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O Pintor de Almas
O Pintor de Almas
O Pintor de Almas
E-book455 páginas6 horas

O Pintor de Almas

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Sobre este e-book

UMA HISTÓRIA DE TERROR E SUSPENSE COM QUE VOCÊ TERÁ MEDO NO ESCURO E NO SILÊNCIO!

Trecho do livro: “Havia vivido várias vezes a mesma situação com outras pessoas, e mesmo que parecesse ser igual, eu não chegava a me acostumar. O primeiro rasgo da minha alma já estava sobre a tela. Era apenas questão de dias...”

Sinopse:
Desde sempre a vocação de Jeremias tinha sido estampar a realidade, com a pintura e com o desenho. Porém, seus pais nunca haviam apoiado essa faceta dele.
Num dia, sua vida mudou, quando um homem apelidado de “O Músico Louco” apareceu num mercado para fazê-lo ver o talento como artista que ele tinha em seu interior. Com seus dons, Jeremias se apresentou para ser o pintor da corte do rei, num concurso multitudinário.
Apesar da grandiosidade do prêmio, o jovem pintor percebeu que seu talento não era suficiente para que o monarca ficasse satisfeito. Isto fez com que ele recorresse a alguém mais velho que o mundo, um ser das trevas com que ele jamais havia sequer sonhado, pondo e perigo não somente sua própria existência, mas também a de seus entes mais queridos.
De nada serviriam suas lamentações, pois o mal era capaz de usar qualquer pessoa para atingir seus objetivos...

O que você encontrará por dentro?
1 Aborde a vida de dois artistas.
2 Puro terror, suspense e mistério.
3 Dois períodos de tempo no tempo saltam.
4 Demônios e conspirações.
5 Uma narrativa diferente.

O que os leitores dizem:
“'O pintor das almas pode ser abordado de diferentes perspectivas. Desde o simples prazer de ler uma história de horror até entender os comportamentos morais daqueles que transgridem as normas humanas. Do perfil psicológico e individual, ao social e ao grupo. Do amor arte, ódio e fadiga na busca da perfeição”, revista Cuatro Bastardos.
“Linguagem simples, descrições precisas e um enredo que prende e deixa você grudado nas páginas do livro sem que você saiba muito bem como tudo vai acabar”, blog Tejiendo en Klingon.
“Um argumento escrito com saltos no tempo que dá um toque magistral e diferenciador”, Carlos Gran, autor.
“Uma história que te pega, que lê quase sem perceber. Original, ágil, bem conectado aos dois mundos em que a trama se desenrola”, Angelica Martínez, leitora.
“Uma leitura divertida e viciante. A história mantém a intriga do começo ao fim. Cenários muito bem descritos. Adequado para jovens e adultos”, José María, leitor.
“De leitura ágil, onde se entrelaçam magistralmente o passado e o presente; o histórico e o fictício; o real e o inventado”, Belén Martín, leitora.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de fev. de 2023
ISBN9781547566020
O Pintor de Almas

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    O Pintor de Almas - Manuel Tristante

    O Pintor de Almas

    Manuel Tristante // Patricia Gómez

    ––––––––

    Traduzido por Laís Alves 

    O Pintor de Almas

    Escrito por Manuel Tristante // Patricia Gómez

    Copyright © 2020 Manuel Tristante // Patricia Gómez

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Laís Alves

    Design da capa © 2020 Manuel Tristante

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    O Pintor de Almas

    O Pintor de Almas

    Manuel Tristante

    Patrícia Gómez

    Patrícia Gómez

    Para você, para que sempre esteja ao meu lado.

    Manuel Tristante

    Para meus leitores, os que me acompanham desde o início

    e os que uni agora para que lessem minhas histórias.

    Índice:

    Prólogo.

    1.

    2.

    3.

    4.

    5.

    6.

    7.

    8.

    9.

    10.

    11.

    12.

    13.

    14.

    15.

    16.

    17.

    18.

    19.

    20.

    21.

    22.

    23.

    24.

    25.

    26.

    27.

    28.

    Epílogo.

    Prelúdio.

    Agradecimentos.

    Sejam sóbrios e vigilantes: porque vosso inimigo, o diabo, anda os circundando como um leão, na busca que possa devorá-los.

    I, Pedro 5, 8.

    Satanás sairá de sua prisão e enganará as nações que existem sobre os quatro cantos do mundo.

    Apocalipse 20, 7

    Prólogo

    A pintura tem vida própria, eu só faço com que ela aflore.

