Missão para todos: Introdução à missiologia
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Sobre este e-book
Nesta nova edição revista, atualizada e ampliada, o padre João Panazzolo acrescenta a novidade missionária revelada a partir do Documento de Aparecida e do pontificado do papa Francisco, bispo de Roma e missionário da cultura do encontro e da misericórdia.
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Missão para todos - Pe. João Panazzolo
APRESENTAÇÃO
A serviço do Evangelho
Temos que agradecer a Deus pelo livro: Missão para todos – Introdução à missiologia, de autoria do Padre João Panazzolo. Esta obra é fruto de uma vida a serviço do Evangelho, do anúncio da Boa-Nova da paz (cf. At 10,36).
O autor tem se dedicado a animar a dimensão missionária da evangelização e exerceu com zelo, durante anos, a sua vocação de colocar-se a serviço dos missionários, especialmente como responsável pelas Pontifícias Obras Missionárias no Brasil. Nesse período, demonstrou suas qualidades de organizador do Centro Missionário em Brasília e de constante promotor das iniciativas de animação do ideal missionário, não só em nosso país, mas para estimular a colaboração da Igreja no Brasil, além-fronteiras
. Seu entusiasmo tem marcado a generosidade crescente de sacerdotes, religiosos(as) e leigos(as) que hoje exercem sua dedicação missionária nos mais variados países.
O livro do Padre Panazzolo reúne o fruto da especialização missiológica, das reuniões e assembleias que promoveu ou das quais participou, e apresenta os elementos indispensáveis para a compreensão da vocação missionária do povo de Deus e a história de sua caminhada no Brasil e na América.
Conhecemos bem os benefícios que Deus tem concedido à Igreja com a realização dos Congressos Missionários Latino-americanos (COMLAs), desde 1977, que muito contribuíram para despertar a consciência missionária e aprofundar a reflexão teológica e pastoral em nossas comunidades.
É com prazer e gratidão que recordo o momento em que, no final do COMLA IV (8 de fevereiro de 1991) em Lima, no Peru, os bispos representantes do Brasil aceitaram, com júbilo, que a sede do COMLA V fosse no Brasil. Essa decisão se deve muito à coragem e ao zelo pessoal do Padre João Panazzolo.
A realização do COMLA V, em Belo Horizonte, de 18 a 23 de julho de 1995, tornou-se o marco referencial mais forte para o crescimento da dimensão missionária. Em especial, recordemos o incentivo à Infância Missionária, que tanto bem vem fazendo nos últimos anos. Desde então, as Igrejas no Brasil vão se abrindo sempre mais ao zelo na propagação da fé e na cooperação fraterna com os outros países.
A bela obra do Padre João é uma homenagem aos muitos e dedicados missionários do Brasil, e há de contribuir para a animação de novas vocações a serviço do Evangelho.
Deus, por intercessão de Nossa Senhora de Guadalupe, recompense o caro irmão pelo grande benefício espiritual que seu livro há de oferecer a todo o povo de Deus.
† Luciano Mendes de Almeida (1930-2006) Arcebispo de Mariana – MG
INTRODUÇÃO
Esta é uma edição revisada, atualizada e ampliada que busca apresentar a novidade missionária revelada a partir do Documento de Aparecida e do pontificado do Papa Francisco. Nosso Papa contribui na leitura mais atenta deste livro, levando em conta seu dito da Igreja em saída
. Na visita apostólica ao Brasil, em 2013, já convocava todos os jovens a ir sem medo em missão
. Além disso, visa atualizar o registro histórico dos Congressos Missionários Latino-americanos e Americanos, apresentando as respectivas contribuições de cada um.
