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Debaixo do Arco-Íris
Debaixo do Arco-Íris
Debaixo do Arco-Íris
E-book691 páginas11 horas

Debaixo do Arco-Íris

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Sobre este e-book

UM ROMANCE LGBT JUVENIS PARA RIR, FICAR ANIMADO E IDENTIFICAR-SE!

Nota do autor: "Às vezes você só precisa sair para saber quem realmente é."

Sinopse:

Alejandro é um garoto alegre, amante da leitura e poeta. Criado em uma cidade pequena onde a maioria dos garotos da sua idade tem outros hobbies e o normal é já ter uma namorada antes dos dezoito, ele sempre sentiu que não se encaixava bem por ser diferente dos outros. Sua vida muda radicalmente quando abandona sua cidade natal para começar seu primeiro ano na universidade em outra cidade. Apesar do otimismo em sua chegada, o destino não tardará em colocá-lo à prova. Nem tudo serão alegrias e sua vida se transformará em uma porção de dúvidas, para as quais só poderá encontrar respostas colocando em xeque tudo aquilo em que acreditava até então.

O que você vai encontrar?
1 Uma comédia romântica da LGBT
2 Personagens cativantes.
3 Jovens procurando o motivo da existência no amor e na família.

O que os leitores dizem:

"Livro leve e gostoso de se ler", Vinicius Felipe Ceolim, leitor.

"Um livro realmente bem escrito, recheados de elementos variados que apaixona os leitores do começo ao fim", Mack del Rey, leitor.

"É uma história e um livro que mostra são feitos com amor", o blog The Books and You.

"Uma história íntima que permitirá aprofundar os sentimentos de um jovem, de um grupo de jovens, que busca no amor e no encontro com o ente querido, a razão de sua existência. Você vai rir, ficar animado e identificar-se com as emoções que fazem você entender que está vivo”, revista Cuatro Bastardos.

Redes sociais do autor:
Twitter, Instagram, Facebook: @manueltristante

IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de out. de 2021
ISBN9781547505258
Debaixo do Arco-Íris

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    Pré-visualização do livro

    Debaixo do Arco-Íris - Manuel Tristante

    Debaixo do Arco-Íris

    Debaixo do Arco-Íris

    Escrito por Manuel Tristante

    Copyright © 2021 Manuel Tristante

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Mariana Baroni

    Design da capa © 2021 Manuel Tristante

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc

    Confia em mim, no teu coração brilha a estrela do teu destino.

    Friedrich Schiller

    Para Álex, que chegou na metade deste romance.

    Suponho que as casualidades e o Destino existem.

    Te amo.

    Seja quem você é e diga o que você sente, pois aqueles que se importam não importam, e aqueles que importam não se importam.

    Dr. Seuss

    A homossexualidade não é, certamente, nenhuma vantagem, mas não é nada de que se tenha de envergonhar, nenhum vício, nenhuma degradação, simplesmente não pode ser classificada como doença.

    Sigmund Freud

    O casamento gay é mais velho do que o mundo. Tivemos Júlio César, Alexandre o Grande. Dizem que é moderno e é mais antigo do que todos nós. É uma realidade objetiva. Existe. Não legalizar seria torturar as pessoas desnecessariamente.

    José Mujica

    Índice:

    1

    2

    3

    4

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    100

    Epílogo

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    1

    Como são bonitos os entardeceres, não é? Não importa de onde são contemplados, sempre têm a mesma beleza. Esses laranjas, vermelhos e amarelos. Esse céu em chamas. Essas nuvens que cobrem o céu no final do verão. Que idílico!

    Quantos suspiros já arrancaram?  Quantos te amo? Quantos primeiros beijos? Ah, que belo é o amor, não é? É meu momento bobo do dia, admito. Que nojo do amor! Que nojo de tudo!

    Afastei-me da cidade; gosto da tranquilidade. Apesar de ser uma cidade pequena, longe da mão de Deus, onde há mais gado que pessoas, as ruas estão sendo enfeitadas para o dia dos namorados. Bem, alguém poderia dizer que estou ficando velho, mas não. Na minha cidade, o dia de São Valentim é comemorado no final de agosto; aqui somos muito especiais. Na verdade, pode-se dizer que a data é celebrada duas vezes.

    As pessoas adoram tentar descobrir o que seus parceiros compraram para elas, quanto amor sentem um pelo outro... Ah, bobagens aqui e ali. E no resto do ano? O amor não é igual? Há muita gente falsa, por isso acredito que tenho poucos amigos; na verdade poucas amigas.

    Não sei por que só tenho amigas desde criança. Talvez não me dê bem com os meninos; ou eles não gostam muito de mim, não sei. Acho que sou estranho.

    Já estou divagando e mudando o rumo da conversa. Estava falando do segundo dia de São Valentim e mudei de assunto. Inverossímil em mim (ironia dura e crua).

    Não gosto de nenhum dos dois dias. Por quê? Talvez porque eu nunca tenha me apaixonado, nunca tive um par. E é estranho, admito.

