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Gira, o livro: Confidências vividas e inventadas
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Gira, o livro: Confidências vividas e inventadas
E-book242 páginas2 horas

Gira, o livro: Confidências vividas e inventadas

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Sobre este e-book

Um encontro escrito de gerações, que faz girar sentidos nas palavras pequenas, nos estilos próprios, na força sublime do que é dito com o coração. Este livro é resultado de um processo artesanal, a quatro mãos e dois corações, que começou como uma brincadeira e seguiu para se transformar em entrega. O nosso passatempo num período de isolamento social e o sonho de vê-lo para além de nós.
IdiomaPortuguês
EditoraAdelante
Data de lançamento9 de dez. de 2021
ISBN9786589911562
Gira, o livro: Confidências vividas e inventadas

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    Gira, o livro - Daniela Cais Chieppe

    pandemia

    A um passo do apocalipse

    Quando o vírus começou a se espalhar, parecia-me uma coisa um tanto quanto distante. Era como se a minha vida e a vida daqueles ao meu redor não pudessem ser atingidas por algo assim. Enquanto assistia à Covid-19 paralisar boa parte do mundo, eu simplesmente não acreditava que aquilo se tornaria uma realidade tão próxima.

    Mas, de um dia para o outro, lá estávamos nós, pausando nossas vidas para que o isolamento começasse, na esperança de que o esforço e a consciência coletivos nos direcionassem a uma realidade menos trágica do que aquela que já assolava outros países do globo. E, então, em uma sexta-feira ensolarada, depois de um dia inteiro na faculdade, voltei para casa sem saber que não sairia pelos próximos meses, que deixaria de conviver com meus amigos e que estaria impedida até de ver meus avós.

    A gente nunca faz ideia de quando algo vai se tornar um marco nas nossas vidas, afinal, muitas vezes é impossível prever. Por alguma razão, esse último dia passado na rua rindo, aproveitando, estudando, ficou guardado na minha memória. E que coisa boa é relembrar! Se a pandemia veio nos ensinar uma lição, acredito que seja para valorizarmos mais o estar com o outro, experienciar coisas novas e viver da forma mais autêntica e intensa que pudermos, pois, em momentos como este, uma boa memória tem valor infinitamente superior a qualquer coisa material.

    A pandemia também trouxe desafios para muitos de nós, que, de uma hora para outra, tivemos que reavaliar nossos trabalhos, estudos, lazer, rotinas e hábitos. Estar em isolamento é, de certa forma, estar isolado com nossos próprios pensamentos e conflitos internos. Tudo veio à tona ao mesmo tempo, junto com tantas outras questões que a pandemia fez intensificar, como ansiedade, incertezas e a que triunfou no meio disso tudo: a saudade.

    Eu, particularmente, sou uma pessoa do afeto, do abraço, do carinho. Gosto de gente do meu lado, conversando olho no olho, e não enquadrada por uma tela de celular. Foi difícil lidar com isso e confesso que minha teimosia foi até mais extensa do que eu previ, mas acabei tendo que dar o braço a torcer para aprender novas formas de estar junto e trocar esse cuidado, porque é fato que não dá para ficar sem.

    Deparei-me com saudade não só de pessoas, mas também de tomar sol na janela do ônibus, de escutar música bem cedinho a caminho da faculdade e do barulho de gente conversando alto. Nunca achei que esses detalhes que foram parte da rotina do meu último ano fizessem tamanha falta.

    A pandemia também me mostrou duas faces da mesma moeda. Por um lado, uma comunidade unida nunca foi tão essencial. Percebemos o quanto a socialização faz falta, o quanto viver vai além de nós mesmos sozinhos no mundo. Emocionei-me ao ver muitas pessoas da minha rua se mobilizando para fazer doações para famílias carentes e ao ver empresas fazendo o possível para manter seus funcionários empregados apesar das drásticas transformações no modelo de trabalho.

    Por outro lado, dessa vez bem mais infeliz, falta-nos um senso de comunidade um pouco mais amplo, que vá além do nosso círculo família-amigos. Penso nisso porque não é compreensível para mim a indiferença assombrosa de alguns, que desdenham da gravidade de algo tão letal. Nos nossos tempos de redes sociais, em que se pode escolher o que postar ou não, faltou pudor (para não dizer vergonha na cara) daqueles que furavam o isolamento de forma casual, ignorando a morte de pessoas, hospitais lotados, famílias sofrendo.

    Quão grave é a situação dos profissionais da saúde que arriscam suas próprias vidas e famílias em prol das nossas vidas e famílias enquanto muitos têm feito festas pela crueldade pura de quem banaliza o valor de estar vivo? Ou de outros trabalhadores essenciais, como entregadores de comida, carteiros, funcionários de supermercado, motoristas de ônibus, que trabalham dia e noite para poderem sustentar suas famílias e correm riscos enormes por conta das pessoas que têm tratado o isolamento com desdém? Pergunto-me: onde foi parar nossa humanidade?

    Meu desejo, de quem escreve ainda dentro do isolamento, muitos dias depois daquele longo dia ensolarado na faculdade, é que nosso olhar para o viver seja mais reverencial, que nós possamos apreciar, encantados e em completo deslumbramento, as dores e as delícias de viver e de ser quem somos, como diria Caetano, para que, quando tudo isso passar, sejamos melhores e mais humanos.

    Letícia

    Roda-gigante gira-girante

    Entre um afazer e outro, eu paro para pensar na vida.

    Parada filosófica no meio da pandemia soa como devaneio? Talvez seja. É tudo tão inseguro que as certezas viram hipóteses.