    Jackson Pollock

    ––––––––

    A casa ficava na zona mais pobre do reino. Era uma casa humilde, com paredes negras pelo efeito do tempo, da chuva e do mofo, que rangia com o vento. Excrementos de animais tomavam conta das ruas próximas. O lixo se amontoava junto as moscas bem na porta da casa. O fedor era insuportável e os ratos ocupavam a larga, de maneira até ferozes.

    Quando derrubaram a porta, encontraram o pintor sentado no chão, se retorcendo debaixo de uma estrela arcaica, rodeado de pincéis, pintura e velas. Seus olhos estavam brancos. O pintor se retorcia como as bestas, emitia sons estranhos e ainda saía uma espuma de sua boca.

    —Pela ordem de sua majestade, o rei Dominique III, você está preso pelo desaparecimento do príncipe Adrien. — o capitão da guarda real indicou com um gesto de cabeça que se apressassem.

    Os soldados se lançaram sobre ele. Quando suas mãos capturaram o homem, seu pescoço se dobrou para trás e gritou emitindo um som lancinante e inumano. Suas obras, quadros realistas de crianças, homens, mulheres e anciãos, os olhavam com gestos tristes e de pânico em seus rostos, e murmúrios de súplica envolvendo a habitação sem saber de onde procediam.

    —O rei nunca vai recuperar seu filho. Nunca! Agora não o pertence. Não mais. Não mais. NÃO MAIS!

    O pintor ergueu a cabeça olhando fixamente para o capitão.

    —Tirem ele daqui! Para o castelo! AGORA!

    Quatro soldados levaram o pintor para fora da casa e o levaram até o rei Dominique III sobre o olhar da multidão que se aglomerava na rua, murmurando. O céu pareceu se desgarrar e a chuva estava acompanhada de raios, e ele sumiu completamente.

    —Meu senhor, vamos sair daqui. Esse lugar me dá arrepios na espinha. — comentou um soldado jovem para o seu capitão, evitando voltar a olhar ao redor.

    —Vai embora, que depois vou.

    O soldado suspirou de puro alívio.

    —Tem certeza?

    —Vá embora.

    —Como queira, capitão.

    O capitão da guarda permaneceu só na casa. Depois de olhar bem ao redor, ele se aproximou de um dos quadros, o de uma mulher que estava sentada depenando uma galinha. Seu olhar estava fixado no espectador e não na tarefa que ela estava realizando, criando assim uma relação estreita entre a pessoa retratada e o espectador. Chorava. A vividez das pinceladas do pintor sobressaltavam aos olhos. As lágrimas brilhavam de tão reais. Um traço fino e sem titubeios. Não havia dúvida de que aquele homem sabia colocar alma em suas obras. Eram de um realismo extremo. Ele esticou a mão e aproximou seus dedos da tela. Justo nesse instante, a mulher abriu a boca e com uma voz de além-túmulo pediu ajuda.

    O oficial caiu de costas no chão, espantado. O que era aquilo? Vozes de lamento voltaram a se elevar. Virou a cabeça de um lado para o outro. As obras pareciam vivas. Os personagens retratados pediam ajuda entre prantos e gritos. Outros arranhavam a tela como se fosse uma janela da qual não podiam escapar.

    O medo se apoderou do homem. Que tipo de magia negra era aquela? Nunca em cinquenta anos havia visto algo assim. De repente, sentiu um calor debaixo das suas mãos. Olhou para o chão e comprovou que estava caído sobre o símbolo formado por uma estrela invertida circunscrita num círculo, e abaixo queimava uma espécie de avermelhamento estranho e um brilho amarelo.

    Pálido como o mais puro leite, o capitão abandonou a casa ouvindo ao seu lado uma risada fúnebre e não mencionou nada do que viu a ninguém.

    ***

    O réu levantou a cabeça na escuridão da cela, espremendo um sorriso macabro, motivado pelos ecos que eram emitidos pelas paredes da masmorra com os passos dos soldados. As masmorras pareciam cochilar sob um silêncio sepulcral. O homem moveu as mãos cobertas de sebo e os grilhões aos quais estava preso. Esboçou um sorriso. Um foco de luz de várias tochas, acompanhado pelo eco de passos, iluminou o lugar até que parou diante da cela do pintor.

    —Vamos, se levante, seu rato sujo! — exigiu o capitão da guarda real enquanto abria a fechadura. Se pôs de lado, e dois homens entraram para tirá-lo dali. O pintor não resistiu, mas não deixou de sorrir — Parece que agora não é tão valente? Não é? Preferiu se render? Já era hora de compreender que não tinha escapatória.

    O pintor olhou para o guarda por entre sua emaranhada cabeleira negra que lhe cruzava parte do rosto. Seus olhos estavam vermelhos como o sangue e seu olhar carregado de ódio.

