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Contribuições da Psicologia para Enfrentamento à Violência contra Mulheres: aportes teóricos e práticos
Contribuições da Psicologia para Enfrentamento à Violência contra Mulheres: aportes teóricos e práticos
Contribuições da Psicologia para Enfrentamento à Violência contra Mulheres: aportes teóricos e práticos
E-book566 páginas5 horas

Contribuições da Psicologia para Enfrentamento à Violência contra Mulheres: aportes teóricos e práticos

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Sobre este e-book

Este livro, destinado a estudantes e profissionais da Psicologia e de demais áreas de interesse, reúne capítulos que abordam contribuições da Psicologia em diferentes setores das redes de proteção e atendimento para enfrentamento à violência contra mulher. Tal fenômeno, compreendido como violência de gênero, é abordado a partir de práticas psicológicas em contextos da saúde, justiça, assistência social, segurança e educação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de set. de 2021
ISBN9786525208855
Contribuições da Psicologia para Enfrentamento à Violência contra Mulheres: aportes teóricos e práticos

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    Contribuições da Psicologia para Enfrentamento à Violência contra Mulheres - Júlia Carvalho Zamora

    CAPÍTULO 1. Lei Maria da Penha e sistema de justiça: avanços e desafios

    Luseni Aquino

    Paola Stuker

    Joana Alencar

    Introdução

    A Lei 11.340/2006, amplamente conhecida como Lei Maria da Penha, representa o reconhecimento de que a violência doméstica e familiar contra mulheres (VDFM) demanda tratamento específico, especializado e integral. Considerada uma conquista dos movimentos de mulheres, que pautavam críticas à banalização dessas violências pelo conjunto da sociedade brasileira, aí incluído o poder público, a nova legislação alterou decisivamente o enquadramento da questão no país.

    Embora a referida lei esteja informada por uma compreensão multidimensional da VDFM e proponha um modelo de enfrentamento pautado tanto na prevenção quanto na atuação articulada do conjunto de atores responsáveis pelos serviços de defesa, proteção e assistência às mulheres em situação de violência, o sistema de justiça é central na resposta aos casos que atingem o espaço público. Isso porque, como reação à invisibilidade e banalização da VDFM, a legislação reforçou a inscrição desse tipo violência no quadro do direito penal e do sistema de justiça criminal, visando a responsabilização mais severa e exemplar dos autores de agressões.

    Contudo, se a Lei Maria da Penha reforça o papel dos fóruns da justiça como espaços privilegiados do enfrentamento à VDFM, muitos desafios ainda persistem. Neste artigo, abordamos alguns deles desde um olhar empírico para atuação do sistema de justiça na matéria. O texto é baseado em dados produzidos pela pesquisa O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra as Mulheres, desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria técnica com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ; Ipea, 2019). O estudo foi realizado em unidades de justiça comuns e especializadas no processamento de casos de VDFM de doze localidades das cinco regiões do Brasil. A partir de técnicas de natureza qualitativa (observações de audiências, leitura de processos criminais e entrevistas com atores jurídicos e mulheres vítimas de violência com processos na Justiça), foi possível conhecer e analisar características gerais das unidades judiciais, aspectos processuais do trâmite dos casos, a atenção dispensada às mulheres em situação de violência, a responsabilização dos autores de violências e a interação do Poder Judiciário com o sistema de justiça e as redes locais de atendimento.²

    Buscamos discutir aqui alguns dos pontos que circundam a aplicação judicial da Lei Maria da Penha, como o tratamento dispensado às mulheres, a condução relativa às medidas protetivas de urgência, a atuação das equipes técnicas multidisciplinares, o tempo decorrido para o desfecho dos casos e algumas práticas processuais controversas no encaminhamento da VDFM. Com isso, almejamos apresentar um panorama abrangente, ainda que não exaustivo, da realidade da aplicação da Lei Maria da Penha pelo sistema de justiça brasileiro.

    Lei Maria da Penha e sistema de justiça: entre a conquista de novos direitos e a reprodução de antigos padrões

    Historicamente naturalizada, a VDFM permaneceu por muito tempo invisibilizada na esfera pública brasileira, ficando os casos costumeiramente reclusos ao cenário onde ocorriam, o ambiente privado da vida familiar. Contudo, com o processo de redemocratização instaurado na virada dos anos 1980 e, por consequência, a abertura do espaço político e o fortalecimento dos movimentos de mulheres, esse fenômeno passou a ser pautado como um problema público e de responsabilidade do Estado (Debert, 2002; Debert; Gregori, 2008).