    Acabei de completar dezoito anos. Sou alto, moreno e tenho olhos azuis. As meninas se derretem por mim, mas nenhuma me atrai, não consigo sentir que alguma me completaria. Meu pai me diz que sou um bicho estranho, e que em vez de borboletas no estômago tenho vermes — ele e seus sarcasmos. Ele sempre me diz que, na minha idade, já tinha saído com mais de vinte. Ainda que, é claro, diga-me do que se gaba e te direi do que precisa.

    Não me importa não ter tido namorada; e não será por falta de pretendentes... mesmo que soe um pouco alter ego, mas é assim que as coisas são.

    Não me acho bonito. Todo mundo me diz que sou muito bonito, um sex symbol. Pois, o que posso dizer? Eles estão com a vista embaçada. Muitas meninas da cidade, e no instituto, vão atrás de mim, sim. Algumas são muito bonitas e têm um belo corpo, outras nem tanto, mas não sou uma pessoa superficial. Mesmo assim, sem me deixar levar por isso, nenhuma me atrai.

    Tentei uma vez com uma e aquele beijo não me provocou nada, inclusive chegou a me causar agonia. Não parou de me perseguir por e-mails, Messenger (aquele já desaparecido Messenger pelo qual se mandava zumbidos, substituído agora pelo famoso WhatsApp)... Inclusive acho que me lembro que me ligou umas cinquenta vezes quando saí correndo depois que ela me beijou. Era muito infantil. Com quatorze anos, o que se pode esperar?

    Talvez muitos não verão assim, mas eu, sim. Muitos dirão, se não todos, que nessa idade a exigência é muito alta. Às vezes me arrependo, poderia ter vivido meu primeiro romance. Uma bela história de amor... Porque, afirmo, tenho vontade de me apaixonar, de passear ao lado dessa pessoa que seja especial para mim. Darmos beijos, carícias... mas não. Eu, sempre a exceção.

    Virá algum dia esse bendito Cupido vir me visitar? Acho que eu o assustei quando era pequeno, porque não tem outra explicação.

    Ai. Esses casais todos me dão inveja...

    Essas namoradas comprando presentes para entregar a seus namorados. Esses namorados que não sabem o que comprar e deixam tudo para a última hora... Não posso vir ver os entardeceres, me deixam sentimental; me fazem pensar e pensar... e sempre volto ao mesmo ponto.

    O amor está sempre no ar. E mesmo que desejemos, não podemos evitá-lo. Pensamos nele, queremos que chegue. Não queremos sofrer por ele, mas queremos que chegue. E, de uma forma ou de outra, todos vão sofrer por amor uma hora. Quando será minha vez?! Quando for às viagens das excursões de idosos, com certeza. Todos os avozinhos juntos e, ao subir no ônibus, ali estará, essa avozinha que fará com que minha pele se rejuvenesça, com que meu coração palpite como nunca, com que os entardeceres voltem a ser mágicos e compartilharemos o resto de nossos dias juntos. E se for assim..., mas acho que estou destinado a ficar sozinho. Isso, ou preciso ir embora do interior se quero encontrar alguém. Isso é o que Marian, minha melhor amiga, me diz, que tenho que fugir daqui, e com urgência. Que aqui ninguém vai me completar como deveria. Que uma cidade pequena nunca foi nem será para mim, muito menos para o amor.

    Isso é verdade, a cidade é pequena para mim. É como a gaiola de um pássaro. Você está trancado e não vê escapatória. Por sorte, falta uma semana para me mudar para uma cidade grande para começar a universidade. Alegra-me muito pensar na mudança, mesmo que por outro lado me dê medo, como é normal. Edifícios, pessoas de todos os lugares, novos ares, adaptar-me, deixar para trás minha família, com quem vivi toda minha infância e adolescência... Contudo, é preciso voar do ninho, e é para o meu bem, em todos os sentidos.

    Que vontade tenho de começar já! Filologia Hispânica, aí vou eu! É minha paixão desde que eu era pequenininho. O mundo das letras é o meu. Sou o típico boêmio, romântico sem conhecer o amor, que escreve poemas pensando em como será. Como tudo é horrível!

    De repente meu bolso direito treme como se fosse sair voando e me tira de meus pensamentos. O celular. Eu o consulto: é minha mãe. Tenho vinte mensagens de WhatsApp que nem tinha visto. Então, a que me desperta é a de Deus. Aceito a chamada, sabendo com certeza e de antemão o que vai me dizer:

    — Alejandro, quando pensa em voltar? Já está escurecendo e faz uma hora e meia que te mandei comprar uma dúzia de ovos para o jantar — explode minha mãe, enquanto a visualizo em minha mente com a panela na mão preparada para bater. — Das duas uma: ou levaram o supermercado para outra cidade, ou você está esperando que a galinha ponha os ovos. Quero você aqui em dez minutos. Para já!

    Bem, não disse: sou Álex (Alejandro para minha mãe, Alexito para minha avó). Tenho dezoito anos. Vivo em uma cidade pequena distante da mão de Deus que mal se encontra no mapa e em uma semana vou embora para estudar na capital e... nunca me apaixonei. Que belo resumo se pode fazer de minha vida. E posso acrescentar que não comprei os ovos para minha mãe, e em quinze minutos o supermercado fecha. E levando em conta que tenho que voltar em dez minutos para casa... Pernas, para que te quero!