    —Você será o próximo! — e cuspiu em sua cara.

    O oficial lhe acertou um soco em cheio, cortando seu lábio. O pintor riu.

    —Te verei no inferno.

    —Levem-no! Levem-no ao Pátio de Armas! — ordenou, tirando a escarrada de seu rosto, com nojo.

    Os risos do pintor se perderam escadas acima. O soldado pegou a tocha de seu companheiro, fechou a cela com raiva, e quando se dispôs a marchar, viu um símbolo estranho no chão, embaixo de onde o pintor havia permanecido sentado. Um símbolo antigo, traçado com sangue, o mesmo que haviam encontrado na casa do pintor, quando sob a ordem do rei foram tirá-lo de lá: a estrela invertida.

    ***

    O pintor foi arrastado até o centro do Pátio de Armas, rodeado por mais de cinquenta sentinelas. O rei, um homem com um abdômen avantajado, coração negro como a mais escura noite e barba com tons de cinza, ele passou por uma das portas que conduziam até a arena, mostrando toda a raiva em seu corpo.

    —O amarrem no poste. — ordenou com sua voz profunda sem afastar o olhar do maltratado preso.

    Seu corpo estava todo roxo. O sangue cobria toda a sua roupa. Tinha cortes aqui e ali. Todos os réus de suas masmorras tinham sido maltratados, golpeados até caírem rendidos; alguns tinham queimaduras nos braços e pernas até o ponto de ficarem com os membros inutilizados, e todos reclamavam de dor. Entretanto, aquele miserável daquele pintor não se rendia, nada soltava sua língua. Parecia tão frágil, e aguentava dor como se o próprio demônio o protegesse. Ainda mais, tinha métodos de tortura para fazê-lo falar. Não pararia com aquilo até que ele revelasse onde estava o seu filho, o futuro herdeiro. Já fazia meses desde o seu estranho desaparecimento. Tinham vasculhado em campos, casas, cavernas e os rios que circundavam o reino. Inclusive, tinha enviado vários soldados para as montanhas. E nenhum rastro. O rei não tirava de sua mente que o desaparecimento do seu filho tinha a ver com esse pintor estranho que parecia refletir a alma com seus pincéis, mas não havia convencido o soberano com seus retratos.

    O rei Dominique III tinha encomendado um retrato individual de cada membro de sua família e nenhum tinha lhe satisfeito. O traço do pintor, mesmo fino, sem vacilações, suave e aveludado com umas tonalidades esquisitas para a época, não conseguia retratar a essência dos retratados. Eram simples pinturas, nada mais. Mas o rei desejava que no futuro suas obras fossem admiradas, que vissem nelas, o brilho dos seus olhos que tanto lhe caracterizavam e mostravam sua testa, sua pele e seu porte com galhardia; a ternura e beleza de sua mulher, e a doce infância e inocência de seu pequeno.

    O pintor havia descartado obras de meses de trabalho, tentando cumprir com a ordem do rei. As pessoas decidiam que as obras eram reflexos dos seus monarcas, mas o rei não via assim. Tinha chegado a fustigar o pintor, tentando fazer com que através da dor, o seu dom conseguiria transcender e chegar ao que ele tanto desejava, mas nem isso parecia fazer com que o pintor conseguisse refletir com a pintura, os desejos do monarca.

    O rei se aproximou do pintor com os punhos apertados.

    —Vou te perguntar uma vez, maldito: Onde está meu filho?

    O pintor elevou o olhar, sem deixar de mostrar aquele sorriso dissimulado sobre a comissura de seus lábios.

    —Está onde você queria. — sussurrou, saboreando cada palavra. Mantinha o olhar.

    —Onde está o meu filho? — o rei rugiu, começando a perder a paciência. Esbofeteou o preso. — FALE DE UMA VEZ! O QUE VOCÊ FEZ COM ELE? SABEMOS QUE É O CULPADO POR SEU DESAPARECIMENTO!

    O retratista ergueu a cabeça com um olhar perspicaz.

    —Agora mostre o que sua majestade desejava.

    A impaciência do monarca se converteu em ira. Ele chegou perto da figueira e pegou um ferro em brasa. Encostou o ferro na coxa direita do pintor, que sentiu o calor abrasador do ferro rompendo os músculos de sua perna. Seus olhos se abriam aos poucos e o medo tomou conta de seu rosto. Se escutou água caindo e a calça do pintor estava encharcada entre sua perna e uma poça próxima a seus pés.

    —FALA! — encostou novamente o ferro na coxa e o cheiro de carne queimada subiu junto com o vento.