    Ainda assim, foram as violências letais contra as mulheres que, de início, ganharam atenção, com o resultado do processamento judicial desses casos se convertendo em objeto de intenso debate por parte dos grupos organizados de mulheres. Isso porque, de maneira geral, esses assassinatos costumavam ser desqualificados na esfera judicial com base no argumento da legítima defesa da honra, comumente alegado pelos advogados de defesa. Apelando para um discurso de condenação de condutas femininas supostamente inadequadas e de naturalização da agressividade masculina, essa alegação por muito tempo foi eficaz para absolver réus ou atenuar suas penas.³ De fato, foi apenas recentemente que esse histórico foi obstado: em março de 2021, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); o STF estabeleceu ainda que o emprego, direto ou indireto, dessa tese acarreta nulidade do ato que a suscite e do seu julgamento⁴.

    Contudo, na passagem dos anos 1980, a aceitação desse argumento na esfera jurídica foi um dos fatores que, somado aos inúmeros casos de violências imersos na invisibilidade social, motivou movimentos feministas na luta contra a VDFM. Como afirma Pasinato (1998), todas as iniciativas de combate e denúncia dos casos de VDFM partiram da sociedade civil, em especial do movimento feminista, impulsionando o surgimento de inúmeras organizações não governamentais (ONG) de atendimento e apoio às mulheres, entre as quais a emblemática SOS-Mulher, tema de estudo notório de Gregori (1993).

    O movimento de mulheres também exerceu pressão sobre o poder público a favor da instalação de delegacias de defesa da mulher (DEAMs), tendo a primeira delas surgido em 1985, em São Paulo, de forma inédita no mundo. Uma década depois, porém, a instituição da Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais cíveis e criminais, trouxe impactos não antecipados sobre o tratamento dos casos de VDFM. Instituídos para serem uma alternativa ágil aos conflitos sociais de menor potencial ofensivo e orientados pelo princípio da busca de conciliação entre as partes, os juizados acabaram por recolher à esfera judicial a maior parte dos casos de VDFM, que antes dificilmente eram judicializados. Essa tendência resultou no que Debert e Gregori (2008) definiram como feminização da clientela dos juizados especiais.

    Contudo, embates acirrados marcaram esse cenário. Se por um lado, a introdução das penas e medidas alternativas significou a possibilidade de modernizar a Justiça brasileira e torná-la mais acessível, para as feministas foi um problema a ser enfrentado (Romeiro, 2009). Fatores como a falta de adesão normativa e institucional a mecanismos efetivos para a mediação de conflitos, a incapacidade de garantir a efetiva participação da vítima nesta dinâmica e a aplicação de penas percebidas como irrisórias, como o aporte de cestas básicas, deflagraram a reação social que ensejou a elaboração de uma proposta de lei voltada a atender às especificidades das violências que ocorrem nas relações de gênero (Baratta, 1999; Scott, 1989; Connel, Pearse, 2015). Esse movimento estava em consonância com as resoluções estabelecidas nos fóruns internacionais e ratificadas pelo Estado brasileiro, como a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), de 1979, e a Convenção de Belém do Pará, de 1994 (Carone, 2018); ademais, ganhou impulso com a responsabilização internacional do Brasil por negligência, omissão e denegação de justiça frente às graves e repetidas agressões sofridas por Maria da Penha Maia Fernandes, caso levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1998, e concluído em 2001 (Dias, 2012).

    A articulação política favorável em torno do tema culminou, em 2006, na sanção da Lei Maria da Penha (Azevedo & Vasconcellos, 2012). A nova lei estabeleceu um marco abrangente para o enfrentamento à VDFM, criando mecanismos que garantem ampla assistência às mulheres vítimas desse tipo de violência. Porém, como enfatizam Sciammarella e Fragale Filho (2015), emergiu especialmente da tentativa de adequar as práticas do sistema de justiça às expetativas sociais nesse âmbito. Assim, trata-se de legislação que significou tanto uma conquista de ganhos jurídicos para os movimentos sociais que lutam contra a VDFM (Rifiotis, 2008) quanto o reconhecimento de que esse tipo de violência é um problema de políticas públicas (Pasinato, 2015a).

    Um avanço fundamental da nova legislação foi a adoção de uma concepção abrangente de VDFM, incluindo as formas física, psicológica, sexual, patrimonial e moral habituais a esse tipo de violência,⁶ assim como o acolhimento da categoria gênero, caracterizando a VDFM como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause violência à mulher no ambiente da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Entre os dispositivos promissores previstos na Lei Maria da Penha, destacam-se: criação de juizados especializados de VDFM, com competência híbrida (civil e criminal); capacitação de atores jurídicos no tema; alocação de equipe técnica multidisciplinar para atuar em apoio ao juízo; instituição das medidas protetivas de urgência para mulheres em situação de violência; afastamento da aplicação de medidas conciliatórias e institutos despenalizadores a esses casos; e integração operacional entre Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública com as áreas de segurança, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação.