    Esse sou eu, um distraído para o que quero. Que gosta de se retirar para o monte para ver os entardeceres. Afastar-se de tudo e todos e pensar, relaxar, pegar seu bloquinho e fazer anotações para seus próximos poemas. E me ocorre um agora mesmo:

    Em dez minutos te quero aqui,

    ou vai se lembrar de mim.

    Esta noite teremos tortilhas para jantar,

    e se não tiver ovos, sem nada na barriga vai ficar.

    E me vem como anel ao dedo.

    Lanço um último olhar para a luz do dia que já se esconde e saio correndo ladeira abaixo, deixando atrás de mim um enorme rastro de poeira, com minha má sorte unida a um desengonçamento descomunal que me faz tropeçar e chegar em um minuto abaixo, rolando como um pão de queijo. Merda! Calças rasgadas. Minha mãe é muito boa a primeira vista, e se a pegar num bom momento, é a melhor mãe do mundo, mas com essas coisas... Aí é aonde sua parte boa vai embora e ela pode parecer uma ogrinha (digo ogrinha porque é muito pequenininha). Mas, afinal de contas, é uma mãe. O que seria da gente sem seus estouros de raiva?

    Meia hora mais tarde chego em casa. Calças rasgadas, ovos na mão (soa mal, eu sei, mas é verdade, minha dúzia de ovos na mão) e encontro minha mãe, mal abro a porta de casa, parada no corredor com sua camisola branca, os braços cruzados e a testa franzida. Assim, me sobressaltei: parecia uma alma penada.

    — Que parte do quero você em casa em dez minutos você não entendeu, Alejandro?

    Fiquei olhando para ela sem saber o que dizer. Digo a verdade? Que me distraí no caminho? Minha vozinha interior me diz para ficar calado, que é melhor. Limito-me a dar de ombros.

    — Essa é a melhor resposta que poderia me dar, filho? Para quem você puxou?

    — Levando em conta que papai e você são minha fábrica... — me escapa sem querer. Minha mãe me olha com olhos de demônio e começa a rir com ironia.

    — Não, filho, você não saiu de nós. Trocaram você na maternidade, com certeza. Não tem nem os olhos do seu pai nem os meus.

    — Porque o modelo de beleza clássica foi melhorado em mim, não? — minha mãe arranca os ovos da minha mão, sacudindo a cabeça como se eu não tivesse conserto. Ela se vira para ir embora.

    — E não pense que não percebi que você rasgou as calças — todas as mães têm olhos em todos os lados. Como percebeu? — Alejandro, você tem dezoito anos. É muito maduro para algumas coisas, mas para outras não. É assim que acha que vai arrumar namorada?

    Dedo na ferida. É isso que eu gosto na minha mãe: ela sempre tem que colocar essa frase em todas as nossas conversas.

    — Alguma vez você já se perguntou se eu quero mesmo ter namorada? Já pensou que talvez eu seja feliz assim, sozinho, sem amarras, sem nada? — mentira deslavada, admito.

    — O amor não é uma amarra. É se deixar levar e o amanhã para esquecer. E se você se der bem, verá borboletas por toda a sua vida.

    — E você continua caçando borboletas com papai no quarto, então? — caio na gargalhada, tratando de subir as escadas em direção ao meu quarto antes que aqueles ovos que minha mãe porta possam cair na minha cabeça.

    — Por quê eu casei com seu pai é problema meu, entendeu? Troque as calças, arrume a bagunça do seu quarto e termine de fazer a mala enquanto eu preparo o jantar. E não demore, porque temos que jantar todos juntos! Falta uma semana para você ir embora! No fim, vamos sentir sua falta.

    — Sabe que sim.

    Ponto número um: não é uma bagunça, são obstáculos para que o fantasma tropece à noite se quiser aprontar alguma coisa comigo. Não sou desorganizado, que fique claro; mas esses dias com essa coisa de fazer as malas, não saber o que levar, empacotar toda a minha vida em uma mala, colocar meus livros favoritos em caixas... Isso tudo é uma odisseia, sim. E não sei se estou preparado para esse novo passo. Deixar tudo para trás...

    Ai. Que droga! Tenho que organizar toda essa bagunça, e o mais importante, terminar a mala. No fim, como sempre acabarei deixando para a última hora. Há mais probabilidade disso do que eu ganhar na loteria, e levando em conta que não jogo...

    Ponto número dois: minha mãe tem tido essa ideia de que nesses últimos dias temos que jantar juntos, meus avós, meu pai e eu. Meus avós moram conosco. Somos cinco na casa, que fica pequena às vezes. Quero ver quem é o corajoso de dizer a sua mãe que é um capricho a ideia de jantarmos todos juntos, porque eu voltarei em pouco tempo. Mas ela acredita que quando eu sair pela porta no próximo domingo, vai levar meses para ver minha cara. Por sorte para ela, tem o telefone, que vai pegar fogo com suas ligações quando eu não responder seus WhatsApps. Ah, meu Deus, me ajuda! Ainda que eu diga isso, suponho que no fundo todos gostam que as mães sejam assim.