    Os olhos do pintor foram ficando cada vez mais abertos e se tornaram brancos. Não gritou, novamente, e riu, enquanto o suor escorria por seu rosto.

    —FALA! FALA! FALA! — com cada palavra que pronunciava, Dominique III introduzia o ferro em outra parte do corpo do pintor. O sangue brotava e o pintor ria.

    —Meu...meu senhor. Olhe! Ele está possuído. Isso é obra do Diabo! Ninguém aguenta tal tormento! — irrompeu na arena o capitão da guarda, espantado.

    O rei deu um passo para trás, observando como o corpo do pintor se contorcia entre espasmos e sorrisos. Entre o pânico e a cólera, o monarca estendeu os braços para trás com fúria, lançando um grito de dor, disposto a cravar o ferro no coração do homem, mas acabou errando.

    O pintor endereçou a cabeça para a esquerda e sussurrou:

    —Eu te adverti.

    O capitão da guarda levou as mãos a barriga onde o ferro se havia cravado. Queria dizer algo, mas suas pernas tremeram, se dobraram e ele caiu de joelhos e de sua boca saiu sangue, antes que ele tombasse para o lado, sem vida.

    O rei se deteve, observando o corpo do capitão da sua guarda, sem vida. Deu um passo para trás, tremendo.

    —Que tipo de monstro você é? — exigiu saber do pintor, enquanto este se retorcia sobre o mastro, sem parar de rir.

    —Sou aquele no que você me transformou. — sussurrou, recordando de onde havia surgido seu ódio.

    ***

    O retratista saiu do castelo na metade da noite. Arrastava seus pés, pesaroso e mal-humorado. De sua boca, saíam blasfêmias direcionadas ao rei.

    Havia sido, uma vez mais, uma jornada na qual não havia conseguido satisfazer novamente o rei com o seu trabalho. Começava a ficar cansado de perder seu tempo por uma miséria de ouro e não ver seu trabalho valorizado.

    —Jeremias! Jeremias! — o jovem se deteve e viu sair da taberna de Jean, le bouteux, o seu amigo Matias — Onde você vai com t-a-tanta... hip... pressa?

    Cheirava a álcool e mal podia se manter em pé.

    —Já voltou a beber?

    —Voltei a discutir... com... com minha... mulher. — Jeremias evitou que ele caísse ao chão.

    —Quando vai aprender que assim nunca será feliz?

    —Quando você entender que me obrigaram a casar sem... sem estar apaixonado. Hip!

    Jeremias revirou os olhos e levou seu amigo até sua casa. Ele mal compreendia como os pais de Matias obrigaram meses atrás o seu filho a contrair matrimônio com a filha do açougueiro, casamento que só tinha trazido discussões desde que o dia que o evento se tornou oficial.

    —E você? Por que tão aborrecido? — perguntou a Jeremias depois de vomitar nos pés da porta da casa.

    —O de sempre, Matias, o de sempre. Esse maldito balofo renega o meu trabalho. Ponho tudo em minhas obras e diz que continua sem se ver, nem a ele e nem a sua família, nas minhas telas. Que não vê a sua alma! Que são pinturas mortas! Pode acreditar nisso?

    —Com o seu dom, você faz, mas ele nunca, por orgulho..., vai ver. Hip! Sabe? Se vinga dele, onde mais vai doer... Quem sabe assim, ele aprecie as suas obras. Hip!

    A porta da casa se abriu e a esposa de Matias, enfurecida, pegou seu marido pelo pescoço e o jogou para dentro da casa sem nem mesmo se dignar a olhar para Jeremias, que foi quem fez com que ele regressasse para casa, assim ele foi pensando no que seu amigo disse, mesmo de brincadeira.

    ***

    —Minha paciência se acabou. Fale de uma vez ou deixarei de brincar e te degolarei.

    A cabeça de Jeremias não parava quieta. Dava voltas, com seus olhos brancos, blasfemando. Os guardas murmuravam, sobressaltados. Jeremias soltou uma gargalhada, sua rotação se deteve e ele cravou seus olhos leitosos no rei.

    —Se me matar, o que vai ganhar? Acaso vai ter seu filho de volta? Ha, ha, ha. Agora, uma mostra do que sua majestade disse que eu não conseguiria.

    O rei gritou, com angústia, ira e inquietação sem fim.

    —Tragam a roda de despedaçar e as telas de minha família, que esse malnascido fez!