    No que se refere especificamente ao sistema de justiça, a lei reforça o papel do Judiciário, em sua função jurisdicional, do Ministério Público, enquanto responsável pela defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade, e dos advogados, em especial a Defensoria Pública, encarregada de prestar assistência jurídica gratuita a quem dela precisar, como uma espécie de centro de força do enfrentamento da VDFM. Como os agentes desses órgãos se encontram e atuam juntos, cada um em sua esfera de competência, no âmbito dos processos que chegam aos juizados e varas criminais, essa configuração recobre de grande importância a política judiciária nessa área. Pois, se a Lei Maria da Penha prevê várias iniciativas para garantir proteção jurídica às mulheres que foram vítimas de VDFM, a efetividade desse modelo depende do compromisso político com a concretização das diretrizes legais.

    Por compromisso político entende-se aqui não apenas o esforço no sentido de estabelecer orientações e destinar recursos orçamentários, materiais e humanos nessa direção, embora este certamente seja um aspecto fundamental no cenário de ampla autonomia administrativa e financeira dos órgãos do sistema de justiça brasileiro. Nesta seara, cabe reconhecer que os órgãos de cúpula do sistema de justiça brasileiro têm adotado várias medidas para aprimorar o enfrentamento da VDFM, não apenas no âmbito da União,⁷ mas também no nível estadual, onde vários tribunais de justiça contam com coordenadorias estaduais da mulher. Ainda assim, observam-se lacunas importantes na implementação do modelo previsto na Lei Maria da Penha, como o baixo número de juizados especializados em funcionamento no país, a quase inexistência de varas híbridas, a ampla ausência de equipes multidisciplinares nas unidades judiciais, e o extenso lapso temporal decorrido entre o momento da denúncia e o desfecho do processo judicial (ocasionando a prescrição de muitos casos), entre outros aspectos de ordem macroestrutural.

    Não obstante, a efetivação da política judiciária de enfrentamento à VDFM depende também do engajamento ativo dos atores imediatamente envolvidos na implementação da Lei Maria da Penha, no que tange tanto ao processamento jurídico dos casos quanto à resposta às demandas e necessidades das mulheres em situação de violência. E este é um elemento decisivo para a efetivação do marco legal vigente. Por isso, é preciso ter em mente alguns dos traços que caracterizam o funcionamento do sistema de justiça brasileiro e que incidem direta e indiretamente sobre a aplicação rotineira da legislação em diferentes níveis.

    Um aspecto relevante nesse sentido diz respeito ao fato de que, na organização operacional do sistema, concorrem aspectos de profunda desconcentração, uma vez que as unidades de processamento são as varas ou juizados instalados nas mais de 2.600 comarcas do país, e de concentração administrativa, já que a distribuição das unidades no território, a destinação dos recursos e até mesmo a disposição das estruturas físicas são definidas nos tribunais. Dessa maneira, se o trabalho sobre os casos de VDFM deve respeitar os dispositivos da Lei Maria da Penha, pesam sobre sua organização condicionantes de outras ordens, como o volume de processos recebido nas unidades, o formato-modelo de fóruns e varas judiciais, a lotação padronizada de recursos humanos, ou o fato de as unidades disporem ou não de instalações e serviços complementares, ainda que compartilhados com outras varas (dentro do fórum, por exemplo) (CNJ, Ipea, 2019).

    Ao mesmo tempo, outra característica marcante do sistema de justiça brasileiro incide sobre as possibilidades de aplicação integral da Lei Maria da Penha: a centralidade da figura do/a juiz/a, responsável em última instância pela gestão das varas, e de sua compreensão sobre o que é ou não é essencial para garantir a prestação jurisdicional adequada (Kant de Lima, 2004; Fonseca, 2008). Assim, a pesquisa realizada pelo Ipea constatou que a implementação da política judiciária de enfrentamento à VDFM também está suscetível ao perfil mais ou menos comprometido dos/as magistrados/as e à forma de conduzir os casos que imprimem às varas e juizados. Nesse âmbito, iniciativas como os enunciados do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) visam trazer mais coesão aos entendimentos jurídicos na matéria específica e à atuação dos/as magistrados/as.