    Troco de calças e desço para ajudar a fazer a janta e a me preparar psicologicamente para uma novela em que minha mãe voltará a repetir vinte mil vezes tudo o que tenho que levar e fazer quando chegar ao meu apartamento de estudante.

    Álex, vai com calma!

    2

    Passou-se uma semana. É domingo e vou para a capital em algumas horas. Não sei se choro, rio, tomo um calmante, fico na cama ou pulo pela janela. Meus nervos estão à flor da pele. Se há alguns dias eu tinha vontade de ir embora, agora não tenho mais.

    Estive ali sozinho para procurar apartamento, entregar toda a papelada típica de começo de curso (fiz muita coisa pela Internet, mas sempre falta alguma coisa e você tem que ir pessoalmente, pegar uma fila de três horas para que, quando chegue a sua vez, te digam, Volte amanhã, é hora de fechar, e sua vontade de assassinar alguém aumente consideravelmente). Não me cai nada bem para os nervos o estado hipocondríaco da minha mãe. Acho que ela está pior que eu; desde as oito da manhã está preparando tuppewares e potes de conserva para eu levar. Nunca diga a sua mãe que pode e sabe cozinhar, porque mesmo que ela o veja fazendo isso, vai pensar que nunca saberá cozinhar. Mães. Vejo-me com minha malona, que é quase maior que eu, e outra mala só com comida. Depois virá a fase do: mesmo que ainda não tenha começado o outono, você tem que levar mais jaquetas do que roupas, porque pode ficar sem comer, mas não passe frio. 

    O maior medo de uma mãe é que você pegue um resfriado e ela não possa estar ali para cuidar de você; mas sempre terá seu remédio: uma cebola bem grande cortada ao lado da cama, e assim passa metade da noite chorando pela bendita cebola até que você se levante, abra a janela e a veja voar por cima dos telhados das casas de seus vizinhos.

    E assim estamos aqui todos nós, comendo, e dentro de uma hora meu ônibus sai. Cinco horas de viagem me aguardam. Será que o trem um dia chegará até minha cidade? Suponho que sim, mas nunca chegarei a vê-lo em vida.

    É uma situação tensa. Minha família me olha com cara de pena; até o cachorro, e mesmo às vezes pensando que ele me odeia, mas não sei porque.

    A diferença está no meu pai. Suponho que ele sabe que vou ficar bem e que não há nada para temer. Mas minha mãe... Precisa de dez caixas de lenços. Vou sentir muita saudade dela, de nossas pequenas discussões bestas e seus arroubos de raiva, mas terei que me acostumar.

    O único que falta na mesa é meu irmão. Sim, não sou filho único. Tenho um irmão mais velho — mais precisamente sete anos mais velho. Ele vive na capital, a mesma cidade na qual estudarei, junto com seu filho de dois anos, quase três (meu sobrinho é adorável... para querer esganar!), e minha cunhada, Leyre; ela é um doce. Não sei como aguenta meu irmão.

    Minha mãe, no começo, tentou fazer com que morássemos juntos, mas somos que nem água e óleo, e morar juntos seria a morte para ambos. Além disso, como vou me enfiar na casa do meu irmão com meu sobrinho e cunhada? Minha mãe está louca. Acabaria com toda a sua privacidade, eu me sentiria o tempo todo deslocado! Eu sei que minha cunhada não se importaria, mas meu irmão... Ele é muito estranho, e eu também, mas ele me supera. E dois seres estranhos na mesma casa... Não é me parece boa coisa, não.

    — Está com tudo pronto, querido? — minha avó me pergunta assim que saímos da mesa e me sento ao seu lado um pouquinho. — Vou sentir muita saudade de você.

    Minha avozinha! Eu também vou sentir muita saudade, mas estamos fazendo um drama de tudo isso. Vou estudar logo ali, não fora do país. Compreendo minha avó, sabemos como são.

    — Quando menos esperar estarei aqui de novo, vó. Não se preocupe com isso.

    — Sim, mas a casa não será o mesmo sem a sua alegria — não posso segurar: escapam-me algumas lágrimas e me lanço em seus braços.

    — Prometo ligar para você de vez em quando — asseguro a ela, sorrindo.

    Escuto minha mãe, da cozinha, me chamar com um grito apressado. Ela fala para eu descer minhas coisas que temos que sair em meia hora para não perder o ônibus. Tempo esgotado. Minhas pernas tremem!

    — Entra no meu quarto. Na minha mesinha, debaixo de umas camisetas, tem uma caixinha preta pequena; traz para mim.

    Minha avó e suas coisas. O que me terá preparado? Faço o que ela me pede e lhe entrego a caixa.

    — Não é muito, mas é alguma coisa — e me entrega cem euros. — Tenho isso faz muito tempo e acho que é melhor que você fique com ele, já que eu não saio mais — minha avó, pobrezinha, com seus oitenta anos mal pode caminhar e já faz vários anos que não sai de casa. — Não diga nada. Pega, e não deixe sua mãe ficar sabendo.

    — Vó... — não sei o que dizer. Alegra-me tanto esse gesto da minha avó que fico com medo de gastar o dinheiro. Prefiro guardá-lo.

    — Tem mais uma coisa — ela me diz, e tira da caixa uma foto. Era ela e eu quando eu era pequenininho. — Olha, para que não se esqueça da sua avó. Uma foto do seu primeiro aniversário. Como você era pequenininho, e como ficou grande e bonito!