    Preparo-me para o movimento de mergulho e distanciamento – dentro e fora de mim –, vou escrevendo como se fosse uma trilha de girassóis, entre luz e sombra, meus encontros comigo.

    Um ano tão cheio de simbologias – vinte e vinte – parecia significar o ponto de equilíbrio, o caminho do meio que nos atravessa e salva. Números iguais sempre despertaram a minha fantasia de sorte, dos encontros, das coincidências…

    A vida, aparentemente clara, de uma hora para outra, por forças muito maiores e por um vírus minúsculo, parou. O mundo parou.

    A imagem que me vem à cabeça é a da roda gigante: a emoção da subida e aquela pausa providencial lá no alto que dá condição de avistar a cidade toda, os horizontes crescem, a paisagem é maravilhosa.

    Naquele instante, parece perfeito.

    Já prontos para descida, a roda trava, e a gente fica suspenso por tempo indeterminado. Isso torna tudo angustiante.

    A cada micro movimento de descida, as perspectivas se atualizam e é possível reaver a coragem. Em ciclos, como quando a vida acontece.

    Exatamente assim, vou vendo as oportunidades surgirem e as mudanças se instalarem, em giros curtos e com muito tempo para a apreciação, como nas preces e nas poesias.

    Com algum esforço e medo é possível enxergar certas vantagens das novas condições, em isolamento.

    Todavia, é óbvio que nada substitui a presença física com excelência. Ninguém vai dizer que prefere se relacionar a distância. Ou vai?

    O tempo, sempre o tempo, descompassa entre o ligeiro e o lento, ora parece nos favorecer, ora nos prejudicar… E é dessas dicotomias que me absorvo, é nos contrastes que me vejo flexível.

    Olhar o mundo sob esse viés tem sido um aprendizado, como naquele poeminha do Leminski:

    "Aqui nessa pedra, alguém se sentou para olhar o mar.

    O mar não parou para ser olhado.

    Foi mar para tudo que é lado."

    Ainda bem que, com atenção, é possível enxergar o lado bom das situações difíceis. Isso tem me ajudado a esperar a roda-gigante voltar para a altura do chão.

    Descer é o momento mais esperado. Enquanto essa hora não chega, o jeito é apreciar a paisagem, abraçar o marido, cantar para os filhos, acenar para os amigos, criar horizontes e manter a sanidade (que nem sabemos se temos, quanto temos ou até quando teremos).

    Daniela

    educação

    Rito de passagem

    Na época do Ensino Médio, eu estava indecisa e insegura com tudo que viria pela frente. Eu me via tão despreparada para enfrentar a vida e sentia que todos esperavam que nós, jovens sem noção nenhuma do mundo, escolhêssemos um rumo, uma carreira, um futuro, sendo que a gente mal tinha tempo de viver o presente. Ainda hoje me revolto por pensar que deixamos as coisas chegarem a um ponto tão crítico em relação à educação dos jovens.

    Quando olho para trás, enxergo a força sobre-humana que tive que fazer para enfrentar esse período. Eu enxergava – e ainda enxergo – um sistema educacional falho, que pressiona os alunos a se sentirem em uma constante competição. Não temos aulas de educação emocional na escola e mesmo assim há grande espanto em ver como os jovens estão deprimidos, ansiosos e estressados.

    Muitos veem as novas gerações como mais fracas, pois se assume que temos muito em nossas mãos: informação, comunicação, conhecimento. Infelizmente, falta-nos tempo de aproveitar tudo isso, tempo para absorver a nossa própria existência. Ora, cada vez mais, os jovens são cobrados a se destacar, afinal, há um mercado de competição pela frente. Aliás, não só no mercado de trabalho é preciso se destacar! Nas próprias escolas, os estudantes devem provar seu valor por rankings de acordo com notas em provas e simulados.

    A gente espera grandeza de uma geração que tem que fazer tudo na marra, mas que nem sequer tem tempo de crescer. Criamos jovens assustados, instáveis e que entendem que o futuro inteiro depende de uma prova. Criamos jovens despidos de autoconfiança, de autoestima e do sentimento de juventude que poderia eventualmente levar à grandeza que tanto desejamos.

    E é curioso que quanto mais as pessoas nos dizem que o Ensino Médio é a melhor época de nossas vidas, mais aquilo se torna um peso e mais nos sentimos como se não estivéssemos vivendo direito. Não podemos, de fato, viver, pois estamos preocupados e doentes aos 17 anos de idade com a perspectiva de uma carreira estável até os 40.

    Aos 17 anos, aprendi que a vida escolhe seu rumo, as coisas fogem do nosso controle, nossos sonhos mudam no meio do caminho. Foi assim com o vestibular e com a faculdade: não passei na universidade que era a dos meus sonhos e nem fui morar em São Paulo como eu tinha planejado. Mas me apaixonei profundamente pela universidade que hoje é um segundo lar para mim.

    Esse foi o acidente de percurso mais lindo que eu já vi, porque qualquer outra faculdade, em qualquer outro semestre, com qualquer outra turma, não teria me proporcionado tudo que eu tenho a honra de viver. Eu não sei se sou a melhor versão de mim nesse momento, mas sei que vivo a melhor versão de todos os acontecimentos.

    Se eu tivesse dito a mim mesma, na época do vestibular, como tudo aconteceria e que eu seria bem mais feliz assim do que se meus planos tivessem dado certo, eu não acreditaria. Ia achar que meu futuro estava perdido e que eu seria a pessoa mais infeliz do planeta. E a maioria dos jovens pensa assim porque é educada a pensar dessa maneira. Sucesso, felicidade e inteligência não têm nada a ver com vestibular algum.

    Os jovens estão

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