MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST: contornos da escola e da vida para uma ressignificação da (r)existência
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MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST - José Pereira Filho
CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO POPULAR E AS TEORIAS DE BASE
Interessa-nos, a priori, entender a educação enquanto um ato político intencional, comprometido com uma dada sociedade. O processo educativo não se constitui numa atividade neutra, desvinculada de um projeto de sociedade ou de homem. Paulo Freire propõe o desenvolvimento da discussão sobre a intencionalidade do processo educativo a partir da análise de duas vertentes de educação contraditórias entre si, que expressam concepções diferenciadas de educação, caracterizando, assim, posturas políticas também diferenciadas, que, com maior ou menor grau de intensidade, materializam-se no fazer pedagógico das escolas. De um lado, figura a concepção bancária, e, de outro, as concepções críticas, com destaque para a concepção problematizadora e libertadora de educação, ambas analisadas por Paulo Freire, conforme a seguir:
A concepção bancária
de educação propõe falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos. Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é encher
os educandos dos conteúdos de sua narração, conteúdos esses retalhados da realidade, desconectados da totalidade em que se engendram sem significação na vida dos educandos. O processo ensino/aprendizagem se desenvolve utilizando-se da narração, em que o educador é o sujeito, conduzindo os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração transforma os educandos em vasilhas
, em recipientes e serem enchidos
pelo educador. Quanto mais vai enchendo
os recipientes com seus depósitos, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixam docilmente encher
, tanto melhor educandos serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar. Nesta visão de educação, o saber
é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber, fazendo com que o educador que aliena a ignorância, se mantenha em posições fixas, invariáveis, sendo sempre o que sabe, enquanto os educandos sempre os que não sabem. Esta visão de educação anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade. Satisfaz os interesses dos opressores (Freire, 1987, p. 57-60).
Conforme o supratranscrito, observa-se uma concepção de educação comprometida com a manutenção da hegemonia social, mais detidamente, com as vertentes positivistas, cuja premissa básica é a manutenção da estrutura social vigente. Nesse processo, as relações que se travam são verticalizadas, isto é, cada sujeito exerce uma função, cabendo então ao professor, enquanto agente do processo, ensinar, e, ao aluno, o de assimilar o aprendizado que lhes é passado, como se fosse na verdade um depósito de conhecimento, desprovido da capacidade reflexiva. O processo instalado nessa prática engendra um fechamento em si mesmo, negando as contradições inerentes à educação, anulando a capacidade crítica/reflexiva do homem, bem como a possibilidade de alterações das estruturas.
Trata-se de um projeto intencional de educação que não decorre por acaso. O processo educativo não é neutro, pelo contrário, traz em si uma gama de interesses, que, nesse caso, comprometem-se com a manutenção da hegemonia social, com a manutenção dos privilégios de uma minoria em detrimento dos interesses da maioria, vinculado a uma proposta de domesticação do homem, tendo por escopo manter a opressão e a exclusão sociais. Tal proposta educacional se materializou e se materializa a partir das concepções teóricas que fizeram e fazem parte do contexto educacional brasileiro, tais como: as concepções tradicionais, escolanovistas e tecnicistas, concepções essas desprovidas de um conteúdo que permita discutir a educação, no sentido de perceber a intencionalidade desse processo. No campo político, pregavam e pregam um falso discurso de neutralidade do processo educativo, sendo uma opção política, comprometida com o modelo de sociedade vigente.
Para Freire (1987), as concepções críticas de educação enfocam a proposta problematizadora e libertadora de educação como humanista, que tem por escopo a desalienação e afirmação do homem como pessoa. O autor propõe então a libertação do homem através do conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar pela libertação através de um ato de amor, contra o desamor da violência dos opressores. A verdadeira solidariedade com os oprimidos está em lutar com eles para a transformação da realidade objetiva. O diálogo crítico e libertador precisa ser feito com os oprimidos, como instrumento de conduzi-los à uma ação. O conhecimento é resultado da conscientização. O ato educativo é um instrumento pelo qual se constrói a consciência crítica na busca da libertação. É, portanto, a ação dos homens sobre o mundo que possibilita a transformação da condição de opressão.
Freire (1987) argumenta que a ação do educador humanista se identifica desde logo com a dos educandos. Trata-se de uma ação de profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador. Isto posto, é necessário que o educador seja companheiro dos educandos, que supere a contradição educador/educandos, estabelecendo, então, uma relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível. Freire (1987) chama a atenção para o fato de que a educação imposta aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres vazios
a quem o mundo encha
de conteúdos; não pode basear-se numa consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens com corpos conscientes
e na consciência como consciência intencionada ao mundo.
Paulo Freire reafirma a educação crítica e transformadora. Extrapola, nesse pensamento refinado, os limites das discussões reprodutivistas, mostrando a importante função que a educação pode desempenhar na humanização do homem, na construção do homem crítico e criativo para atuar no contexto social. A educação tem que ter compromisso com a formação do homem, entendido como um ator social, capaz de refletir e agir meio inserido. Discute, de igual modo, a ação educativa como uma ação eminentemente política, caracterizando a intencionalidade do processo, deixando claro que não existe educação neutra. Desse modo, ou se educa a partir dos princípios das elites dominantes, ou se educa a partir de uma proposta popular de educação, voltada à humanização do homem, comprometida com a formação do homem crítico e consciente rumo às transformações sociais. Não há meio termo, e a decisão por quais caminhos seguir perpassa uma opção eminentemente política.
A discussão sobre educação popular passa necessariamente pela percepção da intencionalidade do ato educativo, da compreensão da existência de classes na sociedade capitalista, do mesmo modo que também possui relação com a compreensão da prática educativa enquanto ação eminentemente política que atende os interesses de classe.
A questão da luta de classes é percebida a partir de análises da sociedade capitalista desenvolvida por Marx e Engels, e, posteriormente, retomada, reorganizadas e rearticuladas por outros pensadores que mostram os interesses antagônicos na sociedade capitalista, evidenciados na relação capital/trabalho e na relação conflitual histórica entre a classe proletária, possuidora da força de trabalho. Nesse segmento, os burgueses, detentores dos meios de produção, ativam e reativam tais