    — Que nada, vó — eu rio. — Eu era mais bonito quando pequeno.

    — Bobagem, filho. Você vai deixar sua namorada louquinha.

    Não se pode negar, ela morre de vontade, como toda a minha família — e acima de tudo minha mãe —, de que eu tenha uma namorada. No dia que eu der a notícia a eles, vamos dar uma festa de uma semana, com certeza.

    — Ah, vó! — rio para não chorar. — Você sabe que meu melhor amor é você — e lhe dou um beijo na bochecha.

    — Bajulador. Venha, pega suas coisinhas e não vá perder o ônibus. Vá.

    Dou mais um abraço nela e subo para meu quarto, subindo as escadas de três em três degraus. Meu coração está apertado. Que nervoso!

    Sento na cama e olho para todo o quarto. Minhas estantes cheias de livros e DVDs. Deixo a maioria, dezoito anos de minha vida aqui e uma parte empacotada. Mesmo sabendo que vou voltar, nada será a mesma coisa. Uma vez que você sai de sua casa para estudar, sabe que será definitivo, que depois terá que trabalhar longe, formar uma família longe... Começar do zero. Do zero!

    Assusta pensar assim, não é? Às vezes penso que, mais do que dezoito anos, tenho trinta. Maldita maturidade prematura, ainda que por dentro eu seja um menino que cresceu apanhando e que não deixa de visitar o País das Maravilhas em busca do coelho que a Alice perseguia.

    Pego as malas, minha mochila (com um bom livro, como sempre, meu bloco de notas e notebook) e saio do quarto sem olhar para trás. É a melhor coisa.

    — Está pronto, Alejandro? — pergunta meu pai do pé da escada.

    — Sim, vou descer. Abre o porta-malas.

    Tudo guardado, tenho que me despedir de todos. Um dramalhão, com certeza. Menos meu pai e meu avô. Este último, o pobrezinho, porque parece que nem sente nem padece, surdo e passa o dia dormindo. Ele vive em seu mundo e na verdade é o melhor. Assim, aos seus noventa anos está forte como um carvalho. Também tenho que me despedir da minha vizinha, a típica fofoqueira que está sempre ali, contando tudo antes de você ficar sabendo, que sabe tudo e não entende de nada.

    — O menino já vai embora, hein, Marta? — ela diz a minha mãe enquanto me abraça ao ponto de eu sentir que minhas costelas vão sair do outro lado. No fundo, não é má pessoa, mas pode ser muito desagradável. — Há pouco tempo era uma coisinha pequena, e olha agora: um homem feito!

    — Ainda me falta muito, María. Em vez de barba, tenho penugem — digo, revirando os olhos.

    — Logo você terá, que nem namorada. Não é, Antonio? Você vai ver a nora que ele vai trazer — ela diz a meu pai.

    — Vamos ver se isso é verdade e se ela vai nos alegrar a vista — meu pai ri, olhando para ela. Ele sabe que eu não gosto que falem dessas coisas, muito menos na minha frente.

    É o que eu digo: todo o mundo quer muito me ver com uma namorada. É uma pressão muito grande, que fique claro, porque se eu não satisfizer as expectativas quando tiver uma... pernas, para que te quero!

    — Todos querem mais do que eu, né?

    — É que já está na hora de você ter uma namorada, menino — solta a vizinha, com sutileza direta.

    Fico atônito. Era só o que me faltava. Solto uma risada sem graça e entro no carro.

    — Nos vemos em breve. Cuide-se, María.

    — Você também, filho — ela se despede de mim enquanto fecho a porta.

    — Aposto que vocês não querem que eu deseje ficar por aqui — digo a meus pais enquanto deixamos a casa para trás. Minha casinha. Tento não ficar melancólico e pensar que ir embora daqui é o melhor. — Namorada, namorada e dai com namorada. Vocês não podem me deixar viver em paz?

    — Bom, se não é namorada, que seja um namorado, mas traga algo já — meu pai ri, e o olhar assassino que minha mãe lança para ele não é nem muito menos normal.

    Um namorado? É a primeira vez que meu pai me diz isso. Não sei se é brincadeira ou verdade. Mas, por que disse isso? Por acaso pensa que eu...? Que bobagem, de verdade! O simples fato de eu não ter ainda uma namorada implica que talvez sejam os meninos que me atraiam? Era o que me faltava ouvir.

    — Não diga bobagem, Antonio. Aqui uma menina feita e direita. Nada de namorados.

    Fica claro que, para minha mãe, se eu fosse gay, ela não acharia a menor graça. Fica anotado.

    3

    Não sei se foi a vontade de ir embora do interior de uma vez, de me distrair e viver algo novo, ou os nervos e toda a pressão que está se juntando no meu estômago, mas tropecei ao subir no ônibus e quase caí em cima do motorista. Que vergonha! Desastrado ao máximo! Minha mãe ficou me dizendo para abrir os olhos, com sua expressão típica não pode ficar vivendo no mundo da lua. Minha mãe e seus ditos populares... Para completar, umas meninas sentadas na parte da frente riram de mim. Não as culpo, eu também ri. Não posso conter o riso. Foi uma situação engraçada, e tonta. E aqui estou eu, sentado na parte do meio do ônibus sem conseguir parar de rir. Não posso negar, o pato é o pato. E eu o tenho pagado muito. Um dia desses eu ainda o ponho para correr.