    Não obstante, é preciso considerar ainda que a apreciação de cada processo de VDFM é também uma ocasião de produção da justiça, na qual os diferentes atores do sistema se defrontam com a materialidade dos casos, por meio dos elementos trazidos pelas partes, e os interpretam para construir um entendimento a seu respeito, à luz do direito e segundo procedimentos e práticas específicas (Latour, 2004; Rifiotis, 2014; Bragagnolo et al., 2015). No ambiente de grande poder conferido aos agentes do sistema de justiça (Kant de Lima, 2010), eles gozam de relativa autonomia ao interpretarem os fatos, formando seu entendimento jurídico não apenas com base nas normas legalmente estabelecidas, de pretensão universal, mas muito comumente também a partir dos valores, conceitos e normas morais que informam suas concepções de bem, de cunho particularista; assim, podem se afastar de modo significativo dos princípios que informam a Lei Maria da Penha. Nesse sentido, diferentes especialistas (Pasintato, 2015b; Bragagnolo, Lago e Rifiotis, 2015; Campos, 2015) apontam que as práticas da Justiça continuam alicerçadas nas mesmas moralidades de gênero que permeavam o espaço jurídico no contexto anterior ao advento da Lei Maria da Penha, e que "heranças da formação patriarcal e familista por parte dos/as agentes públicos/as responsáveis pela sua execução [...] dificultam significativamente as boas respostas aos desafios colocados" pela Lei Maria da Penha (Bandeira e Almeida, 2015, p. 511).

    Esses, entre outros aspectos, evidenciam que a política judiciária de enfrentamento à VDFM ainda está em construção e enfrenta inúmeros desafios. Assim, o fato de as mulheres em situação de violência se disporem cada vez mais a denunciar as agressões sofridas de seus maridos, companheiros, namorados ou parentes próximos no ambiente doméstico e familiar, contando com os dispositivos de proteção da Lei Maria da Penha, não é garantia de que o processamento desses casos ocorrerá de maneira adequada. Embora os instrumentos legais venham se aperfeiçoando para defender as mulheres e responder de maneira mais adequada a suas demandas por justiça, fatores relacionados à organização do sistema de justiça e ao funcionamento de suas unidades, bem como à permeabilidade das práticas de seus agentes a elementos alheios aos princípios da legislação representam obstáculos reais à efetivação de seus dispositivos.

    Panorama geral da atuação do sistema de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha

    Passemos agora a focalizar com maior centralidade alguns dos resultados empíricos da pesquisa de campo (CNJ; IPEA, 2019). As evidências apresentadas nesta seção destacam práticas emblemáticas do sistema de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha e no atendimento às mulheres em situação de violência.

    Tratamento dispensado às mulheres

    Diferentes são os momentos em que as mulheres que denunciaram as agressões sofridas interagem com os agentes do sistema de justiça nas unidades judiciais, indo desde o atendimento no balcão até a participação nas audiências, passando pelos momentos em que aguardam atendimento. A pesquisa conduzida nos juizados e varas que processam casos de VDFM mostrou diversas limitações e insuficiências no atendimento às mulheres no que concerne ao seu acolhimento.

    Em primeiro lugar, destaca-se que não é frequente o cuidado em resguardar as mulheres dos autores das agressões no momento em que esperam a realização da audiência, nem mesmo quando há medida protetiva que proíbe aproximação entre ambos, sendo comum terem que aguardar o início do rito processual juntos, no corredor da sala de audiências. Algumas unidades, sobretudo as especializadas, a despeito de contarem com sala reservada para as mulheres, não as utilizam com frequência, e as mulheres somente têm acesso a essas dependências quando manifestam ativamente o interesse. É importante considerar que, de maneira geral, elas não estão acompanhadas de advogados/as, o que pode inibir esse tipo de reivindicação. A seguinte passagem traz o relato de uma mulher entrevistada sobre sua experiência nessa situação:

    Quando ele chegou aqui, nossa! Da hora que ele me viu ali sentada, deu uma sede nele, que ele foi beber água cinco vezes seguidas. Toda hora ele fazia questão. (...) Na hora que a mulher chamou meu nome, ele já estava do meu lado (...) a primeira cara que eu vi foi a dele quando eu subi. (...) Sim, avisei, fui lá no balcão, entreguei o meu documento, falei para o que era... Duas mulheres me perguntaram se meu caso era de violência doméstica e eu falei que era mas... (...) Eu não acho que porque entrou aqui dentro a medida dele acabou, porque ele estava muito próximo a mim. Ele deveria ter ficado separado. Eles deveriam ter essa atenção. Tipo, lá em baixo, eu estava observando, tem um monte de policial e aqui em cima não tem nenhum. Deveria ter um, né?! ‘Vá você pra lá, vá você pra cá’, pra poder ficar separado (Trecho de entrevista realizada durante a pesquisa).

