A Educação de Valentina e Arthur: O Cenário de uma Política Municipal de Accountability
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Sobre este e-book
No contexto apresentado neste livro, as investigações se deram sobre as ações de monitoramento e de gestão das avaliações externas e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) estabelecidos pela gestão pública em escolas de uma rede municipal de ensino. Buscou-se identificar como os tipos de monitoramentos foram (ou estão sendo) consolidados a partir dos resultados dessas avaliações em larga escala, a sua relação com a aplicação de parte dos recursos e como essas ações podem constituir-se como elemento de pressão social e política para a classe trabalhadora, além de interferir no processo democrático da comunidade escolar.
Embora apareçam, naturalmente, os aspectos mais específicos no campo empírico investigado, a análise supera a aparência imediata da realidade, desvelando os aspectos mais gerais das concepções gerenciais presentes na administração pública analisada no livro, despontando o crescente alinhamento ao que a literatura denomina de neoliberalismo global, que, no caso brasileiro, tem marco decisivo na reforma administrativa do aparelho do Estado, iniciada nos anos de 1990.
É uma discussão oportuna para explicitar as implicações à qualidade da educação pública quando amparada em políticas de resultados e de responsabilização (accountability), gerando reflexões a respeito da necessidade de se buscar caminhos para um sistema educacional verdadeiramente universal, gratuito e com qualidade social. É o que esperam, de fato, Valentina e Arthur.
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Pré-visualização do livro
A Educação de Valentina e Arthur - Marcos Oliveira Santos
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Aos meus pais, José Santos e Irandira Oliveira Santos,
pela simplicidade e pelo amor gratuitos e diários.
À minha irmã educadora, Hyanne Oliveira Santos,
com seu inato e sensível talento docente.
À minha esposa, Flávia Leão Alves Santos, amiga,
apoiadora e companheira de sempre.
Aos meus filhos, Esther Leão Alves Santos e Luigi Alves Oliveira Santos,
razão da minha felicidade e realização.
A todos que, como eu, acreditam e defendem uma
escola pública de qualidade para todos.
Agradecimentos
Em especial, à professora doutora Leila Pio Mororó, competente orientadora, com seus ensinamentos regados por sabedoria, paciência, aptidão e diligência durante o curso de mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) na linha políticas públicas educacionais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
Ao professor doutor Danilo Bandeira dos Santos Cruz, pela amizade, pelo companheirismo e pelo incentivo à minha atuação na área educacional.
No presente momento, a educação pública está em perigo. Os esforços para reformular a educação pública estão, ironicamente, diminuindo sua qualidade e ameaçando sua própria sobrevivência. É preciso voltar as atenções para a melhoria das escolas, injetando nelas substância da aprendizagem genuína e revivendo as condições que tornam possível a aprendizagem.
(Diane Ravitch)
PREFÁCIO
Estudar políticas públicas sociais não é uma das tarefas mais fáceis. Principalmente, se as políticas ainda estão em processo de implementação e as fontes mais fortes para se levantar os elementos da realidade investigada, que ainda estão dispersos, são as pessoas diretamente envolvidas na definição, condução e execução dessa política e os documentos produzidos por elas. Marcos Santos, portanto, ao analisar o contexto municipal de uma secretaria de educação que emprega concepções do gerencialismo na condução de suas políticas educacionais, cumpre essa difícil tarefa com a segurança de um pesquisador que sabe, primeiro, que essa realidade fragmentada só poderá ser analisada por aproximações sucessivas, encontrando suas múltiplas determinações; e, segundo, que o tema, apesar de suas determinações históricas, é novo e está em constante movimento devido aos projetos em disputas que permeiam toda política pública.
Nesse constante movimento, por exemplo, está a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Novo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento para a Educação Básica e valorização do Magistério), o qual traz, na sua formatação, um dos aspectos mais fortes do modelo gerencialista de gestão pública: a gestão por resultados. Apesar de crescente nas iniciativas das políticas educacionais desenvolvidas pelos entes subnacionais (estados e municípios) desde 1990, somente agora com a aprovação do Novo Fundeb é que o Brasil começará a ensaiar a implementação desse modelo de gestão da educação como uma política nacional, passando a definir a relação entre o acesso aos recursos públicos e os resultados alcançados pelas escolas nas avaliações externas, premiando as que obtiverem bons resultados e punindo as que não conseguirem se destacar.
