.

    Nesse sentido, é pertinente notar a citação de uma passagem de Nietzsche apresentada no início do artigo Fenômenos de materialização histérica (uma tentativa de explicação da conversão e do simbolismo histérico) (Ferenczi, 1919): Percorreste o caminho que vai do verme ao homem, e, sob muitos aspectos, ainda és verme. Noutro tempo fostes macaco e hoje o homem é ainda mais macaco do que todos os macacos (Ferenczi, 1919, p. 43). Algo de primitivo é posto em centralidade: vermos em nós, seres humanos, aspectos que desfocam a nossa dimensão de seres evoluídos claramente distinguidos pela nossa capacidade linguística verbal e que, inversamente, nos mostram como dotados de uma linguagem que está inserida e misturada com todas as etapas de nossa experimentação como seres vivos.

    Dessa forma, faço um convite para buscarmos, como nos propõe Wittgenstein em suas Investigações filosóficas (Wittgenstein, 2001a), um fazer filosófico que questione a necessidade de um rebuscamento de conceitos ou ideias:

    (...) E isto estava, sem dúvida, em conexão com a própria natureza da investigação. É que

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