Missão, Missões, Santas Missões Populares, evangelização, evangelizar, missionários e missionárias, Infância Missionária, Pontifícias Obras Missionárias, Dia mundial das missões, Dimensão Missionária da CNBB, Diretrizes da Ação Evangelizadora do Brasil, Conselho Missionário Nacional (Comina), Conselhos Missionários Regionais (COMIRES), Conselhos Missionários Diocesanos (COMIDIS), Conselhos Missionários de Seminaristas (COMISES), Conselhos Missionários Paroquiais (COMIPAS), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Congregações Missionárias, Missão Ad Gentes e Além-Fronteiras, Vocações Missionárias, Missiologia, Congressos Missionários Latino-Americanos (COMLAS) e Americanos (CAMS), Hora Missionária, Igrejas Irmãs e Igrejas Solidárias, a Missão da Igreja na Amazônia, Pastoral dos Nômades, dos Migrantes (SPM), dos Brasileiros Emigrados (PBE), dos afrodescendentes, e tantos nomes mais estão presentes na vida e organização da Igreja missionária no Brasil, da Igreja essencialmente missionária que existe para evangelizar. Toda essa linguagem tornou-se muito familiar pelo re-despertar da vocação missionária de todo batizado.
Mas, o que é missão? O que entendemos por missão? O que é missiologia?
Missão para todos pretende, na simplicidade, ajudar as pessoas de boa vontade, agentes pastorais e de movimentos, jovens e crianças (Infância Missionária), presbíteros e religiosos, Comunidades Eclesiais, casas de formação religiosa, seminaristas e estudantes de Teologia a continuarem descobrindo o sentido da missão e da missiologia. A viver a espiritualidade missionária e conhecer a caminhada da organização missionária da Igreja, no Brasil e na América.
A missão do Redentor continua viva e precisa de todos. E todos temos necessidade de palavras e de testemunhos animadores. Não tenha medo, pequeno rebanho. Eis que eu estou convosco todos os dias
, estas são as palavras de Jesus a todo missionário e missionária hoje.
Jesus Cristo, Palavra Eterna no seio do Pai, por meio da qual todas as coisas foram criadas (cf. Jo 1,3), junto com o Espírito que, no princípio da criação, pairava sobre as águas (cf. Gn 1,2), na plenitude do tempo
(Gl 4,4), se fez homem e habitou entre nós
(Jo 1,14). Jesus é o enviado do Pai, o missionário.
Jesus de Nazaré, cheio do Espírito, veio trazer vida plena para todos, evangelizar os pobres, para a libertação universal, proclamando o tempo da graça. Passou fazendo o bem, buscou a todos e a todas, acolhendo e congregando na unidade, à imagem da mesma união e comunhão que vive com o Pai e o Espírito. Completada a sua missão, segundo a vontade do Pai, ofereceu a sua vida em sacrifício. O Pai o glorificou ressuscitando-o dos mortos. Vencedor da morte, possuindo todo o poder no céu e sobre a terra, enviou os discípulos a completar sua mesma missão em toda a parte em todos os tempos.
Os discípulos partiram e comprovaram a autenticidade da missão proclamando o nome de Jesus, convocando à conversão.
O que devemos fazer? Perguntavam os ouvintes de coração contrito. Arrependam-se e sejam batizados em nome de Jesus Cristo. E uniram-se a eles, formaram comunidades e eram perseverantes em ouvir a Palavra, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Esta comunhão continua com o testemunho: nós todos somos testemunhas
(At 2,32). Como o Mestre, testemunhavam com a própria vida: foram presos, caluniados, perseguidos e martirizados, desde Estevão, o primeiro mártir, Tiago, Pedro e Paulo, os apóstolos e tantos mais.
O dinamismo missionário foi acontecendo pelas conversões, adesões na fé e no testemunho vivo nas primeiras comunidades das quais conhecemos alguns nomes: primeiramente a de Jerusalém, de Antioquia, de Tiro e Sidônia, de Damasco, Lido, Jafa, Cesareia, Derbe, Listra, Icônio, Antioquia da Pisídia, Filipos, Lídia e Trôade, Éfeso e Colossos, Esmirna e Filadélfia, Tessalônica, Bereia, Atenas, Corinto, Malta, Pozzuoli e, enfim, Roma. É provável que fossem mais, pois o cristianismo chegou, desde o princípio, ao sul: Alexandria do Egito, Líbia, Tunísia; e para o norte: Sicília e Espanha. E outras regiões: Ponto, Galácia, Ásia, Bitínia, Capadócia, Dalmácia... A chama e a paixão pela missão nunca se apagou na história e no tempo, até hoje, em nossas Igrejas particulares, sujeitos da missão.
