Teletrabalho: Discurso, Narrativas e Identidades
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Teletrabalho - Isabel De Sá Affonso Da Costa
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Este livro é dedicado à professora Anna Maria Campos, sem cuja orientação e amizade este trabalho (e tantos outros) nunca teria se realizado.
Pensamento
Mesmo o fundamento singular do ser humano
De um momento
Para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas
Pais corujas
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo
Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
(Gilberto Gil)
PREFÁCIO
Nada mais oporturno, nos dias atuais, que discutir o teletrabalho dentro da perspectiva do seu significado para as pessoas. Ninguém melhor que Isabel, que pesquisa esse tema há mais de 20 anos, para apresentar as diferentes facetas de um conceito complexo, que milhões de pessoas experimentaram recentemente em nosso país.
Ela vê o teletrabalho de maneira ampla, como um mosaico de combinações de tarefas de diferentes tipos e intensidade de conhecimento, modalidades de contrato, locais de trabalho e tecnologias empregadas. O foco da sua pesquisa é na modalidade mediada pelas TICs, entendendo que essa não é apenas uma nova forma de organização. As novas tecnologias abriram a possibilidade de o trabalho poder ser feito de qualquer lugar, fazendo desaparecer as fronteiras de espaço e de tempo entre o trabalho e a casa, o trabalho e o não trabalho, o trabalhador e o não trabalhador.
Este livro difere dos que normalmente vemos, que são relatos superficiais de casos de sucesso, com evidenciação de benefícios e barreiras enfrentadas. É comum discutirmos que esse modo de trabalho pode contribuir para problemas sociais, pois melhora o trânsito, diminui a poluição e os acidentes, melhora a segurança, inclui minorias no mercado e pode revitalizar economias em algumas regiões. Também é fácil entender que, para as organizações, há benefícios associados a cortes de custo, redução do absenteísmo, atração e retenção de talentos e, em alguns casos, até maior produtividade – apesar de transparecer as dificuldades de gestão e controle. Por fim, a literatura também costuma apontar que para o indivíduo as vantagens dizem respeito à possibilidade de melhor equilíbrio entre vida familiar e trabalho, à economia de tempo com deslocamentos, à flexibilidade de horários e à autonomia – apesar de impor um certo isolamento social e poder limitar a carreira. Esse tipo de conhecimento já está estabelecido e leva a discussão ao lugar comum, a uma visão que muitos de nós já vivenciamos ao experimentar o teletrabalho, pelo menos como algo imposto pelo isolamento social causado pela pandemia de Covid-19. E é justamente por termos experimentado massivamente esse modelo e ele alcançar um lugar promissor para o futuro das organizações, que é preciso exercitar o pensamento crítico sobre essa nova forma de trabalhar.
Isabel consegue explorar, num texto fluído e de leitura prazerosa, como os teletrabalhadores fazem sentido da experiência do teletrabalho. Há um processo de assujeitamento do indivíduo a um discurso, que mostra como as pessoas interagem com essa forma de trabalho. Sua grande contribuição está em abordar o teletrabalho na perspectiva teórica do poder/saber de Foucault. O poder, pela produção de discursos internalizados pelo sujeito e que moldam suas disposições psíquicas, cria sujeitos e subjetividades. Trata-se de entender o teletrabalho como discurso que subjuga os indivíduos, mas que, ao mesmo tempo, constrói novos sujeitos e subjetividades. Para isso, ela constrói sua análise em cima das reflexões de 25 teletrabalhadores, de variados setores da economia.
Assim, ela mostra que o discurso do teletrabalho age para mobilizar a subjetividade do indivíduo. Agindo sobre os indivíduos, interpelando-os e fazendo-os introjetar alguns de seus aspectos, o discurso do teletrabalho busca criar os (sujeitos) teletrabalhadores. Assim, o discurso sobre a prática do teletrabalho não vem descasado do discurso sobre o indivíduo, o teletrabalhador.
Isabel consegue, dessa forma, questionar que espaços de exercício de liberdade para o indivíduo a proposta do teletrabalho realmente permite, que tipo de cidadão as organizações trabalham para construir ao adotá-lo e que custos emocionais a prática impõe. Essa é uma reflexão riquíssima no momento em que as organizações dizem zelar pela diversidade.
Os teletrabalhadores entrevistados identificam-se com o discurso/prática organizacional do teletrabalho. Trazem também críticas e mostram posições de desidentificação e de contraidentificação com alguns elementos do discurso/prática do teletrabalho. Suas ambiguidades e contradições dão cores a uma discussão rica, revelando o esforço por acomodar elementos oriundos de discursos que, na realidade vivida do teletrabalho, acabam por se chocar.
Vamos explorar quem é esse teletrabalhador. O que o leitor vai encontrar aqui é uma reflexão muito além do óbvio, pautada na análise do discurso de quem vivenciou amplamente essa experiência, construída por alguém que estuda a temática como especialista. Que as reflexões proporcionadas nos auxiliem nas reconstruções do teletrabalho, uma área na qual ainda temos tanto a evoluir. Desejo uma excelente leitura!
Elaine Tavares
Doutora em Administração pela Ebape/FGV
Diretora do Instituto Coppead/UFRJ
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Eurofound European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
mTIC Tecnologia Móvel de Informação e Comunicação
NSF National Science Foundation
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT Organização Internacional do Trabalho
TIC Tecnologia de Informação e Comunicação
UE União Europeia
Sumário
1 - INTRODUÇÃO 15
2 - TELETRABALHO: UM FENÔMENO MULTIFACETADO 19
2.1 O TELETRABALHO E O TELETRABALHADOR NA LITERATURA ADMINISTRATIVA 27
2.2 QUESTIONAMENTOS AO TELETRABALHO 34
3 - CONTROLE NA ORGANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA: FORMATANDO SUBJETIVIDADES 39
4 - O CAMINHO DA PESQUISA 53
4.1 O GRUPO DE ENTREVISTADOS 55
4.2 TECENDO A ANÁLISE DAS ENTREVISTAS 57
5 - PARA CONCLUIR 79
REFERÊNCIAS 83
ÍNDICE REMISSIVO 89
1 - INTRODUÇÃO
A proposta do teletrabalho surgiu nos anos 1970 como possível resposta à crise do petróleo, ao aumento dos problemas do trânsito nas grandes metrópoles e, ainda, no cenário de maior afluxo das