Este livro tem o mérito de desvelar e de trazer à luz as implicações desse modelo de gestão por resultados para a qualidade da educação pública. Para tanto, analisa o contexto da gestão pública da educação de um município de médio porte localizado no interior do estado da Bahia, o qual, até o momento pesquisado, ainda não tinha sucubindo totalmente ao canto da sereia
do controle dos resultados da aprendizagem e à mudança da posição do(a) diretor(a) (desejado agora como um(a) técnico(a) imparcial), em relação aos resultados da avaliação. O autor busca demonstrar como o monitoramento e a gestão das avaliações externas e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) impactam duas escolas municipais, e, para tanto, considera como dimensões de análise a relativa à distribuição dos recursos públicos e a relativa ao trabalho docente, permitindo o aprofundamento na construção de sínteses sobre a realidade investigada e sua relação com a política educacional no cenário do modelo capitalista em seu momento histórico atual.
Outro mérito importante deste livro está na análise epistemológica empregada, a saber: o Materialismo Histórico-Dialético (MHD), o qual, metodologicamente falando, exige que as políticas públicas sejam analisadas a partir do movimento histórico e dialético da sociedade, na qual as relações de poder tomam materialidade nos embates internos entre os distintos interesses de classes. A partir dessa lente teórica, o autor busca superar a síncrese inicial em direção da síntese das múltiplas determinações sobre a gestão pública municipal da cidade investigada, revelando, para além da aparência imediata, a sua vinculação com o cenário neoliberal e global mais amplo e a crise atual do modelo capitalista de produção, a qual, dentre os seus elementos característicos, vivencia a contradição de assisitir o seu sucesso ser o responsável por seu desequilíbrio, exigindo das elites a radicalização das reformas neoliberais para se protegerem.
Nesse cenário de radicalização das reformas neoliberais, o gestor público da educação não apenas precisa seguir o modelo administrativo do setor privado, mas é substituído por ele, eliminando o Estado da gestão, repassando essa atribuição para as empresas privadas, induzindo o surgimento de um mercado comercial. No âmbito escolar, o gestor de caráter mais pedagógico é substituído pelo gestor técnico e a gestão participativa é eliminada. O autor aponta então que, embora possa se identificar alguns aspectos positivos do processo assumido por esse modelo de gestão pública no município estudado (tais como a organização e o funcionamento da prática escolar em rede, por exemplo), as possibilidades de alcance da qualidade educacional pretendida pelo setor público, a partir dos ditames gerenciais, são restritas, e a lógica da meritocracia, da disputa, da concorrência pode, inclusive, surtir efeito contrário ao almejado, independentemente de qual seja o resultado demonstrado pela escola nas avaliações externas.
Assim sendo, o livro A educação de Valentina e Arthur: o cenário de uma política municipal de accountability tem o mérito de apresentar ao leitor essa discussão mobilizada sobre o neoliberalismo global, o gerencialismo, a política de resultados e responsabilização (accountability), as avaliações externas e o Ideb, o que faz dele um material importante de leitura e pesquisa, inclusive imprescindível, não somente para os pesquisadores do tema, em específico, e da educação, em geral, como também para os educadores e educadoras e todos os que estão em busca de sínteses sobre a política pública educacional brasileira e sua relação com as estratégias do neoliberalismo em sua versão mais agressiva.
Uma excelente leitura!
Leila Pio Mororó
Outono do segundo ano da pandemia por SarsCov-2 (Covid-19)
lista de abreviatura e siglas
ACDT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AI Avaliação Institucional
ANA Avaliação Nacional da Alfabetização
Aneb Avaliação Nacional da Educação Básica
Anped Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Anresc Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CBE Conferências Brasileiras de Educação
Cedes Centro de Estudos Educação e Sociedade
CEP/Uesb Comitê de Ética em Pesquisa
CF Constituição Federal
Conae Conferência Nacional de Educação
Coned Congressos Nacionais de Educação
DRU Desvinculação de Receitas da União
EC Emenda Constitucional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EF Ensino fundamental
Embasa Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A.