A missiologia, elaboração sistemática da missão, é ainda jovem. Missão para todos apresenta, no primeiro capítulo, uma introdução desses dois aspectos essenciais na vida e na missão da Igreja: missão e missiologia. Apresenta também uma breve visão dos principais documentos pontifícios missionários.
A missão fundamenta-se na Trindade, que se revelou na paciente e progressiva pedagogia de Deus e na vontade salvífica universal. A missão é dirigida a todos: Ide por todo mundo...
. Eis o primeiro elemento essencial da missão, o universalismo. A missão dirigida a todos é o horizonte sem horizontes da missão a todos os povos e em todos os tempos e com todos os batizados e batizadas. A Igreja Sacramento da Salvação; Jesus, o enviado do Pai, na força do Espírito Santo; e Maria, missionária no mistério de Cristo, educadora e pedagoga do Evangelho, são o conteúdo do capítulo dois.
No capitulo três, A missão do Redentor
, apresenta em síntese os conteúdos da Evangelii Nuntiandi, na celebração dos trinta anos, e os quinze anos da Redemptoris Missio. Conclui com as palavras de Bento XVI, primeiro Papa eleito no século XXI. O Papa Bento XV, primeiro Papa eleito no século XX, iniciou o século das missões
. Confiamos que seja este um sinal profético para a missão do nosso século.
Dimensões da mesma e única missão refletem aspectos da missão como vida e apoio à vida; missão como comunhão e as relações com Deus, com os irmãos e irmãs e com a natureza; missão como com-paixão, solidariedade, urgência e salvação e a dimensão abrangente da missão como profecia compõem o capítulo quatro.
Missão e martírio, elementos inseparáveis da mesma missão, são o tema do capítulo cinco. Mística e espiritualidade missionária, mística e missão, o que é mística, a espiritualidade e sua dinâmica experiencial apresentam-se no capítulo seis. O capítulo sete, Missão para todos
, conclui os principais elementos teológicos da missão: Missão dirigida a todos, segundo o mandato universal de Jesus, e missão por meio de todos, com especial fundamento do protagonismo dos cristãos leigos e leigas na missão.
Impossível fazer missão sem ter presente o sujeito da missão, a própria pessoa humana, criada à imagem de Deus. O que é o homem e a mulher? O primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da missão é o homem/mulher
– é o que afirma João Paulo II na Redemptor Hominis. Antropologia da missão, antropologia missiológica e a dimensão comunitária da evangelização são conteúdos do capítulo oito.
O capítulo nove é totalmente novo nesta edição revisada e atualizada; trata do testemunho de vida do Papa Francisco, bispo de Roma missionário. No decorrer deste capítulo é apresentada uma breve biografia, ressaltando aspectos relevantes de sua vida para a missão, programática e paradigmática, e a fundamental contribuição para a elaboração do Documento de Aparecida. Também merece um ensejo as cartas e mensagens com grande ardor missionário, convidando a todos para serem alegres por evangelizar à luz de Jesus Cristo. Por fim, é apresentado o eixo fundamental para sua compreensão missiológica, a saber, a cultura do encontro e a da misericórdia.
O capítulo dez, iluminado pela Palavra de Jesus, após a multiplicação dos pães, dos quais mandou recolher os pedaços – colligite fragmenta ne pereant –, recolhe os grandes momentos, passos, esforços, eventos, desafios da organização da caminhada missionária no Brasil e na América. Quer prestar homenagem aos operários da messe da primeira hora, que suportaram o peso do dia e do calor, nos primeiros passos da organização missionária em nosso país e continente. Medellín (1968) foi um maravilhoso esforço de encarnar o Concílio na América Latina. Diante do Decreto Conciliar Ad Gentes, sobre a atividade missionária, surge a pergunta: Por que não existe um documento missionário em Medellín? A resposta aparece na atividade específica dos organismos e forças missionárias que prepararam a terceira Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Puebla (1979). Elaboraram o Panorama Missionário que foi o subsídio decisivo para a convocação da Hora Missionária para nossas Igrejas. O crescimento da dimensão missionária, a partir de Puebla, foi marcante. Os Congressos Missionários Latino Americanos – COMLAs – e os Congressos Americanos – CAMs – são reflexo dessa convocação, junto com muitas outras iniciativas de missão inculturada e sem fronteiras, surgidas em nossas Igrejas. Permanecem desafios atuais e novos.