    Os guardas acataram as ordens de seu rei e procederam começando a despir o pintor, deixando suas vergonhas descobertas e seu corpo magro com mais feridas, manchas roxas e sangue seco, e fora tudo isso, uma única estrela, mais antiga que a humanidade, em seu peito, apenas visível em meio a tantas feridas. O guardas o derrubaram com o rosto para cima, e os membros estendidos e atados a estacas de ferro. Abaixo do seu quadril, nos joelhos, nos cotovelos e nos punhos, colocaram pedaços de madeira. O carrasco subiu no patíbulo com a cabeça coberta, empunhando em sua mão um maço pesado. O pintor não parava de rir e maldizer.

    —Está louco! — exclamou a rainha entrando em cena e levando as mãos à boca, horrorizada.

    —Aina, vá embora, por favor! — ordenou seu esposo, perdendo a cor de sua pele ao vê-la ali.

    —Não quer que eu veja o que o homem de Deus faz a seu povo? Furioso!

    —Destroce seus ossos! — decretou o rei sem demora.

    O carrasco deu violentos golpes com a roda e se ouviu quando seus ossos começaram a quebrar, formando rios de sangue, carne e farpas. Pela primeira vez o jovem pintor gritou de sofrimento.

    —Não parem! Que morra de dor até que fale! E queimem seus quadros!

    Jeremias voltou a rir, lançado impropérios contra a rainha e o rei. Um bando de corvos se posicionou sobre as ameias ao redor e grasnaram, esperando para se lançar e dar um banquete. A fogueira aumentou sua chama conforme as telas do rei e da rainha se queimavam.

    —FALA AGORA! ONDE ESTÁ MEU FILHO?

    O pintor girou o pescoço de tal forma que os ossos rangeram até se partir. Olhou para o rei com uma horrenda expressão na cara e pronunciou:

    —É tarde demais! Não queria que minhas obras tivessem alma? Não queria que elas refletissem a alma do retratado?

    O grito de agonia da rainha fez o rei se virar e observar como sua esposa corria em direção ao fogo, onde entre as chamas o quadro do filho deles queimava, e com ele, seu próprio filho, preso em sua prisão de pintura e linho para toda eternidade. O menino pediu ajuda, mas nada puderam fazer. Quando o fogo devastou o quadro, a roda parou de girar e o corpo do pintor caiu destroçado. Ao longe, se ouviu um sino, os corvos grasnaram uma vez mais e começaram seu festim enquanto o rei e a rainha choravam a perda do seu filho.

    Encolerizado, o rei ordenou que todas as obras do pintor fossem queimadas, mas ninguém se atreveu. O próprio rei foi quem entrou na casa do pintor, com a tocha em sua mão, rasgou todas as obras e lançou a tocha. Justo quando estava saindo, ouviu uma risada demasiadamente familiar. Se virou, presa da loucura. Arrancou seus próprios cabelos, acreditando estar louco, e seu olhar se prendeu num lençol branco que cobria um quadro que o fogo não devorava.

    Qual foi sua surpresa quando ao retirar o lençol encontrou um retrato de corpo de inteiro do pintor, ao lado de um belo cachorro de pelo negro, e olhos vermelhos. O rei retrocedeu diante do sorriso que se formou nos lábios do pintor. Tropeçou e caiu no chão. Rodou para longe, a tempo para que as vorazes chamas não o consumissem.

    —O meu retrato refletirá tudo o que em seu quadro você disse não encontrar: a minha alma. — se ouviu da boca do pintor.

    O teto caiu.

    1

    ––––––––

    Elegi inconscientemente o caminho do cachorro na vida. Vou ser pobre. Vou ser pintor.

    Vincent Van Gogh

    ––––––––

    A mulher pegou seu telefone no bolso e consultou a hora mais uma vez. Eram 3:15 da madrugada. Nenhuma chamada. Tudo parecia estar bem.

    —Acha que eu deveria ligar para a minha mãe? Estou preocupada. — comentou passando a mão na cabeça. Desde que tinha saído de casa, a inquietude tinha tomado conta dela. O instinto maternal lhe dizia que era melhor não sair, ficar em casa e cuidar do seu filho. — Minha mãe já é grande para cuidar de um bebê.

    Seu marido colocou uma mão sobre sua perna esquerda. A apalpou e sorriu para tranquilizá-la.

    —Carol, meu amor, fique tranquila. Estamos falando disso semanas antes da festa. Sabe que a sua mãe vai cuidar bem do pequeno. — acendeu os faróis anti-névoa e colocou os limpadores de para-brisa no máximo — Além do mais, você também tem que ter um pouco de tempo para si mesma. E isso, já fez.