    Quando os/as servidores são questionados sobre essa prática, costumam destacar as insuficiências estruturais, seja em termos da ausência de um espaço específico para esse fim ou da indisponibilidade de profissional para o procedimento de conferir o interesse da mulher em não permanecer na presença do acusado. Uma diretora de cartório, por exemplo, afirmou que esse controle não é feito por falta de recursos humanos, já que sempre seria necessário alocar uma pessoa para fazer a triagem.

    No momento do pregão, quando as pessoas são chamadas para ingressar na sala de audiência, também foram observadas situações constrangedoras. Em uma localidade que conta com vara não especializada, onde também ocorrem audiências de outros crimes, observou-se o questionamento em voz alta, na presença de todas as pessoas que estavam no local, sobre quem estava presente para audiência da Lei Maria da Penha, fato que claramente incomodou algumas mulheres. O tabu que ainda impera sobre a VDFM como um conflito de ordem privada, bem como o imaginário social que responsabiliza as vítimas por essas violências, sugerem porque é tão desconfortável para elas serem identificadas assim em público.

    Diferentemente do que se observou com relação aos locais de espera, na quase totalidade das varas e juizados visitados buscava-se respeitar o direito da mulher de escolher se queria ou não prestar seu depoimento durante as audiências na presença de quem a havia agredido. Contudo, houve situações em que elas não foram questionadas sobre essa garantia. Ademais, nas unidades que o faziam, muitas vezes a pergunta era sobre se tinham algum problema em depor na frente deles, tratando a presença simultânea como regra e a separação como exceção; note-se que a situação naturalmente pode induzir a resposta das mulheres.

    Nas salas de audiências, o mais comum nas unidades visitadas foi não haver acolhimento das mulheres pelos atores jurídicos presentes (juiz/a, promotor/a e defensor/a público/a). Embora em algumas localidades a interação com elas fosse cordial, na grande maioria os operadores não se apresentavam às mulheres, havendo, até mesmo, ausência de contato visual com elas. Além disso, foi recorrente observar que, nas situações em que essas mulheres se emocionavam, não havia nenhum procedimento de cuidado, e a audiência seguia seu curso normal.

    Também se observou que às mulheres é reservado um espaço de fala restrito durante as audiências. Elas são ouvidas apenas no momento inicial, quando respondem as perguntas dos atores jurídicos; após prestarem as informações solicitadas, não costumam ter oportunidade de se manifestarem. A seguir, destaca-se o trecho do relato de uma mulher entrevistada sobre como havia sido a audiência:

    (...) é tudo muito rápido assim... já faz uma pergunta e você tem que responder só dentro daquela pergunta e, às vezes, tem uma resposta que já vem de outro tipo de assunto que se você... pelo menos assim para gente, gente ignorante como eu, aí você vai achar que não vai estar bem explicado, mas tem que responder só o que ele pergunta, né? (Trecho de entrevista realizada durante a pesquisa)

    Observaram-se ainda situações em que o depoimento das mulheres era interrompido, muitas vezes de forma ríspida, com o claro intuito de se obter mais objetivamente as informações consideradas fundamentais para o processo. Além disso, ocorreram, mesmo que em poucas localidades, situações em que atores jurídicos se distraíam ao celular, com outras tarefas, em conversas aleatórias ou até saíam da sala durante o depoimento das vítimas.

    Se as mulheres pouco falam durante as audiências, rito tão central no encaminhamento dos casos, elas tampouco recebem informações suficientes sobre o que acontece ao longo do processo. As entrevistas com elas revelaram que é costumeiro não receberem explicações sobre a Lei Maria da Penha ou sobre os aspectos processuais envolvidos. As observações de audiências também deixaram claro que dificilmente as mulheres recebem informações sobre as próximas etapas do processo, o prazo para a sentença ou o provável desfecho dos casos. Salvo uma das unidades visitadas, que realiza reuniões coletivas prévias às audiências para fornecer informações às mulheres, de modo geral elas só recebem esclarecimentos se tiverem a iniciativa de perguntar. Ainda assim, há que se ponderar sobre a qualidade desses esclarecimentos, que geralmente são apresentados em linguagem jurídica, pouco acessível para a maior parte da clientela dessas unidades. Diante desse cenário, muitas mulheres mostraram-se aflitas, conforme exemplificado pelo trecho de entrevista destacado a seguir, de um caso no qual o acusado estava preso e poderia ser solto a qualquer momento:

    O juiz disse que iam soltar ele, e depois dar a sentença, e que daí eu ia ficar sabendo se ele ia ser condenado ou não. Mas eu não sei como vou ficar sabendo: se espero em casa, se tenho que vir aqui no fórum perguntar, ou como? (Trecho de entrevista realizada durante a pesquisa)