    Essa situação me caiu bem para relaxar e distrair minha mente da coisa de deixar tudo para trás.

    Meu WhatsApp toca. É Sandra, outra das minhas melhores amigas. É quatro anos mais velha que eu. Ela é a única de todo o grupo que não estuda ou já estudou. Ficou no interior. O resto já faz uma semana que se foi para suas correspondentes cidades. Caímos cada um em uma diferente.

    Cara, desculpa, não pude ir me despedir. Não consegui acordar. Junto, um emoticon com os dentes apertados e um macaco tampando os olhos.

    Sandra: não existem duas como ela. Não posso deixar de rir (um pouco mais).

    Não se preocupe. Além disso, nos despedimos há três dias.

    Sim, mas queria ver você tropeçando ao subir no ônibus. Ha ha ha.

    Como ficou sabendo disso? Recebo outro WhatsApp.

    Sua mãe acabou de me contar. Mijei de rir. Ha ha ha. Eu queria ter visto.

    Ela já te escreveu para contar? Que mala é minha mãe. Muito engraçada ela!, acrescento um demônio raivoso e um olhar de canto. Bom, vou indo que já estou ficando tonto. Quando eu chegar te mando uma mensagem. Um beijo, louca.

    Guardo o telefone no bolso. Pego meu livro e fones de ouvido e me preparo para uma viagem longa enquanto o ônibus começa a andar.

    Uma menina fica de pé no corredor, me olhando, fazendo com que eu me sinta incomodado. Fico olhando para ela. O que foi?

    — Com licença, pode tirar a mochila? Pode?

    — Ah, sim, claro, desculpa — mas que droga! Com o monte de assentos que estão livres ela quer sentar-se comigo.

    — Obrigada.

    Sorrio cortesmente e começo a ler quando ela me interrompe. Se tem algo que eu odeio é que, quando vou viajar, alguém fique falando comigo e me enchendo o saco. Gosto de viajar tranquilo.

    — O que está lendo?

    — Ah... É um livro que descobri há pouco tempo. A Esfera. É a primeira parte de uma saga, A Saga Geptalon. Fantasia e coisas do tipo. Gosto bastante.

    — Nunca ouvi falar. Me parece legal.

    — Você com certeza vai gostar — e tento voltar a ler, mas ela me interrompe de novo.

    — Vai estudar? É de EntreCampos? Nunca te vi.

    Perfeito! Ela está tentando ser amável para pouco a pouco flertar comigo. E eu que queria viajar tranquilo... Por que tenho esse imã?

    Fico olhando para ela de novo. É verdade que é bonita e atraente. Morena, olhos castanhos puxados e um sorriso superencantador. Mas nada além disso. Não sinto o que se deveria sentir quando alguém te agrada ou te chama a atenção a primeira vista. Ou não sei, acho que a forma se quebrou quando nasci.

    — Sim para todas as perguntas — respondo. Talvez um pouco seco, mas não foi minha intenção.

    — E o que vai estudar? — a pesar do corte que eu dei e de ficar alguns segundos calada, ela continua a se fazer notar. — Claro, sou Cristina. Prazer — e me dá dois beijos que me pegam de surpresa e me deixam corado.

    — E... E eu sou Álex. Prazer — não digo nada. Acho que as palavras me fugiram correndo. E ela espera uma resposta. — Vou começar o primeiro ano de Filologia Hispânica.

    A conversa se prolonga por mais de uma hora. Ela também vai estudar o mesmo que eu. Isso me alegra. Que coincidência. Conheço alguém muito antes de começar a faculdade.

    No fim, Cristina acabou sendo uma menina encantadora, muito simpática e também muito louca; eu me atreveria dizer que quase tanto quanto eu. Vamos nos dar bem. Assim, conversando, descobri que ela não tem namorado e que também não está interessada nisso agora: portanto, eu a julguei mal. Por que acho que toda menina que se aproxima está querendo flertar comigo? Eu e meus pensamentos.

    Trocamos os números de telefone e combinamos de ir na terça-feira à apresentação dos alunos do primeiro ano, conhecer a faculdade e ver a cidade. Já tenho planos para me distrair.

    A viagem não me pareceu tão longa entre a conversa com Cristina, que logo caiu no sono sobre meu ombro direito, e ler um pouco mais. Pobrezinha.

    O dia ficou cinza; estava se aproximando um temporal. Perfeito. Mas perfeito com uma ironia bem grande. Meu apartamento fica bem longe da rodoviária. E o guarda-chuva no fundo da mala. Eu e minha cabeça!

    Filho, você esqueceu o guarda-chuva, chega um WhatsApp da minha mãe. O que? Não pode ser. Sim, eu... Sim, eu o deixei em cima da escrivaninha. A pressa nunca foi uma coisa boa. Liguei para seu irmão e lá já está chovendo. Ele vai te buscar. Te amo, mamãe.