    Lá fora, chovia muito e a névoa começava a cobrir a calçada e ao redor. O bosque em volta não ajudava. As árvores propiciam névoas densas. Quem tinha tido a ideia de construir uma estrada em meio as montanhas? Sem chuva, já era impossível de transitar, com ela era como dirigir tendo vinte olhos no asfalto. Se não eram animais selvagens, era queda de rochas, ou névoa ou as terríveis curvas que serpenteavam pelo fim das montanhas.

    A mulher de cabelos castanhos olhou pela janela.

    —Não preste muita atenção, suponho que são coisas de uma mãe zelosa.

    —Toda mãe se preocupa com seu filho. Sabe que o menino está bem. Sua mãe te criou, e olhe para você, uma mulher formada. Alguma vez já te disse que eu ganhei o melhor troféu que sua mãe tinha em casa?

    Carol sorriu. Seu marido sabia como fazê-la sorrir e fazer com que ela se esquecesse das preocupações, ou pelo menos, tentava.

    —Te lembro que sou o único filho que meus pais tiveram.

    —Porque eles capricharam em você.

    Se aproximou para beijá-la, e justo nesse momento, perdeu o controle do carro. Carol gritou, sentindo o coração em sua garganta enquanto seu marido, pálido e horrorizado, tratava de controlar o veículo.

    Freou de repente, estabilizando o carro, ofegando e enxugando o suor frio da testa.

    —Você está bem? — se interessou, colhendo o rosto da mulher entre suas mãos.

    Carol tirou os cabelos do rosto, angustiada.

    —Sim, sim. Estou bem. Eu que deveria estar dirigindo. Você bebeu demais na festa.

    Seu marido fez sinal negativo com a cabeça.

    —Fiquei duas horas sem beber antes de pegar o carro. Você sabe que sou responsável, Carol.

    A mulher desviou o olhar, e começou a chorar, cheia de angústia.

    —Me leve para casa, por favor, Roberto; não estou bem.

    —Precisa de um ar?

    —Por favor, vamos para casa.

    Quando tinha aceitado ir à festa de reencontro de alunos do colégio? Logo no começo do ano, haviam avisado que a festa se realizaria nos primeiros dias de setembro. Roberto estava muito animado para se encontrar com seus amigos de infância; Carol também. Mesmo assim, ao começar o verão, a situação tinha mudado. Seu parto tinha se complicado, e graças ao imenso trabalho dos médicos, ela e seu filho estavam vivos. Desde esse instante, a obsessão em estar ao lado do seu filho estava presente dia após dia, e tinha sido muito difícil deixá-lo com sua mãe para ir para a festa, a mesma que tinha sido um horror, e que nem mesmo ela ou seu marido haviam desfrutado. Ela não tinha se sentido confortável. Tinha passado a maior parte do tempo olhando o celular. Roberto tinha ficado mais ocupado com ela do que recuperando o tempo perdido, contando piadas junto de seus velhos amigos.

    —Sinto muito, amor. — choramingou.

    —Ei, ei. Nada disso. Por que está pedindo perdão?

    —Porque sou uma estúpida e... E... Acho que devia ir... ! — parou, olhando para o bosque, vendo algo na névoa.

    —Ir para onde?

    Carol voltou o olhar para a frente, confusa.

    —Tem um... um psico... Cuidado, Roberto! Cuidado! — gritou, golpeando o painel bem no momento em que um enorme cão negro cruzava a calçada diante do veículo.

    Sobressaltado, sem saber o que ocorria, Roberto freou bruscamente, acompanhado de um giro brusco no volante. O veículo derrapou sobre o asfalto molhado e o carro perdeu o controle. Roberto tratou de recuperar o controle, mas não surtiu efeito. O veículo rodou pela calçada com retumbância, enquanto o casal se debatia e se machucava nas partes de metal dentro do veículo, até que finalmente pararam na sarjeta, mais abaixo.

    Carol, confusa, levou a mão a cabeça e apalpou a ferida que já brotava sangue aos borbotões. Olhou para seu marido, inerte ao seu lado. Começou a sacudi-lo, quando uma sombra se moveu diante do veículo, entre a chuva e a névoa. Era um animal. O enorme cachorro deu alguns passos à frente, se transformou num homem de aspecto horroroso, que lhe sorriu macabramente, sobressaltando-a.

    O veículo estalou em chamas justo no momento que o relógio marcava 3:33 e uma lágrima escorria pelo rosto de Carol, com um último pensamento em seu filho.

    2

    ––––––––

    "Quando começa uma pintura é algo que está fora de você.

    Ao terminar, parece que você se instalou dentro dela."

    Fernando Botero

    ––––––––

    O menino contemplava as brasas da lareira, deitado sobre o solo frio, enquanto sua mãe terminava de curtir as peles que devia entregar e sorria ao ver o seu rebento desfrutar.