    Não bastasse acolhimento e informações insuficientes, em diferentes unidades observou-se a manifestação de juízos de valor por parte dos atores jurídicos, indicando a possível influência de aspectos alheios ao processo no tratamento dos casos, como tem sido recorrentemente indicado em outras pesquisas (Campos, 2015; Bragagnolo, et al., 2015; Pasinato, 2015b; Santos, 2015). Esses estudos destacam que os fatos na origem do processo criminal e o efetivo acesso das mulheres à justiça acabam sendo deixados em segundo plano, uma vez que se enfocam prioritariamente os papéis sociais dos envolvidos, especialmente de pai e mãe de família. Em nossa pesquisa, essa questão se evidenciou especialmente no reforço dos papéis tradicionais de gênero, na responsabilização das mulheres pela violência sofrida e nas tentativas de disciplinar o seu comportamento como forma de evitar futuras agressões.

    Condução relativa às medidas protetivas de urgência

    Como sugere o próprio termo, as medidas protetivas de urgência estão disponíveis para os casos em que se verificam ameaças iminentes de revitimização das mulheres, incluindo o próprio risco de morte. Em regra, são solicitadas na própria delegacia, no momento de registro da ocorrência, e imediatamente remetidas ao Judiciário, para avaliação pelo juiz competente (em alguns casos, ouvindo-se o Ministério Público e mediante checagem junto às solicitantes).

    As medidas protetivas são percebidas como as mais amplas e imediatas contribuições da Lei Maria da Penha para a proteção das mulheres vítimas de VDFM (Campos, 2017). De acordo com a lei, as solicitações devem ser avaliadas no prazo de até 48 horas do recebimento, o que tem sido observado, como se verificou na pesquisa. As medidas mais comumente adotadas, conforme nosso levantamento de campo, são a proibição de aproximação e a proibição de contato, sendo que alguns/nas juízes/as ainda as limitam ao contato presencial, enquanto outros/as estendem a proibição explicitamente a comunicações telefônicas e nas redes sociais.

    As solicitações relativas à suspenção de visitas a dependentes menores são analisadas de maneiras bem diversas pelos atores jurídicos. Alguns consideram que a agressão do pai à companheira já é forte indício de possível agressão à criança, mesmo que indireta, ao presenciar a violência. Outros, pelo contrário, colocam o direito do/a filho/a de convivência com o pai em primeiro lugar, conforme pode ser exemplificado na fala de um juiz entrevistado:

    Ainda que aquela criança presencie a violência, a exclusão do afeto do pai é muito mais prejudicial. Por exemplo, quando fui juiz da infância, nós víamos a exclusão emocional dos adolescentes infratores (...). Estudos demonstram o mal que causa essa exclusão emocional na vida de uma criança. Conviver com o pai e com a mãe potencializa uma vida emocional mais harmoniosa. Dá para montar estratégias de outros parentes buscarem a criança. (Trecho de entrevista realizada durante a pesquisa)

    Esse tipo de posicionamento revela algo sobre a visão tradicionalista que muitos atores do sistema de justiça ainda têm acerca do conflito entre os direitos das mulheres, de um lado, e os direitos de seus filhos e dos companheiros que as agrediram, de outro, priorizando a instituição familiar em detrimento dos direitos da mulher e colocando a restauração da família como foco da intervenção judicial (Campos, 2015; Santos, 2015). No cotidiano das unidades judiciais, essa configuração valorativa resulta na submissão das mulheres a algum grau de relação com os autores de agressões, mesmo sob a vigência de medidas protetivas de urgência, como foi possível observar em campo, o que em muitas circunstâncias pode significar sua revitimização por meios simbólicos (Meneghel et al., 2007).

    Embora o prazo para a apreciação dos pedidos de medidas protetivas de urgência esteja sendo cumprido de acordo com a determinação legal, há um entrave para a efetivação das medidas no encaminhamento que se segue à decisão: a notificação do acusado. Dificuldades como a desatualização dos endereços cadastrados, os desencontros de horários e a resistência ao recebimento da notificação tornam morosa a intimação do acusado (e a comunicação das vítimas), o que, em termos práticos, significa que as medidas deferidas não podem ser consideradas formalmente vigentes. Foram identificadas demoras de até um mês para entrega das intimações, prazo longo, considerando a urgência das situações. Conforme nos relatou uma das mulheres entrevistada,

    Entrei com medida protetiva, sendo que só eu sei que estou com medida protetiva, porque o outro lado não foi encontrado na residência para ficar ciente. O oficial de justiça conversou com um vizinho, o que achei um erro grave, porque ele falou o que estava acontecendo e esse vizinho foi que levou esse assunto para o meu ex-marido, dizendo: ‘olha, você está na Maria da Penha’. Ele sabe que eu estou na Maria da Penha através de um vizinho, mas não assinou o documento. (Trecho de entrevista realizada durante a pesquisa)