    Não sei o que é pior: me molhar andando pela rua cheio de coisas, ou meu irmão ir me buscar. Começamos bem essa nova aventura.

    Me despeço de Cristina antes de descer do ônibus. Ela se desculpou vinte vezes por ter dormido e babado em cima de mim. Agora poderei dizer a minha mãe que uma mulher babou em mim. Rio para não chorar.

    Coloco minha mochila no ombro e logo no primeiro degrau piso nos meus cadarços desamarrados e desço a escada de dois em dois, vendo o chão cada vez mais perto, aonde vou parar com a ponta do nariz. Que ótimo! Subi tropeçando e desço tropeçando. Vergonha no nível máximo!

    Fecho os olhos querendo que assim a queda não me doa muito, mas não chego a sentir dor. Só uma voz masculina.

    — Você está bem? — me diz.

    Fico que nem bobo olhando para ele sem saber por quê. Estou nos braços de um menino alguns anos mais velho que eu. Tenho que admitir que ele é muito bonito. Tem cabelos curtos, estilo espetado: muito curto dos lados; acima, o cabelo levantado dando uma direção diferente a cada mecha, que combina muito bem com sua barba bem cortada. Seus traços são muito marcados e os olhos, cor de azeitona, ofuscam qualquer um.

    — S-sim, desculpa. Os cadarços — encolho os ombros e me agacho para amarrá-los, envergonhado.

    — Tudo bem, isso acontece com qualquer um, não?

    Eu me afasto para o lado para dar passagem às pessoas que querem descer.

    — Sim, ainda mais se você é desastrado como eu.

    — Sorte que eu estava aqui para te segurar, hein? — disse ele, em tom jocoso, sem deixar de sorrir.

    Tenho a sensação de que ele, sim, está tentando flertar comigo, e Cristina não. E não sei por que, mas não me sinto angustiado como das outras vezes. Pelo contrário, estou sorrindo como um tonto vendo como ele tenta chamar a minha atenção.

    — Sim, se não eu tinha beijado o chão — vou pegar as malas e ele vem comigo. E me ajuda. — Obrigado. Não precisa me ajudar — e me dou conta de que está chovendo e estamos ficando molhados. — Você está se molhando, deixa para lá. Eu posso fazer isso sozinho.

    — Um pouco de água não é nada.

    — Álex, vem logo e para de se fazer de tonto, que está chovendo canivete! — grita meu irmão do outro lado, com o porta-malas do carro aberto.

    — Como meu irmão é sutil! — exclamo, suspirando.

    — Álex então? Eu sou Mateo. Prazer.

    — Igualmente. Desculpa não te apertar a mão, mas elas estão ocupadas.

    — Venha, eu te ajudo a levá-las até o carro.

    — Não, não precisa — digo, cortante. Fico com vergonha! E já estou com o coração a mil. — Meu irmão é que tinha que me ajudar. Minha mãe ficou muito feliz com o parto dele! — reviro os olhos.

    Acho que estou tão nervoso por meu irmão me ver com esse garoto que sei que vai haver consequências para mim.

    No fim, não pude evitar e Mateo leva as coisas até o carro enquanto meu irmão espera do lado de dentro. Adoro seu jeito de ser!

    — Mateo, obrigado pela ajuda. Te devo uma se nos encontrarmos de novo.

    — Assim espero. Se quiser...

    Meu irmão toca a buzina e corta a frase.

    — Sinto muito, a genética é totalmente de um chimpanzé.

    Ele solta uma gargalhada, mostrando um sorriso perfeito. Merda! Quero um assim. E meu irmão volta a incomodar com a buzina.

    — Álex, das duas uma: ou sobe ou te deixo aqui.

    — Tenho que ir. A gente se vê.

    — Espero que sim, lindo — ele me lança uma piscada e vai embora com as mãos nos bolsos, debaixo da chuva.

    Entro no carro irritado com meu irmão e sorrindo como um menino com um brinquedo novo. O que aconteceu?

    — Oi para você também, supersimpáTico — meu irmão me diz, me dando uma palmada na coxa. Afasto minha perna e olho para ele com uma cara de psicopata. — Não me olhe assim, tá? Sinto muito ter acabado com o momento românTico.

    — O que você está dizendo? Ele me ajudou porque quase me mate descendo do ônibus. E fez o que você deveria fazer: me ajudar.

    — Eu não ia me molhar por você. Além disso, já estou fazendo demais vindo te buscar.

    — Ah, cala a boca e vamos embora.

    Coloco o cinto de segurança, irritado, e olho pelo retrovisor sem saber por que. Talvez procuro algo?

    Meu coração ainda está a mil, me escapa um sorriso bobo e fico com os olhos cor de azeitona na cabeça. Acho que não me fez bem sair do interior, não. Tudo começou mal.

    4

    Se demorássemos um pouco mais para chegar eu teria um treco.

    Meu irmão pode ser um doce com algumas pessoas, mas comigo às vezes é um doce estragado. Que caminho mais longo! Não parou de me amolar o tempo todo. Que eu comecei a flertar com Mateo assim que cheguei; que sou lerdo; que vão me comer vivo aqui na cidade... Para completar, é preciso acrescentar que ele colocou o volume do rádio no máximo, mas precisamente, tocando heavy metal. Acho que alguém lá em cima está brincando demais comigo. O dia em que eu subir, ele que se prepare, porque serei eu que tornarei a vida dele impossível. Que horror!