    —Jeremias, não se cansa de esgotar seu tempo olhando o crepitar das chamas? — perguntou sua mãe, secando as mãos em seu avental surrado.

    O menino se virou, ficando de barriga para cima e riu.

    —Não, mãe. Eu gosto. Se prestar atenção, pode apreciar como cada vez fazem um som diferente. Parece música.

    A mãe sorriu, sacudindo a cabeça. Sempre teve claro que a imaginação do seu filho não tinha limites.

    —Por que não se entreter com outra coisa? Olha, seu pai deixou uns papéis que já não servem mais para nada. Por que não os usa? No outro dia, estava observando o velho trovador fazer aves com o papel. Tente.

    O menino deu de ombros e aceitou. Lembrou de vê-lo fazendo aves com papéis em desuso, uma arte aprendida no longínquo Japão segundo havia dito, e tinha pensado em fazer mais tarde, mas não havia se capacitado para aquilo, mas sim para outras tarefas.

    Suas bochechas estavam rosadas, mais do que normalmente estavam. As sardas salpicavam seu rosto de pele morena. Para sua idade, não era um menino muito alto e tampouco louco. A calma predominava seu corpo. Enquanto o restante das crianças da sua idade passava à tarde jogando depois de ajudar os pais, Jeremias preferia observar o crepitar das chamas, ver sua mãe trabalhar, ou simplesmente sentar e ver as horas passarem. Muitas pessoas o achavam estranho, mas ele era feliz assim.

    Jeremias pegou os papéis que sua mãe lhe falou e os manteve em suas mãos sem saber muito bem como começar. Sua mãe tinha lhe dado uma ideia, mas era algo que não lhe chamava a atenção para ficar entretido. Origami parecia fácil, mas quando outra pessoa fazia, e especialmente se não nascia de você. Preferiu desenhar. Ao contrário de fazer figuras, Jeremias passava dias desenhando, algo que realmente lhe chamava a atenção, mas frustrado, deixava de lado as ideias com umas representações amorfas da realidade.

    Voltou com os papéis para frente do fogo. Pegou um carvão da lareira em meio as cinzas e esperou que esfriasse. Expandiu os papéis bem próximos, no chão e continuou observando as brasas com o carvãozinho em sua mão. Sorriu. Em sua mente, apareceu a imagem de um homem mais velho entre os postos do mercado da aldeia vizinha, que ele tinha ido junto com seu pai, vender algumas hortaliças semanas atrás. O ancião tinha uma tábua e nela havia uma imagem que seus olhos viam com o carvão. Jeremias se sentou e ficou contemplando o desenho, maravilhado: o que ele via na tábua, era igual a realidade.

    Depois de ter o desenho pronto, o homem sacou uma bolsa com potes de tintas e pincéis, fazendo mistura com cores em outra tábua menor, assim começou a dar cor, embelezando os sentidos do menino. O pequeno não acreditava no que seus olhos viam; era magia. O pintor trabalhava a cor com uma sutileza e um carinho sublime. A pintura parecia formar parte do entorno. Sem mais, havia gente que parecia olhar para aquele trabalho com desprezo.

    —Gosta do que vê, menino? — lhe perguntou o velho, descansando.

    —Si...sim, senhor. — Jeremias enrubesceu — O que é isso que faz? Nunca vi nada parecido.

    —Isto? Se chama pintar.

    —P...pintar?

    —Sim. Pintar. Representar a realidade com isto. — lhe ensinou as pinturas e o menino ficou maravilhado — Não é algo com o que se possa viver, mas também não podemos viver sem fazer o que gostamos, e isso é levar para onde vou o reflexo de cada lugar que visito. É como comer, você sempre precisa. Hoje, não tenho esse luxo, mas pintar sim. O que a vida me tirou de um lado, me deu de outro.

    Jeremias não pestanejava escutando as palavras daquele homem que parecia ter vivido penúrias demais e mesmo assim sorria e agradecia por poder realizar aquilo que desejava.

    —Gostei do que você falou.

    O homem lhe sorriu e bagunçou seu cabelo de modo carinhoso.

    —Já pintou ou desenhou alguma vez? — Jeremias negou com a cabeça — Não sabe o que seu corpo está perdendo.

    —Nunca fiz, mas te prometo que a partir de hoje, pintarei. Sempre quis aprender coisas novas.

    —Gostaria de provar? Quer que eu te ensine?