    Quando se consegue notificar tanto quem praticou as agressões quanto a vítima, o desafio passa a ser o de monitorar o cumprimento das medidas protetivas. Em regra, de acordo com os entrevistados, seria atribuição da mulher denunciar o eventual descumprimento, o que é claramente arriscado, tanto para ela quanto para sua família. O relato a seguir mostra que, nos casos em que ainda é atribuída exclusivamente às mulheres a responsabilidade de zelar pelo cumprimento das medidas protetivas por parte do autor das violências, ela pode se sentir temerosa de proceder à notificação à Justiça e colocar-se novamente em risco, fato que revela um paradoxo na implementação da Lei Maria da Penha.

    (...) eu pensei em desistir do processo, por causa dos meus filhos, entendeu? Porque a pessoa sabe meu endereço, sabe da minha vida, onde eu moro. E eu fiquei pensando em desistir por isso. Já pensou se ele fica com raiva quando receber a intimação? Ir à escola do meu filho, ou então, ir lá em casa tacar fogo? Fiquei pensando nessas coisas, pensando em desistir por causa disso também. (...) E então eu gostaria que a Justiça visse esse lado aí da família, da proteção da família. (Trecho de entrevista realizada durante a pesquisa)

    Embora atendam a uma parcela pequena dos casos, foram identificados mecanismos institucionais de monitoramento do cumprimento das medidas protetivas, como a Patrulha Maria da Penha, o botão do pânico e a tornozeleira eletrônica. Destacamos aqui a Patrulha Maria da Penha, trabalho desenvolvido pelas polícias militares de algumas localidades, que tem tido muitos efeitos positivos. Além de serem realizadas conversas periódicas com as mulheres para obter informações diretamente delas, o carro da patrulha circula pelo bairro, o que é um alerta para todos de que a polícia está presente para assegurar o cumprimento das medidas protetivas e a segurança das mulheres. Em uma das localidades, a Patrulha acompanha a mulher por pelo menos um mês e ao menos uma vez por semana, chegando até mesmo a ir encontrá-la em seu local de trabalho, se necessário; após o atendimento, os policiais elaboram um relatório para a Coordenadoria Estadual da Mulher, do Tribunal de Justiça, informando da situação e se houve descumprimento da medida, para adoção das providências cabíveis. Entretanto, a despeito das experiências bem sucedidas com a Patrulha Maria da Penha, identificou-se um caso em que o projeto foi descontinuado. Nessa localidade, apesar de a Patrulha haver sido bastante atuante, os policiais começaram a ser convocados para outras operações de caráter temporário, que ocasionaram interrupções e enfraqueceram o trabalho desenvolvido pela Patrulha, resultando no seu encerramento.

    No que se refere ao tratamento jurídico conferido às medidas protetivas de urgência, foi possível identificar em campo diferentes concepções a respeito do tema. Apesar de, segundo alguns analistas (Campos, 2016; Pasinato et al., 2016), a Lei Maria da Penha atribuir às medidas protetivas de urgência natureza autônoma e cautelar em relação ao processo, há atores jurídicos que discordam desse posicionamento. Como a lei não especificou a natureza dessas medidas, consideram que elas são semi-independentes, tendo sua continuidade necessariamente vinculada à sentença que condena o réu; nesses casos, ainda que não se fixe prazo de vigência, elas permanecerão pelo tempo da pena, quando há condenação, ou serão extintas se houver arquivamento do caso ou absolvição. Radicalizando essa concepção restritiva quanto ao caráter e ao alcance do instituto, outros entendem que as medidas protetivas são meramente acessórias ao processo criminal; nessas situações, o mais comum é que tenham um prazo de vigência previamente estabelecido, podendo ser extintas antes mesmo da conclusão do processo e independentemente de seu resultado. Por sua vez, no outro lado do debate, alguns atores ponderam que o fato de as medidas protetivas poderem ser decretadas antes mesmo que um processo tenha sido instaurado e ambas as partes ouvidas configuraria sua independência em relação ao processo criminal; essa compreensão possibilita, por exemplo, que medidas de proteção e assistência dirigidas à mulher e a seu agressor possam viger na ausência do processo, nos casos em que este não tem seguimento ou depois de ter sido extinto.