Todos esses conteúdos deste livro, Missão para todos, nasceram diante de apelos de evangelizar e da necessidade de uma prática de evangelização missionária. São conteúdos utilizados e testados em muitos encontros de formação de evangelizadores em todo o Brasil, mostrando-se práticos e eficientes. Muitos participantes dos Encontros de Formação para Animadores de Infância Missionária – EFAIM –, assembleias do COMINA, COMIREs, COMIDIs, COMISEs, muitos evangelizadores e, agora, leitores se sentirão identificados com esses conteúdos. Sintam-se, pois, coautores e colaboradores deste livro Missão para todos, a quem agradeço e dedico esta obra missionária.
Capítulo 1
MISSÃO E MISSIOLOGIA
A missão só tem uma origem: tudo brota do coração do Pai, o amor fontal
. A fonte da missão é o projeto de Deus Pai, que é amor. Esse projeto do Pai é a criação, ou seja, é a vida, vida comunicada. É a criação do mundo, do homem como centro, do casal humano, isto é, do homem e da mulher para viver a comunhão e humanizar a criação, enchendo-a de vida. Deus chama este ser humano a viver a comunhão com Ele, a participar plenamente de sua vida.
O projeto de Deus Pai se concretiza no envio de seu Filho ao mundo. Deus tanto amou o mundo que entregou o seu Filho único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna
(Jo 3,16). Jesus veio para que todos tenham vida para sempre.
Realiza-se, também, o projeto do Pai no dom do Espírito Santo. O Espírito nos faz filhos, à imagem do Filho amado, que nos ajuda a clamar Abbá, Pai, a fonte da vida.
O sentido da palavra missão
é simples e claro: pela etimologia significa enviar
. É o envio de uma pessoa ou de pessoas para um determinado lugar ou situação com uma determinada finalidade ou tarefa, para uma pessoa ou mais. Esse sentido etimológico, propriamente, não especifica o caráter da missão. Não tem, ainda, nenhum envolvimento vital. Pode exprimir tarefas diversas relacionadas a diferentes dimensões da vida social, cultural, política, religiosa, espiritual... É necessário, pois, ver a natureza ou o caráter da atividade/tarefa que o enviante
confia ao enviado
. Deve-se também determinar o destinatário
. Por isso, o conceito de missão é mais amplo, mais envolvente, principalmente para a dimensão religiosa, para o cristianismo. A missão compreende a pessoa, que envia com uma mensagem; o enviado, que deve anunciar ou testemunhar; e o destinatário, a quem é enviada a mensagem.
A missão no Antigo Testamento refere-se a uma realidade bem determinada. É uma escolha ou eleição de algumas pessoas, por parte de Deus, e o envio para outras pessoas com uma mensagem a transmitir ou uma atividade para realizar. O destinatário dessa mensagem é, em geral, o povo de Deus. Às vezes, o enviado vai além dos limites do povo de Deus, para levar a mensagem às nações ou a pessoas individualmente. Os exemplos mais claros são o de Moisés e dos Profetas: O Deus de vossos pais me enviou até vós. Assim dirás aos filhos de Israel: ‘Eu sou aquele que me enviou até vós’
(Ex 3,13-14). Quem hei de enviar? Quem irá por nós? Ao que respondi: ‘Eis-me aqui, envia-me a mim’
(Is 6,8; cf. 19,20). A quem eu te enviar, irás, e o que eu te ordenar, falarás
(Jr 1,7; cf. 26,15). Ele me disse: Filho do homem, vou enviar-te aos filhos de Israel, a esses rebeldes que se rebelaram contra mim. Envio-te a eles para que lhes digas: ‘Assim diz o Senhor Javé’
(Ez 2,3-4). Na missão dos profetas, existe sempre uma relação estreita com a Palavra de Deus.