    Jeremias piscava, surpreso por aquela proposta que o maravilhava. Olhou para ambos os lados, buscando por seu pai; se o visse sem trabalhar, ouviria o grito até o céu, pois tinha que voltar ao seu posto, mas ao mesmo tempo não podia perder a oportunidade que esse homem lhe oferecia.

    —De verdade, senhor? Obrigado.

    —Venha para perto, que vamos começar. Meu nome é Alain, sou mais conhecido como o Músico Louco.

    —O Músico Louco? — Jeremias repetiu — Achei que seria o desenhador.

    O homem riu.

    —Isso é coisa das pessoas, mas não tem importância agora. É só um apelido. Me diz seu nome?

    —Jeremias. Meu nome é Jeremias.

    —Bem, jovem Jeremias, o primeiro que... um segundo. — fez uma busca no seu velho surrão e tirou alguns papéis de cor marrom cheios de rugas. Os alisou. — O primeiro que você tem que ter para desenhar é a mente desocupada, um lugar para desenhar e carvão.

    Jeremias se preparou para desocupar sua mente e observar. Quando o Músico Louco se dispôs a roçar o carvão no papel, uma corrida acelerada de um homem o fez desviar o olhar.

    —Jeremias. JEREMIAS! Onde está Jeremias?

    Inquieto, o menino se afastou do Músico Louco e buscou o olhar do seu pai. Oh, não. Seu pai estava aborrecido e com muita razão. Tinha o enviado para entregar um pedido e tinha se entretido demais no caminho de volta.

    Seu pai, um senhor mais velho, alto e magro, com barba de várias semanas, se aproximou do seu filho e do pintor. Sua respiração estava descontrolada.

    —Jeremias, onde você estava? Te pedi encarecidamente que...

    —Não culpe o menino. — se ouviu a voz do pintor se erguendo atrás do pai. O Músico Louco era muito mais alto que seu pai e impunha respeito — Eu fui o culpado por entreter seu filho.

    O pai elevou o olhar de um arrependido Jeremias e observou o pintor com desconfiança.

    —Ele estava lhe incomodando? Se é assim, lhe dou as mais sinceras desculpas. O adverti mais de uma vez que não incomode ninguém, nem pare para ficar falando com as pessoas, mas...

    —Não seja tão duro com ele. É um menino. Na idade dele, você era igual. Somos curiosos por natureza, especialmente nessa idade.

    —Visto dessa forma, é mais que compreensível. Mesmo assim...

    —O pequeno estava me observando pintar, não tem nada de mal em contemplar o trabalho de outros e descobrir sua verdadeira vocação.

    Jeremias viu como seu pai torcia as palavras que ouvia. Para seu pai, a vocação de seu filho estava clara: continuar o negócio familiar como tinha sido por gerações. Não havia outra. Jeremias era um menino, não tinha que pensar se ia se dedicar ao negócio da família ou a outro, talvez em outro momento, mas não agora.

    —O negócio da família o espera. — seu pai foi taxativo, carrancudo — Se nos der licença, temos que ir. Tenha um bom dia. Jeremias, vamos.

    Jeremias começou a ir atrás de seu pai, mas permaneceu no lugar com a vista cravada na pintura do Músico Louco.

    —Não vá deixar seu pai zangado. Tome, isto é para você. — o homem tirou uns potes de tinta de seu surrão e um pincel com pelos — Pegue, é um presente. Vejo um grande artista em você e já pode começar a trabalhar. E lembra, sempre, sempre comece com o carvão.

    Jeremias abriu os olhos e ficou piscando, maravilhado com o presente que o pintor lhe dava. Mas...

    —Não posso aceitar, senhor. Meu pai...

    —Pensaria que você roubou? Então, seu pai não te conhece muito bem. Tem nobreza no seu olhar, menino, isso é o que devia preocupá-lo. Vamos, aceite o presente e vá com seu pai, não o faça esperar mais.

    —Obrigado, senhor. Prometo que seria um bom pintor algum dia.

    —Não tenho a menor dúvida de que você será.

    O menino começou a correr na direção do pai. Se virou uns segundos, para contemplar de novo o pintor, mas para sua surpresa, o pintor não estava. Não tinha rastro dele, a não ser pelas pinturas que Jeremias segurava em suas mãos.

    ***

    Anos depois, fiel à sua promessa de ser um grande pintor, Jeremias conteve seu fôlego enquanto o rei passava pela Sala do Trono observando todas e cada uma das obras dos pintores que tinham se apresentado para o concurso que a Corte havia proclamado e ainda com um grande prêmio que não somente o permitiria viver de seu trabalho, mas que ainda lhe daria, fama além do reino. As obras estavam dispostas de ambos os lados da ampla habitação, intercalada

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