    Atuação das equipes técnicas multidisciplinares

    Como já afirmado, a possibilidade de constituição de equipe de atendimento multidisciplinar junto aos juizados de VDFM é um dos méritos da Lei Maria da Penha. Contudo, nem sempre as unidades contam com equipes próprias, e em muitos casos precisam recorrer ao serviço disponível no fórum e que atende também outras unidades. Em outras situações, fazem uso da própria rede local de atenção às mulheres em situação de VDFM, seja do Poder Executivo, do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Não obstante, algumas das unidades pesquisadas (incluindo juizados especializados) não apresentaram qualquer iniciativa nesse sentido, prescindindo completamente do apoio que poderia ser prestado pelas equipes multidisciplinares.

    Ordinariamente, as equipes do Judiciário identificadas na pesquisa são constituídas por profissionais das áreas de psicologia e serviço social – daí serem constantemente referidas como equipes psicossociais; já algumas equipes do Executivo também contavam com profissionais de outras áreas, como educação, direito, sociologia e medicina. No geral, o trabalho desenvolvido por essas equipes técnicas é voltado à realização de estudos de caso e à produção de laudos e pareceres para embasar as decisões do/a magistrado/a quanto à concessão/permanência/revogação de medidas protetivas e na elaboração das sentenças. Porém, também há equipes que realizam atendimentos às pessoas envolvidas nos casos de VDFM (sejam as vítimas ou os autores de agressões), acompanham os casos, fazem visitas domiciliares e encaminhamentos à rede. Note-se que em nenhuma unidade pesquisada se verificou a participação das/os profissionais do setor multidisciplinar nas audiências, para prestar algum tipo de declaração verbal, embora a modalidade de atuação esteja prevista no art. 30 da Lei Maria da Penha, segundo o qual compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito [...] mediante laudos ou verbalmente em audiência (Lei nº 11.340 – grifo nosso).

    São evidentes os efeitos da ausência de equipes multidisciplinares nas unidades. Um dos magistrados entrevistados afirmou, por exemplo, que a situação faz com que os pedidos de restrição de visita dos acusados aos filhos acabem sendo indeferidos indiscriminadamente, em função da impossibilidade de avaliação psicossocial da questão. Diante da ausência da equipe, cabe aos envolvidos nos casos levar provas ao Judiciário. No entanto, se em algumas localidades os/as magistrados/as afirmaram a importância do setor para suas decisões, em outras pairava certa resistência, tendo sido verificado inclusive um caso em que a equipe multidisciplinar exclusiva do juizado foi dispensada após um novo magistrado assumir a titularidade da unidade. De modo geral, verificou-se que, mesmo nas poucas unidades que contavam com as equipes, elas muitas vezes eram subutilizadas pelo Judiciário ou estavam completamente subjugadas pela condução dos agentes jurídicos.

    Tempo transcorrido até o desfecho dos casos

    Além das dificuldades já descritas, o problema estrutural da morosidade na tramitação das ações penais é outra questão com a qual as mulheres em situação de VDFM devem lidar no processamento dos casos pela Justiça. A pesquisa evidenciou que é comum as ações penais perdurarem por anos (CNJ; IPEA, 2019, p. 43). Isso apresenta claras implicações para a efetividade do acesso à justiça pelas mulheres, a mais evidente das quais expressa na insegurança a que ficam sujeitas.

    Se, por um lado, as/os chefes de cartório estimaram que o tempo de duração dos processos penais varia entre seis meses e um ano e meio, a leitura dos autos processuais, as observações de audiências e as entrevistas com as vítimas revelaram que é frequente os casos terem duração bem maior. De fato, a partir da triangulação das fontes de informação, foram identificados processos com até oito anos de tramitação, além de outros que resultaram em prescrição (CNJ; IPEA, 2019, p. 43), a denegação de justiça em sua manifestação mais contundente.

    Para os atores jurídicos, essa situação se justifica em função dos diferentes desafios impostos ao sistema, sejam de ordem estrutural, dada a insuficiência de pessoal para lidar com a grande quantidade de processos em tramitação, sejam relativos às situações particulares dos próprios envolvidos nos casos. Com relação a este aspecto, uma dificuldade comumente relatada durante pesquisa foi o não comparecimento das partes às audiências. De acordo com as declarações dos atores jurídicos entrevistados, os acusados comparecem com maior frequência do que as vítimas, possivelmente devido à preocupação com as possíveis consequências do desenrolar do processo. As ausências das mulheres costumam acontecer por dificuldades de acesso à unidade judicial ou pela perda do interesse em prosseguir com a ação penal, em razão do longo prazo decorrido entre a denúncia e a marcação da audiência. De fato, com a extensa demora no trâmite processual, muitas vezes as mulheres deixam de se dispor a relembrar os acontecimentos na base das denúncias, como exemplifica o trecho a seguir do relato de uma mulher entrevistada durante a pesquisa:

    Eu falei tudo que aconteceu, mas demorou muito tempo, faz três anos. Então, eu não lembro de

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