FHC Fernando Henrique Cardoso
FNDEP Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Inse Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica
IPEADATA Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
Mare Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MEC Ministério da Educação
MHD Materialismo Histórico-Dialético
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU Organização das Nações Unidas
Paic Programa Alfabetização na Idade Certa
PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
PIB Produto Interno Bruto
Pisa Programme for International Student Assessment
PME Plano Municipal de Educação
PNAIC Programa Nacional Alfabetização na Idade Certa
PNE Plano Nacional de Educação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPP Projeto Político-Pedagógico
Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica
Sicoob Sistema de Cooperativas de Crédito
Smed Secretaria Municipal de Educação
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Unicef United Nations Children’s Fund
Sumário
1
Introdução 19
2
PERCURSOS DA PESQUISA 27
2.1 A POLÍTICA EDUCACIONAL NA PESQUISA CIENTÍFICA 28
2.2 O MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO E A PESQUISA EM
POLÍTICA EDUCACIONAL 30
2.3 TIPO E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA 34
2.3.1 O campo empírico 34
2.3.2 Instrumentos de coletas de dados 38
2.3.3 Organização dos dados 41
2.4 A ANÁLISE DOS DADOS
42
2.5 CUIDADOS ÉTICOS COM A PESQUISA 43
3
A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E A QUALIDADE EDUCACIONAL MATERIALIZADA 45
3.1 UM MODELO ADMINISTRATIVO SE CONSOLIDA NO SETOR
PÚBLICO DO PAÍS 45
3.2 O NEOLIBERALISMO DETERMINANDO AS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS BRASILEIRAS 50
3.3 A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO E A LÓGICA DO CAPITAL 56
3.4 OS MECANISMOS DE AVALIAÇÃO E A REGULAÇÃO ESTATAL (ACCOUNTABILITY) 63
3.5 AS CONSEQUÊNCIAS DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS PARA O
CURRÍCULO ESCOLAR 68
4
GESTÃO E MONITORAMENTO: O GERENCIALISMO PRESENTE NO COTIDIANO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL 73
4.1 A REFORMA DO APARELHO DO ESTADO AMPLIANDO O ALCANCE NEOLIBERAL PARA A GESTÃO MUNICIPAL 76
4.2 O GERENCIALISMO MUNICIPAL PRATICADO PELA SMED 81
4.3 EXISTE OU É POSSÍVEL UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E
PARTICIPATIVA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS? 84
4.4 OS EFEITOS DA POLÍTICA DE RESPONSABILIZAÇÃO NO MUNICÍPIO 89
5
AS AVALIAÇÕES EXTERNAS E O Ideb: CONSEQUÊNCIAS PARA A QUALIDADE EDUCACIONAL 95
5.1 OS TESTES PADRONIZADOS MOLDANDO AS AVALIAÇÕES INTERNAS DAS ESCOLAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO 99
5.2 A EFETIVAÇÃO DA AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NAS
ESCOLAS PESQUISADAS 106
5.3 A APREENSÃO DA REALIDADE SOBRE A COMPREENSÃO
DA AVALIAÇÃO 109
6
AVALIAR PARA CONSTRUIR A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO OU PARA DAR VISIBILIDADE POLÍTICA À GESTÃO? 115
6.1 OS SUJEITOS E SUAS COMPREENSÕES SOBRE A QUALIDADE 116
6.2 A QUALIDADE QUE APARECE NOS DOCUMENTOS OFICIAIS 119
6.3 OS ELEMENTOS DE PRESSÃO SOCIAL E POLÍTICA SOBRE OS PROFISSIONAIS MUNICIPAIS DA EDUCAÇÃO 124
6.4 A VISIBILIDADE GOVERNAMENTAL EM JOGO: ENTRE EQUÍVOCOS
E ACERTOS 130
6.5 O QUADRO GERAL DA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DA CIDADE DE VALENTINA E ARTHUR 133
CONSIDERAÇÕES FINAIS 137
REFERÊNCIAS 143
1
Introdução
Valentina e Arthur são as mascotes de uma Secretaria Municipal de Educação que representam todos os alunos e alunas da rede de educação do município analisado por esse livro. Sabe-se que quase a totalidade dos planos de governos de grupos políticos dos municípios realçam retoricamente a busca pela qualidade da educação como uma de suas prioridades. Não diferente para esse cenário apresentado, A educação de Valentina e Arthur: o cenário de uma política municipal de accountability se propõe investigar o tipo de qualidade educacional que se pode construir a partir da lógica gerencial no setor público e se é possível melhorar a educação pública a partir de tais pressupostos.
Para isso, este livro analisa como essa gestão pública municipal, por meio das ações da sua Secretaria Municipal de Educação, monitora e gerencia as suas avaliações externas e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), buscando identificar as decisões governamentais que são tomadas, tanto no âmbito das políticas mais gerais, quanto no das que afetam diretamente as escolas, a partir dos indicadores de qualidade apontados por esses instrumentos avaliativos em larga escala.
O interesse por essa temática tem origem nos tempos de estudante universitário e educador na Educação Básica, quando se manifestava um interesse especial pelo tema avaliação escolar
. Por sua natureza complexa e controversa, a avaliação sempre provocou a curiosidade de verificar sua relação com os planejamentos escolares e com a efetivação de prática pedagógica condizente com as reais necessidades educacionais dos discentes. Já a problematização da avaliação educacional surgiu a partir da atuação como supervisor pedagógico e coordenador geral pedagógico, respectivamente, em duas secretarias municipais distintas, quando, então, assume a coordenação, elaboração e aplicação de avaliações