No Novo Testamento, o conceito de missão, no sentido de enviar, é expresso por diversos verbos, entre os quais, em grego, apostello e pempo são os mais frequentes. No primeiro, o sentido cai sobre o enviado que recebe uma missão: é o apóstolo. No segundo, refere-se à pessoa que envia: "Como o Pai me enviou (apostello), também eu vos envio (pempo)" (Jo 20,21). Esses dois verbos exprimem a ação do envio, e não o conteúdo da missão confiada ou recebida. Esse conteúdo é expresso por meio de outros verbos: anunciar, pregar a conversão (cf. Mc 3,1; Lc 3,3), proclamar o Reino (cf. Lc 9,2), Jesus, a Palavra de Deus (cf. At 13,5), o Filho de Deus, (cf. At 9,20), o Cristo Ressuscitado (cf. 1Cor 2,14; 15,12.14).
A missão, no Novo Testamento, refere-se, primeiramente, ao Pai, que envia Jesus, o Enviado, para fazer a vontade de Deus Pai e consumar a sua obra (cf. Jo 4,34); e ao envio de Jesus dos doze e dos outros discípulos e discípulas para serem suas testemunhas e anunciarem o Evangelho a todas as nações, até os confins da terra. A missão expressa, antes de tudo, a missão de Jesus, em sua origem na Trindade, do Pai, pelo Filho Jesus, no Espírito Santo, a partir do mistério da encarnação e da redenção, mistério pascal, para a salvação plena de toda a humanidade, comunicado à Igreja missionária, como enviada a caminho.
Numa fundamentação ampla, segundo os textos bíblicos no Antigo e no Novo Testamentos, a missão é a manifestação de Deus na criação, na condução da história até a salvação definitiva e universal, pois essa é a vontade salvífica de Deus. Escolhe e elege algumas pessoas e as envia para que, conscientes dessa realidade, a transmitam aos demais. A missão é a ação do mesmo Deus que, na plenitude dos tempos, envia o seu Filho Jesus, no Espírito Santo, feito homem por nosso amor, morto e ressuscitado; é o Senhor, presente na Igreja até o fim dos tempos. A finalidade da missão é anunciar, testemunhar a experiência do amor de Deus que se manifesta na criação, na história e, de modo novo e definitivo, na vida, morte, ressurreição e glorificação de Jesus, o Redentor da humanidade.
Os discípulos e discípulas de Jesus, que viram e contemplaram o Senhor vivo e ressuscitado e se alegraram por ver o Senhor (cf. Jo 20,20) e, com o coração ardendo, saíram para anunciá-lo (cf. Lc 24,32-33), foram enviados em missão por Jesus. A Igreja, desde seu início, teve consciência da necessidade de proclamar a alegre notícia de Cristo, testemunhando-o em toda parte até o sacrifício da própria vida. Esta foi a ordem de Jesus:
- Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura
(Mc l6,l5).
- Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei
(Mt 28,19-20).
- Recebereis uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra
(At 1,8).
Nesse espírito de fidelidade a Cristo, Salvador de todos, a Igreja procurou sempre responder a esta nobilíssima vocação de ser portadora da Boa-Nova e ser sacramento universal da salvação (cf. LG 48).
Guiada pelo Espírito Santo, desenvolveu sua missão, na alegria e no testemunho, até o martírio. A missão é uma realidade da qual a Igreja não pode se omitir, visto que ela é por natureza missionária. O envio missionário era e é uma questão vital, e a missão foi primeiramente prática. A Igreja nasceu e viveu a missão antes mesmo de saber o que era a missão. A experiência de vida, do estar com Jesus
, era seu anúncio e testemunho. Assim como a vida: começa-se a respirar mesmo antes de saber como é o funcionamento dos pulmões.
A reflexão sistemática, de caráter teológico, é mais recente. O estudo sobre missão e evangelização, em certo sentido, sempre existiu, em toda a história da Igreja, pois é a participação e a continuação da mesma missão e ação evangelizadora de Jesus. O que se diz é que, por muitos séculos (até o fim do século XIX, começo do século XX), não existia um estudo teológico sistemático da missão como parte integrante da formação teológica. Temos muitos escritos e testemunhos sobre as missões e a longa e heroica história das missões, com tantos nomes, por demais conhecidos, de missionários, de santos e santas e também de mártires.