    Que me amole, posso deixar passar. No fim, não adianta nada me colocar no nível dele. Ele é dessas pessoas que quando são contrariadas vai subindo o tom de voz até que se sobressaiam, e é melhor não dizer mais nada, porque se continuar, furam seus tímpanos.

    Às vezes penso que em vez de irmão tenho um urso, mas não um ursinho fofinho, adorável, que dá vontade de apertar... Não, eu tenho como irmão um urso de pelúcia de terror. Ah, se ele me ouve pensando isso! Seria a morte!

    No fundo, ele não má pessoa, mas muito no fundo, apesar de eu achar que ele me amole porque acha que estou dando uma imagem ruim a ele. Mas às vezes, é mais, digamos, sem-vergonha que bom. O que me sobra de bondade (que de tão bonzinho sou bobo) falta a ele. Tudo ficou mal repartido quando a fábrica começou a funcionar. Sempre disse a minha mãe que eles me fizeram lendo romances amorosos. E meu irmão... Meu irmão... Discutindo, eu acho.

    No entanto, o caso é que tudo sai bem para ele. O que acontece para as coisas serem assim? Não sei. Você tenta fazer as coisas saírem mais ou menos bem e em seguida se enrola de tal forma que diz: Venha, Álex, isso não era para você! Com certeza existem pessoas iguais a você! Vamos, é o que dizem: o consolo típico dos tolos. Porque não se pode dizer que seja outra coisa.

    Recebo um WhatsApp de Cristina. Não leio porque estou descendo do carro e chove muito. Meu irmão, como é muito amável, desceu para abrir o guarda-chuva para mim. Brincadeira. Ele fez isso para si mesmo. Eu que me ferre, para ser franco.

    — Alberto, vai se ferrar! E meu guarda-chuva? — grito para meu irmão pela janela meio aberta, irritado. (Sim, meu irmão se chama Alberto. Não o apresentei, mas também não vamos dar a ele muito protagonismo. Às vezes eu simplesmente o chamo de você).

    Não queria ter erguido muito a voz, mas uma velhinha passou pela calçada nesse momento e me lançou um olhar de esse é um mal-criado. Mal cheguei e já estou ganhando pontos. Que bom!

    — Desce logo e não seja reclamão! Não vai cair pedaço se você molhar o cabelo! — ele me diz com toda a ironia que é capaz de soltar.

    Tomara que passe um carro em uma poça e jogue água em você, desejo. Olho para fora outra vez: chove torrencialmente.

    — Toma, senhora duquesa. Você reclama mais que um filhote com fome! — diz meu irmão, abrindo a porta do carro com o guarda-chuva aberto. Que amável! Se não precisasse dele, não teria pegado. — É só um pouco de água. Você não vai derreter.

    — Eu te odeio, você sabe — solto, com o cenho franzido. Agarro o guarda-chuva e me abaixo, batendo a porta do carro.

    — É a última vez que bate a porta do carro assim, viu?

    Fico olhando para ele, sorrio com hipocrisia e cara de menino que nunca quebrou um prato.

    Descarrego minhas coisas do porta-malas.

    ––––––––

    Da a meia-noite, mas não termino de arrumar tudo. O quarto está organizado de tal forma que parece o meu; assim me sentirei como se estivesse em casa. Não é muito grande, mas acolhedor. Com várias estantes, que é o que importa. Um superarmário embutido que quase posso brincar de esconde-esconde dentro dele e minha escrivaninha, também bem grande, preta e de vidro. Tudo muito minimalista. Levando em conta que o quarto é todo preto e branco. Simplesmente adorei. E agora muito mais do que quando o escolhi.

    Também coloquei tudo na minha parte da cozinha. O apartamento é bem grande. Tem três quartos além do meu. No total, somos quatro no apartamento (não sei como vai ser viver com tantas pessoas desconhecidas, mas, bem, dará tudo certo): dois garotos e uma garota. Ela eu conheci na última vez que estive aqui. Eles, não. E nenhum estava em casa quando cheguei. Quando saí para jantar algo também não. Mas amanhã os verei e cumprimentarei. Estou muito cansado.

    Me jogo na cama e pego o celular. Quinze chamadas da minha mãe! E trinta e três WhatsApps. Esqueci de escrever para ela!

    Mãe, me desculpa. Esqueci de escrever e dizer que já estou aqui. Meu irmão me buscou e quando cheguei ao apartamento comecei a arrumar tudo e terminei agora. Está tudo bem. Por isso, fiquem tranquilos. Amanhã eu ligo. Amo vocês. Boa noite.

    Não sou de dizer a meus mais te amo pessoalmente. Suponho que eu não seja o único que faça isso, mas dá vergonha. Tudo bem, sim, todos sabemos que devíamos dizer isso mais vezes, demonstrar o que sentimos, mas nós, os filhos, somos assim. Nos dá uma vergonha que te faltam as palavras, ali, presas na língua, e sai qualquer coisa, menos isso. No entanto, por

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