São Francisco Xavier e Santa Teresinha do Menino Jesus não foram declarados padroeiros das missões, por suas teologias sistematizadas da missão, mas por suas vidas, santidade, escritos e testemunhos de paixão missionária. Santa Teresinha registrou em seus escritos: Gostaria plantar a cruz de Cristo nos cinco continentes. Visto que não posso, eu serei missionária pela oração e sacrifício. Quero amar a Deus e torná-lo amado. Na Igreja, minha mãe, serei o amor
.
Adotou dois irmãos
missionários e os acompanhou através da oração e de mensagens de ânimo missionário. O Papa Pio XI a declarou padroeira das missões juntamente com São Francisco Xavier. E João Paulo II a declarou doutora da Igreja, da ciência e do amor.
Não se pode esquecer os esforços de estudos e de pesquisas, como as reflexões de Raimundo Lullo (1315), de Tomás de Jesus (início do século XVII) e a criação da Congregação de Propaganda Fide (1622) que, após o Vaticano II, tomou o nome de Congregação para a Evangelização dos Povos. Mas uma reflexão específica, nós a encontramos somente no início do século XX. Não existia uma disciplina que se chamasse teologia da missão ou missiologia.
A missiologia é a ciência teológica que estuda a realidade missionária no seu conjunto e nos seus diversos elementos. Em outras palavras, é a disciplina teológica que se ocupa das missões da Igreja sob a luz dos princípios da revelação divina, da doutrina teológica, conjugando-se com os tratados mais importantes: a Trindade, a cristologia, a eclesiologia. Conta com conhecimentos humanos e antropológicos e de outros aspectos relacionados, pesquisados, cientificamente elaborados, sistematizados e metodologicamente apresentados. É decisivo para a missiologia manter a parceria com outras disciplinas.
A missiologia é ainda uma ciência jovem. O grande despertar missionário, nos últimos séculos, e a atividade missionária da Igreja católica e de tantas comunidades protestantes produziram muitos bons frutos de evangelização em todo o mundo e, ao mesmo tempo, favoreceram a reflexão teológica, desenvolvendo a missiologia. Esta, por sua vez, tornou-se uma fonte de inspiração para o crescimento da consciência missionária, não só no campo teórico, mas em toda a ação evangelizadora e missionária. A missiologia confronta-se com a realidade missionária vivida e sobre a qual reflete. De outra parte, ocupa-se dos aspectos propriamente teológicos que estão presentes em toda a atividade missionária.
Nos poucos anos da ciência missiológica, formaram-se diversas escolas, conforme a acentuação de um ou de outro princípio fundamental a que davam preferência: Chamar à conversão e à fé para chegar à salvação era a característica da escola alemã, com J. Schmidlin; a escola belga, com Pe. Charles, acentuava a implantação da Igreja; o crescimento do corpo místico segundo a escola espanhola, com J. Zameza, e outras... Aos poucos, não sem dificuldades, atingiu-se uma harmonia e síntese com o Concílio Vaticano II.
Um dos primeiros iniciadores da missiologia, entre os protestantes, foi Gustav Warneck (1834-1910). Ele é considerado o iniciador da missiologia moderna. Em 1886, foi o primeiro professor de missiologia, não só na Alemanha, mas em todo o mundo.
A obra de Warneck influenciou o católico Joseph Schmidlin (1876-1944), considerado o pai da missiologia no campo da teologia católica. Inicia, em 1911, com uma revista missiológica e a fundação, em Munique (Alemanha), de um Instituto Internacional para pesquisas missiológicas. Em 1914, Schmidlin cria a primeira cátedra de missiologia e torna-se o primeiro professor da matéria. Lança a primeira revista missionária. Robert Streit (1875-1930) dá continuidade e publica o primeiro volume da Bibliotheca Missionum (1916). Estes dois são, certamente, os pioneiros da teologia sistemática da missão, que se revelou fecunda. As questões missiológicas e missionárias tiveram um grande desenvolvimento com as revistas missionárias e os manuais de missiologia. Organizaram-se encontros e semanas dedicados à